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sábado, dezembro 14, 2024

Sidónio Pais, o Presidente-Rei, foi assassinado há 106 anos...

         
Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Pais (Caminha, 1 de maio de 1872 - Lisboa, 14 de dezembro de 1918) foi um militar e político que, entre outras funções, exerceu os cargos de deputado, de ministro do Fomento, de ministro das Finanças, de embaixador de Portugal em Berlim, de ministro da Guerra, de ministro dos Negócios Estrangeiros, de presidente da Junta Revolucionária de 1917, de presidente do Ministério e de presidente da República Portuguesa.
Enquanto presidente da República, exerceu o cargo de forma ditatorial, suspendendo e alterando por decreto normas essenciais da Constituição Portuguesa de 1911. Fernando Pessoa chamou-lhe Presidente-Rei.
Oficial de Artilharia, foi também professor na Universidade de Coimbra, onde leccionou Cálculo Diferencial e Integral. Protagonizou a primeira grande perversão ditatorial do republicanismo português, transformando-se numa das figuras mais fraturantes da política portuguesa do século XX. Em 1966, o seu corpo fora solenemente trasladado para o Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia (Lisboa), aquando da sua inauguração. A cerimónia ocorreu no dia 5 de dezembro e homenageou igualmente com estas honras outros ilustres portugueses. Antes disso, o seu corpo encontrava-se na Sala do Capítulo do Mosteiro dos Jerónimos.
  
(...)
  
Assassinato
Entra-se então numa espiral de violência que não poupa o próprio presidente: a 5 de dezembro de 1918, durante a cerimónia da condecoração dos sobreviventes do NRP Augusto de Castilho, sofreu um primeiro atentado, do qual conseguiu escapar ileso; o mesmo não aconteceu dias depois, na Estação do Rossio, onde, a 14 de dezembro de 1918, foi morto a tiro por José Júlio da Costa, um militante republicano.
O assassinato de Sidónio Pais foi um momento traumático para a Primeira República, marcando o seu destino: a partir daí qualquer simulacro de estabilidade desapareceu, instalando-se uma crise permanente que apenas terminou quase oito anos depois com a Revolução Nacional de 28 de maio de 1926 que pôs termo ao regime.
Os funerais de Sidónio Pais foram momentosos, reunindo muitas dezenas de milhares de pessoas, num percurso longo e tumultuoso, interrompido por múltiplos e violentos incidentes. Com este fim, digno de um verdadeiro Presidente Rei, Sidónio Pais entrou no imaginário português, em particular dos sectores católicos mais conservadores, como um misto de salvador e de mártir, mantendo-se durante décadas como uma figura fraturante no sistema político.
A imagem de mártir levou ao surgimento de um culto popular, semelhante ao que existe em torno da figura de Sousa Martins, que fez de Sidónio Pais um santo, com honras de promessas e ex-votos, que ainda hoje se mantém, sendo comum a deposição de flores e outros elementos votivos junto ao seu túmulo.
   

 

Nota: sou neto de um senhor monárquico que adorava o Sidónio, que o livrou de ir combater na França, na I Grande Guerra. Tinha, na sua casa, em Frechão, uma espécie de altar profano, com fotos de Sidónio Pais-  e da Família Real... Viva o presidente-rei (e o meu avô, Joaquim Fernandes...)!

Poema para recordar um grande Português e uma Infâmia...


 

À MEMÓRIA DO PRESIDENTE-REI SIDÓNIO PAIS

 

Longe da fama e das espadas,
Alheio às turbas ele dorme.
Em torno há claustros ou arcadas?
Só a noite enorme.

Porque para ele, já virado
Para o lado onde está só Deus,
São mais que Sombra e que Passado
A terra e os céus.

Ali o gesto, a astúcia, a lida,
São já para ele, sem as ver,
Vácuo de acção, sombra perdida,
Sopro sem ser.

Só com sua alma e com a treva,
A alma gentil que nos amou
Inda esse amor e ardor conserva?
Tudo acabou?

No mistério onde a Morte some
Aquilo a que a alma chama a vida,
Que resta dele a nós — só o nome
E a fé perdida?

Se Deus o havia de levar,
Para que foi que no-lo trouxe
Cavaleiro leal, do olhar
Altivo e doce?

Soldado-rei que oculta sorte
Como em braços da Pátria ergueu,
E passou como o vento norte
Sob o ermo céu.

Mas a alma acesa não aceita
Essa morte absoluta, o nada
De quem foi Pátria, e fé eleita,
E ungida espada.

Se o amor crê que a Morte mente
Quando a quem quer leva de novo
Quão mais crê o Rei ainda existente
O amor de um povo!

Quem ele foi sabe-o a Sorte,
Sabe-o o Mistério e a sua lei
A Vida fê-lo herói, e a Morte
O sagrou Rei!

Não é com fé que nós não cremos
Que ele não morra inteiramente.
Ah, sobrevive! Inda o teremos
Em nossa frente.

No oculto para o nosso olhar,
No visível à nossa alma,
Inda sorri com o antigo ar
De força calma.

Ainda de longe nos anima,
Inda na alma nos conduz
Gládio de fé erguido acima
Da nossa cruz!

Nada sabemos do que oculta
O véu igual de noite e dia,
Mesmo ante a Morte a Fé exulta:
Chora e confia.

Apraz ao que em nós quer que seja
Qual Deus quis nosso querer tosco,
Crer que ele vela, benfaeja
Sombra connosco.

Não sai da nossa alma a fé
De que, alhures que o mundo e o fado,
Ele inda pensa em nós e é
O bem-amado.

Tenhamos fé porque ele foi.
Deus não quer mal a quem o deu.
Não passa como o vento o herói
Sob o ermo céu.

E amanhã, quando queira a Sorte,
Quando findar a expiação,
Ressurrecto da falsa morte!
Ele já não.

Mas a ânsia nossa que encarnara,
A alma de nós de que foi braço,
Tornara, nova forma clara,
Ao tempo e ao espaço.

Tornará feito qualquer outro,
Qualquer cousa de nós com ele;
Porque o nome do herói morto
Inda compele,

Inda comanda, e a armada ida
Para os campos da Redenção,
Às vezes leva à frente, erguida
Espada, a Ilusão.

E um raio só de ardente amor,
Que emana só do nome seu,
Dê sangue a um braço vingador,
Se esmoreceu.

Com mais armas que com Verdade
Combate a alma por quem ama.
É lenha só a Realidade.
A fé é a chama.

Mas ai, que a fé já não tem forma
Na matéria e na cor da Vida,
E, pensada, em dor se transforma
E a fé perdida!

Pra que deu Deus a confiança
A quem não ia dar o bem?
Morgado da nossa esperança,
A Morte o tem!

Mas basta o nome e basta a glória
Para ele estar connosco, e ser
Carnal presença de memória
A amanhecer;

Espectro real feito de nós,
Da nossa saudade e ânsia,
Que fala com oculta voz
Na alma, a distância;

E a nossa própria dor se torna
Uma vaga ânsia, um esperar vago,
Como a erma brisa que transtorna
Um ermo lago.

Não mente a alma ao coração.
Se Deus o deu, Deus nos amou.
Porque ele pôde ser, Deus não
Nos desprezou.

Rei-nato, a sua realeza,
Por não podê-la herdar dos seus
Avós, com mística inteireza
A herdou de Deus;

E, por directa consonância
Com a divina intervenção,
Uma hora ergueu-nos alta a ânsia
De salvação.

Toldou-o a Sorte que o trouxera
Outra vez com nocturno véu.
Deus p'ra que no-lo deu, se era
P'ra o tornar seu?

Ah, tenhamos mais fé que a esp'rança!
Mais vivo que nós somos, fita
Do Abismo onde não há mudança
A terra aflita.

