Recordemos apenas o dia em que, há 40 anos, o poeta e artista plástico António Pedro se despediu do seu Minho...
SE HOUVE ENGANO DE OLHOS
Se houve engano de olhos,
Nunca esta alma minha
Se levou dos olhos,
Bem amada minha.
Olhos de alma, claros
Pela tua graça
E onde o teu sorriso
Namorado passa.
- Meu sorriso, aberto,
Porque é derradeiro,
Este foi, decerto,
Meu amor primeiro.
in «Distância», I vol.
MARESIA
Neste mar à minha frente
O sol repoisa e os nossos olhos dormem...
- caem saudades mortas como chuva miúda,
Ou sobrem, trémulas, como o vapor das algas,
Ou ficam, extáticas como um bafo dea areia,
Calmas, sobre a paisagem,
Como um véu de cambraia deixado...
Não sei se é o calor das algas,
Se é o bafo da areia que baila,
Ou se é a chuva miúda que cai neste dia de sol
Como um véu de cambraia deixado,
Sei que me lembram os signos do zodíaco
Em boa caligrafia,
Uns signos como nem sequer eu tinha imaginado!...
E este calor que dimana da terra e nos confunde com ela,
Nos aquece as pernas de encontro à areia, numa vida exterior
Com mais sangue que a nossa e, sobretudo, cheia
Duma inconsciência que não se parece com nada,
Esta respiração pausada como as ondas, de traás para diante
Fazendo, lentas, e desfazendo
A mesma curva humaníssima e sensível,
Faz-me escrever, devagar, e com letra de menino pequeno
Sobre o chão acamado, esta palavra
AMOR.
in «Aventura», nº. 3
"António Pedro da Costa (1909-1996), Pintor, ceramista, poeta, dramaturgo e teatrólogo português, António Pedro da Costa nasceu na Cidade da Praia, Cabo Verde, e faleceu em Moledo do Minho. Após ter cursado o Instituto Nun'Alvres, da Companhia de Jesus, em La Guardia, frequentou as Faculdades de Direito e de Letras de Lisboa, e o Instituto de Arte e Arqueologia da Sorbona, em Paris. Espírito multifacetado e aberto a quase todas as experiências da criação artística, distinguiu-se sobretudo nos campos da pintura e do teatro (como dramaturgo e como encenador, nomeadamente no Teatro Experimental do Porto, cuja sala tem hoje o seu nome). A sua actividade literária, porém, alargou-se à poesia, ficção, jornalismo, e comentário radiofónico, que praticou na B.B.C. durante a 2ª Guerra Mundial. Fortemente marcado por uma adesão extremamente inteligente ao Surrealismo, de que foi um dos introdutores em Portugal e um dos principais expoentes, fez parte do Grupo Surrealista de Lisboa (1947)."
in «Líricas Portuguesas», I Vol., Jorge de Sena, edições 70, 1984
Para o recordar, finalizemos com o início do Protopoema da Serra de Arga:
Um dia, em S. Lourenço da Montaria,
uma rã pediu a Deus para ser grande como um boi.
A rã foi. Deus é que rebentou.