Auto retrato (1794)
Juventude
Jacques-Louis David nasceu de uma próspera família parisiense. Quando tinha nove anos seu pai foi morto em duelo, e sua mãe o entregou aos cuidados de seus tios abastados, que providenciaram para que ele tivesse uma educação primorosa no Collège des Quatre-Nations,
mas ele jamais foi um bom aluno - sofria de um tumor na face que
afetava sua fala, e passava o tempo a desenhar. Desejava ser pintor,
contrariando os planos de sua mãe e tios, que o queriam um arquiteto.
Vencendo a oposição, buscou tornar-se aluno de François Boucher, seguidor do rococó
e o principal pintor de sua geração, que era também seu parente
distante. Mas Boucher, em vez de aceitá-lo como discípulo, o enviou para
aprender com Joseph-Marie Vien, um artista que já trabalhava numa linha classicista, e o jovem ingressou então na Academia Real.
Tentou o Prêmio de Roma
por quatro vezes, sendo em todas preterido. Depois do quarto fracasso
iniciou uma greve de fome, mas não a levou ao cabo. Finalmente em 1774
teve sucesso, dirigindo-se a Roma para ingressar na Academia de Roma,
e a ajuda do professor Vien o poupou de um estágio preliminar em outra
escola, o que era uma praxe. Lá executou inúmeros desenhos e esboços das
ruínas da cidade histórica, material que o proveu de inspiração para as
arquiteturas de suas telas ao longo de toda a vida. Estudando os
antigos mestres, sentia uma predileção por Rafael Sanzio, e ao visitar Pompeia
ficou maravilhado. Depois destas impressões tão fortes decidiu adotar
em seus trabalhos um estilo de acordo com os conceitos do classicismo.
Primeiras obras-primas
Sua convivência com os colegas na Academia de Roma não era fácil, mas
em geral era-lhe reconhecido o gênio. Depois de cinco anos na capital
italiana voltou a Paris, onde teve uma recepção calorosa, que lhe abriu
as portas da Academia Real, para onde enviou duas pinturas de admissão,
ambas incluídas no Salão de 1781, uma honrosa exceção aos
critérios rígidos que norteavam o concurso. Seu sucesso precoce lhe
rendeu a hostilidade de membros da administração da Academia, mas teve o
favor real de poder instalar-se no Louvre,
um privilégio concedido somente a grandes artistas. Ao mesmo tempo
desposou Marguerite Charlotte, filha do administrador do palácio, M.
Pecol, casamento que lhe trouxe dinheiro e quatro filhos. Já com muitos
alunos, recebeu a encomenda do rei para pintar Horácio defendido por seu pai, mas ele argumentou que só em Roma poderia pintar romanos, e conseguiu de seu padrinho os recursos necessários para a viagem.
Novamente na cidade eterna, David pintou O Juramento dos Horácios
(1784), uma de suas primeiras obras-primas, cuja novidade maior foi a
clara caracterização dos papéis masculinos e femininos, seguindo
preceitos de Rousseau,
e o elogio de ideais patrióticos republicanos, temas que continuaria a
abordar por muito tempo. De acordo com o historiador Arnold Hauser, esta
obra "constitui um dos maiores êxitos registados na história da arte.
Apesar de seu tratamento linear e cerebral, conseguiu obter um grande
efeito dramático. Ainda em Roma o pintor acalentou a ideia de tornar-se o
diretor da secção da Academia Francesa naquela cidade, mas alegando-se
sua pouca idade, seu pleito foi recusado.
Sua próxima obra de vulto foi A Morte de Sócrates (1787), exibida no Salão de 1787, que foi comparado a criações imortais de Michelangelo e Rafael Sanzio. Diderot a qualificou de "absolutamente perfeita", e obteve igualmente a aprovação real.
Em seguida pintou Os litores trazendo a Brutus os corpos de seus filhos, e um retrato de Lavoisier, mas neste ínterim, eclodindo a Revolução, todas as obras deveriam ser aprovadas de antemão para serem exibidas, e Os litores
foi recusado por ser sua simbologia republicana, o mesmo ocorrendo com o
retrato, recusado pelas associações do famoso químico com o partido Jacobino.
Contudo, quando os jornais noticiaram a proibição o público ficou
ultrajado, e o júri teve de reconsiderar, expondo o quadro dos Litores sob uma escolta voluntária de estudantes de arte.
David revolucionário
David apoiou a Revolução Francesa desde o início, era amigo de Robespierre e membro do Clube dos Jacobinos.
Enquanto outros deixavam o país em busca de novas oportunidades, David
permaneceu para auxiliar na queda do antigo regime, votando pela morte
do rei; de fato, na primeira Convenção Nacional
que se reuniu ele foi alcunhado de "terrorista feroz". Logo, porém, ele
voltou sua crítica contra a Academia, possivelmente por causa da
hipocrisia que sentia nos bastidores e da oposição que suas obras haviam
sofrido no início de sua carreira. Seus ataques lhe trouxeram ainda
maiores inimizades, uma vez que a instituição era um refúgio dos
realistas, mas com o aval da Assembleia Nacional ele planeou reformas
na antiga escola segundo a nova constituição, passando a desempenhar um
papel de propagandista da República tanto por sua atuação pública como
através de suas pinturas.
