O Curso de Geologia de 85/90 da Universidade de Coimbra escolheu o nome de Geopedrados quando participou na Queima das Fitas.
Ficou a designação, ficaram muitas pessoas com e sobre a capa intemporal deste nome, agora com oportunidade de partilhar as suas ideias, informações e materiais sobre Geologia, Paleontologia, Mineralogia, Vulcanologia/Sismologia, Ambiente, Energia, Biologia, Astronomia, Ensino, Fotografia, Humor, Música, Cultura, Coimbra e AAC, para fins de ensino e educação.
NOTA: republicamos aqui um excelente texto, para quem quiser conhecer melhor este nódoa da história de Portugal:
Qual é coisa, qual é ela, que entra pela porta e sai pela janela?
Afonso Costa não é, como escreveu A.H. de Oliveira Marques, o mais
querido e o mais odiado dos Portugueses. É, com certeza, uma das
figuras mais ridículas e abjetas da História de Portugal, epítome do
que constituiu a I República, ou seja, um regime de vale-tudo, de
ameaças, de extorsões, de perseguições e ódios. Afonso Costa jamais foi
querido. Foi sempre temido, odiado, repudiado e no fim respeitado,
pois ser amado significava perder a força necessária à consolidação da
sua obra. A República Portuguesa, sobretudo nos seus defeitos (sim,
porque não podemos esconder-lhe algumas virtudes) foi da sua lavra.
Desde a tentativa de erradicação da Igreja Católica, às sovas que deu
ou mandou dar aos seus opositores, passando pelos pequenos furtos ou os
grandes roubos em que esteve envolvido, sem qualquer pejo, embaraço ou
vergonha. Como escreveu Fernando Pessoa: «Não podendo Afonso Costa
fazer mais nada, é homem para mandar assassinar. Tudo depende do seu
grau de indignação.». Ora, a indignação de Afonso Costa teve vários
graus, tantos ou mais do que aqueles que subiu na hierarquia da
Maçonaria que o acolhia com fraternidade. Aliás, a raiva deste paladino
da República nunca foi elitista, faça-se-lhe justiça: tanto se dirigia
a monárquicos como a republicanos, dependendo de quem se atrevia a
fazer-lhe frente.
Político experimentado dos últimos anos do Rotativismo e da experiência
do Franquismo, A. Costa sabia uma coisa: para governar um país como
Portugal, a Democracia só podia vir depois. Mais, o primeiro passo para
mandar nos portugueses, não é suspender o Parlamento, ou calar a
Imprensa, é alimentar o mais possível o caciquismo e os clientelismos.
Por isso, com uma mestria nem sequer igualada pelo seu sucessor das
Finanças a partir de 1926, rodeou-se da família, criando uma Dinastia
de Costas (a expressão aparece na sua correspondência), leal, forte,
incorruptível (na qual a sua mulher teve um papel fundamental, mesmo
apesar de às mulheres a República ter negado o direito ao voto),
distribuiu benesses aos mais próximos, amigos ou inimigos, mantendo-os
no bolso como qualquer bom gangster o faria.
Contudo, Costa tinha um lado medroso que faz dele esse político tão
extraordinário e vivo da nossa História. Rodeava-se da púrria
(adolescentes vadios e marginais a quem oferecia bombas e armas para
assustar a população) e ele próprio manejava a pólvora como ninguém; por
outro lado era incapaz de enfrentar um opositor num frente a frente. E
tinha medo, muito medo, do próprio terror que lançara. Quando, em
1917, Sidónio o mandou ir prender ao Porto andou escondido em
guarda-fatos e dali saiu apupado por uma fila de mulheres. Passou
vexames inacreditáveis: viu a sua casa ser esbulhada de alguns dos
objetos que ele tinha furtado nos Palácios Reais e um dia, em julho de
1915, seguindo num elétrico, atirou-se pela janela fora ao som e à
vista de um clarão que pensava vir de uma bomba. Não fora um atentado,
apenas um curto-circuito…estatelou-se no chão de onde foi levantado
pelos transeuntes em estado grave e, durante meses e anos a fio, Lisboa
transformou esta cena patética numa adivinha popular: Qual é coisa, qual é ela, que entra pela porta e sai pela janela?
Afonso Costa participou em negociatas e estranhos casos de
favorecimento. Desapareceram processos durante o seu ministério na
Justiça e não poucas vezes viu o Parlamento envolvê-lo na “roubalheira”
de que fala Raul Brandão e na qual políticos e militares participavam.
Em França um banqueiro virou-se para António Cabral, ex-ministro da
Monarquia perguntando-lhe: - “Conhece um tal de Afonso Costa, em
Portugal”. António Cabral disse que sim, que o conhecia bem… ao que o
capitalista respondeu – “Pois deve ser um dos homens mais ricos do seu
país, dada a quantia que possui na conta que por cá abriu…”
Nada o detinha. Para além de manipular a legislação a seu favor (algo que
facilmente podia fazer, dado que controlava, a partir da proeminência
do seu Partido Democrático, veja-se o Caso das Binubas, de que hoje
ninguém fala…) executava malabarismos financeiros, como o que envolveu a
sua mulher, para quem fez desviar, sob a desculpa da caridade, meio
milhão de francos, destinados à Comissão de Hospitalização da Cruzada
das Mulheres Portuguesas, de que a D. Alzira Costa era presidente.
Claro está que no meio de governos maioritários, ditatoriais e não
fiscalizados, no meio do clima de terror que Afonso Costa ajudara a
criar e mantinha para sua segurança e a da própria República, os roubos
não só eram frequentes, como absolutamente seguros (prova-o a
“habilidade” de Alves dos Reis, em 1925). Nenhuma investigação sendo
efetivamente aberta levaria a alguma condenação. Não deixa de ser
curioso que às despesas e aos roubos que os republicanos faziam questão
de apontar antes de 1910 tornaram-se frequentíssimos durante os
loucos anos da I República: armamento, fardas militares, promiscuidades
várias com empresas estrangeiras, etc, etc.
