Ao longo de 46 anos a governar o
Reino de Portugal e o
Reino do Algarve foi um dos principais responsáveis pela criação da
identidade nacional e o alvor da consciência de Portugal enquanto
estado-nação: em
1297, com a conclusão da
Reconquista, definiu as
fronteiras de Portugal no
Tratado de Alcanizes, prosseguiu relevantes reformas judiciais, instituiu a
língua Portuguesa como
língua oficial da corte, libertou as
Ordens Militares
em território nacional de influências estrangeiras e prosseguiu um
sistemático acréscimo do centralismo régio. A sua política
centralizadora foi articulada com importantes acções de fomento
económico - como a criação de inúmeros concelhos e feiras. D. Dinis
ordenou a exploração de minas de cobre, prata, estanho e ferro e
organizou a exportação da produção excedente para outros países
europeus. Em
1308 assinou o primeiro acordo comercial português com a
Inglaterra. Em
1312 fundou a
Marinha Portuguesa, nomeando 1º
Almirante de Portugal, o genovês
Manuel Pessanha, e ordenando a construção de várias docas.
Foi grande amante das artes e letras. Tendo sido um importante
trovador, cultivou as
Cantigas de Amigo, de
Amor e de maldizer, contribuindo para o desenvolvimento da
poesia trovadoresca. Pensa-se ter sido o primeiro monarca português alfabetizado, tendo assinado sempre com o nome completo. Culto e curioso das letras e das ciências, terá impulsionado a tradução de muitas obras para
português, entre as quais se contam os tratados de seu avô
Afonso X, o Sábio. Foi o responsável pela criação da
primeira Universidade portuguesa, inicialmente instalada na zona do actual
Largo do Carmo, em
Lisboa, mas transferida pela primeira vez para
Coimbra em
1308. Esta universidade foi transferida várias vezes entre as duas cidades, estando definitivamente instalada em Coimbra desde
1537, por ordem de
D. João III.
Personalidade
Nunca esquecendo o hiato de largos séculos que nos separa de D.
Dinis, é possível traçar um esboço de linhas mestras da personalidade
deste rei português. Era determinado, ou mesmo obstinado, nos seus
intentos, do que são exemplo a
"cadência de inquirições verdadeiramente demolidora" e demais políticas de centralização régia que instituiu de forma sistemática.
Revelou-se desde cedo um grande estratega, sendo percursor de uma
política governativa e legislativa não apenas reactiva, mas antes de
cunho pro-activo. Beneficiando de uma análise
a posteriori,
percebe-se que as decisões não iam sendo tomadas ao acaso, antes se
articulando na senda de um ideal de país e nação que o Rei almejava. À
laia de exemplo, indique-se a concomitante criação de
concelhos e
feiras, as políticas de fortificação das
fronteiras ou a crescente dependência das
ordens militares do poder régio.
Por tudo isto, D. Dinis foi reconhecido como um homem sagaz e de
elevada capacidade governativa, tanto por contemporâneos como por
historiadores posteriores.
Não carecia D. Dinis do que hoje apelidamos de habilidade política.
Sendo hábil no trato e entendedor dos Homens, D. Dinis soube ir
"atacando
e apaziguando, alternadamente, os interesses senhoriais laicos e
eclesiásticos: desamortizou os bens do clero, mas aceitou a concordata e
restringiu os direitos de comedoria nos mosteiros; inquiriu os bens senhoriais, mas as leis de desamortização travam a erosão dos patrimónios senhoriais."
A administração das propriedades régias tornou-se mais eficiente e D.
Dinis ficou conhecido como um Rei rico; disso encontramos eco na
Divina Comédia de
Dante Alighieri.
Não obstante, D. Dinis é mormente celebrado em todos os registos
cronísticos contemporâneos e posteriores como um Rei justo. Sabendo-se
que a maior parte do trabalho legislativo do seu reinado se focou em
questões de justiça processual, não será de menor relevo o facto de
grande parte dessa nova legislação ir no sentido de evitar excessivas
delongas e custas judiciais e impedir abusos de advogados e procuradores.
