São Thomas More, por vezes
latinizado em
Thomas Morus ou
aportuguesado em
Tomás Morus (
Londres,
7 de fevereiro de
1478 -
Londres,
6 de julho de
1535) foi homem de estado, diplomata, escritor, advogado e homem de leis, ocupou vários cargos públicos, e em especial, de
1529 a
1532, o cargo de "Lord Chancellor" (Chanceler do Reino - o primeiro leigo em vários séculos) de
Henrique VIII da Inglaterra. É geralmente considerado como um dos grandes
humanistas do
Renascimento. Foi
canonizado como
santo da
Igreja Católica em
19 de maio de
1935 e a sua festa litúrgica celebra-se em
22 de junho.
Biografia
Thomas More chegou a se autodescrever como "de família honrada, sem
ser célebre, e um tanto entendido em letras". Era filho do juiz Sir John
More, investido cavaleiro por
Eduardo IV, e de Agnes Graunger. Casou-se com Jane Colt em
1505, em primeiras núpcias, tendo tido como filhos: Margaret, Elizabeth, Cecily e John. Jane morreu em
1511
e Thomas More casou-se em segundas núpcias com Lady Alice Middleton.
More era homem de muito bom humor, caseiro e dedicado à família, muito
próximo e amigo dos filhos. Dele se disse que era amigo de seus amigos,
entre os quais se encontravam os mais destacados humanistas de seu
tempo, como
Erasmo de Rotterdam e
Luis Vives.
Deu aos filhos uma educação excecional e avançada para a época, não
discriminando a educação dos filhos e das filhas. A todos
indistintamente fez estudar
latim,
grego,
lógica,
astronomia,
medicina,
matemática e
teologia. Sobre esta família escreveu Erasmo: "Verdadeiramente, é uma felicidade conviver com eles."
Fez carreira como advogado respeitado, honrado e competente e exerceu por algum tempo a cátedra universitária. Em
1504, fazia parte da
Câmara dos Comuns da qual foi eleito
Speaker (ou presidente), tendo ganho fama de parlamentar combativo. Em
1510, foi nomeado
Under-Sheriff de
Londres, no ano seguinte juiz membro da
Commission of Peace. Entrou para a corte de Henrique em
1520 foi várias vezes embaixador do rei e tornou-se
cavaleiro (
Knight) em
1521. Foi nomeado vice-tesoureiro e depois Chanceler do Ducado de
Lancaster e, a seguir, Chanceler da Inglaterra.
A sua obra mais famosa é "
Utopia" (
1516) (em grego,
utopos
= "em lugar nenhum") . Neste livro criou uma ilha-reino imaginária que
alguns autores modernos viram como uma proposta idealizada de
Estado e outros como sátira da
Europa do
século XVI.
Um dos aspetos desta obra de More é que ela recorreu à alegoria (como
no
Diálogo do Conforto, ostensivamente uma conversa entre tio e
sobrinho) ou está altamente estilizada, ou ambos, o que lhe abre um
largo campo interpretativo .
Como intelectual, ele foi inicialmente um humanista no sentido
consensual do termo. Latinista, escreveu uma "História de Ricardo III"
em texto bilíngue latim-inglês, em que
Shakespeare, mais tarde se basearia para escrever a peça de igual nome. Foi um grande amigo de
Erasmo de Roterdão que lhe dedicou o seu
"In Praise of Folly" (a palavra "folly" equivale à "moria" em grego).
Era um leitor das obras de
Santo Agostinho
e traduziu para o vernáculo "A Vida de Pico della Mirandolla", obras
que exerceram sobre ele grande influência. Escolheu John Colet,
sacerdote, como diretor espiritual, que lhe estabeleceu um plano intenso
de práticas
pietistas.
De Morus teria dito Erasmo: "É um homem que vive com esmero a
verdadeira piedade, sem a menor ponta de superstição. Tem horas fixas em
que dirige a Deus suas orações, não com frases feitas, mas nascidas do
mais profundo do coração. Quando conversa com os amigos sobre a vida
futura, vê-se que fala com sinceridade e com as melhores esperanças. E
assim é More também na Corte. Isto, para os que pensam que só há
cristãos nos mosteiros."
O divórcio de Henrique VIII
A sua chancelaria (
1529-
32)
distinguiu-se pela sua exemplaridade, tratando pessoalmente, de todos
os litígios existentes, até mesmo os herdados, sendo extremamente
eficiente, imparcial e justo em suas decisões.
Sendo profundo conhecedor de
teologia e do
direito canónico e homem religioso - ao ponto de se
mortificar por Deus - usava por baixo das roupas uma camisa
cilício - More via no anulamento do
sacramento do casamento uma matéria da jurisdição do papado, e a posição do
Papa Clemente VII era claramente contra o
divórcio
em razão da doutrina sobre a indissolubilidade do matrimónio. Contrário
às Reformas Protestantes então já efetuadas e percebendo que na
Inglaterra poderia acontecer o mesmo (devido às questões pessoais do
soberano que conduziram à crise político-diplomática com Roma), More -
apoiante das decisões da Santa Sé e arreigadamente católico - deixa o seu
cargo de
Lord Chancellor do Rei em 16 de maio de 1532, provocando
desconfiança na Corte e em Henrique VIII particularmente.
