Cumpriu parte do serviço militar em Portugal entre 1961 e 1963, tendo seguido como expedicionário para
Angola,
onde esteve até 1965. Inicialmente integrado num batalhão de
cavalaria, viria a ser recolocado nos serviços auxiliares e colocado no
Quartel-General da Região Militar de Angola.
Publicou a primeira obra em
Coimbra, com o patrocínio paterno, não obstante se encontrar, na altura, em
África.
Cuidar dos Vivos
é o título do livro de estreia - poemas de protesto político e cívico,
com afloramento dos temas da morte e do amor. Em apêndice, dois poemas
sobre a guerra em Angola, que terão sido dos primeiros publicados
sobre este conflito. O tema da guerra em África voltaria a impor-se em
Câu Kiên: Um Resumo (1972), ainda que sob "camuflagem vietnamita", livro que em 1976 conheceria a sua versão definitiva:
Katalabanza, Kilolo e Volta.
Memória do Contencioso (1980) reúne "folhetos" publicados entre 1972 e 1980, e
Variações em Sousa
(1987) constitui um regresso aos temas da infância e da adolescência,
com Coimbra como cenário, e refinando uma veia jocosa e satírica já
visível nos poemas inaugurais. A novela
Walt
(1978) comprova-o exuberantemente. Era notável em Assis Pacheco a sua
larga cultura galega, aliás sobejamente explanada em alguns dos seus
textos jornalísticos e no seu livro
Trabalhos e Paixões de Benito Prada. Em
A Musa Irregular (1991) reuniu toda a sua produção poética.
Casou a 4 de fevereiro de 1963 com Maria do Rosário Pinto de Ruella Ramos (nascida a 27 de julho de 1941), filha de
João Pedro de Ruella de Almeida Ramos e de sua mulher, Germana Marques Vieira Pinto, e de quem teve cinco filhas e um filho.
Um Campo Batido pela Brisa
A tua nudez inquieta-me.
Há dias em que a tua nudez
é como um barco subitamente entrado pela barra.
Como um temporal. Ou como
certas palavras ainda não inventadas,
certas posições na guitarra
que o tocador não conhecia.
A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo
para um lado misterioso e frágil.
Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe
contorno, peso. Destrói o meu corpo.
A tua nudez é uma violência
suave, um campo batido pela brisa
no mês de Janeiro quando sobem as flores
pelo ventre da terra fecundada.
Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas
com o vocabulário da tua nudez.
Tenho «um pensamento despido»;
maturação; altas combustões.
De mão dada contigo entro por mim dentro
como em outros tempos na piscina
os leprosos cheios de esperança.
E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete
que lanço com mão tremente desastrada
para rebentar e encher a minha carne
de transparência.
Sete dias ao longo da semana,
trinta dias enquanto dura um mês
eu ando corajoso e sem disfarce,
ilumindo, certo, harmonioso.
E outras vezes sucede que estou: inquieto.
Frágil.
Violentado.
Para que eu me construa de novo
a tua nudez bascula-me os alicerces.
in A Musa Irregular (1991) - Fernando Assis Pacheco