Através da figura de Afonso Costa é fácil entender as atuais
comemorações do Centenário e como, a meio deste ano de 2010, os seus
mandatários resolveram assumir a celebração dos primeiros anos da
República, evitando assim o Estado Novo e, na III República, fugir à
inevitável glorificação de uma certa “oposição” não socialista. É que a
Primeira República, intolerante e exclusiva como hoje alguns dos seus
admiradores é a melhor e talvez a única maneira de regressar às raízes e
à autenticidade da República Portuguesa tal qual ela foi gizada.
A Monarquia do Norte foi uma contra-revolução ocorrida na cidade do Porto, em 19 de janeiro de 1919, pelas juntas militares favoráveis à restauração da monarquia em Portugal em plena I república portuguesa.
Este breve período, de 19 de janeiro a 13 de fevereiro, foi, em
traços gerais, a última profunda manifestação de revolta monárquica, com
utilização da força, depois da implantação da República em Portugal, em 1910.
O Mapa Cor-de-Rosa, que originou o ultimato britânico de 1890
O Ultimato britânico de 1890 foi um ultimato do governo britânico - chefiado pelo primeiro ministro Lord Salisbury - entregue a 11 de janeiro de 1890, na forma de um "Memorando", que exigia a Portugal a retirada das forças militares chefiadas pelo major Serpa Pinto do território compreendido entre as colónias de Moçambique e Angola (nos atuais Zimbabwe e Zâmbia), a pretexto de um incidente entre portugueses e Macololos. A zona era reclamada por Portugal, que a havia incluído no famoso Mapa cor-de-rosa, reclamando a partir da Conferência de Berlim uma faixa de território que ia de Angola à contra-costa, ou seja, a Moçambique. A concessão de Portugal às exigências britânicas foi vista como uma humilhação nacional pelos republicanos portugueses, que acusaram o governo e o Rei D. Carlos I de serem os seus responsáveis. O governo caiu, e António de Serpa Pimentel foi nomeado primeiro-ministro. O Ultimato britânico inspirou a letra do hino nacional português, "A Portuguesa".
Foi considerado pelos historiadores Portugueses e políticos da época a
ação mais escandalosa e infame da Grã-Bretanha contra o seu antigo aliado.
NOTA: os republicanos e afins colocam aqui o ponto de partida da pseudo-revolução do
5 de outubro, quando Portugal, o seu Governo e o seu Rei nada podiam
fazer, além do que fizeram, perante o tamanho e população do país
naquela altura. É curioso que os pseudo-historiadores que tal afirmam nunca se lembrem do incidente de Fachoda,
que colocou a República Francesa em situação bem pior, perante o
Império Britânico, ou do que aconteceu, pouco mais tarde, com a guerra
entre a Espanha e os Estados Unidos...
Depois de frequentar o colégio em Braga foi, em 1880, para a Escola Académica, em Lisboa. Quatro anos depois iniciou o seu curso na Faculdade de Matemática em Coimbra. Fez o curso da Escola do Exército e, em 1898, partiu para a Índia Portuguesa,
onde organizou os cadastros das terras. Começou aí a sua carreira na
administração colonial, como diretor dos Serviços de Agrimensura.
Acabada a sua comissão, viajou por Macau e pela China em missão diplomática.
O seu regresso a Portugal coincidiu com a proclamação da República portuguesa. Dispondo-se a servir o novo regime, Norton de Matos foi chefe do estado-maior da 5.ª divisão militar. A 17 de maio de 1912 é iniciado na Maçonaria, na Loja Pátria e Liberdade, N.º 332, de Lisboa (Rito Escocês Antigo e Aceite), sob os auspícios do Grande Oriente Lusitano Unido, com o nome simbólico de Danton. Nesse mesmo ano tomou posse como governador-geral de Angola.
A sua atuação na colónia revelou-se extremamente importante, na medida
em que impulsionou fortemente o seu desenvolvimento, protegendo-a, de
certa forma, da ameaça contínua que pairava sobre o domínio colonial
português, por parte de potências como a Inglaterra, a Alemanha e a França. Fundou a cidade do Huambo. A 27 de janeiro de 1913 é elevado ao Grau 2 (Companheiro) e a 18 de abril de 1914 é elevado ao Grau 3 (Mestre).
Em outubro desse ano dá-se a cisão da Maçonaria Portuguesa: a Loja
Pátria e Liberdade, N.º 332 desliga-se da obediência do Grande Oriente
Lusitano Unido.
Foi demitido do cargo em 1915, como consequência da nova situação política que se vivia em Portugal durante a Primeira Guerra Mundial. Foi depois chamado, de novo, ao Governo, ocupando o cargo de ministro das Colónias, embora por pouco tempo. A 12 de maio de 1916 reentra na obediência do Grande Oriente Lusitano Unido, filiando-se na Loja Acácia, de Lisboa (de rito francês), e, a 19 de setembro de 1916, é elevado ao Grau 4 (Eleito) do rito francês. Em 1917, um novo golpe revolucionário obrigou-o a exilar-se em Londres, por divergências com o novo governo. A 16 de fevereiro de 1918 é elevado ao Grau 5 (Escocês) do rito francês e a 31 de outubro de 1918 é elevado ao Grau 6 (Cavaleiro do Oriente ou da Espada) do rito francês. Regressou à pátria e foi delegado de Portugal à Conferência da Paz, em 1919. Mais tarde, foi promovido a general por distinção e nomeado Alto Comissário da República em Angola. Na primavera de 1919, foi delegado português à Conferência da Paz. A 31 de outubro de 1919 é elevado ao Grau 7 e último (Príncipe Rosa Cruz) do rito francês. Em junho de 1924,
exerceu as funções de embaixador de Portugal em Londres, cargo de que
foi afastado aquando da instauração da Ditadura Militar. A 6 de novembro
de 1928, a Loja Acácia, de que é membro, propõe, pela primeira vez, a
sua candidatura ao cargo de Grão-Mestre Adjunto do Grande Oriente
Lusitano Unido. A 7 de dezembro de 1928 morre Sebastião de Magalhães Lima, 10.º Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano Unido, e a 31 de outubro de 1929 morre António José de Almeida, 12.º Grão-Mestre eleito do Grande Oriente Lusitano Unido.
