O género humano acolheu, nesta quinta-feira, um novo membro, baptizado
Homo naledi e cuja descoberta vem complicar ainda mais um pouco a nossa árvore genealógica evolutiva.
Ossos do Homo naledi
Mão do Homo naledi
Maxilar do Homo naledi
Reconstituição da face do Homo naledi
Interior da gruta Dinaledi, onde os fósseis foram encontrados
Uma equipa internacional de cientistas anunciou esta quinta-feira, em conferência de imprensa, a descoberta de uma nova espécie de humanos antigos numa gruta na África do Sul. Os seus resultados foram publicados em dois artigos separados na revista
online de acesso livre
eLife.
A nova espécie foi baptizada
Homo naledi do nome da gruta, Dinaledi – que, em
sotho, uma das 11 línguas oficiais da África do Sul, significa “as estrelas”. Situada a uns 40 quilómetros de Joanesburgo, a gruta faz parte do local arqueológico conhecido como "Berço da Humanidade", que a UNESCO classificou como património mundial devido à riqueza de depósitos com fósseis que alberga nas suas inúmeras grutas.
Os 1.550 fósseis agora analisados, que são sobretudo ossos mas também dentes, foram recolhidos durante duas expedições à gruta, respectivamente em novembro de 2013 e março de 2014. Quatro dezenas de cientistas, liderados por Lee Berger, paleoantropólogo da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, participaram no empreendimento.
Desde 2008 que Berger começou a realizar uma prospecção minuciosa do Berço da Humanidade. E em 2010, já descobrira aliás uma nova espécie de australopiteco, o
Australopithecus sediba. Não admira portanto que a actual descoberta tenha agora feito exclamar a Eric Delson, do Museu Americano de História Natural de Nova Iorque, citado pelo
New York Times: “
Berger does it again!” (algo como “Berger volta a marcar!”)
Os ossos provêm de pelo menos 15 indivíduos e “representam a maior colecção de restos de hominíneos jamais descoberta no continente africano”, lê-se num comunicado da Universidade do Colorado (EUA), que também participou no trabalho.
“Astronautas subterrâneas”
O novo “homem das estrelas” merece duplamente a sua alcunha. É que, para aceder à câmara da gruta onde se encontravam a ossadas fósseis – a “câmara das estrelas” – foi precisa a ajuda de seis autênticas “astronautas subterrâneas”, lê-se ainda no mesmo comunicado. Seis jovens mulheres que desceram pela única via de acesso existente: uma fissura vertical, longa de 12 metros, cuja largura é por vezes da ordem dos 20 centímetros!
“A câmara que contém os fósseis está a uns 30 metros de profundidade e a cerca de 80 metros de distância, em linha recta, da entrada actual mais próxima da câmara”, lê-se num dos artigos publicados na
eLife, que
descreve a descoberta focando-se no contexto geológico e nas condições de fossilização das ossadas.
“Na gruta, encontrámos adultos e crianças que pertencem ao género
Homo, mas que são muito diferentes dos humanos modernos”, disse por seu lado o co-autor Charles Musiba durante a conferência de imprensa que decorreu em Maropeng, o centro oficial de acolhimento dos visitantes ao Berço da Humanidade. “Eram muito pequenos e tinham o cérebro do tamanho do dos chimpanzés.” Outro elemento da equipa, John Hawks, da Universidade do Wisconsin (EUA), acrescentou: “Tinham o cérebro do tamanho de uma laranja e um corpo muito esbelto.” Na idade adulta, mediam em média um metro e meio de altura e pesavam 45 quilos.
“O minúsculo cérebro e a forma do corpo de
Homo naledi são mais próximos do grupo pré-humano dos australopitecos do que de nós”, fez notar Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres e autor de um
artigo, na mesma revista, que comenta os resultados. “Mas as mãos, os pulsos e os pés são muito semelhantes aos do homem moderno.”
Caley Orr, também da Universidade do Colorado e co-autor do artigo dedicado aos
resultados da análise dos fósseis propriamente ditos, esteve a cargo do estudo das mãos e deu mais pormenores: “A mão tem características de tipo humano que lhe permitiam manipular objectos, mas ao mesmo tempo tem os dedos curvos, bem adaptados para trepar às árvores.”
As mãos de
Homo naledi “levam a crer que tinha a capacidade de usar ferramentas”, os seus dedos eram muito curvos e, ao mesmo tempo, é “praticamente impossível distinguir os seus pés dos do homem moderno”, acrescentam em comunicado conjunto a Universidade de Witwatersrand, a Sociedade
National Geographic (co-financiadora do projecto) e o Ministério sul-africano da Ciência. “Os seus pés e as suas pernas compridas permitem pensar que era capaz de caminhar durante muito tempo.”
Contudo, a posição exacta da nova espécie na árvore genealógica da evolução humana permanece desconhecida, bem como a idade dos fósseis.
“Se estes fósseis datam do fim do Plioceno [há 5,3 a 2,58 milhões de anos] ou do início do Pleistoceno [há entre 2,58 milhões e 700.000 anos], “é possível que esta nova espécie de
Homo, primitivo e com um cérebro pequeno, represente uma fase intermédia entre os australopitecos e o
Homo erectus”, teorizam os autores.
Mas se forem mais recentes, especulam ainda, talvez este pequeno humano tenha vivido, no Sul de África, na mesma altura em que ali evoluíram espécies humanas com cérebros maiores.
“Isto suscita muitas perguntas”, disse Musiba. “Quantas espécies de humanos havia? Havia linhagens que surgiam e depois desapareciam? Coexistiram com os humanos modernos? Procriaram com eles?”
Rituais funerários?
Mas há mais, como explica ainda o comunicado da Universidade do Colorado: uma das constatações mais surpreendentes dos cientistas foi que os corpos pareciam ter sido depositados intencionalmente na gruta. “Imaginámos vários cenários, incluindo o ataque de um carnívoro desconhecido, uma morte acidental ou até uma armadilha”, explicou Berger. “E chegámos à conclusão de que o cenário mais plausível é que esses corpos tenham sido deliberadamente colocados naquele sítio.”
Se assim for, isso, só por si, fala da humanidade daqueles homens primitivos e põe em causa a ideia geralmente aceite de que só os humanos mais recentes desenvolveram comportamentos ritualizados. Como salientou Stringer, “a prática indicaria um comportamento surpreendentemente complexo para uma espécie humana ‘primitiva’”. A datação dos fósseis poderá fornecer respostas a este enigma.
“A mistura de características do
Homo naledi”, acrescenta Stringer, “mostra mais uma vez a complexidade da árvore genealógica humana e a necessidade de realizar pesquisas mais aprofundadas para perceber a história e as derradeiras origens da nossa espécie”.
Seja como for, a câmara das estrelas “ainda não revelou todos os seus secretos”, frisa Berger. “Há potencialmente centenas, se não milhares, de restos fósseis de
Homo naledi que ainda estão lá em baixo.”