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quarta-feira, outubro 09, 2024

Poema adequado à data...

Che Guevara (fotografia de Alberto Korda)

 

Guevara

 



Não choro, que não quero
Manchar de pranto
Um sudário de força combativa.
Reteso a dor, e canto
A tua morte viva.


A tua morte morta
Pelo próprio terror em que ficaram
À sua frente
Aqueles que te mataram
Sem poderem matar o combatente.

 

O combatente eterno que ficaste,
Ressuscitado
Na voluntária crucificação.
Herói a conquistar o inconquistado,
Já sem armas na mão



Quem te abateu, perdeu a guerra santa
Da liberdade.
Fez brilhar na manhã do mundo inteiro
Um sol de redentora claridade:
O teu rosto de Cristo guerrilheiro.

 

Coimbra, 11 de outubro de 1967

 

in Diário VIII - Miguel Torga

El-Rei D. Dinis nasceu há 763 anos

  
D. Dinis I de Portugal (Lisboa [?], 9 de outubro de 1261 - Santarém, 7 de janeiro de 1325) foi o sexto Rei de Portugal, com o cognome de o Lavrador, pelo grande impulso que deu à agricultura e ampliação do pinhal de Leiria ou o Rei-Poeta, devido à sua obra literária.
Filho de D. Afonso III de Portugal e da infanta Beatriz de Castela, foi aclamado em Lisboa em 1279, tendo subido ao trono com 17 anos. Em 1282 desposou Isabel de Aragão, que ficaria conhecida como a Rainha Santa.
  
   
Ao longo de 46 anos, a governar os Reinos de Portugal e dos Algarves, foi um dos principais responsáveis pela criação da identidade nacional e o alvor da consciência de Portugal enquanto estado-nação: em 1297, após a conclusão da Reconquista pelo seu pai, definiu as fronteiras de Portugal no Tratado de Alcanizes, prosseguiu relevantes reformas judiciais, instituiu a língua Portuguesa como língua oficial da corte, criou a primeira Universidade portuguesa, libertou as Ordens Militares no território nacional de influências estrangeiras e prosseguiu um sistemático acréscimo do centralismo régio. A sua política centralizadora foi articulada com importantes ações de fomento económico - como a criação de inúmeros concelhos e feiras. D. Dinis ordenou a exploração de minas de cobre, prata, estanho e ferro e organizou a exportação da produção excedente para outros países europeus. Em 1308 assinou o primeiro acordo comercial português com a Inglaterra. Em 1312 fundou a marinha Portuguesa, nomeando 1ºAlmirante de Portugal o genovês Manuel Pessanha, e ordenando a construção de várias docas.
Foi grande amante das artes e letras. Tendo sido um famoso trovador, cultivou as Cantigas de Amigo, de Amor e a sátira, contribuindo para o desenvolvimento da poesia trovadoresca na península Ibérica. Pensa-se ter sido o primeiro monarca português verdadeiramente alfabetizado, tendo assinado sempre com o nome completo. Culto e curioso das letras e das ciências, terá impulsionado a tradução de muitas obras para português, entre as quais se contam os tratados do seu avô, o Rei de Castela Afonso X, o Sábio. Foi o responsável pela criação da primeira Universidade portuguesa, inicialmente instalada na zona do atual Largo do Carmo, em Lisboa e por si transferida por si, pela primeira vez, para Coimbra, em 1308. Esta universidade, que foi transferida várias vezes entre as duas cidades, ficou definitivamente instalada em Coimbra em 1537, por ordem de D. João III.
Entre 1320 e 1324 houve uma guerra civil que opôs o rei ao futuro Afonso IV. Este julgava que o pai pretendia dar o trono a Afonso Sanches. Nesta guerra, o rei contou com pouco apoio popular, pois nos últimos anos de reinado deu grandes privilégios aos nobres. O infante contou com o apoio dos concelhos. Apesar dos motivos da revolta, esta guerra foi no fundo um conflito entre grandes e pequenos.
Após a sua morte, em 1325 foi sucedido pelo seu filho legítimo, Afonso IV de Portugal, apesar da oposição do seu favorito, o filho natural Afonso Sanches.
    

