O pavor agia como uma epidemia, corroendo os nervos dos patrícios, dos
nobres, da corte e do povo em geral. A situação piorou ainda mais
quando o sultão mandara expor 76 soldados cristãos empalados por seus
carrascos na frente das muralhas para que os habitantes de
Constantinopla soubessem o destino que os aguardava.
Dias mais depressivos eles tiveram antes, no momento em que a grande
bombarda
turca (chamada de Grã Bombarda) um monstro de bronze e de oito metros
de comprimento e de sete toneladas, que os sitiantes trouxeram de
longe, arrastado por 60 bois e auxiliado por um contingente de 200
homens (ele era dividido ao meio para melhor facilitação do
transporte), começara a despejar balas de 550 quilos contra as portas e
as muralhas da cidade. Parecia um raio atirado dos céus para vir
arrasar com as expectativas de salvação dos cristãos. Pela frente os
turcos invasores tinham uma linha de 22 km de muralhas e 96 torres bem
fortificadas ainda por vencer, mas para os cristãos era pior, pois
somente viam a sombra da foice da morte.
Os dois lados se prepararam para a guerra. Os bizantinos, agora com a
simpatia das nações católicas, enviaram mensageiros às nações
ocidentais implorando por reforços, e conseguindo promessas. Três navios
genoveses contratados pelo
Papa estavam a caminho com armas e provisões. O Papa ainda havia enviado o cardeal Isidro, com 300 arqueiros
napolitanos para sua guarda pessoal. Os
venezianos enviaram em meados de
1453
um reforço de 800 soldados e 15 navios com suprimentos, enquanto os
cidadãos venezianos residentes em Constantinopla aceitaram participar
das defesas da cidade. A capital bizantina ainda recebeu reforços dos
cidadãos de
Pera (atual
Beyoğlu) e genoveses renegados, entre os quais
Giovanni Giustiniani Longo, que se encarregaria das defesas da muralha leste, e 700 soldados. Tonéis de
fogo grego, armas de fogo, e todos os homens e jovens capazes de empunhar uma
espada e um
arco
foram reunidos. Entretanto, as forças bizantinas provavelmente não
chegavam a 7 mil soldados e 26 navios de guerra ancorados no
Corno de Ouro.
Os otomanos, por sua vez, iniciaram o cerco construindo rapidamente uma fortaleza 10 km ao norte de Constantinopla.
Maomé II
sabia que os cercos anteriores haviam fracassado porque a cidade
recebia suprimentos pelo mar, então tratou de bloquear as duas entradas
do
mar de Mármara, com uma fortaleza armada com 3 canhões no ponto mais estreito do
Bósforo, e pelo menos 125 navios ocupando
Dardanelos, o mar de Mármara e o oeste do Bósforo.
Maomé ainda reuniu um exército estimado em 100 mil soldados, 80 mil dos
quais soldados turcos profissionais - os demais recrutas capturados em
campanhas anteriores, mercenários, aventureiros e renegados cristãos,
que seriam usados para os ataques diretos. Cerca de 5.000 desses
soldados eram
janízaros, a elite do exército otomano. No início de
1452, um engenheiro de artilharia
húngaro chamado Urbano ofereceu seus serviços ao Sultão. Maomé o fez responsável pela instalação dos canhões em sua fortaleza.
O cerco começou oficialmente em
6 de abril de 1453, quando o grande canhão disparou o primeiro tiro em direção ao vale do
Rio Lico, que penetrava em
Constantinopla por uma depressão sob a muralha que possibilitava o posicionamento da
bombarda
em uma parte mais alta. A muralha, até então imbatível naquele ponto,
não havia sido construída para suportar ataques de canhões, e em menos
de uma semana começou a ceder. Todos os dias, ao anoitecer, os
bizantinos se esgueiravam para fora da cidade para reparar os danos
causados pelo canhão com sacos e barris de areia, pedras estilhaçadas da
própria muralha e paliçadas de madeira. Os otomanos evitaram o ataque
pela costa, pois as muralhas eram reforçadas por torres com canhões e
artilheiros que poderiam destruir toda a frota em pouco tempo. Por isso,
o ataque inicial se restringiu a apenas uma frente, o que possibilitou
tempo e mão de obra suficientes aos bizantinos para suportarem o
assédio.
No início do cerco, os bizantinos conseguiram duas vitórias animadoras. Em
12 de abril, o almirante
búlgaro Suleimã Baltoghlu,
a serviço do sultão, foi repelido pela armada bizantina ao tentar
forçar a passagem pelo Corno de Ouro. Seis dias depois, o sultão
Maomé II tentou um ataque à muralha danificada no vale do Licos, mas foi
derrotado por um contingente bem menor, mas mais bem armado de
bizantinos, sob o comando de Giustiniani.
Em
20 de abril os bizantinos avistaram os navios enviados pelo
Papa, mais um outro navio grego com grãos da
Sicília, que atravessaram o bloqueio de
Dardanelos quando o Sultão deslocou seus navios para o
mar de Mármara. Baltoghlu tentou interceptar os navios cristãos, mas viu sua frota ser destruída por ataques de
fogo grego despejado sobre suas embarcações. Os navios chegaram com êxito ao
Corno de Ouro, e Baltoghlu foi humilhado publicamente pelo Sultão e dispensado.
Em
22 de abril, o sultão aplicou um golpe estratégico nas defesas bizantinas. Impossibilitados de atravessar a corrente que fechava o
Corno de Ouro,
o sultão ordenou a construção de uma estrada de rolagem ao norte de
Pera, por onde os seus navios poderiam ser puxados por terra,
contornando a barreira. Com os navios posicionados em uma nova frente,
os bizantinos logo não teriam recursos para reparar suas muralhas. Sem
escolha, os bizantinos se viram forçados a contra-atacar, e em
28 de abril
tentaram um ataque surpresa aos turcos no Corno de Ouro, mas foram
descobertos por espiões e executados. Os bizantinos então decapitaram
260 turcos cativos e arremessaram seus corpos sobre as muralhas do
porto.
