António Sérgio de Sousa Júnior (Damão, 3 de setembro de 1883 – Lisboa, 24 de janeiro de 1969) foi um pensador, pedagogo e político português. Existe uma escola secundária com o seu nome em Vila Nova de Gaia.
Biografia
António Sérgio nasceu na Índia Portuguesa e viveu parte da infância em África. Já em Lisboa, seguindo uma linhagem de familiares militares, estudou no Colégio Militar
e depois na Escola Politécnica e na Escola Naval. Cedo sentiu grande
interesse pela poesia e pela filosofia, devendo-se o seu precoce pendor
racionalista à leitura da Ética de Espinosa, ao estudo da geometria analítica e ao interesse pela obra de Antero de Quental.
Iniciando uma carreira de oficial da Marinha, fez várias viagens que o levaram a Cabo Verde e a Macau. Abandonou a Marinha com a implantação da República em 1910, por ter jurado fidelidade ao Rei deposto.
Casou com Luísa Epifâneo da Silva (que assinou escritos
pedagógicos como Luísa Sérgio), com quem teve uma grande camaradagem
intelectual. As suas duas primeiras obras publicadas foram um volume de Rimas e uma obra filosófica sobre Antero de Quental onde reagiu contra o naturalismo positivista.
Em 1912
concorreu para lente assistente da secção de Filosofia da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, num concurso a que também se
apresentaram Leonardo Coimbra e Matos Romão, que haveria de ser nomeado.
Após estudos de pós-graduação no Instituto Jean-Jacques Rousseau (1914-16), grande centro mundial do movimento da Escola Nova, onde estudou com a sua mulher, e onde privou com Édouard Claparède e com Adolphe Ferrière, participou no mais consequente projeto de reforma do Ensino Português elaborado durante a Primeira República (Projecto Camoesas).
A sua vida aventurosa fê-lo viver em diversos lugares (Lisboa,
Rio de Janeiro, Londres, Genebra, Paris, Santiago de Compostela, Madrid)
o que favoreceu o seu assumido cosmopolitismo.
Durante o consulado sidonista (1918-19), lança a revista Pela Grei
(1918-1919), para a qual convoca diversos especialistas para apresentar
um programa de Fomento Nacional (tendo a parte económica sido bastante
trabalhada por Ezequiel de Campos); nos anos 20 integra a direção da Seara Nova (junto com Raul Proença e Jaime Cortesão) e é nesse quadro que vem a integrar o governo de Álvaro de Castro (1923), assumindo a pasta da Educação, com o principal propósito de criar uma Junta de Ampliação de Estudos,
organismo autónomo que enviaria sistematicamente bolseiros ao
estrangeiro para estudar, e que financiaria institutos de investigação e
escolas modernas (o projeto foi executado, sem a componente pedagógica e
sem o espírito democrático que inspirava Sérgio, em 1929, com a criação da Junta de Educação Nacional, antepassado do Instituto de Alta Cultura, do INIC e da FCT).
Com o fim da Primeira República, vê-se obrigado ao exílio, residindo em Paris de 1926 até 1933.
De volta ao solo pátrio, tornou-se um dos principais nomes do
movimento cooperativista e do socialismo democrático; entre os seus
companheiros de luta contaram-se Alves Correia, Mário Azevedo Gomes, José Régio, Bento de Jesus Caraça (com quem travou uma polémica sobre a interpretação de Platão, cerca de 1945, onde a tensão entre marxismo e proudhonismo e idealismo racionalista está implícita), Manuel Antunes
e muitos outros vultos da cultura portuguesa. A importância das suas
ligações políticas nota-se perfeitamente nessa época. Sérgio fez parte
do Movimento de Unidade Democrática, juntamente com nomes como Alves
Redol, o General Norton de Matos, Ruy Luís Gomes e Bento de Jesus Caraça
(oposicionistas e excecionais matemáticos), Irene Lisboa, Fernando
Lopes Graça, Ferreira de Castro, Abel Salazar, Miguel Torga, Maria
Lamas, Pulido Valente, Vitorino Magalhães Godinho, Mário Dionísio e
Francisco Salgado Zenha (à data ainda estudante) e muitos outros.
Apoiou a candidatura de Humberto Delgado e desenvolveu ampla campanha em prol da cultura.
A partir de 1959, abandonou a intervenção cívica ativa e a pena
de escritor. O desalento que o acometeu depois da derrota de Delgado e a
prisão a que foi torpemente submetido, em novembro de 1958, aos 75
anos, terão sido o principal motivo. A morte da mulher, em fevereiro de
1960, veio ainda agravar mais o seu estado depressivo. Passou a viver
amparado pela sobrinha materna e sua família. Veio a falecer no Hospital
da Cruz Vermelha, pelas 19.30 de 24 de janeiro de 1969.