Foi, a 31 de dezembro de 1929, eleito 14.º Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano Unido para os anos de 1930 e 1931, cargo que ocupou entre 1930 e 1935.
A 30 de abril de 1930 toma posse do cargo de Grão-Mestre, dirigindo uma
mensagem aos Maçons Portugueses. A 17 de setembro parte para Antuérpia,
a fim de participar na Semana Portuguesa e na Convenção Maçónica
Internacional. De 25 a 30 de setembro toma parte na Convenção da
Association Maçonnique Internationale (A.M.I.), reunida em Bruxelas.
Em dezembro, devido ao período decrescente em que decorrem os trabalhos
maçónicos em Portugal, é decidido suspendê-los nas lojas de Lisboa,
convidando estas à imediata triangulação. Em março de 1931 dirige uma
importante mensagem à Grande Dieta e em dezembro é reeleito Grão-Mestre.
A 5 de julho de 1932 Salazar ascende a Presidente do Conselho. A 31 de janeiro de 1935 protesta, junto do Presidente da Assembleia Nacional, José Alberto dos Reis,
contra o projeto de lei que proíbe as associações secretas. A 14 de
maio é emitida uma Resolução do Conselho de Ministros exonerando e/ou
passando à reforma uma série de funcionários que oferecem poucas
garantias de fidelidade ao regime, entre os quais Norton de Matos. A 21
de maio dá-se a publicação da Lei N.º 1.091 que proíbe as associações
secretas. Norton de Matos demite-se do cargo de Grão-Mestre, para que
pudesse ser eleito alguém desconhecido do Governo.
Em 1948, participou nas eleições presidenciais de 1949, reivindicando a liberdade de propaganda e uma melhor fiscalização dos votos. O regime de Salazar
recusou-se a satisfazer estas exigências. Obteve vastos apoios
populares e apoio de membros da oposição. Devido à falta de liberdade no
ato eleitoral, e prevendo fraudes eleitorais, acabou por desistir,
depois de participar em comícios e outras manifestações de massas.
Norton de Matos, tal como grande número de republicanos e opositores do Estado Novo,
era defensor de uma política colonialista. Em 1953, no seu livro África
Nossa defendeu que Portugal tem “pois de povoar essas terras, intensa e
rapidamente, com famílias brancas portuguesas e continuar a assimilar
os habitantes de cor que lá encontramos. Assimilação completa, material e
espiritual“.
Enquanto presidente da República, exerceu o cargo de forma ditatorial, suspendendo e alterando por decreto normas essenciais da Constituição Portuguesa de 1911. Fernando Pessoa chamou-lhe Presidente-Rei.
Oficial de Artilharia, foi também professor na Universidade de Coimbra, onde leccionou Cálculo Diferencial e Integral.
Protagonizou a primeira grande perversão ditatorial do republicanismo
português, transformando-se numa das figuras mais fraturantes da
política portuguesa do século XX. Em 1966, o seu corpo fora solenemente trasladado para o Panteão Nacional
da Igreja de Santa Engrácia (Lisboa), aquando da sua inauguração. A
cerimónia ocorreu no dia 5 de dezembro e homenageou igualmente com estas
honras outros ilustres portugueses. Antes disso, o seu corpo
encontrava-se na Sala do Capítulo do Mosteiro dos Jerónimos.
(...)
Assassinato
Entra-se então numa espiral de violência que não poupa o próprio
presidente: a 5 de dezembro de 1918, durante a cerimónia da condecoração
dos sobreviventes do NRP Augusto de Castilho, sofreu um primeiro atentado, do qual conseguiu escapar ileso; o mesmo não aconteceu dias depois, na Estação do Rossio, onde, a 14 de dezembro de 1918, foi morto a tiro por José Júlio da Costa, um militante republicano.
O assassinato de Sidónio Pais foi um momento traumático para a
Primeira República, marcando o seu destino: a partir daí qualquer
simulacro de estabilidade desapareceu, instalando-se uma crise
permanente que apenas terminou quase oito anos depois com a Revolução Nacional de 28 de maio de 1926 que pôs termo ao regime.
Os funerais de Sidónio Pais foram momentosos, reunindo muitas dezenas
de milhares de pessoas, num percurso longo e tumultuoso, interrompido
por múltiplos e violentos incidentes. Com este fim, digno de um
verdadeiro Presidente Rei, Sidónio Pais entrou no imaginário
português, em particular dos sectores católicos mais conservadores, como
um misto de salvador e de mártir, mantendo-se durante décadas como uma
figura fraturante no sistema político.
A imagem de mártir levou ao surgimento de um culto popular, semelhante ao que existe em torno da figura de Sousa Martins, que fez de Sidónio Pais um santo, com honras de promessas e ex-votos, que ainda hoje se mantém, sendo comum a deposição de flores e outros elementos votivos junto ao seu túmulo.
Nota: sou neto de um senhor monárquico que adorava o Sidónio, que o livrou de
ir combater na França, na I Grande Guerra. Tinha, na sua casa, em Frechão,
uma espécie de altar profano, com fotos de Sidónio Pais- e da Família Real... Viva o presidente-rei (e o meu avô, Joaquim Fernandes...)!
Enquanto presidente da República, exerceu o cargo de forma ditatorial, suspendendo e alterando por decreto normas essenciais da Constituição Portuguesa de 1911. Fernando Pessoa chamou-lhe o Presidente-Rei.
(...)
Numa fase em que as tensões internacionais que levaram à Primeira Guerra Mundial já se sentiam, foi nomeado para o cargo de ministro plenipotenciário de Portugal (embaixador) em Berlim, iniciando funções a 17 de agosto de 1912.
Permaneceu naquele importante posto diplomático durante o período
crítico que levou à deflagração da guerra, mantendo um difícil
equilíbrio entre as pressões do Governo português, com posições
progressivamente pró-belicistas e anglófilas, as tentativas de dirimir
pela via diplomática os conflitos fronteiriços nas zonas de contacto
entre as colónias portuguesas e alemãs em África e o seu crescente
posicionamento germanófilo. Apesar dessas dificuldades, desempenhou o
cargo até 9 de março de 1916, data em que a Alemanha declarou guerra a Portugal, na sequência do aprisionamento dos seus navios que se encontravam em portos sob controlo português.