Bombardeados diariamente em duas frentes, os bizantinos raramente eram atacados pelos soldados turcos. Em
7 de maio
o Sultão tentou um novo ataque ao vale do Lico, mas foi novamente
repelido. No final do dia, os otomanos começaram a mover uma grande
torre de assédio,
mas durante a noite soldados bizantinos conseguiram destruí-la antes
que fosse usada. Os turcos também tentaram abrir túneis por baixo das
muralhas, mas os gregos cavavam do lado interno e atacavam de surpresa
com fogo ou água.
A mão de obra estava sobrecarregada, os soldados cansados e os recursos
escasseando, e o próprio Constantino XI coordenava as defesas,
inspecionava as muralhas e reanimava as tropas por toda a cidade.
A resistência de
Constantinopla começou a ruir frente ao desânimo causado por uma série de maus presságios. Na noite de
24 de maio houve um
eclipse lunar, relembrando aos bizantinos uma antiga profecia de que a cidade só resistiria enquanto a
lua brilhasse no céu. No dia seguinte, durante uma procissão, um dos ícones da
Virgem Maria caiu no chão. Logo em seguida, uma tempestade de chuva e granizo inundou as ruas. Os navios prometidos pelos
venezianos ainda não haviam chegado e a resistência da cidade estava no seu limite.
Ao mesmo tempo, os turcos enfrentavam problemas. O custo para sustentar
um exército de 100 mil homens era muito grande, e oficiais comentavam
da ineficiência das estratégias do Sultão até então. Maomé II se viu
obrigado a lançar um ultimato a Constantinopla: os turcos poupariam as
vidas dos cristãos se o imperador
Constantino XI
entregasse a cidade. Como alternativa, prometeu levantar o cerco se
Constantino pagasse um pesado tributo. Com os tesouros vazios desde o
saque feito pela
Quarta Cruzada, Constantino foi obrigado a recusar a oferta, e Maomé lançou um ataque rápido e decisivo.
Ataque final
Maomé II ordenou que as tropas descansassem no dia
28 de maio
para se prepararem para o assalto final no dia seguinte. Pela primeira
vez em quase dois meses não se ouviu o barulho dos canhões e das
tropas em movimento. Para quebrar o silêncio e levantar o moral para o
momento decisivo, todas as igrejas de Constantinopla tocaram seus sinos
por todo o dia.
Durante a madrugada do dia
29 de maio de
1453,
Maomé lançou um ataque total às muralhas, composto principalmente por
mercenários e prisioneiros, concentrando o ataque no vale do Lico. Por
duas horas, o contingente superior de mercenários europeus foi repelido
pelos soldados bizantinos sob o comando de
Giovanni Giustiniani Longo,
providos de melhores armas e armaduras e protegidos pelas muralhas.
Mas com as tropas cansadas, teriam agora que enfrentar o exército
regular de 80 mil turcos.
O exército turco atacou por mais duas horas, sem vencer a resistência
bizantina. Então abriram espaço para o grande canhão, que abriu uma
brecha na muralha por onde os turcos concentraram seu ataque.
Constantino XI
em pessoa coordenou uma cadeia humana que manteve os turcos ocupados
enquanto a muralha era consertada. O Sultão então lançou mão dos
janízaros,
que escalavam a muralha com escadas. Mas após mais uma hora de
combates, os janízaros ainda não haviam conseguido entrar na cidade.
Com os ataques concentrados no vale do Lico, os bizantinos cometeram a
desatenção de deixar o portão da muralha noroeste semi-aberto. Um
destacamento otomano penetrou por ali e invadiu o espaço entre as
muralhas interna e externa. Neste momento, o comandante Giustiniani fora
ferido e havia sido retirado às pressas para um navio. Sem a sua
liderança, os soldados gregos lutaram desordenadamente contra os
disciplinados turcos. Diz-se que no último momento, o imperador
Constantino XI desembainhou a espada e partiu para a luta - nunca mais foi visto.
Giustiniani também viria a morrer mais tarde em virtude dos ferimentos na ilha grega de
Quios, onde encontrava-se ancorada a prometida esquadra
veneziana à espera de ventos favoráveis.
Desesperados, os sobreviventes correram para suas casas a fim de salvar
suas famílias. Muitos fugiram em navios, quando os marinheiros turcos
viram que a cidade caíra e poderiam aproveitar para participar do saque.
Os turcos saquearam e mataram o quanto puderam. A
Catedral de Santa Sofia (hoje conhecida como
Hagia Sophia),
o coração de todo o cristianismo ortodoxo, viu-se repleta de
refugiados à espera de um milagre que não aconteceu: os clérigos foram
mortos e as freiras capturadas.
Maomé II entrou na cidade à tarde em desfile triunfal e ordenou que a catedral fosse consagrada como
mesquita.
Talvez por ter considerado a cidade por demais destruída, o sultão
ordenou o fim dos saques e da destruição no mesmo dia (contrariando a
promessa de 3 dias de saques que fizera antes da guerra). Terminou com
50 mil presos, entre os quais soldados, clérigos e ministros. Este
contingente bizantino recebeu autorização para viver na cidade sob a
autoridade de um novo
patriarca,
Genádio, designado pelo próprio sultão para se assegurar de que não haveria revoltas.
Caía finalmente, depois de mais de dez séculos, a maçã de prata ou simplesmente Constantinopla, capital do
Império Romano do Oriente.