  

 

D. Dinis

   
  
Dorme na tua glória, grande rei
Poeta!
Não acordes agora.
A hora
Não te merece.
A pátria continua,
Mas não parece
A mesma que te viu a majestade.
Dorme na eternidade
Paciente
De quem num areal
Semeou um futuro Portugal,
Confiado na graça da semente.

 
  
  

in Diário XIV (1987) - Miguel Torga

sexta-feira, outubro 04, 2024

Santa Teresa de Ávila morreu há 442 anos...

Teresa de Ávila - Rubens
      
Santa Teresa de Ávila ou Santa Teresa de Jesus (Gotarrendura, 28 de março de 1515 - Alba de Tormes, 4 de outubro de 1582), nascida Teresa Sánchez de Cepeda y Ahumada, foi uma freira carmelita, mística e santa católica do século XVI, importante pelas suas obras sobre a vida contemplativa através da oração mental e pela sua atuação durante a Contra Reforma. Foi também uma das reformadoras da Ordem Carmelita e é considerada co-fundadora da Ordem dos Carmelitas Descalços, juntamente com São João da Cruz.
Em 1622, quarenta anos depois da sua morte, foi canonizada pelo papa Gregório XV. Em 27 de setembro de 1970, Paulo VI proclamou-a Doutora da Igreja. Os seus livros, inclusive uma autobiografia ("A Vida de Teresa de Jesus") e a sua obra prima, "O Castelo Interior" (em espanhol: El Castillo Interior), são parte integral da literatura renascentista espanhola e do corpus do misticismo cristão. As suas práticas meditativas estão detalhadas noutra obra importante, o "Caminho da Perfeição" (Camino de Perfección).
Depois da sua morte, o culto a Santa Teresa espalhou-se pela Espanha, durante a década de 1620, principalmente durante o debate nacional pela escolha dum padroeiro, juntamente com Santiago Matamoros.
    
       
O Êxtase de Santa Teresa, estátua de Bernini na igreja de Santa Maria della Vittoria, em Roma - os profundos êxtases de Santa Teresa são descritos em detalhe nas suas obras e inspiraram outros religiosos como S. João da Cruz


 
SANTA TERESA

Terra...
Era em Ávila da Ibéria a minha terra...
Terra!
Mas eu não vi a terra que me teve!
Nem lhe dei o calor que um filho deve
A sua Mãe!
Terra!
Nem lhe sabia o nome verdadeiro!
Nem a cor! nem o gosto! nem o cheiro!
Nem calculava o peso que ela tem!

Terra...
Vai-se embaçando o brilho dos meus olhos!
Apodrece o tutano dos meus ossos!
Crescem as unhas doidas nos meus dedos
Contra a palma da mão encarquilhada!
Medra o livor em mim de tal maneira
Que me babo de nojo do meu nada!

Terra!...
E andei eu a morrer a vida inteira!
E andei eu a secar a seiva da raiz
Que do Céu ou do Inferno me prendia
A ti, humana terra de Castela!
Terra!
E andei eu a viver a morte que vivia
Disfarçada em amor na minha cela!

Terra!...
E andei eu a negar o amor do mundo,
Quando de pólo a pólo o meu amor podia
Ser sem limites como a alma quer!...
E ser fecundo como a luz do dia!
E dar um filho, porque eu fui mulher!

Terra!...
E andei eu a legar este legado:
“Vivo morrendo primeiro”,
Derradeiro Castelo a que subi!...
Terra...
E Deus, que prometeu ter-me a seu lado,
Tem-me aqui.
  

  
in Poemas Ibéricos (1965) - Miguel Torga

domingo, setembro 29, 2024

Hoje é dia de recordar um Escritor...

(imagem daqui)


 

Exortação a Sancho

 

Senhor meu, Sancho Pança enlouquecido
Servo vencido
Na terra sonhada
Olha esta Ibéria que te foi roubada,
E que só terá paz quando for tua.

