O
acidente radiológico de Goiânia, amplamente conhecido como
acidente com o césio-137, foi um grave episódio de contaminação por
radioatividade ocorrido no
Brasil. A contaminação teve início a
13 de setembro de
1987, quando um aparelho utilizado em
radioterapias foi encontrado dentro de uma clínica abandonada, no centro de
Goiânia, em
Goiás. Foi classificado de nível 5 (acidentes com consequências de longo alcance) na
Escala Internacional de Acidentes Nucleares,
que vai de zero a sete, em que o menor valor corresponde a um desvio,
sem significado em questões de segurança, enquanto no outro extremo
estão localizados os acidentes graves.
O instrumento foi encontrado por sucateiros de um ferro-velho local, que entenderam tratar-se de
sucata.
Foi desmontado e dadas amostras a terceiros, gerando um rastro de
contaminação, o qual afetou seriamente a saúde de centenas de pessoas. O
acidente com
césio-137 foi o maior
acidente radioativo do Brasil e o maior do mundo ocorrido fora de
centrais nucleares.
Fonte contaminadora
A contaminação em Goiânia foi originada por uma cápsula que continha
cloreto de césio - um sal obtido a partir do
radioisótopo 137 do elemento químico
césio. A cápsula radioativa era parte de um equipamento
radioterapêutico onde, dentro deste, se encontrava, revestida por uma caixa protetora de
aço e
chumbo. Essa caixa protetora possuía uma janela, feita de
irídio, que permitia a passagem da radiação para o exterior.
A caixa contendo a cápsula radioativa estava, por sua vez, posicionada num contentor giratório que dispunha de um
colimador. Este servia para direcionar o feixe radioativo, bem como para controlar a sua intensidade.
Não se pôde conhecer ao certo o número de série da fonte radioativa,
mas pensa-se que ela tenha sido produzida por volta de 1970 pelo
Laboratório Nacional de Oak Ridge, nos
Estados Unidos. O material radioativo dentro da cápsula totalizava 0,093 kg e a sua radioatividade era, à época do acidente, de 50,9
TBq (= 1375 Ci).
O equipamento em questão era do modelo
Cesapam F-3000. Foi projetado nos anos 50 pela empresa italiana
Barazetti e comercializado pela empresa italiana
Generay.
O objeto que continha a cápsula de césio foi recolhido pelo
Exército e encontra-se exposto como troféu no interior da
Escola de Instrução Especializada, no
Rio de Janeiro, em forma de agradecimento aos que participaram da limpeza da área contaminada.
A origem do acidente
O
Instituto Goiano de Radioterapia (IGR) era um instituto privado, localizado na
Avenida Paranaíba, no
Centro de Goiânia. O equipamento que gerou a contaminação na cidade entrou em funcionamento em 1971, tendo sido desativado em
1985,
quando o IGR deixou de operar no local mencionado. Com a mudança de
localização, o equipamento de terapia foi abandonado no interior das
antigas instalações. A maior parte das edificações pertencentes à
clínica foi demolida, mas algumas salas - inclusive aquela em que se
localizava o aparelho - foram mantidas em ruínas.
O desmonte do equipamento radiológico
Foi
no ferro-velho de Devair Ferreira que a cápsula de césio foi aberta
para o reaproveitamento do chumbo. O dono do ferro-velho expôs ao
ambiente 19,26 g de
cloreto de césio-137 (CsCl), um
sal muito parecido com o
sal de cozinha (NaCl), mas que emite um brilho azulado quando em local desprovido de
luz.
Devair ficou encantado com o pó, que emitia um brilho azul no escuro.
Ele mostrou a descoberta à sua esposa Maria Gabriela, bem como o
distribuiu a familiares e amigos. O irmão de Devair, Ivo Ferreira,
levou um pouco de césio para sua filha, Leide das Neves, que ingeriu as
partículas do césio com um ovo cozido. Outro irmão de Devair também
teve contacto direto com a substância. Pelo facto do sal ser
higroscópico, ou seja, absorver a
humidade do ar, facilmente adere à
roupa, à
pele e aos utensílios, podendo contaminar os
alimentos
e o organismo internamente. No dia 23 de outubro morreram Leide e Maria
Gabriela. Devair Ferreira passou pelo tratamento de descontaminação no
Hospital Naval Marcílio Dias, no
Rio de Janeiro, e morreu sete anos depois.