E se assim é; se, desde o Assombro
Aonde a Morte as vidas leva,
Vê esta pátria, escombro a escombro,
Cair na treva;

Se algum poder do que tivera
Sua alma, que não vemos, tem,
De longe ou perto — por que espera?
Por que não vem?

Em nova forma ou novo alento,
Que alheio pulso ou alma tome,
Regresse como um pensamento,
Alma de um nome!

Regresse sem que a gente o veja,
Regresse só que a gente o sinta —
Impulso, luz, visão que reja
E a alma pressinta!

E qualquer gládio adormecido,
Servo do oculto impulso, acorde,
E um novo herói se sinta erguido
Porque o recorde!

Governa o servo e o jogral.
O que íamos a ser morreu.
Não teve aurora a matinal
Estrela do céu.

Vivemos só de recordar.
Na nossa alma entristecida
Há um som de reza a invocar
A morta vida;

E um místico vislumbre chama
O que, no plaino trespassado,
Vive ainda em nós, longínqua chama —
O DESEJADO.

Sim, só há a esp'rança, como aquela
- E quem sabe se a mesma? — quando
Se foi de Aviz a última estrela
No campo infando.

Novo Alcácer-Kibir na noite!
Novo castigo e mal do Fado!
Por que pecado novo o açoite
Assim é dado?

Só resta a fé, que a sua memória
Nos nossos corações gravou,
Que Deus não dá paga ilusória
A quem amou.

Flor alta do paul da grei,
Antemanhã da Redenção,
Nele uma hora encarnou el-rei
Dom Sebastião.

O sopro de ânsia que nos leva
A querer ser o que já fomos,
E em nós vem como em uma treva,
Em vãos assomos,

Bater à porta ao nosso gesto,
Fazer apelo ao nosso braço,
Lembrar ao sangue nosso o doesto
E o vil cansaço,

Nele um momento clareou,
A noite antiga se seguiu,
Mas que segredo é que ficou
No escuro frio?

Que memória, que luz passada
Projecta, sombra, no futuro,
Dá na alma? Que longínqua espada
Brilha no escuro?

Que nova luz virá ralar
Da noite em que jazemos vis?
Ó sombra amada, vem tornar
A ânsia feliz.

Quem quer que sejas, lá no abismo
Onde a morte a vida conduz,
Sê para nós um misticismo
A vaga luz.

Com que a noite erma inda vazia
No frio alvor da antemanhã
Sente, da esp'rança que há no dia,
Que não é vã.

E amanhã, quando houver a Hora,
Sendo Deus pago, Deus dirá
Nova palavra redentora.
Ao mal que há,

E um novo verbo ocidental
Encarnado em heroísmo e glória,
Traga por seu broquel real
Tua memória!

Precursor do que não sabemos,
Passado de um futuro a abrir
No assombro de portais extremos
Por descobrir,

Sê estrada, gládio, fé, fanal,
Pendão de glória em glória erguido!
Tornas possível Portugal
Por teres sido!

Não era extinta a antiga chama
Se tu e o amor puderam ser.
Entre clarins te a glória aclama,
Morto a vencer!

E, porque foste, confiando
Em QUEM SERÁ porque tu foste,
Ergamos a alma, e com o infando
Sorrindo arroste,

Até que Deus o laço solte
Que prende à terra a asa que somos,
E a curva novamente volte
Ao que já fomos,

E no ar de bruma que estremece
(Clarim longínquo matinal!)
O DESEJADO enfim regresse
A Portugal!



Fernando Pessoa

quinta-feira, dezembro 05, 2024

Sidónio Pais acabou com a república velha há 107 anos

     
Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Pais (Caminha, 1 de maio de 1872 - Lisboa, 14 de dezembro de 1918) foi um militar e político que, entre outras funções, exerceu os cargos de deputado, de ministro do Fomento, de ministro das Finanças, de embaixador de Portugal em Berlim, de ministro da Guerra, de ministro dos Negócios Estrangeiros, de presidente da Junta Revolucionária de 1917, de presidente do Ministério e de presidente da República Portuguesa.
Enquanto presidente da República, exerceu o cargo de forma ditatorial, suspendendo e alterando por decreto normas essenciais da Constituição Portuguesa de 1911. Fernando Pessoa chamou-lhe o Presidente-Rei.
     
(...)
     
Numa fase em que as tensões internacionais que levaram à Primeira Guerra Mundial já se sentiam, foi nomeado para o cargo de ministro plenipotenciário de Portugal (embaixador) em Berlim, iniciando funções a 17 de agosto de 1912. Permaneceu naquele importante posto diplomático durante o período crítico que levou à deflagração da guerra, mantendo um difícil equilíbrio entre as pressões do Governo português, com posições progressivamente pró-belicistas e anglófilas, as tentativas de dirimir pela via diplomática os conflitos fronteiriços nas zonas de contacto entre as colónias portuguesas e alemãs em África e o seu crescente posicionamento germanófilo. Apesar dessas dificuldades, desempenhou o cargo até 9 de março de 1916, data em que a Alemanha declarou guerra a Portugal, na sequência do aprisionamento dos seus navios que se encontravam em portos sob controlo português.
Regressado a Portugal, foi naturalmente engrossar a fileira daqueles que se opunham à participação de Portugal na Grande Guerra, catalisando o crescente descontentamento causado pelo esforço de guerra e pelos maus resultados obtidos pelo Corpo Expedicionário Português na frente de batalha.
Afirmou-se então como o principal líder da contestação ao Governo do Partido Democrático Republicano e, de 5 a 8 de dezembro de 1917, liderou uma insurreição protagonizada por uma Junta Militar Revolucionária, da qual era Presidente. O golpe de estado acabou vitorioso, após três dias de duros confrontos, nos quais o papel dos grupos civis foi determinante para a vitória dos revoltosos.
    

terça-feira, novembro 12, 2024

O PCP fez o seu primeiro Congresso há cento e um anos


I Congresso do PCP - 1923
   
O I Congresso do PCP - fundado em 6 de março de 1921 em Assembleia realizada na Associação dos Empregados de Escritório em Lisboa - realiza-se em 12 de novembro de 1923, em Lisboa.
Nele participam já 90 delegados representando 27 organizações. As teses, publicadas antes em "O Comunista", haviam sido previamente debatidas nas organizações. O então secretário-geral, José Carlos Rates, apresentou o Relatório do Comité Executivo, e o Congresso aprovou uma Resolução sobre a organização, os Estatutos, o Programa de Ação e uma Resolução sobre a Questão Agrária.
Entre as orientações saídas do I Congresso, destaque para a reclamação que " o camponês detenha a terra que possa fazer frutificar com o seu braço" e das oito horas de trabalho para os trabalhadores rurais assalariados. O I Congresso apontou o perigo do fascismo e salientou a importância da unidade da classe operária para o derrotar e manifestou a sua solidariedade para com os comunistas e sindicalistas presos pelo governo.
   
in PCP

sábado, outubro 19, 2024

A Noite Sangrenta foi 103 anos...

(imagem daqui)
   
Noite Sangrenta é a designação pela qual ficou conhecida a revolta radical de marinheiros e arsenalistas, que ocorreu em Lisboa a 19 de outubro de 1921, no decurso da qual foram assassinados, entre outros, António Granjo, então presidente do Ministério, Machado Santos e José Carlos da Maia, dois dos históricos da Proclamação da República Portuguesa, o comandante Freitas da Silva, secretário do Ministro da Marinha, e o coronel Botelho de Vasconcelos, antigo apoiante de Sidónio Pais no Arsenal da Marinha.
Na origem da revolta estive a demissão do governo de Liberato Damião Ribeiro Pinto, e a sua condenação a um ano de detenção (confirmada a 10 de setembro de 1921 pelo Conselho Superior de Disciplina do Exército), um conjunto de militares ligados àquela força policial, a que se juntaram militares do Exército e da Armada, se sublevou.
  