Ergue a fronte dobrada
E começa a façanha prometida!
Cumpre o voto da nova arremetida,
Feito aos pés de quem foi
O destemido herói
Da batalha de ser fiel à vida!

Nega-te a ser passiva testemunha
Do amor cobiçoso
Que os falsos namorados
Fazem crer impoluto e arrebatado
Àquele que reflecte o céu lavado
Nos olhos confiados.

Venha o teu grito de transfigurado:
Ai, no se muera!... E a Donzela acorda
E renega o idílio traiçoeiro.
Venha o Sancho da lança e do arado,
E a Dulcineia terá, vivo a seu lado,
O senhor D. Quixote verdadeiro!



in Poemas Ibéricos (1965) - Miguel Torga

Miguel de Unamuno nasceu há cento e sessenta anos...

       

Miguel de Unamuno y Jugo (Bilbau, 29 de setembro de 1864Salamanca, 31 de dezembro de 1936) foi um ensaísta, romancista, dramaturgo, poeta e filósofo espanhol. Foi também deputado entre 1931 a 1933 pela região de Salamanca. É o principal representante espanhol do existencialismo cristão, sendo conhecido principalmente por sua obra O sentimento trágico da vida, que lhe valeu a condenação do Santo Ofício. Tendo apoiado inicialmente o franquismo, passaria seus últimos dias de vida em prisão domiciliar.
    
Biografia
Nasceu na Calle Ronda, no bairro de Casco Viejo (Bilbau), sendo o terceiro filho do comerciante Félix de Unamuno Larraza e da sua sobrinha, Salomé Jugo Unamuno. Ao concluir os seus estudos fundamentais, testemunha o assédio da sua cidade durante a Terceira Guerra Carlista, o que se refletirá no seu primeiro romance, Paz na guerra.
É considerado como a figura mais completa da Generación del 98 - um grupo constituído por nomes como Antonio Machado, Azorín, Pío Baroja, Ramón del Valle-Inclán, Ramiro de Maetzu, Angel Ganivet, entre outros.
Estudou na Universidade de Madrid, onde concluiu o curso de Filosofia e Letras em 1883. No ano seguinte, obtém seu doutorado com uma tese sobre a língua basca: Crítica del problema sobre  el origen y prehistoria de la raza vasca, na qual antecipa as suas ideias sobre a origem dos bascos - contrárias àquelas que nos anos seguintes irão alimentar o nacionalismo basco, fundado pelos irmãos Arana Goiri, que defenderão uma "raça basca" (no sentido de etnia), não contaminada por outras.
Em 1891 obteve a cátedra de Grego clássico na Universidade de Salamanca. Em 1900, com apenas 36 anos de idade, é nomeado Reitor, cargo que exerceria por mais duas vezes.
Conhecido também pelos sucessivos ataques à monarquia de Afonso XIII de Espanha, viveu no exílio, de 1926 a 1930, primeiro nas Ilhas Canárias e depois em França, de onde só voltaria depois da queda do general Primo de Rivera. Mais tarde o General Francisco Franco, cujo golpe Unamuno inicialmente apoiara, afastou-o novamente da vida pública, devido a críticas duras feitas pelo filósofo ao General Millán-Astray. Unamuno passaria os seus últimos dias de vida em prisão domiciliar, na cidade de Salamanca.
      

 

 


Unamuno visto por Ramon Casas (imagem daqui)
  
    
Unamuno
 
 
D. Miguel…
Fazia pombas brancas de papel
Que voavam da Ibéria ao fim do mundo…
Unamuno Terceiro!
(Foi o Cid o primeiro,
D. Quixote o segundo.)

Amante duma outra Dulcineia,
Ilusória, também
(Pátria, mãe,
Ideia
E namorada),
Era seu defensor quando ninguém
Lhe defendia a honra ameaçada!

Chamado pelo aceno da miragem,
Deixava o Escorial onde vivia,
E subia, subia,
A requestar na carne da paisagem
A alma que, zeloso, protegia.

Depois, correspondido,
Voltava à cela desse nosso lar
Por Filipe Segundo construído
Com granito da fé peninsular.

