Biografia
Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu a 6 de novembro de 1919 no
Porto. Sophia era filha de Maria Amélia de Mello Breyner e de João
Henrique Andresen, com origem
dinamarquesa
pelo lado paterno, pois o seu bisavô, Jan Heinrich Andresen,
desembarcou um dia no Porto e nunca mais abandonou esta região, tendo o
seu filho João Henrique comprado, em 1895, a Quinta do Campo Alegre,
hoje
Jardim Botânico do Porto. Como afirmou em entrevista, em 1993, essa quinta "
foi um território fabuloso com uma grande e rica família servida por uma criadagem numerosa". A mãe, Maria Amélia de Mello Breyner, é filha do
Tomás de Mello Breyner, conde de Mafra, médico e amigo de El-Rei
D. Carlos I. Maria Amélia é também neta do conde
Henrique de Burnay, um dos homens mais ricos do seu tempo.
Criada na velha aristocracia portuguesa, educada nos valores
tradicionais da moral cristã, foi dirigente de movimentos universitários
católicos quando frequentava
Filologia Clássica, na
Universidade de Lisboa (1936-1939), que nunca chegou a concluir. Colaborou na revista
Cadernos de Poesia, onde fez amizades com autores influentes e reconhecidos:
Ruy Cinatti e
Jorge de Sena. Veio a tornar-se uma das figuras mais representativas de uma atitude política
liberal, apoiando o movimento monárquico e denunciando o regime
salazarista e os seus seguidores. Ficou célebre como
canção de intervenção
dos Católicos Progressistas a sua "Cantata da Paz", também conhecida e
chamada pelo seu refrão: "Vemos, Ouvimos e Lemos. Não podemos
ignorar!"
Casou-se, em 1946, com o jornalista, político e advogado
Francisco Sousa Tavares e foi mãe de cinco filhos: uma professora universitária de
Letras, um jornalista e escritor (
Miguel Sousa Tavares),
um pintor e ceramista e mais uma filha que é terapeuta ocupacional e
herdou o nome da mãe. Os filhos motivaram-na a escrever contos infantis.
Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu, aos 84 anos, no dia 2 de julho
de 2004, em Lisboa, no Hospital da Cruz Vermelha. O seu corpo foi
sepultado no Cemitério de Carnide. Em 20 de fevereiro de 2014, a
Assembleia da República decidiu homenagear por unanimidade a poetisa com honras de
Panteão e a cerimónia de trasladação teve lugar a 2 de julho de 2014.
Desde 2005, no
Oceanário de Lisboa,
os seus poemas, com ligação forte ao Mar foram colocados para leitura
permanente nas zonas de descanso da exposição, permitindo aos
visitantes absorverem a força da sua escrita enquanto estão imersos
numa visão de fundo do mar.
Caracterização da obra
Da sua infância e juventude, a autora recorda sobretudo a importância
das casas, lembrança que terá grande impacto na sua obra, ao descrever
as casas e os objetos dentro delas, dos quais se lembra. Explica isso
do seguinte modo: "Tenho muita memória visual e lembro-me sempre das
casas, quarto por quarto, móvel por móvel e lembro-me de muitas casas
que desapareceram da minha vida (…). Eu tento «representar», quer dizer,
"voltar a tornar presentes» as coisas de que gostei e é isso o que
se passa com as casas: quero que a memória delas não vá à deriva, não
se perca".
Está presente em Sophia também uma ideia da
poesia
como valor transformador fundamental. A sua produção corresponde a
ciclos específicos, com a culminação da atividade da escrita durante a
noite: "
não consigo escrever de manhã, (…) preciso daquela concentração especial que se vai criando pela noite fora.".
A vivência noturna da autora é sublinhada em vários poemas ("Noite",
"O luar", "O jardim e a noite", "Noite de Abril", "Ó noite"). Aceitava a
noção de poeta inspirado, afirmava que a sua poesia lhe
acontecia, como a
Fernando Pessoa:
"Fernando Pessoa dizia: «Aconteceu-me um poema». A minha maneira de
escrever fundamental é muito próxima deste «acontecer». (…) Encontrei a
poesia antes de saber que havia
literatura.