Quando Voltaire
morreu, em 1778, a Igreja negou-lhe sepultura cristã, e foi enterrado
perto de um mosteiro, mas quando as propriedades eclesiásticas foram
confiscadas David foi indicado chefe de uma comissão para trasladar os
despojos do filósofo para o Panteão.
A cerimónia mobilizou uma multidão de cem mil pessoas, a despeito da
chuva e do protesto dos conservadores. Foi o primeiro de uma série de
grandes festejos organizados pelo pintor para a República, que
espelhavam os antigos ritos pagãos, fazendo uso de uma série de símbolos retirados da antiguidade greco-romana.
Os líderes da revolução logo compreenderam o enorme apelo que tais
festas exerciam sobre a massa popular, por sua rica visualidade
carregada de símbolos, sua teatralidade, e tais métodos foram mais tarde usados por Lenin, Hitler e Mussolini como instrumento de sua propaganda. O último grande festival organizado por David, e dedicado ao Ser Supremo, foi por ocasião da decapitação de Maria Antonieta.
Momento marcante da Revolução que ele fixou em tela foi a Morte de Marat, um testemunho de sua filiação política e ao mesmo tempo uma obra-prima. Quando apresentou a tela na Convenção, disse: "Cidadãos,
o povo novamente clamou por seu amigo; sua voz desolada foi ouvida:
'David, toma teus pincéis, vinga Marat!'… Eu ouvi a voz do povo, e
obedeci". A obra foi um sucesso político imediato, e tornou-se
também uma de suas criação mais bem sucedidas - simples, direta, e
poderosamente tocante - consagrando o retratado, agora um mártir cívico, e o autor no ambiente revolucionário, onde ele, como auxiliar de Robespierre no Comité de Segurança Geral, foi um dos mais ferventes promotores do Terror.
A esta altura a França estava envolvida em uma guerra com outras
potências europeias, e aparentemente estava em vantagem. Assim o estado
de emergência que havia suscitado o Comité de Segurança Geral deixou de
existir. Conspiradores aproveitaram o momento e prenderam Robespierre.
Apesar de manifestar o seu apoio a ele, David não foi executado, apenas
preso. Na prisão fez um auto-retrato, mostrando-se muito mais jovem do
que aparentava. Visitado por sua esposa no cárcere, concebeu a ideia
para uma nova obra, A intervenção das Sabinas, como um apelo pela reunião nacional e pela paz, depois de tanto sangue derramado.
Logo Napoleão
reinava, e o ambiente se transformara radicalmente. Os mártires da
Revolução foram removidos do Panteão e re-enterrados em vala comum, e
suas estátuas destruídas. A sua esposa, que era realista, conseguiu livrar
David da prisão, e apesar de terem-se divorciado desde o episódio do regicídio,
ela declarou que nunca deixara de amá-lo, e por fim voltaram a se casar
em 1796. Reabilitado e reintegrado em seu atelier e posição, voltou a
aceitar alunos e retirou-se da política.
Amizade com Napoleão
Napoleão e David admiravam-se mutuamente. David desde o primeiro encontro ficara impressionado com o então
general, e quando este subiu ao trono David solicitou fazer o seu retrato. Depois pintou-o na cena da coroação, nas bodas com
Josefina, outra grande composição, e de novo na pintura da
Passagem dos Alpes,
montado num fogoso cavalo branco. Por sua vez, Napoleão o indicou
pintor oficial da corte, e pediu que ele o acompanhasse na campanha do
Egito, mas o pintor recusou, alegando que era velho demais para aventuras, e enviou em seu lugar um de seus estudantes,
Antoine-Jean Gros.
Últimos anos
Quando a monarquia Bourbon foi restaurada David foi um dos proscritos. Contudo Luís XVIII concedeu-lhe amnistia e até mesmo ofereceu-lhe uma posição na corte, mas David recusou, preferindo o autoexílio em Bruxelas. Lá pintou Cupido e Psiquê,
vivendo tranquilamente com a sua esposa, e dedicando-se a composições em
pequena escala e a retratos. A sua última grande criação foi Marte desarmado por Vénus e as três Graças,
terminada um ano antes de sua morte. Segundo expressou, desejava que a
obra fosse o seu testamento artístico. Exposta em Paris, reuniu uma
multidão de admiradores.
Faleceu depois de ter sido golpeado por um carro na saída do
teatro, em 29 de dezembro de 1825. Seu espólio foi vendido, mas as
pinturas remanescentes obtiveram baixos valores. Por suas atividades
revolucionárias o seu corpo foi impedido de retornar à pátria, e foi
sepultado no cemitério Evere, em Bruxelas. Seu coração, porém, repousa no cemitério Père Lachaise, em Paris.
A Morte de Sócrates, 1788
A coroação de Napoleão, 1805-1807