Regressado a Portugal, foi naturalmente engrossar a fileira daqueles que se opunham à participação de Portugal na Grande Guerra, catalisando o crescente descontentamento causado pelo esforço de guerra e pelos maus resultados obtidos pelo Corpo Expedicionário Português na frente de batalha.
Afirmou-se então como o principal líder da contestação ao Governo do Partido Democrático Republicano
e, de 5 a 8 de dezembro de 1917, liderou uma insurreição protagonizada
por uma Junta Militar Revolucionária, da qual era Presidente. O golpe de
estado acabou vitorioso, após três dias de duros confrontos, nos quais o
papel dos grupos civis foi determinante para a vitória dos revoltosos.
O I Congresso do PCP - fundado em 6 de março de 1921 em Assembleia
realizada na Associação dos Empregados de Escritório em Lisboa -
realiza-se em 12 de novembro de 1923, em Lisboa.
Nele participam já 90 delegados representando 27 organizações. As teses,
publicadas antes em "O Comunista", haviam sido previamente debatidas
nas organizações. O então secretário-geral, José Carlos Rates, apresentou o
Relatório do Comité Executivo, e o Congresso aprovou uma Resolução
sobre a organização, os Estatutos, o Programa de Ação e uma Resolução
sobre a Questão Agrária.
Entre as orientações saídas do I Congresso, destaque para a reclamação
que " o camponês detenha a terra que possa fazer frutificar com o seu
braço" e das oito horas de trabalho para os trabalhadores rurais
assalariados. O I Congresso apontou o perigo do fascismo e salientou a
importância da unidade da classe operária para o derrotar e manifestou a
sua solidariedade para com os comunistas e sindicalistas presos pelo
governo.
Na origem da revolta estive a demissão do governo de Liberato Damião Ribeiro Pinto,
e a sua condenação a um ano de detenção (confirmada a 10 de setembro
de 1921 pelo Conselho Superior de Disciplina do Exército), um conjunto
de militares ligados àquela força policial, a que se juntaram militares
do Exército e da Armada, se sublevou.
O 19 de outubro de 1921 foi o fim da 1ª República. Formalmente ela
continuou até 28 de maio de 1926. Pelo meio, alguns episódios grotescos
de um regime em degenerescência: as governações de António Maria da
Silva, o carbonário tornado o chefe todo poderoso do PRP e dos
respetivos caciques, diretas ou por interpostos testas de ferro; a
eleição de Teixeira Gomes para a Presidência da República, uma manobra
de Afonso Costa para tentar regressar ao poder; a renúncia de Teixeira
Gomes quando percebeu que nem conseguia o regresso de Afonso Costa, nem
passaria de um títere nas mão do odiado chefe do PRP: renunciou e
abandonou o país no primeiro barco que zarpou da barra de Lisboa com
destino ao estrangeiro.
Entre o assassinato de Sidónio Pais e os massacres de 19 de outubro de
1921, Portugal, teoricamente um regime parlamentar, viveu sob uma
ditadura tutelada pelos arruaceiros e rufias dos cafés e tabernas de
Lisboa e pela Guarda Nacional Republicana, uma Guarda Pretoriana do
regime, bem municiada de artilharia e armamento pesado, concentrada na
zona de Lisboa e cujos efetivos passaram de 4.575 homens em 1919 para
14.341 em 1921, chefiados por oficiais «de confiança», com vencimentos
superiores aos do exército. A queda do governo de Liberato Pinto, o
principal cacique e mentor da GNR, em fevereiro de 1921, colocou as
instituições democráticas na mira dos arruaceiros e pretorianos do
regime a que se juntaram sindicalistas, anarquistas, efetivos do corpo
de marinheiros, etc.. O governo de António Granjo, formado a 30 de agosto, era o alvo.
O nó górdio foi o caso Liberato Pinto, entretanto julgado e condenado
em Conselho de Guerra por causa das suas atividades conspirativas.
Juntamente com o Mundo, a Imprensa da Manhã, jornal sob a
tutela de Liberato Pinto, atacavam diariamente o governo, tentando
provar, através de documentos falsos, que o Governo projetava o cerco
de Lisboa por forças do Exército, para desarmar a Guarda Nacional
Republicana. No Diário de Lisboa apareceram, entretanto, algumas
notas relativas ao futuro movimento. Em 18 de agosto, um informador
anónimo dizia da futura revolta: «Mot d'ordre: a revolução é a última. Depois, liquidar-se-ão várias pessoas».
O coronel Manuel Maria Coelho era o chefe da conjura. Acompanhavam-no,
na Junta, Camilo de Oliveira e Cortês dos Santos, oficiais da G.N.R.,
e o capitão-de-fragata Procópio de Freitas. O republicanismo histórico
do primeiro aliava-se às forças armadas, que seriam o pilar da
revolução. Depois de uma primeira tentativa falhada, em que alguns dos
seus chefes foram presos e libertados logo a seguir, o movimento de 19
de outubro de 1921 desenrolou-se num dia apenas, entre a manhã e a
noite.
Três tiros de canhão disparados da Rotunda pela artilharia pesada da
GNR tiveram a sua resposta no Vasco da Gama. Passavam à ação as
duas grandes forças da revolta. A Guarda concentrou os seus elementos
na Rotunda; o Arsenal foi ocupado pelos marinheiros sublevados, que não
encontraram qualquer resistência; núcleos de civis armados percorreram
a cidade em serviço de vigilância e propaganda. Os edifícios públicos,
os centros de comunicações, os postos de comando oficiais caíram
rapidamente em poder dos sublevados. Às 09.00 horas, uma multidão de soldados,
marinheiros e civis subiu a Avenida para saudar a Junta vitoriosa.
Instalado num anexo do hospital militar de Campolide, o seu chefe, o
coronel Manuel Maria Coelho, presidia àquela vitória sem luta.