E falava com Deus em castelhano.
Contava-lhe a patética agonia
Dum espírito católico, romano,
Dentro dum corpo quente de heresia.

Até que a madrugada o acordava
Da noite tumular.
E lá ia de novo o cavaleiro andante
Desafiar
Cada torvo gigante
Que impedia o delírio de passar.

Unamuno Terceiro!
Morreu louco.
O seu amor, por ser demais, foi pouco
Para rasgar o ventre da Donzela.
D. Miguel…
Fazia pombas brancas de papel,
E guardava a mais pura na lapela.



in
Poemas Ibéricos (1965) - Miguel Torga

segunda-feira, setembro 16, 2024

Torquemada morreu há 526 anos

  
Tomás de Torquemada (Valladolid, 1420 - Ávila, 16 de setembro de 1498) ou O Grande Inquisidor foi o inquisidor-geral dos reinos de Castela e Aragão no século XV e confessor da rainha Isabel a Católica. Ele foi descrito pelo cronista espanhol Sebastián de Olmedo como "O martelo dos hereges, a luz de Espanha, o salvador do seu país, a honra do seu fim". Torquemada é conhecido por sua campanha contra os judeus e muçulmanos convertidos da Espanha. O número de autos-de-fé durante o mandato de Torquemada como inquisidor é muito controverso, mas o número mais aceite é normalmente de 2.200 vítimas.

Ainda jovem, tornou-se frade dominicano no Convento de São Paulo em sua cidade natal. Em 1452 foi eleito prior do Convento de Santa Cruz, em Segóvia. Era sobrinho do cardeal Juan de Torquemada, igualmente dominicano.

O seu nome tornou-se sinónimo em geral, e na herança judaica em particular, de fanatismo e crueldade ao serviço da Igreja. 

 

A situação política e religiosa na Espanha

Na segunda metade do século XV, a Península Ibérica tinha mais judeus convertidos do que qualquer outra região do mundo. Ocupada durante séculos pelos muçulmanos, que concediam aos judeus e cristãos liberdade de culto a troco de um imposto especial, a Península Ibérica tornou-se um refúgio ideal e palco de uma intensa troca civilizatória entre elementos das culturas cristã, muçulmana e judaica. Entre os frutos desse intercâmbio, destaca-se a astrologia, quase desaparecida da Europa durante alguns séculos e que retorna ao continente exatamente pela via do contacto com o mundo islâmico, na região do Mediterrâneo.

Com a progressiva unificação da Espanha (resultado da união dos reinos de Leão e Castela e, mais tarde, destes com Aragão) os muçulmanos e os judeus foram gradualmente "empurrados" para o sul, obrigados a migrar para o Marrocos ou forçados pelas circunstâncias a se tornarem cristãos, porém, tal conversão era sempre vista com desconfiança, já que alegadamente estas pessoas continuavam em segredo a praticar seus antigos cultos.

 

Inquisição Espanhola e Torquemada

Com o casamento de Fernando de Aragão com Isabel de Castela, os dois reinos uniram-se e a Espanha moderna começou a formar-se. Nessa época, no ano de 1478, Torquemada era frade dominicano e confessor de Isabel, função que exercia desde 1474. Em 1483, por nomeação do papa Sisto IV, Torquemada torna-se Inquisidor-Geral espanhol.

Torquemada difundia que os judeus não eram confiáveis e que o país precisava possuir apenas sangre limpia, ou seja, sangue puramente cristão. O objetivo da Inquisição era a erradicação da heresia, o que, para Torquemada, era sinónimo de eliminação dos marranos. Para estimular as delações, a Inquisição chegou a publicar um conjunto de orientações que ensinava os católicos a vigiar os seus vizinhos e a reconhecer possíveis traços de judaísmo:

"Se observar que os seus vizinhos vestem roupas limpas e coloridas no sábado, eles são judeus.

Se eles limpam as suas casas às sextas-feiras e acendem velas mais cedo do que o normal naquela noite, eles são judeus. Se eles comem pão ázimo e iniciam a sua refeição com aipo e alface durante a Semana Santa, eles são judeus.

