A cidade onde as pessoas vivem debaixo da terra por causa do calor
Na longa estrada rumo ao centro da Austrália, 848 km a norte
das planícies costeiras de Adelaide, surgem enigmáticas pirâmides de
areia.
Em torno delas, o cenário é totalmente desolado – uma extensão sem fim
de poeira rosa-salmão, ocasionalmente salpicada com teimosos arbustos.
No entanto, à medida que se avança pela rodovia, surgem outras construções misteriosas similares – montes de terra clara,
espalhados aleatoriamente como monumentos esquecidos há muito tempo. E,
de vez em quando, tubos brancos elevam-se do solo ao lado das
construções.
Estes são os primeiros sinais de Coober Pedy, uma
cidade de mineiros de opala com cerca de 2.500 habitantes. Muitos dos
pequenos picos da região são resíduos de solo gerados após décadas de
mineração, mas também são os sinais de outra característica do local: as
moradias subterrâneas.
Neste canto do mundo, 60% da população vive em casas
construídas nas rochas de arenito e siltito ricas em ferro da região.
Em alguns locais, os únicos sinais de moradia são os poços de ventilação
que se erguem até o chão e o excesso de solo acumulado perto das
entradas das casas.
No inverno, este estilo de vida pode parecer apenas excêntrico. Mas,
no verão, Coober Pedy – “homem branco num buraco”, em tradução livre de
uma expressão aborígene australiana – não requer explicações: o local atinge 52°C,
uma temperatura tão alta que faz com que os pássaros caiam do céu e
aparelhos eletrónicos precisem de ser guardados no frigorífico.
E, em 2023, este costume pareceu ter sido mais profético que nunca.
Solução eficaz
Mais à frente, na estrada para Coober Pedy, fica o centro da cidade.
À primeira vista, pode ser confundida com uma comunidade comum da
região desértica que compõe o chamado Outback australiano. As ruas são
cor-de-rosa devido à poeira e existem restaurantes, bares, supermercados
e postos de gasolina.
No alto de uma colina, a única árvore da cidade – na verdade, uma escultura feita de metal – observa o panorama.
Na superfície, Coober Pedy é assustadoramente vazia.
As construções são muito espaçadas entre si e a impressão é de que algo
realmente parece estar errado. Mas, debaixo do solo, tudo se explica.
Em Coober Pedy, as construções subterrâneas precisam de ficar a pelo
menos quatro metros de profundidade, para evitar que o teto desabe. Por
baixo daquele enorme volume de rocha, a temperatura é sempre agradável: 23 °C.
Além do conforto, outra importante vantagem de morar por baixo da terra é a economia. Coober Pedy gera toda a eletricidade que consome – 70% dela, de origem eólica e solar. Mas ligar o ar-condicionado, muitas vezes, é caro e impraticável.
“Para viver acima do solo, paga-se uma verdadeira fortuna pelo aquecimento e refrigeração, já que, muitas vezes, faz mais de 50°C no verão”, afirma Jason Wright, morador local.
Por outro lado, muitas casas subterrâneas em Coober Pedy são
relativamente baratas. Num recente leilão, o preço médio das casas de
três quartos foi de cerca de 40 mil dólares australianos.
E as casas subterrâneas oferecem outros benefícios. Um deles é que não há insetos.
“Quando se chega à porta, as moscas saem das suas costas, elas não querem entrar no escuro e no frio”, conta Wright. E também não há poluição sonora e luminosa de baixo da terra.
Curiosamente, o estilo de vida subterrâneo também pode oferecer
alguma proteção contra terramotos. Wright descreve que os tremores de
terra na região produzem um ruído vibrante que aumenta e passa através
do subterrâneo até ao outro lado.
“Tivemos dois [terramotos] desde que me mudei para cá e nunca sequer me abalei”,
conta. Mas o nível de segurança das estruturas subterrâneas durante
atividades sísmicas depende inteiramente do seu tamanho, complexidade e
profundidade.
Configuração ideal
A questão é se as casas subterrâneas poderiam ajudar as pessoas a
combater os efeitos das mudanças climáticas em outros lugares do
planeta. E por que elas são tão poucas?
Existem diversas razões que explicam a praticidade única da construção de subterrâneos em Coober Pedy. A primeira são as rochas da região.
“Elas são muito moles, podemos raspá-las com um canivete ou com a
unha”, afirma Barry Lewis, funcionário do centro de informações
turísticas da cidade. Por esta razão, quando os moradores precisam de
mais espaço, às vezes simplesmente começam a cavar. E, como se trata de
uma área de mineração de opala, não é raro que um projeto de obras acabe
por dar lucro.
Já houve um homem que encontrou uma gema grande a sair da parede
enquanto instalava um chuveiro e, durante uma obra de ampliação, um
hotel local descobriu opalas no valor de 1,5 milhões de dólares australianos.
Na verdade, a construção de túneis em Coober Pedy é tão simples que
muitos moradores têm casas de luxo sofisticadas, com piscinas
subterrâneas, salões de jogos, grandes banheiros e salas de estar de
alto padrão.
Um morador local chegou a descrever sua casa subterrânea “como um castelo”, com 50 mil tijolos aparentes e portas em arco em todos os quartos.
Questão de humidade
Mas os banquetes de Cooper Pedy seriam impossíveis noutro lugar. A humidade é um grande desafio para qualquer estrutura subterrânea.
Das muitas moradias em rochas habitadas por seres humanos, a maioria
fica em locais secos. Elas incluem as torres e paredes construídas nos
rochedos de Mesa Verde, no Colorado (Estados Unidos), habitadas durante
mais de 700 anos pelo povo ancestral conhecido como Pueblo, até os
elaborados templos, túmulos e palácios escavados no arenito rosa de
Petra, na Jordânia.
Mas construir por baixo da terra em regiões mais húmidas é claramente
mais complicado. O metro de Londres é um exemplo. Para impermeabilizar
os seus túneis subterrâneos originais, construídos no século XIX, foram
revestidos com diversas camadas de tijolos e uma generosa camada de
betão.
Mas, em Coober Pedy, as condições são áridas até nos subterrâneos. “Aqui é muito, muito seco”, afirma Wright.
Poços de ventilação garantem o fornecimento adequado de oxigénio e
permitem que a humidade das atividades internas escape do subterrâneo.
Muitas vezes, são simples canos que se estendem através do teto.
De facto, é possível que as curiosas pirâmides de areia de Coober Pedy
comecem a pipocar noutros lugares do mundo no futuro próximo.
in ZAP