Em face da incapacidade de resistir, às dez da manhã, António Granjo escreveu ao Presidente da República: «Nestes
termos, o governo encontra-se sem meios de resistência e defesa em
Lisboa. Deponho, por isso, nas mãos de V. Ex.a a sorte do Governo...» António José de Almeida respondeu-lhe, aceitando a demissão: «Julgo
cumprir honradamente o meu dever de português e de republicano,
declarando a V. Ex.a que, desde este momento, considero finda a missão
do seu governo...» Recebida a resposta, António Granjo retirou-se para sua casa. Eram duas da tarde.
O PR recusou-se a ceder aos sublevados. Afiançou que preferiria
demitir-se a indigitar um governo imposto pelas armas. Às onze da
noite, ainda sem haver solução institucional, Agatão Lança avisou
António José de Almeida que algo de grave se estava a passar. Perante
tal, conforme descreveu depois o PR, «Corri ao telefone e investi o
cidadão Manuel Maria Coelho na Presidência do Ministério, concedendo-lhe
os poderes mais amplos e discricionários para que, sob a minha inteira
responsabilidade, a ordem fosse, a todo o transe, mantida».
Passando a palavra a Raul Brandão (Vale de Josafat, págs. 106-107), «Depois
veio a noite infame. Veio depois a noite e eu tenho a impressão nítida
de que a mesma figura de ódio, o mesmo fantasma para o qual todos
concorremos, passou nas ruas e apagou todos os candeeiros. Os seres
medíocres desapareceram na treva, os bonifrates desapareceram, só
ficaram bonecos monstruosos, com aspetos imprevistos de loucura e
sonho...».
Sentindo as ameaças que se abatiam sobre ele, António Granjo buscou
refúgio na casa de Cunha Leal. Cunha Leal tinha simpatias entre os
revoltosos (tinha aliás sido sondado para ser um dos chefes do
movimento, mas recusara) e Granjo considerou-se a salvo. Todavia, a
denúncia de uma porteira guiou os seus perseguidores que tentaram entrar
na casa de Cunha Leal para deter António Granjo. Cunha Leal
impediu-os, mas a partir desse momento ficaram sem possibilidades de
fuga porque, pouco a pouco, o cerco apertara-se e grupos armados
vigiavam a casa. Apelos telefónicos junto de figuras próximas dos
chefes da sublevação, que pudessem dar-lhes auxílio, não surtiram
efeito.
Perto das nove da noite compareceu um oficial da marinha, conhecido de ambos, que afirmou que levaria Granjo para bordo do Vasco da Gama,
um lugar seguro. Cunha Leal vacilou. Granjo mostrou-se disposto a
partir. Cunha Leal acompanhou-o, exigindo ao oficial da marinha que
desse a palavra de honra de que não seriam separados. Meteram-se na
camioneta que afinal não os levaria ao refúgio do Vasco de Gama, mas ao
centro da sublevação.
A camioneta chegou ao Terreiro do Paço onde os marinheiros e os
soldados da Guarda apuparam e tentaram matar António Granjo. Cunha Leal
conseguiu então salvá-lo. A camioneta entrou, por fim, no Arsenal e os
dois políticos passaram ao pavilhão dos oficiais. Um grupo rodeou Cunha
Leal e separou-o de Granjo, apesar dos seus protestos. Os seus brados
levaram a que um dos sublevados disparasse sobre ele, atingindo-o três
vezes, um dos tiros, gravemente, no pescoço. Foi conduzido ao posto
médico do Arsenal.
Entretanto, vencida a débil resistência de alguns oficiais, marinheiros
e soldados da GNR invadiram o quarto onde estava António Granjo e
descarregaram as suas armas sobre ele. Caiu crivado. Um corneteiro da
Guarda Nacional Republicana cravou-lhe um sabre no ventre. Depois,
apoiando o pé no peito do assassinado, puxou a lâmina e gritou: «Venham ver de que cor é o sangue do porco!»
A camioneta continuou a sua marcha sangrenta, agora em busca de Carlos
da Maia, o herói republicano do 5 de outubro e ministro de Sidónio
Pais. Carlos da Maia inicialmente não percebeu as intenções do grupo de
marinheiros armados. Tinha de ir ao Arsenal por ordem da Junta
Revolucionária. Na discussão que se seguiu só conseguiu o tempo
necessário para se vestir. Então, o cabo Abel Olímpio, o Dente de Ouro,
agarrou-o pelo braço e arrastou-o para a camioneta que se dirigiu ao
Arsenal. Carlos da Maia apeou-se. Um gesto instintivo de defesa
valeu-lhe uma coronhada brutal. Atordoado pelo golpe, vacilou, e um tiro
na nuca acabou com a sua vida.
A camioneta, com o Dente de Ouro por chefe, prosseguiu na sua missão macabra. Era seguida por uma moto com sidecar, com repórteres do jornal Imprensa da Manhã. Bem informados como sempre, foram os próprios repórteres que denunciaram: «Rapazes, vocês por aí vão enganados... Se querem prender Machado Santos venham por aqui...». Acometido pela soldadesca, Machado Santos procurou impor a sua autoridade: «Esqueceis que sou vosso superior, que sou Almirante!». Dente de Ouro foi seco: «Acabemos com isto. Vamos». Machado Santos sentou-se junto do motorista, com Abel Olímpio, o Dente de Ouro, a seu lado. Na Avenida Almirante Reis, a camioneta imobiliza-se devido a avaria no motor. Dente de Ouro e os camaradas não perdem tempo. Abatem ali mesmo Machado Santos, o herói da Rotunda.
Não encontraram Pais Gomes, ministro da Marinha. Prenderam o seu
secretário, o comandante Freitas da Silva, que caiu, crivado de balas, à
porta do Arsenal. O velho coronel Botelho de Vasconcelos, um apoiante
de Sidónio, foi igualmente fuzilado. Outros, como Barros Queirós,
Cândido Sotomayor, Alfredo da Silva, Fausto Figueiredo, Tamagnini
Barbosa, Pinto Bessa, etc., salvaram a vida por acaso.
Os assassinos foram marinheiros e soldados da Guarda. Estavam tão
orgulhosos dos seus atos que pensaram publicar os seus nomes na Imprensa da Manhã,
como executores de Machado Santos. Não o chegaram a fazer devido ao
rápido movimento de horror que percorreu toda a sociedade portuguesa
face àquele massacre monstruoso. Mas quem os mandou matar?