  
A infame camioneta (imagem daqui)


19 de outubro de 1921

O 19 de outubro de 1921 foi o fim da 1ª República. Formalmente ela continuou até 28 de maio de 1926. Pelo meio, alguns episódios grotescos de um regime em degenerescência: as governações de António Maria da Silva, o carbonário tornado o chefe todo poderoso do PRP e dos respetivos caciques, diretas ou por interpostos testas de ferro; a eleição de Teixeira Gomes para a Presidência da República, uma manobra de Afonso Costa para tentar regressar ao poder; a renúncia de Teixeira Gomes quando percebeu que nem conseguia o regresso de Afonso Costa, nem passaria de um títere nas mão do odiado chefe do PRP: renunciou e abandonou o país no primeiro barco que zarpou da barra de Lisboa com destino ao estrangeiro.
Entre o assassinato de Sidónio Pais e os massacres de 19 de outubro de 1921, Portugal, teoricamente um regime parlamentar, viveu sob uma ditadura tutelada pelos arruaceiros e rufias dos cafés e tabernas de Lisboa e pela Guarda Nacional Republicana, uma Guarda Pretoriana do regime, bem municiada de artilharia e armamento pesado, concentrada na zona de Lisboa e cujos efetivos passaram de 4.575 homens em 1919 para 14.341 em 1921, chefiados por oficiais «de confiança», com vencimentos superiores aos do exército. A queda do governo de Liberato Pinto, o principal cacique e mentor da GNR, em fevereiro de 1921, colocou as instituições democráticas na mira dos arruaceiros e pretorianos do regime a que se juntaram sindicalistas, anarquistas, efetivos do corpo de marinheiros, etc.. O governo de António Granjo, formado a 30 de agosto, era o alvo.
O nó górdio foi o caso Liberato Pinto, entretanto julgado e condenado em Conselho de Guerra por causa das suas atividades conspirativas. Juntamente com o Mundo, a Imprensa da Manhã, jornal sob a tutela de Liberato Pinto, atacavam diariamente o governo, tentando provar, através de documentos falsos, que o Governo projetava o cerco de Lisboa por forças do Exército, para desarmar a Guarda Nacional Republicana. No Diário de Lisboa apareceram, entretanto, algumas notas relativas ao futuro movimento. Em 18 de agosto, um informador anónimo dizia da futura revolta: «Mot d'ordre: a revolução é a última. Depois, liquidar-se-ão várias pessoas».
O coronel Manuel Maria Coelho era o chefe da conjura. Acompanhavam-no, na Junta, Camilo de Oliveira e Cortês dos Santos, oficiais da G.N.R., e o capitão-de-fragata Procópio de Freitas. O republicanismo histórico do primeiro aliava-se às forças armadas, que seriam o pilar da revolução. Depois de uma primeira tentativa falhada, em que alguns dos seus chefes foram presos e libertados logo a seguir, o movimento de 19 de outubro de 1921 desenrolou-se num dia apenas, entre a manhã e a noite. Três tiros de canhão disparados da Rotunda pela artilharia pesada da GNR tiveram a sua resposta no Vasco da Gama. Passavam à ação as duas grandes forças da revolta. A Guarda concentrou os seus elementos na Rotunda; o Arsenal foi ocupado pelos marinheiros sublevados, que não encontraram qualquer resistência; núcleos de civis armados percorreram a cidade em serviço de vigilância e propaganda. Os edifícios públicos, os centros de comunicações, os postos de comando oficiais caíram rapidamente em poder dos sublevados. Às 09.00 horas, uma multidão de soldados, marinheiros e civis subiu a Avenida para saudar a Junta vitoriosa. Instalado num anexo do hospital militar de Campolide, o seu chefe, o coronel Manuel Maria Coelho, presidia àquela vitória sem luta.
Em face da incapacidade de resistir, às dez da manhã, António Granjo escreveu ao Presidente da República: «Nestes termos, o governo encontra-se sem meios de resistência e defesa em Lisboa. Deponho, por isso, nas mãos de V. Ex.a a sorte do Governo...» António José de Almeida respondeu-lhe, aceitando a demissão: «Julgo cumprir honradamente o meu dever de português e de republicano, declarando a V. Ex.a que, desde este momento, considero finda a missão do seu governo...» Recebida a resposta, António Granjo retirou-se para sua casa. Eram duas da tarde.
O PR recusou-se a ceder aos sublevados. Afiançou que preferiria demitir-se a indigitar um governo imposto pelas armas. Às onze da noite, ainda sem haver solução institucional, Agatão Lança avisou António José de Almeida que algo de grave se estava a passar. Perante tal, conforme descreveu depois o PR, «Corri ao telefone e investi o cidadão Manuel Maria Coelho na Presidência do Ministério, concedendo-lhe os poderes mais amplos e discricionários para que, sob a minha inteira responsabilidade, a ordem fosse, a todo o transe, mantida».
Passando a palavra a Raul Brandão (Vale de Josafat, págs. 106-107), «Depois veio a noite infame. Veio depois a noite e eu tenho a impressão nítida de que a mesma figura de ódio, o mesmo fantasma para o qual todos concorremos, passou nas ruas e apagou todos os candeeiros. Os seres medíocres desapareceram na treva, os bonifrates desapareceram, só ficaram bonecos monstruosos, com aspetos imprevistos de loucura e sonho...».
Sentindo as ameaças que se abatiam sobre ele, António Granjo buscou refúgio na casa de Cunha Leal. Cunha Leal tinha simpatias entre os revoltosos (tinha aliás sido sondado para ser um dos chefes do movimento, mas recusara) e Granjo considerou-se a salvo. Todavia, a denúncia de uma porteira guiou os seus perseguidores que tentaram entrar na casa de Cunha Leal para deter António Granjo. Cunha Leal impediu-os, mas a partir desse momento ficaram sem possibilidades de fuga porque, pouco a pouco, o cerco apertara-se e grupos armados vigiavam a casa. Apelos telefónicos junto de figuras próximas dos chefes da sublevação, que pudessem dar-lhes auxílio, não surtiram efeito.
Perto das nove da noite compareceu um oficial da marinha, conhecido de ambos, que afirmou que levaria Granjo para bordo do Vasco da Gama, um lugar seguro. Cunha Leal vacilou. Granjo mostrou-se disposto a partir. Cunha Leal acompanhou-o, exigindo ao oficial da marinha que desse a palavra de honra de que não seriam separados. Meteram-se na camioneta que afinal não os levaria ao refúgio do Vasco de Gama, mas ao centro da sublevação.
A camioneta chegou ao Terreiro do Paço onde os marinheiros e os soldados da Guarda apuparam e tentaram matar António Granjo. Cunha Leal conseguiu então salvá-lo. A camioneta entrou, por fim, no Arsenal e os dois políticos passaram ao pavilhão dos oficiais. Um grupo rodeou Cunha Leal e separou-o de Granjo, apesar dos seus protestos. Os seus brados levaram a que um dos sublevados disparasse sobre ele, atingindo-o três vezes, um dos tiros, gravemente, no pescoço. Foi conduzido ao posto médico do Arsenal.
Entretanto, vencida a débil resistência de alguns oficiais, marinheiros e soldados da GNR invadiram o quarto onde estava António Granjo e descarregaram as suas armas sobre ele. Caiu crivado. Um corneteiro da Guarda Nacional Republicana cravou-lhe um sabre no ventre. Depois, apoiando o pé no peito do assassinado, puxou a lâmina e gritou: «Venham ver de que cor é o sangue do porco!»
A camioneta continuou a sua marcha sangrenta, agora em busca de Carlos da Maia, o herói republicano do 5 de outubro e ministro de Sidónio Pais. Carlos da Maia inicialmente não percebeu as intenções do grupo de marinheiros armados. Tinha de ir ao Arsenal por ordem da Junta Revolucionária. Na discussão que se seguiu só conseguiu o tempo necessário para se vestir. Então, o cabo Abel Olímpio, o Dente de Ouro, agarrou-o pelo braço e arrastou-o para a camioneta que se dirigiu ao Arsenal. Carlos da Maia apeou-se. Um gesto instintivo de defesa valeu-lhe uma coronhada brutal. Atordoado pelo golpe, vacilou, e um tiro na nuca acabou com a sua vida.
A camioneta, com o Dente de Ouro por chefe, prosseguiu na sua missão macabra. Era seguida por uma moto com sidecar, com repórteres do jornal Imprensa da Manhã. Bem informados como sempre, foram os próprios repórteres que denunciaram: «Rapazes, vocês por aí vão enganados... Se querem prender Machado Santos venham por aqui...». Acometido pela soldadesca, Machado Santos procurou impor a sua autoridade: «Esqueceis que sou vosso superior, que sou Almirante!». Dente de Ouro foi seco: «Acabemos com isto. Vamos». Machado Santos sentou-se junto do motorista, com Abel Olímpio, o Dente de Ouro, a seu lado. Na Avenida Almirante Reis, a camioneta imobiliza-se devido a avaria no motor. Dente de Ouro e os camaradas não perdem tempo. Abatem ali mesmo Machado Santos, o herói da Rotunda.
Não encontraram Pais Gomes, ministro da Marinha. Prenderam o seu secretário, o comandante Freitas da Silva, que caiu, crivado de balas, à porta do Arsenal. O velho coronel Botelho de Vasconcelos, um apoiante de Sidónio, foi igualmente fuzilado. Outros, como Barros Queirós, Cândido Sotomayor, Alfredo da Silva, Fausto Figueiredo, Tamagnini Barbosa, Pinto Bessa, etc., salvaram a vida por acaso.
Os assassinos foram marinheiros e soldados da Guarda. Estavam tão orgulhosos dos seus atos que pensaram publicar os seus nomes na Imprensa da Manhã, como executores de Machado Santos. Não o chegaram a fazer devido ao rápido movimento de horror que percorreu toda a sociedade portuguesa face àquele massacre monstruoso. Mas quem os mandou matar?
O horror daqueles dias deu lugar a uma explicação imediata, simples e porventura correta: os assassínios de 19 de outubro tinham sido a explosão das paixões criadas e acumuladas pelo regime. Determinados homens mataram; a propaganda revolucionária impeliu-os e a explosão da revolução permitiu-lhes matar. No enterro de António Granjo, Cunha Leal proclamou essa verdade: «O sangue correu pela inconsciência da turba — a fera que todos nós, e eu, açulámos, que anda solta, matando porque é preciso matar. Todos nós temos a culpa! É esta maldita política que nos envergonha e me salpica de lama». No mesmo ato, afirmaria Jaime Cortesão: «Sim, diga-se a verdade toda. Os crimes, que se praticaram, não eram possíveis sem a dissolução moral a que chegou a sociedade portuguesa».
Com o tempo, os republicanos procuraram outras explicações. Não podiam aceitar a explicação simples que teria sido a sua ação, o radicalismo da sua política, a imundície que haviam lançado desde 1890 sobre toda a classe política, a sua retórica de panegírico aos atentados bombistas (desde que favoráveis), aos regicidas, a desencadear tanta monstruosidade. Significava acusarem-se a si próprios. Outras explicações foram aparecendo, sempre mais tortuosas, acerca dos eventuais culpados: conspiração monárquica; Cunha Leal (apesar de ter sido quase morto); Alfredo da Silva (apesar de, nessa noite, ter escapado à justa e tido que se refugiar em Espanha) uma conspiração monárquica e ibérica; a Maçonaria (a ação da Maçonaria sobre a Guarda, impelindo-a para a revolução, era constante, mas isso não significa que desse ordens para aqueles crimes)
Os assassinados na Noite Sangrenta não seriam, entre os republicanos, aqueles que mais hostilidade mereceriam dos monárquicos. Eram republicanos moderados. O furor dos assassinos liquidara homens tidos, na sua maior parte, como simpatizantes do sidonismo. Não se tratava de vingar outubro de 1910, mas sim dezembro de 1917. Carlos da Maia e Machado Santos foram ministros de Sidónio Pais. Botelho de Vasconcelos, coronel na Rotunda, às ordens de Sidónio Pais. Se as matanças de 19 de outubro de 1921 foram uma vingança terão de ser referenciadas à República Nova e não ao 5 de outubro. Aliás, num gesto significativo, os revolucionários libertaram o assassino de Sidónio Pais.
Há na Noite Sangrenta factos que se impõem de maneira evidente. A 20 de outubro, a Imprensa da Manhã reivindicou para si a glória de ter preparado o movimento, mas repudiou as suas trágicas consequências, especialmente a morte de Granjo. Ora anteriormente, dia após dia, aquele diário havia acusado e ameaçado Granjo, injuriando-o sistematicamente. Como podia agora lavar as mãos da sua morte? Aliás, a atitude dos assassinos foi concludente: depois de matarem Machado Santos, dirigiram-se na camioneta da morte à Imprensa da Manhã para lhe agradecerem o apoio e para aquela publicar os nomes dos que tinham fuzilado o Almirante. Um deles confessou mais tarde que Machado Santos havia sido localizado por informações de jornalistas da Imprensa da Manhã. Os assassinos procuravam a satisfação e a glória de uma obra realizada, no diário matutino onde se proclamara a necessidade dessa realização.
Os assassinos nunca esperaram ser castigados. Mesmo durante o julgamento sempre esperaram a absolvição. Quando foram condenados, entre gritos de vingança e de apoio à «República radical», alguns acusaram altos oficiais de não terem autoridade moral para os condenarem, pois estavam por detrás da carnificina. Os assassinos tinham, de certo modo, razão: eles tinham agido dentro da lógica que o republicanismo tinha instilado neles. Em todos os regimes que nascem e se sustentam no crime e no terror (por muito justa que a causa possa ser), há sempre o momento (ou os momentos) em que a revolução devora os próprios filhos.
Para terminar devo referir que nem Manuel Maria Coelho, nem nenhum dos «outubristas», conseguiu formar um governo estável. O horror fez todos os nomes sonantes recusarem fazer parte de um governo de assassinos. Menos de dois meses depois da revolução, António José de Almeida, em 16 de dezembro de 1921, entregou a chefia do ministério a Cunha Leal.
A GNR foi pouco a pouco desmantelada e reduzida a uma força de policiamento rural.
A república ficara ferida de morte.

