. Protagonizou a primeira grande perversão ditatorial do republicanismo português, transformando-se numa das figuras mais fraturantes da política portuguesa do
Presidência
Na madrugada do dia 8 de dezembro fora exonerado o Governo da
União Sagrada, liderado por
Afonso Costa, transferindo-se o poder para a Junta Revolucionária presidida por Sidónio Pais. Então, em vez de iniciar a habitual consulta para formação de novo governo, os revoltosos assumem o poder, destituindo
Bernardino Machado do cargo de Presidente da República e forçando o seu exílio. Nesse processo, a 11 de Dezembro de 1917, Sidónio Pais tomou posse como presidente do Ministério (atual primeiro-ministro), acumulando as pastas de
Ministro da Guerra e de
Ministro dos Negócios Estrangeiros e, já em profunda ruptura com a Constituição de 1911, que ajudara a redigir, a 27 de dezembro do mesmo ano, assumiu as funções de
Presidente da República, até nova eleição. Durante o golpe e na fase inicial do seu governo, Sidónio Pais contou com o apoio de vários grupos de trabalhadores, em troca da libertação de camaradas encarcerados, e com a
expectativa benévola da
União Operária Nacional, parecendo posicionar-se como mais uma tentativa de consolidação no poder da esquerda republicana.
Inicia então a emissão de um conjunto de decretos ditatoriais, sobre os quais nem consulta o Congresso da República, que suspendem partes importantes da Constituição, dando ao regime um cunho marcadamente presidencialista, fazendo do Presidente da República simultaneamente Chefe de Estado e líder do Governo, o qual, significativamente, deixa de ser constituído por
Ministros para integrar apenas
Secretários de Estado. Nesta nova arquitectura do sistema político, que os seus apoiantes designavam por
República Nova, o Chefe de Estado era colocado numa posição de poder que não tinha paralelo na história portuguesa desde o fim do
absolutismo monárquico. Daí o epíteto de
Presidente-Rei que lhe foi aposto. Nos seu objectivos e em muitas das suas formas, a
República Nova foi precursora do
Estado Novo de
António de Oliveira Salazar.
Numa tentativa de apaziguamento das relações com a
Igreja Católica Romana, em guerra aberta com o regime republicano desde 1911, a 23 de fevereiro de 1918 Sidónio Pais alterou a Lei de Separação entre as Igrejas e o Estado, suscitando de imediato feroz reacção dos republicanos históricos e da Maçonaria, mas colhendo o apoio generalizado dos católicos, dos republicanos moderados e da população rural, então a vasta maioria dos portugueses. Com essa decisão também conseguiu o reatamento das relações diplomáticas com o
Vaticano, através do envio de
monsenhorBenedetto Aloisi Masella (que mais tarde seria núncio apostólico no Brasil, cardeal e
camerlengo), que assumiu as funções de encarregado de negócios da
Santa Sé em Lisboa a 25 de julho de 1918.
Noutro movimento inconstitucional, a 11 de março de 1918 por decreto estabeleceu o sufrágio directo e universal para a eleição do Presidente da República, subtraindo-se à necessidade de legitimação no Congresso e enveredando por uma via claramente
plebiscitária.
Fazendo uso da sua popularidade junto dos católicos, a 28 de Abril de 1918 foi eleito, por sufrágio directo dos cidadãos eleitores, obtendo
470 831 votos, uma votação sem precedentes. Foi proclamado presidente da República a 9 de maio do mesmo ano, sem sequer se dar ao trabalho de consultar o Congresso e passando a gozar de uma legitimidade democrática directa, que usou sem rebuços para esmagar qualquer tentativa de oposição.
Os decretos de Fevereiro e Março de 1918, que pela sua profunda contradição com a constituição vigente foram denominados de
Constituição de 1918, alteram profundamente a
Constituição Portuguesa de 1911 e conferiram ao regime uma clara
feição presidencialista, reformulando a lei eleitoral, as leis estabelecidas sobre a separação do Estado e da Igreja e a própria distribuição de poder entre os órgãos de soberania do Estado.
Entretanto, em abril de 1918 as forças do
Corpo Expedicionário Português são chacinadas na
Batalha de La Lys, sem que o Governo português consiga os necessários reforços nem a manutenção de um regular aprovisionamento das tropas. A situação atingiu um extremo tal que, após o
armistício que marcou o final da guerra, o Estado português não foi capaz de trazer de imediato as suas forças de volta ao país. A contestação social aumentou ao ponto de se viver uma permanente situação de sublevação.
Esta situação foi o fim do estado de graça: sucederam-se as greves, as contestações e os movimentos conspiratórios. A partir do verão de 1918 as tentativas de pôr fim ao regime sidonista vão escalando em gravidade e violência, o que levou o Presidente a decretar o
estado de sítio a 13 de outubro daquele ano. Com aquele ato, e a dureza da repressão sobre os opositores, conseguiu recuperar momentaneamente o controlo da situação política, mas o seu regime estava claramente ferido de morte.
Com o aproximar do fim do ano a situação política não melhora, apesar da assinatura do
Armistício da Grande Guerra, em 11 de novembro, acontecimento acompanhado de uma mensagem afectuosa do rei
Jorge V de Inglaterra tentando minorar a clara ligação entre Sidónio Pais e as posições germanófilas que anteriormente assumira, e que agora apareciam derrotadas.
Assassinato
Entra-se então numa espiral de violência que não poupa o próprio presidente: a 5 de dezembro de 1918, durante a cerimónia da condecoração dos sobreviventes do
NRP Augusto de Castilho, sofreu um primeiro atentado, do qual conseguiu escapar ileso; o mesmo não aconteceu dias depois, na
Estação do Rossio, onde a 14 de dezembro de 1918 foi morto a tiro por
José Júlio da Costa, um militante republicano que nunca foi julgado.
O assassinato de Sidónio Pais foi um momento traumático para a Primeira República, marcando o seu destino: a partir daí qualquer simulacro de estabilidade desapareceu, instalando-se uma crise permanente que apenas terminou quase oito anos depois com a
Revolução Nacional de 28 de maio de 1926 que pôs termo ao regime.
Os funerais de Sidónio Pais foram momentosos, reunindo muitas dezenas de milhares de pessoas, num percurso longo e tumultuoso, interrompido por múltiplos e violentos incidentes. Com este fim, digno de um verdadeiro
Presidente Rei, Sidónio Pais entrou no imaginário português, em particular dos sectores católicos mais conservadores, como um misto de salvador e de mártir, mantendo-se durante décadas como uma figura fraturante no sistema político.
A imagem de
mártir levou ao surgimento de um culto popular, semelhante ao que existe em torno da figura de
Sousa Martins, que fez de Sidónio Pais um
santo, com honras de promessas e
ex-votos, que ainda hoje se mantém, sendo comum a deposição de flores e outros elementos votivos junto ao seu túmulo.