O horror daqueles dias deu lugar a uma explicação imediata, simples e
porventura correta: os assassínios de 19 de outubro tinham sido a
explosão das paixões criadas e acumuladas pelo regime. Determinados
homens mataram; a propaganda revolucionária impeliu-os e a explosão da
revolução permitiu-lhes matar. No enterro de António Granjo, Cunha Leal
proclamou essa verdade: «O sangue correu pela inconsciência da
turba — a fera que todos nós, e eu, açulámos, que anda solta, matando
porque é preciso matar. Todos nós temos a culpa! É esta maldita política
que nos envergonha e me salpica de lama». No mesmo ato, afirmaria Jaime Cortesão: «Sim,
diga-se a verdade toda. Os crimes, que se praticaram, não eram
possíveis sem a dissolução moral a que chegou a sociedade portuguesa».
Com o tempo, os republicanos procuraram outras explicações. Não podiam
aceitar a explicação simples que teria sido a sua ação, o radicalismo
da sua política, a imundície que haviam lançado desde 1890 sobre toda a
classe política, a sua retórica de panegírico aos atentados bombistas
(desde que favoráveis), aos regicidas, a desencadear tanta
monstruosidade. Significava acusarem-se a si próprios. Outras
explicações foram aparecendo, sempre mais tortuosas, acerca dos
eventuais culpados: conspiração monárquica; Cunha Leal (apesar de ter
sido quase morto); Alfredo da Silva (apesar de, nessa noite, ter
escapado à justa e tido que se refugiar em Espanha) uma conspiração
monárquica e ibérica; a Maçonaria (a ação da Maçonaria sobre a
Guarda, impelindo-a para a revolução, era constante, mas isso não
significa que desse ordens para aqueles crimes)
Os assassinados na Noite Sangrenta não seriam, entre os republicanos,
aqueles que mais hostilidade mereceriam dos monárquicos. Eram
republicanos moderados. O furor dos assassinos liquidara homens tidos,
na sua maior parte, como simpatizantes do sidonismo. Não se tratava de
vingar outubro de 1910, mas sim dezembro de 1917. Carlos da Maia e
Machado Santos foram ministros de Sidónio Pais. Botelho de Vasconcelos,
coronel na Rotunda, às ordens de Sidónio Pais. Se as matanças de 19 de
outubro de 1921 foram uma vingança terão de ser referenciadas à
República Nova e não ao 5 de outubro. Aliás, num gesto significativo, os
revolucionários libertaram o assassino de Sidónio Pais.
Há na Noite Sangrenta factos que se impõem de maneira evidente. A 20 de outubro, a Imprensa da Manhã
reivindicou para si a glória de ter preparado o movimento, mas
repudiou as suas trágicas consequências, especialmente a morte de
Granjo. Ora anteriormente, dia após dia, aquele diário havia acusado e
ameaçado Granjo, injuriando-o sistematicamente. Como podia agora lavar
as mãos da sua morte? Aliás, a atitude dos assassinos foi concludente:
depois de matarem Machado Santos, dirigiram-se na camioneta da morte à Imprensa da Manhã
para lhe agradecerem o apoio e para aquela publicar os nomes dos que
tinham fuzilado o Almirante. Um deles confessou mais tarde que Machado
Santos havia sido localizado por informações de jornalistas da Imprensa da Manhã.
Os assassinos procuravam a satisfação e a glória de uma obra
realizada, no diário matutino onde se proclamara a necessidade dessa
realização.
Os assassinos nunca esperaram ser castigados. Mesmo durante o
julgamento sempre esperaram a absolvição. Quando foram condenados, entre
gritos de vingança e de apoio à «República radical», alguns acusaram
altos oficiais de não terem autoridade moral para os condenarem, pois
estavam por detrás da carnificina. Os assassinos tinham, de certo modo,
razão: eles tinham agido dentro da lógica que o republicanismo tinha
instilado neles. Em todos os regimes que nascem e se sustentam no crime e
no terror (por muito justa que a causa possa ser), há sempre o momento
(ou os momentos) em que a revolução devora os próprios filhos.
Para terminar devo referir que nem Manuel Maria Coelho, nem nenhum dos
«outubristas», conseguiu formar um governo estável. O horror fez todos
os nomes sonantes recusarem fazer parte de um governo de assassinos.
Menos de dois meses depois da revolução, António José de Almeida, em 16
de dezembro de 1921, entregou a chefia do ministério a Cunha Leal.
A GNR foi pouco a pouco desmantelada e reduzida a uma força de policiamento rural.
NOTA: a república e os republicanos tentaram, durante anos, apagar ou disfarçar este triste episódio da História de Portugal (e continuam ainda - as referências ao mesmo vão sendo, sucessivamente, expurgadas,misteriosamente,dos
livros e da Internet...); felizmente há quem não deixe esquecer este
momento, que ilustra muito bem o que foi a bandalheira da I república e
dos seus adeptos. Havendo ainda alguns que preservam e defendem a sua
memória, há que recordar, na sua totalidade, este período trágico da nossa
História que foi a vergonhosa I república em Portugal.
Celebremos o 5 de outubro de 1143 que é de todos, e esqueçamos o de 1910 que foi de muito poucos.
“A I República nasceu da violência e dali em diante viveu da
violência. Essa violência, como costuma suceder desde 1789, tomou a
forma de um terrorismo de massa. Até 1917, e com mais brandura, até
1926, grupos republicanos (ligados diretamente ou indiretamente ao
partido), à mistura com algumas centenas de adeptos da anarquia e da
bomba: mataram, prenderam, torturaram, degredaram, espiaram e ameaçaram o
cidadão comum. Milhares de inocentes por discordância ou inadvertência
lhes caíram nas mãos.”
Vasco Pulido Valente, 9 de setembro de 2012
Depois de aqui há anos, no centenário da República, ter sido realizado o
maior escrutínio historiográfico alguma vez feito a este período negro
da nossa história, seria natural que os bem-intencionados titulares do
regime se envergonhassem um pouco no momento de o festejar: a revolução
de 5 de outubro de 1910, definitivamente, não merece quaisquer
celebrações num país que pretenda ser civilizado.