  
NOTA: a república e os republicanos tentaram, durante anos, apagar ou disfarçar este triste episódio da História de Portugal (e continuam ainda - as referências ao mesmo vão sendo, sucessivamente, expurgadas, misteriosamente, dos livros e da Internet...); felizmente há quem não deixe esquecer este momento, que ilustra muito bem o que foi a bandalheira da I república e dos seus adeptos. Havendo ainda alguns que preservam e defendem a sua memória, há que recordar, na sua totalidade, este período trágico da nossa História que foi a vergonhosa I república em Portugal.

sábado, outubro 05, 2024

Um bom texto para celebrar o cinco de outubro bom e perceber o outro...

Sem rei nem roque

Celebremos o 5 de outubro de 1143 que é de todos, e esqueçamos o de 1910 que foi de muito poucos.

 

“A I República nasceu da violência e dali em diante viveu da violência. Essa violência, como costuma suceder desde 1789, tomou a forma de um terrorismo de massa. Até 1917, e com mais brandura, até 1926, grupos republicanos (ligados diretamente ou indiretamente ao partido), à mistura com algumas centenas de adeptos da anarquia e da bomba: mataram, prenderam, torturaram, degredaram, espiaram e ameaçaram o cidadão comum. Milhares de inocentes por discordância ou inadvertência lhes caíram nas mãos.”