Dele pode-se ainda dizer que a determinação que tantas conquistas
políticas lhe granjeou podia por vezes degenerar em teimosia e
prepotência. Descrito por vezes como cruel, principalmente nas relações
familiares: na forma como tratava o filho herdeiro
D. Afonso (nunca o seu favorito) e a esposa,
D. Isabel, entregando-lhe os frutos dos seus adultérios para que os criasse.
Compleição física
Pouco ou nada se sabia do físico do Rei D. Dinis. As fontes da época
assim como autores posteriores falham redondamente em oferecer qualquer
tipo de descrição física do monarca. As informações que hoje dispomos
advêm de uma abertura acidental do túmulo de D. Dinis aquando de um
processo de restauro em
1938.
Ficámos a saber que a figura histórica imponente de D. Dinis viveu
num corpo de cerca de 1,65m. O monarca faleceu com a proveta idade de
63 anos, feito notável para a época. Aparentemente gozou de excelente
saúde durante toda a sua vida: apenas fez o primeiro testamento completo
aos 61 anos, sempre viajou, participou em guerras estando já adiantado
de idade e aos 60 ainda caçava. Essa suposição é confirmada pela análise
dos seus restos mortais que revela que morreu com a dentadura completa, algo que mesmo nos nossos dias continua a ser extraordinário.
Um traço distinto da fisionomia de D. Dinis terão sido os seus
cabelos e barba ruivos. Facto curioso na família real portuguesa de
então, do qual não se conhecem outros exemplos até à época de D. Dinis.
Pode-se especular que a origem genética deste traço poderia vir do lado
materno, pois seu tio
Fernando de Castela
era ruivo (recebendo ademais o epiteto de La Cerda). As hipóteses mais
plausíveis serão que estes dois príncipes peninsulares tenham herdado o
traço de
Henrique II de Inglaterra, pai de
Leonor Plantageneta, bisavó de Afonso X; ou então da mãe de Afonso X,
Isabel de Hohenstaufen, neta do famoso
Imperador Frederico, o Barba Ruiva.
Administração
Como herdeiro da coroa, D. Dinis desde cedo foi envolvido nos aspectos
de governação pelo seu pai. À data da sua subida ao trono, o país
encontrava-se em conflito com a
Igreja Católica. D. Dinis procurou normalizar a situação assinando um tratado com o
papa Nicolau III, onde jurava proteger os interesses de Roma em Portugal. Salvou a
Ordem dos Templários em Portugal através da criação da
Ordem de Cristo, que lhe herdou os bens no reino português depois da sua extinção e apoiou os cavaleiros da
Ordem de Santiago ao separarem-se do seu mestre castelhano.
D. Dinis foi essencialmente um rei administrador e não guerreiro: envolvendo-se em guerra com o
Reino de Castela em
1295, desistiu dela em troca das vilas de
Serpa e
Moura. Pelo
Tratado de Alcanises (
1297)
firmou a paz com Castela, definindo-se nesse tratado as fronteiras
actuais entre os dois países ibéricos. Por este tratado previa-se também
uma paz de 40 anos, amizade e defesa mútuas.
A sua prioridade governativa foi essencialmente a organização do
reino: continuando a vertente legisladora de seu pai D. Afonso III, a
profusa acção legislativa está contida, hoje, no
Livro da Leis e Posturas e nas
Ordenações Afonsinas.
Não são "códigos" legislativos tal como os entendemos hoje, mas sim
compilações de leis e do direito consuetudinário municipal, alteradas e
reformuladas pela Coroa.
Com efeito, a incidência de questões de carácter processual com igual
peso ao carácter de direito positivo das suas leis, denuncia a
crescente preocupação do rei em enquadrar o direito consuetudinário (ou
costumeiro) no âmbito da Coroa, e em efectivar o seu poder no terreno.