O seu nome perdura na toponímia portuguesa, em nomes de arruamentos. Em Campo Maior (Portugal) existe inclusivamente um busto de António Sérgio na Avenida que também tem o seu nome.
Pensamento
António Sérgio, muito influenciado pelo socialismo de Proudhon por via de Antero, não considerava a questão república/monarquia
importante por julgar a questão social (melhoria das condições de vida
das classes trabalhadoras) mais fundamental que a revolução política.
A sua ação e pensamento, inicialmente inspirados por figuras como Alexandre Herculano, Oliveira Martins e Antero de Quental,
foi marcadamente voltada para a reforma das mentalidades, para a
compreensão histórico-sociológica de Portugal e para a problemática da
educação; defendeu o modelo da escola-município, baseado no ideal de self-government e de educação cívica.
O seu pensamento inscreve-se numa constelação de pensadores
cosmopolitas de pendor voluntarista seus contemporâneos, defensores da
democracia e de ideais socialistas, entre os quais se contam John Dewey, Guglielmo Ferrero, Ramsay MacDonald e Georg Kerschensteiner.
A sua interpretação da história de Portugal,
que foi amadurecendo em textos publicados entre 1913 e 1924, valorizou
os fatores sócio-económicos (as duas políticas nacionais: transporte e
fixação) e de psicologia social (dicotomia ideal-típica entre particularismo e comunarismo, originária da corrente sociológica francesa do grupo de La Science Sociale, onde se destacaram Edmond Desmolins, autor de À quoi tient la supériorité des anglo-saxons, e Léon Poinsard, que veio estudar Portugal a convite de D. Manuel II, de que resultou a obra Le Portugal Inconnu,
publicada em 1909); António Sérgio criticou as histórias românticas que
enalteciam os feitos guerreiros e a aventura norte-africana de D. Sebastião, esquecendo a pesada herança do nosso colonialismo.
Durante a década de 10, a sua intervenção foi enquadrada pelo movimento cultural da Renascença Portuguesa (onde pontificavam Teixeira de Pascoaes e Jaime Cortesão),
movimento que Sérgio sempre considerou de natureza plural, por isso se
opondo à ideia de que o saudosismo de Pascoaes, cujo valor restringia ao
plano estético, poderia servir de farol para a solução do problema
nacional; pelo contrário denunciou a mania da purificação e o
parasitismo que nos inquinava desde os descobrimentos, enaltecendo o papel dos estrangeirados reformistas e dos que se inspiravam de corrente liberais cosmopolitas (Luís António Verney, Ribeiro Sanches e depois Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Mouzinho de Albuquerque, Antero de Quental, Oliveira Martins).
No plano político, Sérgio considerou prioritária a constituição
de uma opinião pública e de uma elite, recrutada sobre a base social
mais ampla, a qual fiscalizaria os representantes eleitos - esta seria
uma condição fundamental para uma democracia efetiva, a qual, na aceção
filosófica, equivaleria ao regime em que todo o ser humano estivesse
investido da dignidade que resulta de o considerar sempre como fim em si
e nunca como meio (Kant); por isso teorizou sobre a noção de elite, para o que se inspirou em Proudhon, Gabriel Tarde e Paul de Roussiers.
Durante a residência em Paris de 1926 até 1933, tornou-se amigo de Paul Langevin, frequentando os cenáculos racionalistas onde Léon Brunschvicg era figura maior. Continuou entretanto a publicar os seus Ensaios,
onde os temas literários, históricos e filosóficos eram dominantes,
sempre apresentados numa perspetiva pedagógica e crítica (que se manteve
fiel às intuições maiores dos seus anos de formação) e a lutar pelo
retorno de Portugal à democracia.
Nos anos 50 rodeou-se de um grupo de jovens estudantes de ciências (entre os quais se contou João Luís Andrade e Silva, discípulo de Louis de Broglie,
que a voltar de Paris iniciou de modo consequente o ensino superior da
História das ideias científicas), para os quais escreveu as Cartas de Problemática.
Para os seus detratores (bergsonistas, nacionalistas de feição romântica ou integralista,
marxistas-leninistas), o seu pensamento foi essencialmente polémico e
datado; não obstante, o seu pensamento continuou a despertar vocações em
gente das ciências sociais e exatas, que não se reclamando seus
discípulos sentem ser decisiva a sua inspiração.
- "O desenvolvimento do capitalismo português, na sua unidade
fundamental e na diversidade das suas orientações, não determinou entre
nós um alto desenvolvimento das forças produtivas. O sistema escolar
português não ultrapassou, por isso mesmo, os limites dos estreitos
interesses económicos e culturais da burguesia. Nunca se alcançou a
democratização real da Educação e da Instrução."