Vasco Pulido Valente, 9 de setembro de 2012

 

Depois de aqui há anos, no centenário da República, ter sido realizado o maior escrutínio historiográfico alguma vez feito a este período negro da nossa história, seria natural que os bem-intencionados titulares do regime se envergonhassem um pouco no momento de o festejar: a revolução de 5 de outubro de 1910, definitivamente, não merece quaisquer celebrações num país que pretenda ser civilizado.

 

Bandeira da Carbonária (organização terrorista secreta republicana)

 

Mas, porque a memória é curta, atrevo-me a fazer hoje uma pequena síntese daquele período de terror, emergente do feroz regicídio, o assassinato do Rei D. Carlos I e do Príncipe D. Luís Filipe, acicatado pelas mais indecorosas campanhas de propaganda populista pelos extremistas na imprensa livre das cidades de Lisboa e Porto, que fariam corar de vergonha os seus homólogos da atualidade.

Poucos anos antes de 1910, o PRP era um partido sem implantação nacional, só com alguma expressão nos grandes centros urbanos, como acontece atualmente com os partidos da esquerda radical: as suas estruturas paroquiais não funcionavam, e os seus líderes detestavam-se passando o tempo em intrigas e guerras intestinas. Por isso, apesar dum crescimento no reinado de D. Manuel II, entre os anos de 1908/10, o triunfo da República no 5 de Outubro foi recebido com surpresa e incredulidade por quase todo o país, em particular pelos próprios republicanos. São muitos os testemunhos nesse sentido. Os portugueses, ainda mal refeitos do escândalo do regicídio, nem imaginavam o que os esperava.

O facto é que, nos tempos que se seguiram à revolução, foi implantado um dos regimes mais intolerantes e violentos que Portugal alguma vez teve. Com a demissão ou exílio das antigas elites, militares e civis, a aceleração da decadência das instituições, o caos da vida pública, as prisões políticas em massa, os assassinatos, as bombas e tiroteios, a repressão da imprensa livre, materializada na destruição, assalto e violência exercida sobre os jornais e os jornalistas, o processo atingiria píncaros impensáveis a 19 de outubro de 1921.

   

A Camioneta Fantasma

 

Nesse dia, um levantamento militar obscuro conhecido por Noite Sangrenta, fez percorrer uma “camioneta-fantasma” por Lisboa em busca de diversas figuras do regime republicano, que foram executadas a sangue-frio por um grupo de marinheiros chefiado pelo Cabo Abel Olímpio, homem sinistro conhecido pela alcunha de “Dente d’Ouro”. O País, há muito arrastado pelo chão, afundava-se na lama. Nessa terrível noite, foram assassinados entre outros, o Presidente do Conselho de Ministros, António Granjo, e Machado Santos e Carlos da Maia, “heróis da Rotunda”. A instabilidade política e social que, entre 1910 e 1926, resultou em 45 governos e sete presidentes da República, um dos quais assassinado a tiro (Sidónio Pais), reflete bem um país sem rei nem roque.

Todo este processo de violência e acelerada decadência, a perseguição aos católicos, que eram a grande maioria dos portugueses, os assaltos e encerramentos de jornais, a restrição acentuada do direito de voto, as prisões políticas, a criação da Formiga Branca, e todo o terrorismo patrocinado pelo Estado, contribuiu definitivamente para o golpe militar de 1926 e a emergência do Estado Novo. O silêncio acrítico da maioria da historiografia do Estado Novo quanto ao regime tenebroso que o antecedeu foi por certo um alto preço pago por Salazar para manter o apoio dos republicanos, deste modo postos em sossego.

 

  

Piquete da Formiga Branca

 

Como seria de esperar, as promessas republicanas de delirantes amanhãs que cantavam depressa se revelaram em desavergonhadas mentiras. Desde logo quanto à discriminação da participação política das mulheres na vida pública. De facto, foi a I República que excluiu pela primeira vez as mulheres da vida cívica, ao negar-lhes por lei o direito de voto, depois de a médica Beatriz Ângelo ter alcançado esse intento ao votar nas primeiras eleições republicanas, em 28 de Maio de 1911, aproveitando as indefinições existentes no enunciado de uma Lei… da monarquia. Quando se falou do voto feminino pela primeira vez na Assembleia Constituinte de 1911, a sugestão foi recebida com uma frase curta, lacónica, recusando categoricamente a utilidade do voto feminino: “Tem dado lá fora (o alargamento do sufrágio) mau resultado porque as mulheres têm sido quase todas reacionárias” (Atas da Assembleia Nacional Constituinte. Sessão n.º 21, de 14 de Julho de 1911).  Na “História da República”, de Raúl Rego, pode ler-se que a legislação de 1913 retirou o voto aos analfabetos e às mulheres, significando isto que “a República, na igualdade dos sexos, voltava sobre si mesma e à discriminação da mulher, anjo do lar”. A “democracia” emergente do 5 de Outubro assentou na redução do eleitorado de 70% para 30% dos homens adultos em Portugal…

 

Convite para sessão inaugural da Assembleia constituinte – só para homens

 

Com o 5 de Outubro de 1910 iniciou-se um período de violenta perseguição religiosa em Portugal. A Igreja viveu por esses dias um período de semiclandestinidade durante o qual diversos membros do clero foram sujeitos à prisão, a maus-tratos e à morte.  No Natal de 1910, com as Igrejas tomadas pelos republicanos, a Missa do Galo foi celebrada à porta fechada, com acesso limitado, e poucos tinham acesso aos “bilhetes” de entrada distribuídos às escondidas.

Curiosamente, não será coincidência a acrisolada devoção dos republicanos ao Marquês de Pombal, na mesma medida em que tomaram os jesuítas como bodes expiatórios, tão insistentemente perseguidos pela propaganda revolucionária. É sintomático que a reverência ao tirânico primeiro-ministro de Dom José tenha perdurado ao longo das décadas, e a sua estátua, a maior de Lisboa, tenha sido inaugurada em 1934 em pleno Estado Novo. De facto, o Marquês de Pombal, além da perseguição aos jesuítas, era tido por um herói inspirador do Partido Republicano Português. O seu centenário foi celebrado ruidosamente pelo PRP, em 1882, e sobre o déspota foram proclamados os maiores encómios, como este:  “A barbaridade, essa era do tempo e nada tem que admirar no supplicio dos Tavoras. O que temos a notar, porem, é que o rigor do ferreo ministro cahia egualmente implacável sobre nobres e plebeus, sobre os poderosos e sobre os parias!”; ou este: “O despotismo, a tyrannia de que se argue Pombal, era imposta pelas necessidades, como o único meio de chegar à liberdade” (M. Emygdio Garcia). Robespierre e Saint-Juste não diriam melhor.

 

  

Caricatura de Afonso Costa

 

Os jesuítas foram impiedosamente acossados, nos dias seguintes à implantação da República, e são sinistros os relatos do jornalista Valentine Williams, correspondente do News-Chronicle que chegara a Lisboa para testemunhar os acontecimentos. O seu relato do bombardeamento e assalto popular ao colégio jesuíta do Quelhas é impressionante, tendo o próprio, ao ser confundido com um padre da Companhia, sido detido, preso por uma corda, arrastado e conduzido à sede do Governo Civil, onde conseguiu identificar-se e ser libertado, não sem antes lhe terem inspecionado a nuca à procura da tonsura. Na sequência do seu testemunho da destruição em curso no Colégio, dirigiu-se ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Bernardino Machado, pedindo-lhe que pusesse cobro à destruição da valiosa biblioteca. A resposta do futuro presidente da República – que curiosamente ou talvez não, não acabou nenhum dos seus dois mandatos – foi lacónica: “A propriedade desses patifes está sequestrada pelo povo Português”, declarou com a solenidade de um mocho. “O povo está no seu direito. Não há nada que eu possa fazer. Bom dia”.