Se eles recitam as suas preces diante de um muro, inclinando-se para frente e para trás, eles são judeus."

A pena mais leve imposta aos marranos era o confisco dos seus bens. Os Reis Católicos, Isabel e Fernando, precisavam de receitas, e a perseguição movida aos hereges por Torquemada era uma fonte de renda que interessava ao Estado. Isabel e Fernando eram "protetores da Igreja e defensores da fé". Torquemada, no afã de obter dos reis católicos a expulsão definitiva de todos os judeus, promoveu em 1490 um julgamento-espetáculo, onde as vítimas foram oito judeus acusados de praticar rituais satânicos de crucificação de crianças cristãs. Pressionados pelo clima de intolerância, Fernando e Isabel publicaram, em 31 de março de 1492, seu Édito de Expulsão: "Decidimos ordenar a todos os ditos judeus, homens e mulheres, que deixem nossos reinos e jamais retornem a eles." Foi concedido aos judeus que permanecessem até julho na Espanha. A partir daí, os que fossem encontrados seriam mortos. Muitos fugiram para Portugal ou Norte da África, onde enfrentaram mais perseguições; alguns, sem alternativa, permaneceram na Espanha como "judeus ocultos". A ação de Torquemada trouxe-lhe resistências, as quais chegaram ao Papa Alexandre VI, tendo este, por Breve de 23 de junho de 1494, nomeado quatro adjuntos com iguais poderes, visando limitar a ação de Torquemada. Em 1484 redigiu uma Instrução, opúsculo que propunha normas e procedimentos para os processos inquisitoriais, inspirando-se em trâmites já usuais na Idade Média. Foi publicada uma atualização em 1490 e outra em 1498.

     
  
    
   
   
Torquemada

Há sempre um nome triste
Na longa vida de cada nação.
Um nome que resiste
Ao esquecimento,
E que é um sinal de atenção
Ao pensamento
E ao sofrimento...
 
  
  
in Poemas Ibéricos (1965) - Miguel Torga

sexta-feira, setembro 13, 2024

Porque hoje é dia de recordar um grande Português...

(imagem daqui)
  
... há que recordar Alexandre Herculano, um Homem ímpar: lutou, com D. Pedro IV, pela liberdade, democracia e monarquia constitucional, foi precetor e amigo do seu neto, o rei D. Pedro V (e que grande Rei perdemos, por causa da doença que o vitimou...), foi um escritor, poeta e pensador único; foi ainda um historiador importantíssimo, que soube preservar muitos tesouros e passá-los para o papel dos impressores. Não precisando de prebendas ou títulos, foi fiel às suas Ideias, à Pátria e ao seu Rei. Recordemo-lo com um belo poema:
  
  
Herculano
  
Há um tamanho de homem que se mede
Na sepultura:
Cabe ou não cabe no caixão da morte?
Mas quando o porte
Da criatura
Excedo o próprio excesso consentido,
Leva tempo a tornar-se natural
Que uma grandeza tal
Tenha existido.
 


in
Poemas Ibéricos (1965) - Miguel Torga

segunda-feira, agosto 12, 2024

Poema adequado à data...

(imagem daqui)


 

Pátria

Serra!
E qualquer coisa dentro de mim se acalma…
Qualquer coisa profunda e dolorida,
Traída,
Feita de terra
E alma.

Uma paz de falcão na sua altura
A medir as fronteiras:
- Sob a garra dos pés e fraga dura,
E o bico a picar estrelas verdadeiras… 

 
  
 

Gerês, Pedra Bela, 20 de agosto de 1942 - Diário II

 

Miguel Torga

Miguel Torga nasceu há 117 anos...

(imagem daqui)

 

Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha (Vila Real, São Martinho de Anta, 12 de agosto de 1907 - Coimbra, 17 de janeiro de 1995), foi um dos mais influentes poetas e escritores portugueses do século XX. Destacou-se como poeta, contista e memorialista, mas escreveu também romances, peças de teatro e ensaios.