A exposição à radiação
Logo que expostas à presença do material radioativo, em algumas horas as pessoas começaram a desenvolver
sintomas:
náuseas, seguidas de
tonturas, com
vómitos e
diarreia. Alarmados, os familiares dos contaminados foram inicialmente a
drogarias procurar auxílio, alguns procuraram postos de saúde e foram encaminhados para
hospitais.
Deteção
Os profissionais de saúde, observando os sintomas, pensaram tratar-se
de algum tipo de doença contagiosa desconhecida, medicando os doentes
em conformidade com os sintomas descritos. Maria Gabriela desconfiou que
aquele pó que emitia um brilho azul era o responsável pelos sintomas
que ocorriam na sua família. Ela e um empregado do ferro-velho levaram a cápsula de césio para a
Vigilância Sanitária, que ainda permaneceu durante dois dias abandonada sobre uma cadeira. Durante a entrevista com
médicos, a esposa do dono do ferro-velho relatou para a junta médica que os
vómitos e
diarreia se iniciaram depois que o seu marido desmontou aquele "aparelho estranho".
Só então, no dia 29 de setembro de 1987, foi dado o alerta de
contaminação por material radioativo de milhares de pessoas. Maria
Gabriela foi um dos pacientes tratados no
Hospital Naval Marcílio Dias, no
Rio de Janeiro e foi uma das primeiras vitimas da contaminação.
O governo da época tentou minimizar o acidente escondendo dados da população, que foi submetida a uma "seleção" no
Estádio Olímpico Pedro Ludovico;
os governantes da época escondiam a tragédia da população que,
aterrorizada, procurava por auxílio, dizendo ser apenas uma fuga de
gás. Outra razão é que Goiânia era a sede, à época, do GP Internacional de Motovelocidade no
Autódromo Internacional Ayrton Senna e o governador do estado
Henrique Santillo não queria que o pânico se instalasse entre os estrangeiros.
Contaminação
A
Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN) mandou examinar toda a população da região. No total, 1000
pessoas foram expostas aos efeitos do césio, muitas com contaminação
corporal externa revertida a tempo. Destas, 129 pessoas apresentaram
contaminação corporal interna e externa concreta, vindo a desenvolver
sintomas e foram apenas medicadas.
Porém, 49 foram internadas, sendo que 21 precisaram sofrer tratamento
intensivo; destas, quatro não resistiram e acabaram morrendo.
Muitas casas foram esvaziadas, e limpadores a vácuo foram usados para
remover a poeira antes das superfícies serem examinadas para deteção
de radioatividade. Para uma melhor identificação, foi usada uma mistura
de ácido e tintas azuis.
Telhados foram limpos a vácuo, mas duas casas tiveram os seus telhados
removidos. Objetos como brinquedos, fotografias e utensílios
domésticos foram considerados material para rejeitar. O que foi
recolhido com a limpeza foi transferido para o
Parque Estadual Telma Ortegal.
Até hoje todos os contaminados ainda desenvolvem enfermidades relativas
à contaminação radioativa, facto este muitas vezes não noticiado pelos
media brasileiros.
Após trinta anos do desastre radioativo, as várias pessoas contaminadas
pela radioatividade reclamam por não estarem recebendo os
medicamentos, que, segundo as leis instituídas, deveriam ser
distribuídos pelo governo.
Muitas pessoas contaminadas ainda vivem nas redondezas da região do
acidente, entre as Ruas 57, Avenida Paranaíba, Rua 74, Rua 80, Rua 70 e
Avenida Goiás; essas locais não oferecem, contudo, mais nenhum risco de
contaminação à população.
Numa casa em que o césio foi distribuído a um residente, esposa do
comerciante vizinho de Devair, esta deitou o elemento radioativo no casa
de banho e, em seguida, fez uma descarga. O imóvel ficou conhecido como
a "casa da fossa". Entretanto, a
Saneago alegou que a casa não
possuía fossa, sendo construída com cisterna, para a população não
pensar que a água da cidade estaria hipoteticamente contaminada.
(...)