Dos milhares de presos políticos da Primeira República também pouco se fala. Em 1913, já as notícias sobre maus-tratos que lhes eram infligidos tinham transposto fronteiras e conquistado as atenções da opinião pública nos países com mais ascendente sobre a nação lusa. Os grandes órgãos da imprensa britânica, o Times, o Spectator, o MorningPost, reproduziam, com abundância de pormenores, os casos de humilhação, violência, tortura, abuso de poder e tratamento desumano nas prisões portuguesas – a República tinha, por exemplo, adotado o humilhante capuz penitenciário. A Duquesa de Bedford, presidente da Associação de Visitadoras de Prisões, deslocou-se a Portugal nos princípios de 1913 e visitou várias prisões, onde encontrou motivos para um indignado protesto que publicou em Londres. Sobre este assunto aconselha-se vivamente a leitura do livro biográfico Constança Telles da Gama – Fio-de-Prumo, da autoria de Maria João da Câmara, que inclui pungentes testemunhos da selvajaria infligida a todos aqueles, das mais diversas classes sociais (os mais indefesos naturalmente, eram os mais humildes), que foram denunciados e detidos como monárquicos.

São contundentes os números relativos ao ensino, apresentados por Rui Ramos na sua História de Portugal publicada pela Esfera dos Livros: “O número de escolas primárias em funcionamento, que subira de 4.665 em 1901 para 6.412 em 1911, continuava em 6.750 em 1918. A taxa de escolarização, depois de aumentar de 22,1% para 29,3% entre 1900 e 1910, quase estagnou até 1920 (30,3%). Entre 1911 e 1920, o analfabetismo na população maior de 7 anos recuou apenas de 70,2% para 66,2%, isto é, desceu menos que entre 1900 e 1911”. Empenhados em reprimir o país que rebeldemente lhes resistia, cada vez mais miserável, a velha promessa de prover educação ao povo, “e acabar com a acabar com a religião católica em Portugal em duas gerações” – como declarou Afonso Costa, quando era ministro da Justiça e Cultos – poucos resultados teve.

No que respeita à censura e ao controlo da imprensa, o método utilizado na maioria das vezes foi o do empastelamento, do assalto e da destruição dos jornais que se atreviam a confrontar o regime, pela Formiga Branca, uma autêntica polícia política irregular, antecessora da PIDE, que existiu na órbita do Partido Republicano.  Durante esse período, o regime estabeleceu formas imaginativas, diretas e eficazes de impedir o acesso do público aos textos críticos ou condenatórios do regime: o uso do assalto, da apreensão, da suspensão, e até da censura sem fundamento legal de jornais ou artigos foi tão frequente e continuado, que, no seu conjunto, constituiu um sistema repressivo sólido e consistente. A estratégia era a sustentação de um regime que não aceitava a contestação dos seus fundamentos, e de uma classe política que não arriscava colocar em jogo a sua permanência no poder. É irónico que os ardinas tenham sido das maiores vítimas da Formiga Branca: quando apanhados viam-se despojados dos jornais, cuja venda era o seu ganha-pão. As correrias dos ardinas, em fuga pelas ruas do Bairro Alto, eram acontecimento quotidiano.

 

O Ardina a fugir do Guarda Republicano,  in Papagaio Real, 1914

 

Sabemos que os herdeiros dos revolucionários de 1910 subsistem nos dias de hoje em Portugal. Habitam as margens radicais da esquerda portuguesa. Sendo uma minoria, têm exposição e palco desproporcionados à sua verdadeira dimensão. Ainda que muitos o não confessem, sabemos, até porque lemos o que escrevem e ouvimos o que dizem, que dificilmente hesitariam em usar métodos semelhantes se o sistema o permitisse. Mas, mesmo assim, julgo que isso não justifica que não se comece a pensar em reformar o feriado do 5 de outubro, associando-o a um acontecimento capaz de unir e mobilizar os portugueses, o da assinatura do Tratado de Zamora em 1143, consensualmente considerado o momento da fundação da nacionalidade.

O que passou está passado; as feridas, mesmo as mais profundas, estão, para a maioria dos portugueses, já curadas e mesmo esquecidas. Já não há justiça que se possa fazer. Mas ainda podemos ansiar por um futuro mais harmonioso que faça justiça à nossa História comum. Hoje, por esse país fora, em Lisboa, Coimbra e Guimarães, de forma invisível, celebra-se o 5 de outubro bom. Nesse sentido, celebremos 1143 que é de todos e esqueçamos 1910 que foi de muito poucos.

 

 in Observador

A imposição da república foi há 114 anos

  
A Implantação da República Portuguesa foi o resultado de uma revolução organizada pelo Partido Republicano Português, iniciada no dia 2 e vitoriosa na madrugada do dia 5 de outubro de 1910, que destituiu a monarquia constitucional e implantou um regime republicano em Portugal.
  
Após a relutância do exército em combater os cerca de dois mil soldados e marinheiros revoltosos entre 3 e 4 de outubro de 1910, a República foi proclamada, às 09.00 horas da manhã do dia seguinte, da varanda dos Paços do Concelho de Lisboa. Após a revolução, um governo provisório chefiado por Teófilo Braga dirigiu os destinos do país até à aprovação da Constituição de 1911 que deu início à Primeira República. Entre outras mudanças, com a implantação da República, foram substituídos os símbolos nacionais como o hino nacional e a bandeira.
   

Saudades de El-Rei...

 

EL-REI

Longe da luz
A que sonhou na infância
Em vez de predomínio e de conquista
Sonhos de amor
Entre visões de artista
Morreu de desconsolo e de distância.

Caminho aberto
À morte por essa ânsia
Que mais se exalta
Quanto mais contrista
De quem recorda o lar que nunca avista
E se consome em lúcida constância.

Porque acima do trono e da realeza
Havia o céu azul, a claridade
Da sua amada Terra Portuguesa
Havia a Pátria, e dizem, que impiedade
Dizem que não se morre de tristeza
Dizem que não se morre de saudade.



Branca de Gonta Colaço

 

Prece...

 

Prece

Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!

  
   
in
Mensagem (1934) - Fernando Pessoa

domingo, setembro 08, 2024

Alves dos Reis, o segundo mais famoso aldrabão português, nasceu há 127 anos

  
Artur Virgílio Alves Reis (Lisboa, 8 de setembro de 1896Lisboa, 9 de julho de 1955) foi certamente o maior burlão da história portuguesa até ao surgimento do Caso BPN e, possivelmente, um dos maiores do Mundo. Foi o cabecilha da maior falsificação de notas de banco da História: as notas de 500 escudos, efígie Vasco da Gama, em 1925.
   
 
Início
Filho de uma família modesta (o pai era cangalheiro, tinha problemas financeiros e acabou por ser declarado insolvente) Alves Reis quis estudar engenharia. Efetivamente, começou o primeiro ano do curso, mas abandonou-o para casar com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, no mesmo ano em que a casa comercial do pai faliu. Em 1916, emigrou para Angola, para tentar fazer fortuna e assim escapar às humilhações que lhe eram impostas pela abastada família de Luísa, devido à diferença de condição social. Começa como funcionário público nas obras públicas de esgotos.
Para ir para Angola, fez-se passar por engenheiro, depois de ter falsificado diploma de Oxford, aliás de uma escola politécnica de engenharia que nem sequer existia: a Polytechnic School of Engineering. De acordo com esse diploma falsificado, teria estudos de ciência da engenharia, geologia, geometria, física, metalurgia, matemática pura, paleografia, engenharia elétrica e mecânica, mecânica e física aplicadas, engenharia civil geral, engenharia civil e mecânica, engenharia geral, design mecânico e civil. Ou seja, quase tudo.
Com um cheque sem cobertura, comprou a maioria das ações da companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, em Moçâmedes. Tornou-se rico e ganhou prestígio.
  