   

 

Inocência
    
Vou aqui como um anjo, e carregado
De crimes!
Com asas de poeta voa-se no céu...
De tudo me redimes, Penitência De ser artista!
Nada sei,
Nada valho,
Nada faço,
E abre-se em mim a força deste abraço
Que abarca o mundo!
    
Tudo amo, admiro e compreendo.
Sou como um sol fecundo
Que adoça e doira, tendo
Calor apenas.
Puro,
Divino
E humano como os outros meus irmãos,
Caminho nesta ingénua confiança
De criança
Que faz milagres a bater as mãos.
 
    
    
in Penas do Purgatório (1954) - Miguel Torga

Poesia adequada à data...!

Domingo há chuva de estrelas das Perseidas - Barlavento - Notícias do  Algarve e Portugal 

(imagem daqui)

 

Chuva de Estrelas

      

Cadente inquietação no céu florido.

Assim quebra a seráfica harmonia

O barro incandescente que não pára.

Da paternal e constelada vara

Do divino pastor

Fogem massas de luz, ovelhas tresmalhadas.

Nem mesmo Deus, dulcíssimo Senhor, 

Consegue aquietar no seu amor

As forças da ilusão, manietadas!


 

 in Penas do Purgatório (1954) - Miguel Torga

quarta-feira, julho 31, 2024

Poesia adequada à data...


(imagem daqui)

  

Loiola

 

É um pesadelo a ressoar no ouvido:
-Obedece! Obedece! Obedece!
Num ritmo de prece,
O eco da remota intimação
Ordena à consciência do presente
A mesma penitente
Sujeição.

-Obedece! Obedece!
A razão endurece,
A vontade resiste,
Mas, em nome do eterno
E do inferno
O cantochão insiste:

-Obedece! Obedece!
E o mundo natural
E universal
Que o sol peninsular doira e aquece,
De repente, aparece
Mergulhado
Numa tristeza negra, que arrefece
Num luar de sotaina, regelado.

  
   
in
Poemas Ibéricos (1965) - Miguel Torga

quinta-feira, julho 18, 2024

O Padre António Vieira morreu há 327 anos...

Uma das mais influentes personagens do século XVII em termos de política e oratória, destacou-se como missionário em terras brasileiras. Nesta qualidade, defendeu infatigavelmente os direitos dos povos indígenas combatendo a sua exploração e escravização e fazendo a sua evangelização. Era por eles chamado de "Paiaçu" (Grande Padre/Pai, em tupi).
António Vieira defendeu também os judeus, a abolição da distinção entre cristãos-novos (judeus convertidos, perseguidos à época pela Inquisição) e cristãos-velhos (os católicos tradicionais) e a abolição da escravatura. Criticou ainda severamente os sacerdotes da sua época e a própria Inquisição.
Na literatura, os seus sermões possuem considerável importância no barroco brasileiro e português. As universidades frequentemente exigem a sua leitura.
   
 

(imagem daqui)

 

António Vieira 


Filho peninsular e tropical
De Inácio de Loyola,
Aluno de Bandarra
E mestre
De Fernando Pessoa,
No Quinto Império que sonhou, sonhava
O homem lusitano
À medida do mundo.
E foi ele o primeiro.
Original
No ser universal…
Misto de génio, mago e aventureiro.

 

Miguel Torga

quarta-feira, julho 10, 2024

Hoje é dia de recordar um Heroi...

(imagem daqui)

 

O Cid 

    

Vinha a manhã nos longes do futuro,
Mas a noite da Ibéria era cerrada ;
Fiz então sol brilhante e prematuro
Do aço limpo desta minha espada.
   
E fui à sua luz abrasadora
O primeiro Quixote conhecido :
Uma presença heróica e redentora
A que o tempo, acordado, deu sentido.
   
Toda a pátria é o aberto descampado
A um abraço de amor.
Tinha o sonho de ser principiado…
Foi-o por mim, Cid Campeador.