As determinações sobre a actuação de alvazis (oficiais concelhios),
juízes,
procuratores e
advocati demonstram isto, já que um poder meramente nominal sobre todos os habitantes do Reino, como era típico na
Idade Média,
não se compatibiliza com este esforço em esmiuçar os trâmites
jurídicos, ou em moralizar o exercício da justiça. A criação de
corregedores denuncia claramente o início do processo de
territorialização da jurisdição da Coroa, extravasando os domínio
régios, a par da crescente importância da capitalidade de
Lisboa.
O reinado de D. Dinis acentuou a predilecção por Lisboa como local de permanência da
corte régia. Não existe uma
capital,
mas a localização de Lisboa, o seu desenvolvimento urbano, económico e
mercantil vão fazendo da cidade o local mais viável para se afirmar como
centro administrativo por excelência.
A articulação entre o norte e o sul do país - este sul que se torna
alvo da maior atenção e permanência dos reis - fazem de Lisboa centro
giratório para tornar Portugal viável. Entre o norte, onde a
malha senhorial é mais densa e apertada, e o sul, onde o espaço vasto conquistado aos
mouros implanta sobretudo os domínios régios e as
ordens militares, assim como vastos espaços de
res nullius e torna
Portugal um reino onde duas realidades diferentes se complementam.
Preocupado com as infra-estruturas do país (ver discussão), D. Dinis ordenou a exploração de minas de
cobre,
prata,
estanho e
ferro. Fomentou as trocas com outros reinos, assinou o primeiro tratado comercial com o rei de
Inglaterra em
1308 e criou o almirantado, atribuído como privilégio ao genovês
Manuel Pessanha, e fundando as bases para uma verdadeira
marinha portuguesa ao serviço da Coroa.
D. Dinis redistribuiu terras, promoveu a agricultura e fundou várias
comunidades rurais, assim como mercados e feiras, criando as chamadas
feiras francas ao conceder a várias povoações diversos privilégios e
isenções. A razão de um dos seus cognomes ser
O Lavrador foi a criação do
Pinhal de Leiria, que ainda se mantém, de forma a proteger as terras agrícolas do avanço das areias costeiras.
Cultura
A cultura foi um dos seus interesses pessoais. D. Dinis não só
apreciava literatura, como foi ele próprio um poeta notabilíssimo e um
dos maiores e mais fecundos
trovadores do seu tempo. Aos nossos dias chegaram 137 cantigas da sua autoria, distribuídas por todos os géneros (73
cantigas de amor, 51
cantigas de Amigo e 10
cantigas de escárnio e maldizer), bem como a música original de 7 dessas cantigas (descobertas casualmente em 1990 pelo Prof. Harvey L. Sharrer, no Arquivo da
Torre do Tombo, num pergaminho que servia de capa a um livro de registos notariais do século XVI, e que ficou conhecido como
Pergaminho Sharrer).
Durante o seu reinado,
Lisboa foi, pois, um dos centros europeus de cultura. A
primeira Universidade em Portugal, então
Estudo Geral, foi fundada pelo seu documento
Scientiae thesaurus mirabilis em
1290, em Lisboa. Aí se ensinou as Artes, o
Direito Civil, o
Direito Canónico e a
Medicina.
Esta universidade foi transferida entre Lisboa e Coimbra várias vezes,
estando instalada definitivamente em Coimbra desde 1537. Mandou traduzir
importantes obras, tendo sido a sua Corte um dos maiores centros
literários da
Península Ibérica.
Últimos anos e morte
Os últimos anos do seu reinado foram marcados por conflitos internos. O herdeiro, futuro D.
Afonso IV, receoso que o favorecimento de D. Dinis ao seu filho bastardo,
D. Afonso Sanches o espoliasse do trono, exigiu o poder e combateu o pai. Nesta luta teve intervenção apaziguadora a
Rainha Santa Isabel que, na
Batalha de Alvalade, se interpôs entre as hostes inimigas já postas em ordem de combate.