Caso Ambaca
De volta a Lisboa em 1922, compra uma empresa de revenda de automóveis americanos. Depois tenta apoderar-se da Companhia Ambaca. Para o conseguir, passou cheques sem cobertura e usou depois o dinheiro da própria Ambaca para cobrir os cheques sobre a sua conta pessoal. No total, apropriou-se ilegitimamente de 100 mil dólares americanos. Com esse dinheiro comprou também a Companhia Mineira do Sul de Angola. No entanto, antes de controlar toda a Ambaca, foi descoberto e preso no Porto, em julho de 1924, por desfalque. Foi acusado também de tráfico de armas.
  
As notas Vasco da Gama
Foi durante o tempo da prisão (só esteve preso 54 dias e foi libertado em 27 de agosto de 1924, por pormenores processuais) que concebeu o seu plano mais ousado. A sua ideia era falsificar um contrato em nome do Banco de Portugal, o banco central emissor de moeda, e que na altura era uma instituição parcialmente privada, que lhe permitiria obter notas ilegítimas mas impressas numa empresa legítima e com a mesma qualidade das verdadeiras.
Em 1924, Alves dos Reis contactou vários cúmplices e outros colaboradores de boa-fé para pôr o seu plano em marcha. Entre os seus cúmplices e colaboradores encontrava-se o financeiro holandês Karel Marang van Ijsselveere; Adolph Hennies, um espião alemão; Adriano Silva; Moura Coutinho; Manuel Roquette e especialmente José Bandeira. Um pormenor importante era que José Bandeira era irmão de António Bandeira, o embaixador português em Haia.
Alves dos Reis preparou um contrato fictício e conseguiu que este contrato fosse reconhecido notarialmente. Através de José Bandeira, obteve também a assinatura de António Bandeira. Conseguiu ainda que o seu contrato fosse validado pelos consulados da Inglaterra, da Alemanha e França. Traduziu o contrato em francês e falsificou assinaturas da administração do Banco de Portugal.
Através de Karel Marang, dirigiu-se a uma empresa de papel-moeda holandesa, mas esta remeteu-os para a empresa britânica Waterlow & Sons Limited de Londres, que era efetivamente a casa impressora do Banco de Portugal. Em 4 de dezembro de 1924, Marang explicou a Sir William Waterlow que, por razões políticas, todos os contactos ligados à impressão das novas notas deveriam ser feitos com a maior das descrições. O alegado objetivo das notas era conceder um grande empréstimo para o desenvolvimento de Angola. Cartas do Banco de Portugal para a Waterlow & Sons Limited foram também falsificadas por Alves dos Reis. William Waterlow escreveu uma carta confidencial ao governador do Banco de Portugal Inocêncio Camacho Rodrigues em que referia os contactos com Marang. Mas, aparentemente, a carta extraviou-se.
No caderno de encargos de impressão das notas, estipulava-se que estas viriam a ter posteriormente a sobrecarga Angola dado que, como se disse acima, alegadamente se destinariam a circular aí. Por essa razão, as notas tinham números de série de notas já em circulação em Portugal.
Waterlow & Sons Limited imprimiu assim 200 mil notas de valor nominal 500 escudos (no total quase 1% do PIB português de então), efígie Vasco da Gama chapa 2, com a data de 17 de novembro de 1922. O número total de notas falsas de 500 escudos era quase tão elevado como o de notas legítimas. A primeira entrega teve lugar em fevereiro de 1925, curiosamente cerca de um ano depois das notas verdadeiras de 500 escudos, efígie Vasco da Gama terem começado a circular. As notas passavam de Inglaterra a Portugal, com a ajuda dos seus cúmplices, José Bandeira, que utilizava as vantagens diplomáticas de seu irmão, Karel Marang e ligações ao cônsul da Libéria em Londres.
Alves dos Reis, embora o mentor da fraude e o falsificador de todos os documentos, ficava só com 25% das notas. Ainda assim, com esse dinheiro fundou o Banco de Angola e Metrópole, em junho de 1925. Para obter o alvará de abertura deste banco, recorreu também a diversas outras falsificações. Investiu na bolsa de valores e no mercado de câmbios. Comprou também o Palácio do Menino de Ouro (atualmente o edifício em Lisboa do British Council) ao milionário Luís Fernandes. Adquiriu três quintas e uma frota de táxis. Além disso, gastou uma avultadíssima soma em joias e roupas caras para a sua mulher quando das estadias em Paris no Hotel Claridge, e para a amante de José Bandeira, Fie Carelsen, uma atriz holandesa. Compraram uns fantásticos Hispano-Suiza. Tentou também comprar o Diário de Notícias.
O objetivo de Alves dos Reis era afinal comprar ações, e conseguir controlar o próprio Banco de Portugal, de forma a cobrir as falsificações e abafar qualquer investigação. Durante o verão de 1925, diretamente ou através de diversos "testa-de-ferro", comprou sete mil ações do Banco de Portugal. No final de setembro já tinha nove mil ações, e no final de novembro dez mil. Seriam necessárias 45 mil ações para controlar o banco central.
   
Descoberta da burla
Ao longo de 1925 começaram a surgir rumores de notas falsas, mas os especialistas de contrafação dos bancos não detetaram nenhuma nota que parecesse falsa. A partir de 23 de novembro de 1925, Alves dos Reis e os negócios pouco transparentes do Banco de Angola e Metrópole começam a atrair a curiosidade dos jornalistas de O Século, o mais importante diário português de então. O que os jornalistas tentavam perceber era como era possível que o Banco de Angola e Metrópole concedesse empréstimos a taxas de juro baixas, sem precisar de receber depósitos. Inicialmente pensou-se que se tratava de uma tática alemã para perturbar o país e obter vantagens junto da colónia angolana.
A burla é publicamente revelada em 5 de dezembro de 1925 nas páginas de O Século. No dia anterior, o Banco de Portugal enviara para o Porto um inspetor do Conselho do Comércio Bancário, João Teixeira Direito, para investigar os vultosos depósitos pelo Banco de Angola e Metrópole em notas de 500$00 novas na firma cambista Pinto da Cunha. Só a altas horas conseguem detetar uma nota duplicada, com o mesmo número de série, nos cofres da delegação do Porto do Banco Angola e Metrópole. Depois, como são dadas instruções para que as agências bancárias ponham as notas em cofre por ordem de número, para controlar duplicações, muitas mais notas com números repetidos apareceram.
O património do Banco de Angola e Metrópole foi confiscado e obtidas provas junto da Waterlow & Sons Limited. Alves dos Reis é preso a 6 de dezembro, quando se encontrava a bordo do "Adolph Woerman" ao regressar de Angola. Tinha 28 anos no momento da prisão. Adolph Hennies, que estava consigo, fugiu. A maior parte dos seus associados foram também presos.
   
