- Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
- Não há nada mais simples.
- Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
- Entre uma e outra todos os dias são meus.
- Fernando Pessoa/Alberto Caeiro; publicado em Atena nº 5 de fevereiro de 1925.
Primeiros anos em Lisboa
Pode-se dizer que a vida do poeta foi dedicada a criar e que, de tanto criar, criou outras vidas através dos seus heterónimos, o que foi a sua principal característica e motivo de interesse pela sua pessoa, aparentemente muito pacata. Alguns críticos questionam se Pessoa realmente teria transparecido o seu verdadeiro eu ou se tudo não teria passado de um produto, entre tantos, da sua vasta criação. Ao tratar de temas subjectivos e usar a heteronímia, torna-se enigmático ao extremo. Este fato é o que move grande parte das buscas para estudar a sua obra. O poeta e crítico brasileiro Frederico Barbosa declara que Fernando Pessoa foi "o enigma em pessoa". Escreveu sempre, desde o primeiro poema aos sete anos, até ao leito de morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer que a sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa: nas próprias palavras do heterónimo Bernardo Soares, "a minha pátria (sic) é a língua portuguesa". O mesmo empenho é patente no seguinte poema:
Agora, tendo visto tudo e sentido tudo, tenho o dever de me fechar em casa no meu espírito e trabalhar, quanto possa e em tudo quanto possa, para o progresso da civilização e o alargamento da consciência da humanidade |
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- Fernando Pessoa, carta a Armando Côrtes-Rodrigues de 19 de janeiro de 1915.
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O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. |
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- Fernando Pessoa, "Autopsicografia", 27 de novembro de 1930 (in Presença, nº 36, Coimbra: novembro 1932.)
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Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito? |
Heterónimos e Semi-heterónimos
Alberto Caeiro
Por sua vez, Caeiro, nascido em Lisboa, teria vivido quase toda a vida como camponês, quase sem estudos formais. Teve apenas a instrução primária, mas é considerado o mestre entre os heterónimos (pelo ortónimo). Depois da morte do pai e da mãe, permaneceu em casa com uma tia-avó, vivendo de modestos rendimentos e morreu de tuberculose. Também é conhecido como o poeta-filósofo, mas rejeitava este título e pregava uma "não-filosofia". Acreditava que os seres simplesmente são, e nada mais: irritava-se com a metafísica e qualquer tipo de simbologia para a vida.
Bernardo Soares
1893: Em janeiro, nasce o seu irmão Jorge. A 24 de julho, o pai morre, de tuberculose. A família é obrigada a leiloar parte dos bens.
1894: O irmão de Fernando, Jorge, morre em janeiro. Pessoa cria o seu primeiro heterónimo. O futuro padrasto, João Miguel Rosa, é nomeado cônsul interino em Durban, na África do Sul.
1895: Em julho, Fernando escreve o seu primeiro poema e João Miguel Rosa parte para Durban. Em dezembro, João Miguel Rosa casa-se com a mãe de Fernando, por procuração.
1896: Em 7 de janeiro, é concedido o passaporte à mãe, e a família parte para Durban. A 27 de novembro, nasce Henriqueta Madalena, irmã do poeta.
1897: Fernando faz o curso primário e a primeira comunhão em West Street.
1898: Nasce, a 22 de outubro, sua segunda irmã, Madalena Henriqueta.
1899: Ingressa na Durban High School em Abril. Cria o pseudónimo Alexander Search.
1900: Em janeiro, nasce o terceiro filho do casal, Luís Miguel. Em junho, Pessoa passa para a Form III e é premiado em francês.
1901: Em junho, é aprovado no exame da Cape School High Examination. Madalena Henriqueta falece e Fernando começa a escrever as primeiras poesias em inglês. Em agosto, parte com a família para uma visita a Portugal.
1902: Em janeiro, nasce, em Lisboa, o seu irmão João Maria. Fernando vai à ilha Terceira em maio. Em junho, a família retorna a Durban. Em setembro, Fernando volta sozinho para Durban.
1903: Submete-se ao exame de admissão à Universidade do Cabo, tirando a melhor nota no ensaio em inglês e ganhando assim o Prémio Rainha Vitória.
1904: Em agosto, nasce a sua irmã Maria Clara e em dezembro termina os estudos na África do Sul.
1905: Parte definitivamente para Lisboa, onde passa a viver com a avó Dionísia. Continua a escrever poemas em inglês.
1906: Matricula-se, em outubro, no Curso Superior de Letras. A mãe e o padrasto retornam a Lisboa e Pessoa volta a morar com eles. Falece, em Lisboa, a sua irmã Maria Clara.
1907: A família retorna uma vez mais a Durban. Pessoa passa a morar com a avó. Desiste do Curso Superior de Letras. Em agosto, a avó morre. Durante um curto período, Pessoa estabelece uma tipografia.
1908: Começa a trabalhar como correspondente estrangeiro em escritórios comerciais.
1910: Escreve poesia e prosa em português, inglês e francês.
1912: Publica na revista Águia o seu primeiro artigo de crítica literária. Idealiza Ricardo Reis.
1913: Intensa produção literária. Escreve O Marinheiro.
1914: Cria os heterónimos Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Escreve os poemas de O Guardador de Rebanhos e também o Livro do Desassossego.
1915: Sai em março o primeiro número de Orpheu. Pessoa "mata" Alberto Caeiro.
1916: O seu amigo Mário de Sá-Carneiro suicida-se.
1918: Publica poemas em inglês, resenhados com destaque no "Times".
1920: Conhece Ofélia Queiroz. A sua mãe e seus irmãos voltam para Portugal. Em outubro, atravessa uma grande depressão, que o leva a pensar em internar-se numa casa de saúde. Rompe com Ofélia.
1921: Funda a editora Olisipo, onde publica poemas em inglês.
1924: Aparece a revista "Atena", dirigida por Fernando Pessoa e Ruy Vaz.
1925: A 17 de março, morre, em Lisboa, a mãe do poeta.
1926: Dirige com o seu cunhado a "Revista de Comércio e Contabilidade". Requer patente de uma invenção sua.
1927: Passa a colaborar com a revista Presença.
1929: Volta a relacionar-se com Ofélia.
1931: Rompe novamente com Ofélia.
1934: Publica Mensagem.
1935: Em 29 de novembro, é internado com o diagnóstico de cólica hepática. Morre no dia 30 do mesmo mês.
Prece
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.
Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.
Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
in Mensagem (1934) - Fernando Pessoa