A reação de Henrique VIII foi atribuir-se a si mesmo a liderança da
Igreja em Inglaterra sendo o sacerdócio obrigado a um juramento ao
abrigo do
Acto de Supremacia que consagrava o soberano como chefe supremo da Igreja.
More escapara, entretanto, a uma tentativa de o implicar numa conspiração. Em
1534, o Parlamento promulgou o "Decreto da Sucessão" (
Succession Act),
que incluía um juramento (1) reconhecendo a legitimidade de qualquer
criança nascida do casamento de Henrique VIII com Ana Bolena, e (2)
repudiando "qualquer autoridade estrangeira, príncipe ou potentado". Tal
como no juramento de supremacia, este apenas foi exigido àqueles
especificamente chamados a fazê-lo, por outras palavras, a todos os
funcionários públicos e àqueles suspeitos de não apoiarem Henrique.
Execução
More foi convocado, excepcionalmente, para fazer o juramento em
17 de abril de
1534, e, perante sua recusa, foi preso na
Torre de Londres, juntamente com o Cardeal e Bispo de Rochester
John Fisher, tendo ali escrito o
"Dialogue of Comfort against Tribulation".
A sua decisão foi manter o silêncio sobre o assunto. Pressionado pelo
rei e por amigos da corte, More decidiu não enumerar as razões pelas
quais não prestaria o juramento.
Inconformado com o silêncio de More, o rei determinou o seu julgamento, sendo condenado à morte, e posteriormente executado em
Tower Hill, a
6 de julho.
Nem no cárcere nem na hora da execução perdeu a serenidade e o bom
humor e, diante das próprias dificuldades reagia com ironia.
Pela sentença o réu era condenado "a ser suspenso pelo pescoço" e
cair em terra ainda vivo. Depois seria esquartejado e decapitado. Em
atenção à importância do condenado, o rei, "por clemência", reduziu a
pena a "simples decapitação". Ao tomar conhecimento disto, Tomás
comentou: "Não permita Deus que o rei tenha semelhantes clemências com os meus amigos." No momento da execução suplicou aos presentes que orassem pelo monarca e disse que "morria como bom servidor do rei, mas de Deus primeiro."
A sua cabeça foi exposta na ponte de Londres durante um mês, foi
posteriormente recolhida por sua filha, Margaret Roper. A execução de
Thomas More na
Torre de Londres, no dia
6 de julho de
1535
"antes das nove horas", ordenada por Henrique VIII, foi considerada uma
das mais graves e injustas sentenças aplicadas pelo Estado contra um
homem de honra, consequência de uma atitude despótica e de vingança
pessoal do rei. Ele foi sepultando na
Capela Real de São Pedro ad Vincula.
Canonização
A sua trágica morte - condenado a pena capital por se negar a reconhecer
Henrique VIII como cabeça da Igreja da Inglaterra, é considerada pela
Igreja Católica
como modelo de fidelidade à Igreja é à própria consciência, e
representa a luta da liberdade individual contra o poder arbitrário.
Deixou vários escritos de profunda espiritualidade e de defesa do magistério da Igreja. Em
1557,
o seu genro, William Roper, escreveu a sua primeira biografia. Desde a sua
beatificação e posterior canonização publicaram-se muitas outras.
"Esta harmonia do natural com o sobrenatural é talvez o elemento que
melhor define a personalidade do grande estadista inglês: viveu a sua
intensa vida pública com humildade simples, caracterizada pelo
proverbial «bom humor» que sempre manteve, mesmo na iminência da morte.
Esta foi a meta a que o levou a sua paixão pela verdade. O homem não
pode separar-se de Deus, nem a política da moral: eis a luz que iluminou
a sua consciência. Como disse uma vez, "o homem é criatura de Deus, e
por isso os direitos humanos têm a sua origem n'Ele, baseiam-se no
desígnio da criação e entram no plano da Redenção. Poder-se-ia dizer,
com uma expressão audaz, que os direitos do homem são também direitos de
Deus" (Discurso,
7 de abril de
1998).
É precisamente na defesa dos direitos da consciência que brilha com
luz mais intensa o exemplo de Tomás Moro. Pode-se dizer que viveu de
modo singular o valor de uma consciência moral que é "testemunho do
próprio Deus, cuja voz e juízo penetram no íntimo do homem até às raízes
da sua alma" (Carta encíclica Veritatis splendor, 58), embora, no âmbito da
ação contra os hereges, tenha sofrido dos limites da cultura de então.