Julgamento
Alves dos Reis esteve preso, aguardando julgamento, desde 6 de dezembro de 1925 até 8 de maio de 1930. Durante esse tempo conseguiu convencer um juiz de instrução que a própria administração do Banco de Portugal estava implicada na fraude, tendo falsificado documentos na prisão e tentado suicidar-se.
Foi finalmente julgado em Lisboa no Tribunal de Santa Clara, em maio de 1930, e condenado a 20 anos: 8 de prisão e 12 de degredo ou, em alternativa, 25 anos de degredo. Durante o julgamento, alegou que o seu objetivo era simplesmente desenvolver Angola. Na prisão, converteu-se ao protestantismo. Foi libertado em maio de 1945. Foi-lhe oferecido um emprego de empregado bancário; recusou. Ainda veio a ser condenado por uma burla de venda de café de Angola, mas já não cumpre a pena. Morreu, de ataque cardíaco, em 9 de junho de 1955, pobre.
José Bandeira teve idêntica condenação. Morreu em 9 de junho de 1957, sem fortuna. Hennies fugiu para Alemanha. Reapareceu mais tarde, sob o seu verdadeiro nome, Hans Döring. Morreu em 1957, sem fortuna. Karel Marang foi preso e julgado na sua Holanda natal, mas sentenciado a 11 meses de cadeia. Posteriormente, naturalizou-se francês e terminou os seus dias, muito rico, em Cannes.
     

segunda-feira, julho 08, 2024

Manuel de Arriaga nasceu há 184 anos


Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelongue (Horta, Matriz, 8 de julho de 1840Lisboa, Santos-o-Velho, 5 de março de 1917) foi um advogado, professor, escritor e político português. Grande orador e membro destacado da geração doutrinária do republicanismo português, foi dirigente e um dos principais ideólogos do Partido Republicano Português. A 24 de agosto de 1911 tornou-se no primeiro presidente eleito da República Portuguesa, sucedendo na chefia do Estado ao Governo Provisório presidido por Teófilo Braga. Exerceu aquelas funções até 29 de maio de 1915, data em que foi obrigado a demitir-se, sendo substituído no cargo pelo mesmo Teófilo Braga, que, como substituto, completou o tempo restante do mandato.

 

domingo, julho 07, 2024

Guerra Junqueiro morreu há cento e um anos...


Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 17 de setembro de 1850 - Lisboa, 7 de julho de 1923) foi bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo, político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Foi o poeta mais popular da sua época e o mais típico representante da chamada "Escola Nova". Poeta panfletário, a sua poesia ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República. Foi entre 1911 e 1914 o embaixador de Portugal na Suíça (o título era "ministro de Portugal na Suíça"). Guerra Junqueiro formou-se em direito na Universidade de Coimbra.   

   
Cronologia

  • 1850: Nasce no lugar de Ligares, Freixo de Espada à Cinta;
  • 1864: «Duas páginas dos quatorze anos»;
  • 1866: Frequenta o curso de Teologia na Universidade de Coimbra;
  • 1867: «Vozes Sem Eco»;
  • 1868: «Baptismo de Amor». Matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra;
  • 1873: «Espanha Livre». Colaboração de Guerra Junqueiro em «A Folha» de João Penha. É bacharel em Direito;
  • 1874: «A Morte de D. João»;
  • 1875: Primeiro número de «A Lanterna Mágica» em que colabora;
  • 1878: É nomeado Secretário Geral do Governo Civil em Angra do Heroísmo;
  • 1879: «A Musa em Férias» e «O Melro». Adere ao Partido Progressista. É transferido de Angra do Heroísmo para Viana do Castelo e eleito para a Câmara dos Deputados;
  • 1880: Casa a 10 de fevereiro com Filomena Augusta da Silva Neves. A 11 de novembro nasce a filha Maria Isabel;
  • 1881: Nasce a filha Júlia. Interditada por demência, vem a ser internada no Porto;
  • 1885: «A Velhice do Padre Eterno». Criação do movimento «Vida Nova» do qual Guerra Junqueiro é simpatizante;
  • 1887: Segunda viagem de Guerra Junqueiro a Paris;
  • 1888: Constitui-se o grupo «Vencidos da Vida». «A Legítima»;
  • 1889: Falece a sua esposa, Filomena Augusta Neves, facto que lamentará até ao fim dos seus dias;
  • 1890: «Finis Patriae». Guerra Junqueiro é eleito deputado pelo círculo de Quelimane;
  • 1895: Vende a maior parte das coleções artísticas que acumulara;
  • 1896: «A Pátria». Parte para Paris;
  • 1902: «Oração ao Pão»;
  • 1903: Reside em Vila do Conde;
  • 1904: «Oração à Luz»;
  • 1905: Visita a Academia Politécnica do Porto e instala-se nesta cidade;
  • 1908: É candidato do Partido Republicano pelo Porto;
  • 1910: É nomeado Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da República Portuguesa junto da Confederação Suíça, em Berna;
  • 1911: Homenagem a Guerra Junqueiro no Porto;
  • 1914: Exonera-se das funções de Ministro Plenipotenciário;
  • 1920: «Prosas Dispersas»;
  • 1923: Morre a 7 de julho em Lisboa.
  • 1966: O seu corpo é solenemente trasladado para o Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, numa cerimónia ocorrida para homenagear também outras ilustres figuras portuguesas entre os dias 1 e 5 de dezembro. Antes disso, encontrava-se no Mosteiro dos Jerónimos.
 



A Moleirinha

Pela estrada plana, toque, toque, toque,
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toque, toque, toque,
A velhinha atrás, o jumentito adiante!...

Toque, toque, a velha vai para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E contudo alegre como um passarinho,
Toque, toque, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a corar ao sol.

Vai sem cabeçada, em liberdade franca,
O jerico ruço duma linda cor;
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,
Tange-o, toque, toque, a moleirinha branca
Com o galho verde duma giesta em flor.

Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,
Toque, toque, toque, que recordação!
Minha avó ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta,
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!...

Toque, toque, toque, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem mo dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia num burrico assim.

Toque, toque, é tarde, moleirinha santa!
Nascem as estrelas, vivas, em cardume...
Toque, toque, toque, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toque, se levanta,
P’ra vestir os netos, p’ra acender o lume...

Toque, toque, toque, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pela estrada chã!
Tão ingénuo e humilde, dá-me, salvo seja,
Dá-me até vontade de o levar à igreja,
Baptizar-lhe a alma, p’ra a fazer cristã!

Toque, toque, toque, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vai numa frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mó da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!...

Toque, toque, como o burriquito avança!
Que prazer d’outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui criança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou nas palhas o menino Deus...

Toque, toque, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toque, toque, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados querubins divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...

Toque, toque, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d’astros o luar sem véu,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que mói estas farinhas d’oiro
Com a mó de jaspe que anda além no Céu!

 

Guerra Junqueiro

terça-feira, julho 02, 2024

Noventa e dois anos de perda e de saudade...

(imagem daqui)
        
D. Manuel II de Portugal, de nome completo: Manuel Maria Filipe Carlos Amélio Luís Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis Eugénio de Bragança Orleães Saboia e Saxe-Coburgo-Gotha, (15 de novembro de 18892 de julho de 1932) foi o trigésimo-quinto e último Rei de Portugal. D. Manuel II sucedeu ao seu pai, o Rei D. Carlos I, depois do assassinato deste e do seu irmão mais velho, o Príncipe Real D. Luís Filipe, a 1 de fevereiro de 1908. Antes da sua ascensão ao trono, D. Manuel foi duque de Beja e Infante de Portugal.
  

 
 
(...)
    
Morte
Faleceu inesperadamente na sua residência, a 2 de julho de 1932, sufocado por um edema da glote. O governo português, chefiado por António de Oliveira Salazar, autorizou a sua sepultura em Lisboa, organizando o funeral com honras de Estado. Os seus restos mortais chegaram a Portugal, em 2 de agosto, sendo sepultados no Panteão dos Braganças, no Mosteiro de São Vicente de Fora em Lisboa.
    
Balanço
Passou à história com os cognomes O Patriota, pela preocupação que os assuntos pátrios sempre lhe causaram; O Desventurado, em virtude da Revolução que lhe retirou a coroa; O Estudioso ou o Bibliófilo (devido ao seu amor pelos livros antigos e pela literatura portuguesa). Os monárquicos chamavam-lhe O Rei-Saudade, pela saudade que lhes deixou, após a abolição da monarquia.