Allende foi o primeiro presidente de república e o primeiro
chefe de estado socialista marxista eleito democraticamente na
América. Os seus pilares ideológicos foram o socialismo, o marxismo e a
maçonaria. Allende foi um revolucionário atípico: acreditava na via eleitoral da
democracia representativa, e considerava ser possível instaurar o
socialismo dentro do sistema político então vigente em seu país.
Vida
Filho do
advogado e
notário Salvador Allende Castro e de Laura Gossens Uribe, Allende casou-se em
1940 com Hortensia Bussi Soto, com quem teve três filhas - Paz, Isabel e Beatriz.
Estudou medicina na
Universidade do Chile. Em
1927, é eleito presidente do Centro de Alunos, onde aprofundou o seu interesse pelo
marxismo. Entra para a
maçonaria, seguindo uma tradição familiar.
Grande orador, em
1933 é um dos fundadores do Partido Socialista Chileno onde integra o grupo parlamentar entre
1937 e
1943. Ocupa o
Ministério da Saúde de
1939 a
1942. Sai do partido em 1946.
Em 1945, foi eleito senador, cargo que exerceu durante 25 anos.
Candidata-se e perde as eleições presidenciais de 1952, 1958 e 1964.
Foi presidente constitucional do
Chile, apoiado pela
Unidade Popular
- que integrava comunistas, socialistas, radicais e outras correntes
populares, de outubro de 1970 até 11 de setembro de 1973, quando tropas
sediciosas de
extrema direita, lideradas pelo general
Augusto Pinochet, (com o apoio de governos exteriores, principalmente os
Estados Unidos através da
CIA mas também do
Brasil), bombardearam o palácio presidencial de
La Moneda, exigindo a sua renúncia. Allende faleceu resistindo ao ataque, às 14.15 horas desse dia. Em
1972 foi-lhe atribuído o
Prémio Lenine da Paz.
É difícil encontrar alguém com o espírito de luta, a coragem e a
história de Allende. Ele foi um homem que, na verdade, teve o nome
marcado na história: democraticamente a esquerda chegou ao poder, e
pelas bombas foi apeada do governo.
Mais importante do que encontrar equívocos nos acontecimentos que culminaram nas quedas dos governos de João Goulart,
no Brasil, e de Salvador Allende, no Chile, é reconhecer que havia
forças imperialistas com interesses nesses países, com democracias
frágeis.
Eleições
Em
1964, perdeu as eleições presidenciais para
Eduardo Frei, o candidato do partido de direita Democrata Cristão, graças a uma maciça intervenção publicitária da
CIA
que apoiou Frei, provendo mais da metade das verbas da sua campanha
política, e promovendo uma maciça campanha publicitária em seu favor. Na
terceira semana de junho de 1964 a agência publicitária encarregada
pela CIA produziu nada menos que 20
spots radiofónicos por dia em
Santiago, e em 44 estações provinciais e cinco "noticiários"
radiofónicos de doze minutos ao dia em três rádios de Santiago, e em 22
rádios provinciais. No final de junho de 1964 a CIA produzia 26
programas radiofónicos semanais de "comentários políticos".
Nas
eleições presidenciais de 1970 concorre como candidato da coligação de esquerda
Unidade Popular (UP) contra mais dois candidatos. Embora sem maioria absoluta, conquista o primeiro lugar com 36,2% dos votos, contra 34.9% de
Jorge Alessandri, o candidato da direita, e 27.8% do terceiro candidato,
Radomiro Tomic, cuja plataforma era similar à de Allende.
Altos funcionários norte-americanos discutiram o desejo de impedir a
posse do então recém-eleito presidente chileno, o esquerdista Salvador
Allende, em 1970.
Associated Press
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Como a
Constituição
chilena previa a necessidade de "maioria dupla" (no voto popular e no
Congresso), difíceis negociações foram entabuladas para a aprovação do
nome de Allende no Parlamento. Após o brutal assassinato do
Comandante-em-Chefe das Forças Armadas chilenas, o general
constitucionalista
René Schneider, perpetrado por elementos ligados à
Patria y Libertad, Allende teve, finalmente, o seu nome confirmado pelo Congresso chileno.