 

in Poemas Ibéricos (1965) - Miguel Torga


Rodrigo Díaz de Vivar, 'el Cid Campeador', obra de Augusto Ferrer-Dalmau 

(imagem daqui)


Ya por la ciudad de Burgos el Cid Ruy Díaz entró.
Sesenta pendones lleva detrás el Campeador.
Todos salían a verle, niño, mujer y varón,
a las ventanas de Burgos mucha gente se asomó.
¡Cuántos ojos que lloraban de grande que era el dolor!
Y de los labios de todos sale la misma razón:
"¡Qué buen vasallo sería si tuviese buen señor!"


in Cantar de Mio Cid

sábado, julho 06, 2024

Diogo Cão chegou à foz do Rio Congo há 540 anos...

(imagem daqui)

   
Diogo Cão

A pura glória tem
A humilde singeleza do teu nome.
E cresce eternamente,
como um caule imortal,
No fuste de um padrão
Que a tua inquietação
Ergueu
Neste confim de mundo onde chegou.
Limpo brasão de quem só descobriu
E nada conquistou.

 

in Diário XII (1977) - Miguel Torga

sábado, junho 01, 2024

Porque hoje é o Dia da Criança...


(imagem daqui)

     
Instrução Primária
  
Não saibas: imagina...
Deixa falar o mestre, e devaneia...
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia.
 
Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões...
Um á-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições...
  
Voa pela janela
De encontro a qualquer sol que te sorri!
Asas? Não são precisas:
Vais ao colo das brisas,
Aias da fantasia...


    
     

in Diário IX (1964) - Miguel Torga

quarta-feira, maio 29, 2024

Bartolomeu Dias morreu há 524 anos...

Estátua de Bartolomeu Dias em Londres
    
Bartolomeu Dias (circa 1450 - Cabo da Boa Esperança, 29 de maio de 1500) foi um navegador português que ficou célebre por ter sido o primeiro europeu a navegar para além do extremo sul da África, "dobrando" o Cabo da Boa Esperança e chegando ao oceano Índico a partir do Atlântico.
Dele não se conhecem os antepassados, mas mercês e armas a ele outorgadas passaram aos seus descendentes. Seu irmão foi Diogo Dias, também experiente navegador. Há quem o diga descendente de Dinis Dias, escudeiro de D. João I e, que, como navegador, descobrira Cabo Verde em 1445. Ignora-se onde e quando nasceu, no entanto alguns historiadores sustentam ter ele nascido em  Mirandela, em Trás-os-Montes e Alto Douro. Sobre a sua família sabe-se apenas que um parente, Dinis Dias, na década de 1440 terá comandado expedições marítimas ao longo da costa do Norte de África, tendo visitado as ilhas de Cabo Verde.
   
(...)
    
Em 1486, o rei D. João II passou o comando de uma expedição marítima a Bartolomeu Dias. A missão era procurar e estabelecer relações pacíficas com um legendário rei cristão africano, conhecido como Prestes João. Ele tinha ordens também de explorar o litoral africano e encontrar uma rota para as Índias. As duas caravelas de 50 toneladas e uma naveta auxiliar passaram primeiro pela angra dos Ilhéus (atual baía de Spencer) e o cabo das Tormentas. Entraram em seguida num violento temporal. Ficaram treze dias sem controle, enfrentando o vento e as ondas. Quando o mar acalmou, navegaram para leste em busca da costa, mas só encontraram mar.
Decidiram, então, ir para o norte, onde acharam diversos portos. Ao encontrar a foz de um rio, que batizaram de rio do Infante, a tripulação obrigou o capitão a voltar. Era o final de janeiro e início de fevereiro de 1488.
Bartolomeu Dias deu-se conta então que passara pelo extremo sul da África, o cabo que, por conta da tempestade, ele havia chamado de cabo das Tormentas. O rei D. João II viu a novidade com outros olhos e mandou mudar o nome para Boa Esperança. Afinal, uma expedição portuguesa provara que havia um caminho alternativo para o comércio com o Oriente.
A primeira representação cartográfica das zonas exploradas por Bartolomeu Dias é o planisfério de Henricus Martellus. Em 1652, o mercador holandês Jan van Riebeeck fundaria um posto comercial na região que, mais tarde, se tornaria a Cidade do Cabo.
Bartolomeu Dias voltou ao mar em 1500, ao comando de um dos navios da frota de Pedro Álvares Cabral. Depois de passar pelas costas brasileiras, a caminho da Índia, Bartolomeu Dias morreu quando a sua caravela naufragou, ironicamente, no cabo da Boa Esperança. 
  
