Maria Antonieta com os seus filhos - pintura de Élisabeth Vigée-Le Brun (1787)
Detestada pela corte francesa, onde era chamada
L'Autre-chienne (uma
paronomásia em francês das palavras
autrichienne, que significa "mulher austríaca" e
autre-chienne,
que significa "outra cadela"), Maria Antonieta também ganhou
gradualmente a antipatia do povo, que a acusava de perdulária e
promíscua e de influenciar o marido a favor dos interesses austríacos.
Após a sua morte, Maria Antonieta tornou-se parte da cultura popular e
uma figura histórica importante, sendo o assunto de vários livros,
filmes e outras meios de comunicação. Alguns académicos e estudiosos
acreditam que ela tenha tido um comportamento frívolo e superficial,
atribuindo-lhe o início da
Revolução Francesa;
no entanto, outros historiadores alegam que ela foi retratada
injustamente e que as opiniões ao seu respeito deveriam ser mais
favoráveis.
(...)
Processo e execução
Em 14 de outubro, perante o Tribunal Revolucionário, Maria Antonieta
foi comparada às más rainhas da antiguidade e da Idade Média. A acusação
pretendia apresentá-la como responsável por todos os males da França
desde sua chegada ao país. O processo baseava-se fundamentalmente em
três acusações:
"esgotamento do tesouro nacional",
"negociações e correspondências secretas" com o inimigo (Áustria e monarquistas) e
"conspiração contra a segurança nacional e a política externa do Estado". Era evidente que a ex-rainha seria julgada por alta traição.
Quarenta e uma testemunhas arroladas pela promotoria denegriram e
insultaram Maria Antonieta, que foi acusada de conspiração de
assassinato, falsificação de assinaturas e traiçoeira revelação de
segredos aos inimigos da França. A rainha defendia-se com vigor e não
constatou-se em seu depoimento nenhuma contradição. O deputado
Jacques-René Hébert
apresentou ao tribunal uma acusação de incesto contra Maria Antonieta
que, à época, estava impedida de ver seu filho, de apenas oito anos. A
ex-rainha permaneceu impassível, até que foi inquirida novamente.
Visivelmente agitada, ela levantou-se e exclamou:
"Se não respondo, é
porque a própria natureza se recusa a responder a tal acusação feita
contra uma mãe! Faço um apelo a todas as mães presentes." Maria Antonieta teve o apoio dos cidadãos da audiência e o julgamento foi interrompido durante dez minutos. Quando
Robespierre soube do episódio, amaldiçoou Hebert, por ter dado à ex-rainha o seu
"último triunfo público".
No final do processo, a ex-rainha esperava ser condenada à deportação.
Ela estava certa de não ter cometido os crimes dos quais era acusada,
pois só havia tentado salvar a monarquia da forma como a compreendia;
mas isso foi considerado alta traição pela república francesa. No
entanto,
o seu julgamento era evidentemente uma farsa, pois o veredicto
já tinha sido decidido previamente e o júri condenou-a por unanimidade
à pena de morte. Maria Antonieta ouviu a sentença sem dizer uma
palavra. De volta à cela, foi-lhe dado material para escrever seu
testamento, enviado à sua cunhada,
Madame Isabel:
- "É a ti, minha irmã, que escrevo pela última vez. Acabo de
ser condenada, não a uma morte vergonhosa, pois esta é tão somente para
os criminosos, mas a que me juntará ao teu irmão. Inocente como ele,
espero mostrar a mesma firmeza que ele em seus últimos momentos. Estou
calma, como quando a consciência nada tem a condenar. Lamento
profundamente deixar meus pobres filhos; sabes que eu só vivia para
eles e para ti, minha boa e terna irmã. Tu, que por amizade, sacrificou
tudo para estar connosco, em que posição te deixo!
- Eu soube, através dos advogados de defesa, que milha filha
está separada de ti. Ai de mim! A pobre criança, não me atrevo a
escrever-lhe, ela não receberá minha carta. Eu nem mesmo sei se esta
chegará a ti. Recebas, pelas duas, minha bênção. Espero que um dia,
quando forem mais velhos, eles possam reencontrar-te e desfrutar
plenamente de teus ternos cuidados. Acredito que nunca deixei de
inspirá-los, que os princípios e o estrito cumprimento de seus deveres
são a base primária da vida, que sua amizade e confiança mútua os façam
felizes.