O partido Democrata Cristão do Chile, uma grande confederação
interclassista, com sua base popular baseado no proletariado da grande
indústria moderna, da industria moderna pequena e dos pequenos
proprietários rurais, aliada ao Partido Nacional, de extrema-direita,
controlava o Congresso chileno. A
Unidade Popular, representando o
proletariado formado pelos operários menos favorecidos, pelo proletariado agrícola, e pela baixa classe média urbana, controlava o
Poder Executivo. A oposição a
Allende
controlava 82 cadeias de radiodifusão contra 36 da esquerda, a maior
parte dos canais de televisão, e possuía 64 jornais contra 10 de
esquerda, sendo 10 diários contra 2. O presidente
Nixon autorizou pessoalmente uma doação do governo norte-americano de US$ 700.000 para o jornal oposicionista
El Mercurio, que depois foi seguida de várias outras.
Presidência
Allende assume a presidência e tenta
socializar a economia chilena, com base num projeto de
reforma agrária e
nacionalização das
indústrias. A sua política, a chamada
"via chilena para o socialismo",
pretendia, segundo ele, uma transição pacífica, com respeito às normas
constitucionais chilenas e sem o emprego de força, para uma sociedade
de paradigma socializante. Nacionaliza os
bancos, a parte das
minas de
cobre que restou em mãos privadas após as nacionalizações promovidas por
Frei, e várias grandes empresas - o
Estado
chileno chega a controlar 60% da economia - e passa a sofrer pesadas
pressões políticas norte-americanas e de grupos de pressão criados no
Chile pela
CIA, como a organização
terrorista Patria y Libertad, de orientação
nacionalista-
neofascista.
Em seu discurso de 21 de maio de 1971, falando sobre a meta e não
apenas sobre a etapa, definiu o socialismo chileno como libertário,
democrático e pluripartidário.
A adoção dessa linha socialista por Allende, implementada durante seus
três anos de permanência no poder, além de gerar a oposição dos
democrata-cristãos
direitistas,
de causar um verdadeiro pânico na maioria da classe média chilena, que
passou a sabotar sua economia, paralisando-a, quase totalmente, em
1973, provocou sua indisposição com a
esquerda radical chilena, como o
MIR,
que pugnava pela tomada do poder pela força, e criou antipatia com uma
parte importante do efetivo militar chileno, cujos chefes sempre foram
treinados e doutrinados nas academias militares dos
Estados Unidos. As sucessivas intervenções dos Estados Unidos na política interna chilena, iniciadas com do
Projeto Fubelt - Track II) e seguintes, acabaram por aprofundar sensivelmente os problemas da sua já frágil economia. Em
1973, a inflação chegou a cifras de 381,1%, os produtos básicos de consumo desapareceram das prateleiras, o
desemprego
crescia assustadoramente e a produção e o valor da moeda de então, o
Escudo Chileno, em proporção inversa, caíam de forma vertiginosa.
A versão mais conhecida do golpe militar
Uma das razões diretas do fracasso da "via chilena para o socialismo"
deveu-se a situação geopolítica mundial de então, de plena
Guerra Fria, com os
Estados Unidos envolvidos na
Guerra do Vietname, não podendo admitir o nascimento de um segundo regime socialista na sua área de influência, após
Cuba. Nos anos de 1970, na
América do Sul inteira, apenas o
Chile, a
Colômbia e a
Venezuela mantinham
Estados de Direito,
com governantes eleitos pelo povo. O Brasil, a Argentina, o Paraguai, a
Bolívia, o Peru, o Equador e o Uruguai, estavam tomados por regimes
militares, muitos instalados, e todos apoiados, por Washington. Além
disso as nacionalizações e estatizações adotadas pela
Unidade Popular feriram diretamente os interesses de grandes corporações americanas, dentre elas a então poderosa
ITT, que passou a pressionar o governo
Nixon
"a tomar providências". Um memorando interno da ITT detalhava os
planos americanos: "A esperança mais realista dentre aqueles que desejam
destituir Allende é que uma rápida deterioração da economia provoque
uma onda de violência que provoque um golpe militar". Em 1970 a
CIA criara o
Projeto Fubelt
(também chamado Track II, ou "política dos dois trilhos"), com o
objetivo de impedir a ascensão de Allende ao governo. Com a posse de
Allende o
Projeto Fubelt
fracassou, e acabou sendo desativado e substituído por outros, não sem
antes ter contribuído para o assassinato do Comandante em Chefe das
Forças Armadas chilenas, o general constitucionalista
René Schneider. Nisso também o
Projeto Fubelt não obteve grande sucesso porque o general assassinado foi substituído pelo não menos constitucionalista general
Carlos Prats.