Bandeira da Carbonária (organização terrorista secreta republicana)
Mas, porque a memória é curta, atrevo-me a fazer hoje uma pequena
síntese daquele período de terror, emergente do feroz regicídio, o
assassinato do Rei D. Carlos I e do Príncipe D. Luís Filipe, acicatado
pelas mais indecorosas campanhas de propaganda populista pelos
extremistas na imprensa livre das cidades de Lisboa e Porto, que fariam
corar de vergonha os seus homólogos da atualidade.
Poucos anos antes de 1910, o PRP era um partido sem implantação
nacional, só com alguma expressão nos grandes centros urbanos, como
acontece atualmente com os partidos da esquerda radical: as suas
estruturas paroquiais não funcionavam, e os seus líderes detestavam-se
passando o tempo em intrigas e guerras intestinas. Por isso, apesar dum
crescimento no reinado de D. Manuel II, entre os anos de 1908/10, o
triunfo da República no 5 de Outubro foi recebido com surpresa e
incredulidade por quase todo o país, em particular pelos próprios
republicanos. São muitos os testemunhos nesse sentido. Os portugueses,
ainda mal refeitos do escândalo do regicídio, nem imaginavam o que os
esperava.
O facto é que, nos tempos que se seguiram à revolução, foi implantado
um dos regimes mais intolerantes e violentos que Portugal alguma vez
teve. Com a demissão ou exílio das antigas elites, militares e civis, a
aceleração da decadência das instituições, o caos da vida pública, as
prisões políticas em massa, os assassinatos, as bombas e tiroteios, a
repressão da imprensa livre, materializada na destruição, assalto e
violência exercida sobre os jornais e os jornalistas, o processo
atingiria píncaros impensáveis a 19 de outubro de 1921.
A Camioneta Fantasma
Nesse dia, um levantamento
militar obscuro conhecido por Noite Sangrenta, fez percorrer uma
“camioneta-fantasma” por Lisboa em busca de diversas figuras do regime
republicano, que foram executadas a sangue-frio por um grupo de
marinheiros chefiado pelo Cabo Abel Olímpio, homem sinistro conhecido
pela alcunha de “Dente d’Ouro”. O País, há muito arrastado pelo chão,
afundava-se na lama. Nessa terrível noite, foram assassinados entre
outros, o Presidente do Conselho de Ministros, António Granjo, e Machado
Santos e Carlos da Maia, “heróis da Rotunda”. A instabilidade política e
social que, entre 1910 e 1926, resultou em 45 governos e sete
presidentes da República, um dos quais assassinado a tiro (Sidónio
Pais), reflete bem um país sem rei nem roque.
Todo este processo de violência e acelerada decadência, a perseguição
aos católicos, que eram a grande maioria dos portugueses, os assaltos e
encerramentos de jornais, a restrição acentuada do direito de voto, as
prisões políticas, a criação da Formiga Branca, e todo o terrorismo
patrocinado pelo Estado, contribuiu definitivamente para o golpe militar
de 1926 e a emergência do Estado Novo. O silêncio acrítico da maioria
da historiografia do Estado Novo quanto ao regime tenebroso que o
antecedeu foi por certo um alto preço pago por Salazar para manter o
apoio dos republicanos, deste modo postos em sossego.
Piquete da Formiga Branca
Como seria de esperar, as promessas republicanas de delirantes amanhãs
que cantavam depressa se revelaram em desavergonhadas mentiras. Desde
logo quanto à discriminação da participação política das mulheres na
vida pública. De facto, foi a I República que excluiu pela primeira vez
as mulheres da vida cívica, ao negar-lhes por lei o direito de voto,
depois de a médica Beatriz Ângelo ter alcançado esse intento ao votar
nas primeiras eleições republicanas, em 28 de Maio de 1911, aproveitando
as indefinições existentes no enunciado de uma Lei… da monarquia.
Quando se falou do voto feminino pela primeira vez na Assembleia
Constituinte de 1911, a sugestão foi recebida com uma frase curta,
lacónica, recusando categoricamente a utilidade do voto feminino: “Tem
dado lá fora (o alargamento do sufrágio) mau resultado porque as
mulheres têm sido quase todas reacionárias” (Atas da Assembleia
Nacional Constituinte. Sessão n.º 21, de 14 de Julho de 1911). Na
“História da República”, de Raúl Rego, pode ler-se que a legislação de
1913 retirou o voto aos analfabetos e às mulheres, significando isto que
“a República, na igualdade dos sexos, voltava sobre si mesma e à
discriminação da mulher, anjo do lar”. A “democracia” emergente do 5 de
Outubro assentou na redução do eleitorado de 70% para 30% dos homens
adultos em Portugal…
Convite para sessão inaugural da Assembleia constituinte – só para homens
Com o 5 de Outubro de 1910 iniciou-se um período de violenta
perseguição religiosa em Portugal. A Igreja viveu por esses dias um
período de semiclandestinidade durante o qual diversos membros do clero
foram sujeitos à prisão, a maus-tratos e à morte. No Natal de 1910, com
as Igrejas tomadas pelos republicanos, a Missa do Galo foi celebrada à
porta fechada, com acesso limitado, e poucos tinham acesso aos
“bilhetes” de entrada distribuídos às escondidas.
Curiosamente,
não será coincidência a acrisolada devoção dos republicanos ao Marquês
de Pombal, na mesma medida em que tomaram os jesuítas como bodes
expiatórios, tão insistentemente perseguidos pela propaganda
revolucionária. É sintomático que a reverência ao tirânico
primeiro-ministro de Dom José tenha perdurado ao longo das décadas, e a
sua estátua, a maior de Lisboa, tenha sido inaugurada em 1934 em pleno
Estado Novo. De facto, o Marquês de Pombal, além da perseguição aos
jesuítas, era tido por um herói inspirador do Partido Republicano
Português. O seu centenário foi celebrado ruidosamente pelo PRP, em
1882, e sobre o déspota foram proclamados os maiores encómios, como
este: “A barbaridade, essa era do tempo e nada tem que admirar no
supplicio dos Tavoras. O que temos a notar, porem, é que o rigor do
ferreo ministro cahia egualmente implacável sobre nobres e plebeus,
sobre os poderosos e sobre os parias!”; ou este: “O despotismo, a
tyrannia de que se argue Pombal, era imposta pelas necessidades, como o
único meio de chegar à liberdade” (M. Emygdio Garcia). Robespierre e
Saint-Juste não diriam melhor.