- Minha filha, por sua idade, deve sempre ajudar o irmão,
inspirando-o com os conselhos de sua maior experiência e sua amizade;
que meu filho, por sua vez, tenha pela irmã todos os cuidados, os
obséquios que a amizade possa inspirar; finalmente, que ambos sintam
que, em qualquer posição em que se encontrem, estarão felizes por sua
união. Que eles nos tomem como exemplo. Quanto consolo nos dão nossos
amigos em nossos infortúnios e, na felicidade, como é dobrada quando
podemos compartilhá-la com um amigo; e onde encontrar mais ternura, mais
bem querer que em sua própria família?
- Que meu filho nunca esqueça as últimas palavras de seu pai,
as quais eu repito expressamente: que ele nunca tente vingar nossas
mortes! Tenho que te falar sobre algo muito doloroso para meu coração.
Sei como esta criança deve te causar problemas; perdoa-o, minha querida
irmã, pensa em sua idade e em como é fácil dizer a uma criança o que
desejas, e mesmo assim ele não entende. Um dia virá, eu espero, em que
ele se sentirá melhor e valorizará tua bondade e tua afeição por ambos.
Ainda tenho alguns pensamentos para confiar-te. Eu queria escrever
desde o início do julgamento, mas não me deixavam, as coisas
aconteceram tão rápido que, na verdade, eu não teria tido tempo.
- Morro na religião Católica, Apostólica e Romana, a de meus
pais, aquela em que fui criada e que sempre professei. Não tendo nenhum
consolo espiritual a esperar, sem saber se aqui ainda existem
sacerdotes dessa religião, e mesmo (se existissem ainda padres) o lugar (a prisão) onde
eu estou os exporia a muito riscos, se eles me falassem, ainda que
fosse só uma vez. Eu peço sinceramente perdão a Deus por todas as faltas
que eu cometi desde que nasci. Espero que em Sua bondade, Ele possa
receber meus últimos votos, assim como tem feito a tanto tempo, porque
desejo que Ele receba minha alma em Sua grande misericórdia e bondade.
Eu peço perdão a todos aqueles que conheço, e a Vós, minha irmã, em
particular, de todos os sofrimentos que, sem querer, poder-lhe-ia ter
causado; eu perdoo todos os meus inimigos pelo mal que me têm feito.
Despeço-me de meus tios e de todos meus irmãos e irmãs. Eu tive amigos. A
ideia de sermos separados para sempre e suas penas são os maiores
arrependimentos que carrego ao morrer; que eles saibam, ao menos, que
pensei neles até o último momento.
- Adeus, minha boa e terna irmã. Possa esta carta chegar até
você. Pense sempre em mim. Eu te abraço de todo meu coração, assim como
minhas pobres e queridas crianças. Meu Deus, quanto me corta o coração
deixá-las para sempre! Adeus, adeus! Não vou mais me ocupar com meus
deveres espirituais. Como não sou livre nas minhas ações, irão
trazer-me, talvez, um padre, mas eu protestarei e não lhe direi uma
palavra e irei tratá-lo como um completo estranho."
-
Execução de Maria Antonieta
Na manhã de 16 de outubro, Maria Antonieta, que havia sido proibida de
vestir-se de preto, trajava um vestido branco (a cor do luto para as
antigas rainhas de França). Em seguida, o carrasco Henri Sanson, após
cortar-lhe o cabelo até a altura da nuca, amarrou as suas mãos às
costas. A ex-rainha foi levada para fora da prisão e colocada no carro
dos condenados à morte. O esboço de
Jacques-Louis David
e os relatos de cronistas da época retratam Maria Antonieta durante o
trajeto para a guilhotina: sentada, as mãos amarradas atrás das costas,
os cabelos cortados grosseiramente, os olhos fixos e vermelhos.
Chegando à
Place de la Revolution, Maria Antonieta subiu rapidamente os degraus do
cadafalso. Ao pisar acidentalmente no pé do carrasco, disse-lhe:
"Perdão, senhor. Eu não fiz de propósito."
Às 12.15 horas, a lâmina caiu sobre o seu pescoço. O carrasco pegou na
sua cabeça ensanguentada e apresentou-a ao povo de Paris, que gritava:
"Viva a República!"