Esse projeto abarcou um amplo espectro de atividades que iam do apoio a
assassinatos seletivos ao fomento greves desestabilizadoras, bem como à
contratação de políticos e militares direitistas para articular um
golpe de estado.
Rapidamente o governo americano submeteu o Chile a um bloqueio
económico informal, que impedia o Chile de obter empréstimos
internacionais ou bons preços para o cobre, o seu principal produto de
exportação. Isso foi denunciado por Allende num dramático discurso na
ONU. Os
Estados Unidos adotaram a estratégia de sufocar gradualmente a economia chilena até que um levantamento das Forças Armadas pusesse fim à
"via chilena para ao socialismo".
Edward Korry, o embaixador americano em Santiago, dizia: "não
permitiremos que nenhuma porca e nenhum parafuso (americanos) cheguem ao
Chile de Allende". O Chile, tradicionalmente dependente de importações
dos Estados Unidos, passou a ver suas indústrias e suas frotas de
camiões, tratores, autocarros e táxis serem progressivamente paralisadas
por falta de peças de reposição.
Richard Nixon
num seu despacho ao Departamento de Defesa fora enfático: "Há uma
hipótese em dez, mas salvem o Chile, façam a economia estancar !"
Uma greve de proprietários de camiões, financiada pela
CIA, começou na primavera, em 9 de setembro de 1972, e foi declarada pela
Confederación Nacional del Transporte, então presidida por
León Vilarín, um dos líderes do grupo
paramilitar neofascista Patria y Libertad. Essa greve, por prazo indeterminado, impediu o plantio da safra agrícola 1972/73 no
Chile.
A asfixia económica do Chile, preconizada pelo governo dos
Estados Unidos
logo começou a dar seus frutos venenosos. Os Estados Unidos sabotaram
os empréstimos ao Chile, "convidaram" as empresas americanas a
abandonar os países que mantivessem relações comerciais com o Chile,
subvencionaram vários conspiradores (por exemplo, a central da
CIA no Paraguai financiou boa parte da greve dos proprietários de camiões, e também deu apoio financeiro ao líder
neofascista da
Frentre Nacional Pátria y Libertad,
Roberto Thieme, que se escondia em
Mendoza). Até 1973 os industriais chilenos mantiveram o
Sistema de Asociaciones Civiles Organizadas, cujo objetivo era provocar a falta de géneros de primeira necessidade no país.
Criou-se um clima de enfrentamento, provocado tanto pela esquerda extremista do
MIR, como pela extrema direita
neofascista do
Patria y Libertad, entidade criada com o apoio da
CIA, e cujos membros recebiam treinamento de
guerrilha e bombardeio em
Los Fresnos, no estado norte americano do
Texas. Os integrantes do
MIR fizeram chegar ao Chile armas soviéticas, vindas de
Cuba, enquanto os direitistas articulavam-se com a
CIA
(a agência dos Estados Unidos gastou 12 milhões de dólares financiando
greves, especialmente a dos proprietários de camiões - que paralisou o
país, impedindo a plantação da uma colheita e provocando a falta de
géneros de primeira necessidade), e com setores militares.
Multiplicavam-se os atentados e assassinatos, e as greves gerais
patronais.
Essa situação acabou por provocar o almejado "descalabro económico" -
que foi, em sua maior parte, provocado por sabotagens dos opositores de
Allende contra a economia chilena - e que atingiu em cheio o governo da
Unidade Popular,
fazendo com que a inflação saltasse para patamares até então
desconhecidos. A inflação passou de 22,1% em 1971 para 163,4% em 1972 e
381,1% no ano do golpe, o que fez com que o crescimento do
PIB chileno passasse de 9% positivos em 1971 para 4,2% negativos em 1973.