Pensava mesmo que os poemas não eram escritos por ninguém, que
existiam em si mesmos, por si mesmos, que eram como que um elemento do
natural, que estavam suspensos imanentes (…). É difícil descrever o
fazer de um poema. Há sempre uma parte que não consigo distinguir, uma
parte que se passa na zona onde eu não vejo". A sua própria vida e as
suas próprias lembranças são uma inspiração para a autora, pois, como
refere Dulce Maria Quintela, ela "
fala de si, através da sua poesia".
Sophia de Mello Breyner Andresen fez-se poeta já na sua infância,
quando, tendo apenas três anos, foi ensinada "A Nau Catrineta" pela sua
ama Laura):
"Havia em minha casa uma criada, chamada Laura, de quem eu gostava
muito. Era uma mulher jovem, loira, muito bonita. A Laura ensinou-me a
"Nau Catrineta" porque havia um primo meu mais velho a quem tinham feito
aprender um poema para dizer no Natal e ela não quis que eu ficasse
atrás… Fui um fenómeno, a recitar a "Nau Catrineta", toda. Mas há mais
encontros, encontros fundamentais com a poesia: a recitação da
"Magnífica", nas noites de trovoada, por exemplo. Quando éramos um pouco
mais velhos, tínhamos uma governanta que nessas noites queimava
alecrim, acendia uma vela e rezava. Era um ambiente misto de religião e
magia… E de certa forma nessas noites de temporal nasceram muitas
coisas. Inclusivamente, uma certa preocupação social e humana ou a minha
primeira consciência da dureza da vida dos outros, porque essa
governanta dizia: «Agora andam os pescadores no mar, vamos rezar para
que eles cheguem a terra» (…)."
Baseando-nos nas observações de Luísa Pessoa, desenvolvamos alguns dos tópicos mais relevantes na sua criação literária:
A infância e juventude – constituem para a Autora um espaço de referência ("O jardim e a casa", Poesia, 1944; "Casa", Geografia, 1967; "Casa Branca", Poesia, 1944; "Jardim Perdido", Poesia, 1944; "Jardim e a Noite", Poesia, 1944).
O contacto com a Natureza também marcou profundamente a sua
obra. Era para a Autora um exemplo de liberdade, beleza, perfeição e de
mistério e é largamente citada da sua obra, quer citada pelas alusões à
terra (árvores, pássaros, o luar), quer pelas referências ao mar
(praia, conchas, ondas).
O Mar é um dos conceitos-chave na criação literária de 'Sophia
de Mello Breyner Andresen: "Desde a orla do mar/ Onde tudo começou
intacto no primeiro dia de mim". O efeito literário da inspiração no
Mar pode se observar em vários poemas, como, por exemplo, "Homens à
beira-mar" ou "Mulheres à beira-mar". A autora comenta isso do seguinte
modo:
"Esses poemas têm a ver com as manhãs da Granja, com as manhãs da praia. E também com um quadro de Picasso. Há um quadro de Picasso chamado Mulheres à beira-mar
.
Ninguém dirá que a pintura do Picasso e a poesia de Lorca tenham tido
uma enorme influência na minha poesia, sobretudo na época do Coral
… E uma das influências do Picasso em mim foi levar-me a deslocar as imagens."
Outros exemplos em que claramente se percebe o motivo do mar são: "Mar" em
Poesia, 1944; "Inicial" em
Dual, 1972; "Praia" em
No Tempo dividido; "Praia" em
Coral, 1950; "Açores" em
O Nome das Coisas, 1977. Neles exprime-se a obsessão do
mar, da sua beleza, da sua serenidade e dos seus mitos. O Mar surge aqui como
símbolo da dinâmica da vida. Tudo vem dele e tudo a ele regressa. É o espaço da vida, das transformações e da morte.
A cidade constitui outro motivo frequentemente repetido na obra de SMB ("Cidade" em
Livro Sexto, 1962; "Há Cidades Acesas",
Poesia, 1944; "Cidade" em
Livro Sexto, 1962; "Fúrias",
Ilhas, 1989). A
cidade é aqui um espaço negativo. Representa o mundo frio, artificial, hostil e desumanizado, o contrário da
natureza e da segurança.
