José Régio,
pseudónimo de
José Maria dos Reis Pereira, (
Vila do Conde,
17 de setembro de
1901 -
Vila do Conde,
22 de dezembro de
1969) foi um
escritor,
poeta,
dramaturgo,
romancista,
novelista,
contista,
ensaísta,
cronista,
crítico,
autor de diário,
memorialista,
epistológrafo e
historiador da literatura português, para além de editor e diretor da influente
revista literária Presença,
desenhador,
pintor e grande conhecedor e colecionador de
arte sacra e popular. Tem uma biblioteca e uma escola secundária com o seu nome em
Vila do Conde.
Foi irmão do poeta, pintor e engenheiro
Júlio Maria dos Reis Pereira, que, como artista plástico, se assinava
Julio e, como poeta,
Saúl Dias.
Teve mais dois irmãos que se dedicaram às artes plásticas, Apolinário
José (1917-2000) e João Maria (1922-2009) e ainda um outro, Antonino
Maria (1905-1965), que emigrou jovem para o
Recife,
Pernambuco, e duas irmãs morreram cedo. Nunca se casou, mas não era celibatário; do seu sentimento amoroso dá conta o seu
Soneto de Amor. Fumador inveterado, veio a morrer vítima de
ataque cardíaco.
Cântico Negro
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
in Poemas de Deus e do Diabo (1925) - José Régio