  
Lado este do Padrão dos Descobrimentos – detalhe mostrando Estêvão da Gama (extrema esquerda) e António de Abreu (extrema direita), Bartolomeu Dias (centro esquerda) e Diogo Cão (centro direita) levantando um padrão
  
  
Bartolomeu Dias

Eu não cheguei ao fim.
Dobrei o Cabo, mas havia em mim
Um herói sem remate.
Quando os loiros da fama me sorriam,
Aceitei o debate
Do meu destino de predestinado
Com singelos destinos que teriam
Um futuro apagado,
Fosse qual fosse a glória prometida.
E sempre que uma nau enfrenta o mar e o teme,
E regressa vencida,
Sou eu que venho ao leme
Com a Índia perdida.
 
   
in
Poemas Ibéricos (1965) - Miguel Torga

sexta-feira, maio 03, 2024

Poema para recordar um aniversariante de hoje...


(imagem daqui)

 
  

O Príncipe Perfeito

Um Príncipe Perfeito em Portugal,
Terra da imperfeição!
Que excessivo perdão
Pode ter quem é rei!
Na bainha do tempo, até o punhal
É uma arma leal!
Assim nela coubesse a alma que sujei...

Perfeito, eu! Perfeito
Um rei que desposava no seu leito
O luto incestuoso da rainha!
Perfeito, eu, que tinha
Um herdeiro da esfera adivinhada,
E o vi morrer, humano,
Com asas de exaurido pelicano,
Às portas da aventura começada!

Perfeito, eu! Perfeito
Quem viu agonizar dentro do peito
A grandeza da vida e quanto fez por ela!
Incapaz, a cobarde caravela
Que mandei ao seu último destino,
Desatado o nó cego, masculino,
Que no sonho enlaçava
A soberba cintura de Castela,
Que perfeição no mundo me ficava?

Pensei, lutei, matei - fiz quanto pude,
Mas em vão.
A quem Deus não ajude,
Tudo são Índias de desilusão. 

 

Miguel Torga

sábado, abril 27, 2024

Porque hoje é dia de recordar um Português...

Efígie de Fernão de Magalhães no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, Portugal 

 

Fernão de Magalhães
 
Fernão de Magalhães da Ibéria toda,
Alma de tojo arnal sobre uma fraga
A namorar a terra em corpo inteiro,
Consciência do fim no fim da boda,
Fernão de Magalhães que andaste à roda
De quanto Portugal sonhou primeiro :
 
Ter um destino, é não caber no berço
Onde o corpo nasceu.
É transpor as fronteiras uma a uma
E morrer sem nenhuma,
Às lançadas à bruma,
A cuidar que a ilusão é que venceu.

   
   
in Poemas Ibéricos (1965) - Miguel Torga

segunda-feira, abril 22, 2024

Poema para celebrar um data bonita...


A Terra 

 

Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação!
Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.

Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!

A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.

Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!

 

in Odes (1946) - Miguel Torga

Hoje celebra-se o Dia Nacional do Património Geológico...!

(imagem daqui)

    
Hoje hoje, além de ser o Dia Mundial da Terra, em Portugal também se celebra o Dia Nacional do Património Geológico.
  

Roubemos um poema ao transmontano Miguel Torga, convertido em citadino e conimbricense (como eu...) para celebrar a data...!



Pátria

Serra!
E qualquer coisa dentro de mim se acalma…
Qualquer coisa profunda e dolorida,
Traída,
Feita de terra
E alma.

Uma paz de falcão na sua altura
A medir as fronteiras:
- Sob a garra dos pés e fraga dura,
E o bico a picar estrelas verdadeiras… 

 
  
 

Gerês, Pedra Bela, 20 de agosto de 1942 - Diário II