Caricatura de Afonso Costa
Os jesuítas foram impiedosamente acossados, nos dias seguintes à
implantação da República, e são sinistros os relatos do jornalista
Valentine Williams, correspondente do News-Chronicle que
chegara a Lisboa para testemunhar os acontecimentos. O seu relato do
bombardeamento e assalto popular ao colégio jesuíta do Quelhas é
impressionante, tendo o próprio, ao ser confundido com um padre da
Companhia, sido detido, preso por uma corda, arrastado e conduzido à
sede do Governo Civil, onde conseguiu identificar-se e ser libertado,
não sem antes lhe terem inspecionado a nuca à procura da tonsura. Na
sequência do seu testemunho da destruição em curso no Colégio,
dirigiu-se ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Bernardino Machado,
pedindo-lhe que pusesse cobro à destruição da valiosa biblioteca. A
resposta do futuro presidente da República – que curiosamente ou talvez
não, não acabou nenhum dos seus dois mandatos – foi lacónica: “A
propriedade desses patifes está sequestrada pelo povo Português”,
declarou com a solenidade de um mocho. “O povo está no seu direito. Não
há nada que eu possa fazer. Bom dia”.
Dos milhares de presos
políticos da Primeira República também pouco se fala. Em 1913, já as
notícias sobre maus-tratos que lhes eram infligidos tinham transposto
fronteiras e conquistado as atenções da opinião pública nos países com
mais ascendente sobre a nação lusa. Os grandes órgãos da imprensa
britânica, o Times, o Spectator, o MorningPost,
reproduziam, com abundância de pormenores, os casos de humilhação,
violência, tortura, abuso de poder e tratamento desumano nas prisões
portuguesas – a República tinha, por exemplo, adotado o humilhante
capuz penitenciário. A Duquesa de Bedford, presidente da Associação de
Visitadoras de Prisões, deslocou-se a Portugal nos princípios de 1913 e
visitou várias prisões, onde encontrou motivos para um indignado
protesto que publicou em Londres. Sobre este assunto aconselha-se
vivamente a leitura do livro biográfico Constança Telles da Gama – Fio-de-Prumo,
da autoria de Maria João da Câmara, que inclui pungentes testemunhos da
selvajaria infligida a todos aqueles, das mais diversas classes sociais
(os mais indefesos naturalmente, eram os mais humildes), que foram
denunciados e detidos como monárquicos.
São contundentes os números relativos ao ensino, apresentados por Rui Ramos na sua História de Portugal
publicada pela Esfera dos Livros: “O número de escolas primárias em
funcionamento, que subira de 4.665 em 1901 para 6.412 em 1911,
continuava em 6.750 em 1918. A taxa de escolarização, depois de aumentar
de 22,1% para 29,3% entre 1900 e 1910, quase estagnou até 1920 (30,3%).
Entre 1911 e 1920, o analfabetismo na população maior de 7 anos recuou
apenas de 70,2% para 66,2%, isto é, desceu menos que entre 1900 e 1911”.
Empenhados em reprimir o país que rebeldemente lhes resistia, cada vez
mais miserável, a velha promessa de prover educação ao povo, “e acabar
com a acabar com a religião católica em Portugal em duas gerações” –
como declarou Afonso Costa, quando era ministro da Justiça e Cultos –
poucos resultados teve.
No que respeita à censura e ao controlo da
imprensa, o método utilizado na maioria das vezes foi o do
empastelamento, do assalto e da destruição dos jornais que se atreviam a
confrontar o regime, pela Formiga Branca, uma autêntica polícia
política irregular, antecessora da PIDE, que existiu na órbita do
Partido Republicano. Durante esse período, o regime estabeleceu formas
imaginativas, diretas e eficazes de impedir o acesso do público aos
textos críticos ou condenatórios do regime: o uso do assalto, da
apreensão, da suspensão, e até da censura sem fundamento legal de
jornais ou artigos foi tão frequente e continuado, que, no seu conjunto,
constituiu um sistema repressivo sólido e consistente. A estratégia era
a sustentação de um regime que não aceitava a contestação dos seus
fundamentos, e de uma classe política que não arriscava colocar em jogo a
sua permanência no poder. É irónico que os ardinas tenham sido das
maiores vítimas da Formiga Branca: quando apanhados viam-se despojados
dos jornais, cuja venda era o seu ganha-pão. As correrias dos ardinas,
em fuga pelas ruas do Bairro Alto, eram acontecimento quotidiano.
O Ardina a fugir do Guarda Republicano, in Papagaio Real, 1914
Sabemos
que os herdeiros dos revolucionários de 1910 subsistem nos dias de hoje
em Portugal. Habitam as margens radicais da esquerda portuguesa. Sendo
uma minoria, têm exposição e palco desproporcionados à sua verdadeira
dimensão. Ainda que muitos o não confessem, sabemos, até porque lemos o
que escrevem e ouvimos o que dizem, que dificilmente hesitariam em usar
métodos semelhantes se o sistema o permitisse. Mas, mesmo assim, julgo
que isso não justifica que não se comece a pensar em reformar o feriado
do 5 de outubro, associando-o a um acontecimento capaz de unir e
mobilizar os portugueses, o da assinatura do Tratado de Zamora em 1143,
consensualmente considerado o momento da fundação da nacionalidade.
O
que passou está passado; as feridas, mesmo as mais profundas, estão,
para a maioria dos portugueses, já curadas e mesmo esquecidas. Já não há
justiça que se possa fazer. Mas ainda podemos ansiar por um futuro mais
harmonioso que faça justiça à nossa História comum. Hoje, por esse país
fora, em Lisboa, Coimbra e Guimarães, de forma invisível, celebra-se o 5
de outubro bom. Nesse sentido, celebremos 1143 que é de todos e
esqueçamos 1910 que foi de muito poucos.