Fernando Pessoa em 1914
Fernando Pessoa é o mais universal poeta português. Por ter sido educado na
África do Sul,
numa escola católica irlandesa, chegou a ter maior familiaridade com o
idioma inglês do que com o português ao escrever os seus primeiros
poemas nesse idioma. O crítico literário
Harold Bloom considerou Pessoa como "
Whitman
renascido", e o incluiu no seu cânone entre os 26 melhores escritores
da civilização ocidental, não apenas da literatura portuguesa mas também
da inglesa.
Enquanto poeta, escreveu sob múltiplas personalidades –
heterónimos, como
Ricardo Reis,
Álvaro de Campos e
Alberto Caeiro
–, sendo estes últimos objeto da maior parte dos estudos sobre a sua
vida e obra. Robert Hass, poeta americano, diz: "outros modernistas como
Yeats,
Pound,
Elliot inventaram máscaras pelas quais falavam ocasionalmente... Pessoa inventava poetas inteiros."
(...)
Morte
Pessoa foi internado no dia 29 de novembro de 1935, no Hospital de São
Luís dos Franceses, em Lisboa, com diagnóstico de "cólica hepática"
causada por cálculo biliar, associado a
cirrose hepática,
diagnóstico que é hoje contestado por estudos médicos, embora o
excessivo consumo de álcool ao longo da sua vida seja consensualmente
considerado como um importante fator causal. Segundo um desses estudos,
Pessoa não revelava alguns dos sintomas mais típicos de cirrose
hepática, tendo provavelmente sido vítima de uma
pancreatite aguda. Morreu no dia
30 de novembro, com 47 anos de idade. A sua última frase foi escrita na cama do hospital, em inglês, com a data de 29 de novembro de 1935:
"I know not what tomorrow will bring" ("Não sei o que o amanhã trará").
O espólio de Pessoa: a célebre arca, contendo mais de 25.000 páginas, e a «biblioteca inglesa».
Legado
Pode-se dizer que a
vida do poeta foi dedicada a criar e que, de tanto criar,
criou outras vidas através dos seus heterónimos,
o que foi a sua principal característica e motivo de interesse pela
sua pessoa, aparentemente muito pacata. Alguns críticos questionam se
Pessoa realmente teria transparecido o seu verdadeiro
eu ou se tudo não teria passado de um produto, entre tantos, da sua vasta criação. Ao tratar de temas
subjectivos
e usar a heteronímia, torna-se enigmático ao extremo. Este facto é o
que move grande parte das buscas para estudar a sua obra. O poeta e
crítico brasileiro
Frederico Barbosa declara que Fernando Pessoa foi "
o enigma em pessoa".
Escreveu sempre, desde o primeiro poema aos sete anos, até ao leito de
morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer
que a sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa: nas
próprias palavras do heterónimo
Bernardo Soares, "
a minha pátria (sic) é a língua portuguesa". O mesmo empenho é patente no seguinte poema:
| Agora,
tendo visto tudo e sentido tudo, tenho o dever de me fechar em casa no
meu espírito e trabalhar, quanto possa e em tudo quanto possa, para o
progresso da civilização e o alargamento da consciência da humanidade |
|
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- Fernando Pessoa, carta a Armando Côrtes-Rodrigues - 19.01.1915.
Analogamente a
Pompeu, que disse que "navegar é preciso; viver não é preciso", Pessoa diz, no poema
Navegar é Preciso,
que "viver não é necessário; o que é necessário é criar". Outra
interpretação comum deste poema diz respeito ao fato de a navegação ter
resultado de uma atitude racionalista do mundo ocidental: a navegação
exigiria uma
precisão que a vida poderia dispensar.
O poeta mexicano
Octavio Paz,
laureado com o Nobel de Literatura, diz que "os poetas não têm
biografia. A sua obra é a sua biografia" e que, no caso de Fernando
Pessoa, "nada na sua vida é surpreendente - nada, exceto os seus
poemas". Em
The Western Canon,
Harold Bloom incluiu-o entre os
cânones ocidentais, no capítulo
Borges, Neruda e Pessoa: o Whitman Hispano-Português (pg. 451, 1995).
Na comemoração do centenário do nascimento de Pessoa, em 1988, o seu corpo foi trasladado para o
Mosteiro dos Jerónimos, confirmando o reconhecimento que não teve em vida.
Prece
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.
Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.
Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia —
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância —
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
in Mensagem (1934) - Fernando Pessoa