Outro tópico acentuado com frequência na obra de Sophia é
o tempo:
o dividido e o absoluto que se opõem. O primeiro é o tempo da solidão,
medo e mentira, enquanto o tempo absoluto é eterno, une a vida e é o
tempo dos valores morais ("Este é o Tempo",
Mar Novo, 1958; "O Tempo Dividido",
No Tempo Dividido, 1954). Segundo
Eduardo Prado Coelho,
o tempo dividido é o tempo do exílio da casa, associado com a cidade,
porque a cidade é também feita pelo torcer de tempo, pela degradação.
'Sophia de Mello Breyner Andresen era admiradora da
literatura clássica. Nos seus poemas aparecem frequentemente palavras de grafia antiga (
Eurydice,
Delphos,
Amphora). O culto pela arte e tradição próprias da civilização
grega são lhe próximos e transparecem pela sua obra ("O Rei de Itaca",
O Nome das Coisas, 1977; "Os Gregos",
Dual, 1972; "Exílio",
O Nome das Coisas, 1977; "Soneto de Eurydice",
No Tempo Dividido, "Crepúsculo dos Deuses",
Geografia; "O Rei de Itaca",
O Nome das Coisas, 1977; "Ressurgiremos",
Livro Sexto, 1962).
Além dos aspetos temáticos referidos acima, vários autores sublinham a enorme influência de
Fernando Pessoa na obra de 'Sophia de Mello Breyner Andresen. O que os dois autores têm em comum é: a influência de
Platão, o apelo ao infinito, a memória de infância, o
sebastianismo e o
messianismo, o tom formal que evoca
Álvaro de Campos. A figura de Pessoa encontra-se evocada múltiplas vezes nos poemas de Sophia ("Homenagem a Ricardo Reis",
Dual, 1972; "Cíclades (
evocando Fernando Pessoa)",
O Nome das Coisas, 1977).
De modo geral, o universo temático da autora é abrangente e pode ser representado pelos seguintes pontos resumidos:
Quanto ao estilo de linguagem de 'Sophia de Mello Breyner Andresen,
podemos constatar que Sophia de Mello Breyner tem um estilo
característico, cujas marcas mais evidentes são: o valor
hierático da palavra, a expressão rigorosa, o apelo à visão clarificadora, riqueza de
símbolos e
alegorias,
sinestesias e ritmo evocador de uma dimensão
ritual. Nota-se uma "
transparência da palavra na sua relação da linguagem com as coisas, a luminosidade de um mundo onde intelecto e ritmo se harmonizam na forma melódica, perfeita".
A opinião sobre ela de alguns dos mais importantes críticos literários
portugueses é a mesma: o talento da autora é unanimemente apreciado.
Eduardo Lourenço afirma que a Sophia de Mello Breyner tem uma sabedoria "
mais funda do que o simples saber",
que o seu conhecimento íntimo é imenso e a sua reflexão, por mais
profunda que seja, está exposta numa simplicidade original. Seguem
alguns exemplos de outros estudiosos a comprovar essa opinião:
"A sua sensibilidade de poeta oscila entre o modernismo de expressão
e um classicismo de tom, caracterizado por uma sobriedade extremamente
dominada e por uma lucidez dialética que coloca muitas das suas
composições na linha dos nossos melhores clássicos."
Álvaro Manuel Machado, Quem é Quem na Literatura Portuguesa
"Sophia de Mello Breyner Andresen é, quanto a nós, um caso ímpar na
poesia portuguesa, não só pela difusa sedução dos temas ou pelos
rigores da expressão, mas sobretudo por qualquer coisa, anterior a isso
tudo, em que tudo isso se reflete: uma rara exigência de
essencial-idade".
David Mourão-Ferreira, Vinte Poetas Contemporâneos
"A poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen é (…) uma das vozes
mais nobres da poesia portuguesa do nosso tempo. Entendamos, por sob a
música dos seus versos, um apelo generoso, uma comunhão humana, um calor
de vida, uma franqueza rude no amor, um clamor irredutível de
liberdade – aos quais, como o poeta ensina, devemos erguer-nos sem
compromissos nem vacilações."
POEMA
A minha vida é o mar o abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada
Sophia de Mello Breyner Andresen