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sexta-feira, abril 05, 2024

Ana Luísa Amaral nasceu há 68 anos...

Ana Luísa Amaral (Lisboa, 5 de abril de 1956Porto, 5 de agosto de 2022) foi uma poetisa portuguesa, tradutora e professora de Literatura e Cultura Inglesa e Americana na Faculdade de Letras da Universidade do Porto

 

in Wikipédia

 

A Mais Perfeita Imagem

Se eu varresse todas as manhãs as pequenas
agulhas que caem deste arbusto e o chão
que lhes dá casa, teria uma metáfora perfeita para
o que me levou a desamar-te. Se todas as manhãs
lavasse esta janela e, no fulgor do vidro, além
do meu reflexo, sentisse distrair-se a transparência
que o nada representa, veria que o arbusto não passa
de um inferno, ausente o decassílabo da chama.
Se todas as manhãs olhasse a teia a enfeitar-lhe os
ramos, também a entendia, a essa imperfeição
de Maio a Agosto que lhe corrompe os fios e lhes
desarma geometria. E a cor. Mesmo se agora visse
este poema em tom de conclusão, notaria como o seu
verso cresce, sem rimar, numa prosódia incerta e
descontínua que foge ao meu comum. O devagar do
vento, a erosão. Veria que a saudade pertence a outra
teia de outro tempo, não é daqui, mas se emprestou
a um neurónio meu, unia memória que teima ainda
uma qualquer beleza: o fogo de uma pira funerária.
A mais perfeita imagem da arte. E do adeus.

 

Ana Luísa Amaral

O poeta Carlos Queirós nasceu há 117 anos...

  
José Carlos de Queirós Nunes Ribeiro, ou simplesmente Carlos Queirós (Lisboa, Santos-o-Velho, 5 de abril de 1907Paris, 27 de outubro ou 28 de outubro de 1949) foi um poeta português.
Poeta do segundo modernismo Português, identificado como um dos grandes nomes da revista Presença.
Desempenhou um importante papel na ligação entre o primeiro modernismo português da geração da revista Orpheu e o segundo modernismo da Presença. É Carlos Queirós, que por volta de 1927 estabelece a ligação entre Pessoa e a revista coimbrã Presença, dirigida por Gaspar Simões, José Régio e Branquinho da Fonseca, no qual Pessoa veio a publicar diversos textos. Foi no número 5 da Presença (1927) que Carlos Queirós, juntamente com Fernando Pessoa e Almada Negreiros, iniciou a sua participação neste periódico.
David Mourão-Ferreira, no prefácio do primeiro volume da Obra Poética de Carlos Queirós, refere que entre 1927 e 1937, ano em que Carlos Queirós deixou de colaborar com a Presença, terá publicado, nas edições que vão do n.º 5 ao n.º 49, cerca de 49 poemas e ainda dois textos em prosa, constituindo-se como um dos nomes de referência e de continuidade desta publicação.
É Carlos Queirós, num número especial da revista Presença, de homenagem a Fernando Pessoa, que dá a conhecer os amores de Fernando Pessoa por Ophélia Queiroz, a sua tia, publicando nesse número diversas cartas de amor de Pessoa escritas a Ofélia.
A participação literária de Carlos Queirós não se circunscreveu somente à celebre revista Presença. Publicou em diversas revistas e folhas literárias, tendo uma obra poética espalha por diversos periódicos: revista Ocidente, revista Atlântico, Revista de Portugal, revista Momento, revista Aventura, revista Vamos Ler e revista Litoral esta última dirigida pelo próprio.
Carlos Queirós publicou dois livros em vida o primeiro, intitulado Desaparecido, em 1935, tendo à data o poeta 28 anos de idade e que foi alvo dos maiores elogios. Destaca-se a crítica publicada por Pessoa na Revista de Portugal. Pessoa escreve no primeiro parágrafo do seu texto crítico:
  
A beleza do livro começa pelo livro. A edição é lindíssima. A beleza do livro continua pelo livro fora; os poemas são admiráveis.  
Mais à frente, no seu texto, Pessoa prossegue:  
Não se pode dizer deste livro o que é vulgar dizer-se, elogiosamente, de um primeiro livro, sobretudo de um jovem - que é uma bela promessa. O livro de Carlos Queirós não é uma promessa, porque é uma realização.
in Revista de Portugal, n.º 2 Coimbra, janeiro de 1938
 

O segundo livro publicado em vida foi Breve Tratado de Não Versificação, editado em 1948.

Entre 1945 e 1949, colaborou com Victor Buescu na tradução para português de uma selecção da obra poética de Mihai Eminescu, que veio a lume apenas em 1950.

A obra poética de Carlos Queirós, pouco divulgada, está atualmente editada em dois livros pela Editora Ática. O primeiro livro tem como data de publicação 1984, intitula-se Desaparecido – Breve Tratado de Não Versificação, sendo a compilação dos dois livros publicados em vida por Carlos Queirós. O segundo livro tem como data de publicação 1989 e intitula-se Epístola aos Vindouros e Outros Poemas, sendo constituído por uma coletânea de poemas dispersos, por diversas publicações da época e alguns inéditos recolhidos por David Mourão-Ferreira, com a ajuda de uma das filhas do poeta.
 
Casou com Guilhermina Maria Correia Manoel de Aboim Borges (Loures, Loures, 20 de dezembro de 1907 - Lisboa, 18 de outubro de 1975), sobrinha materna do 1.º Visconde de Idanha e sobrinha-neta do 1.º Visconde de Vila-Boim, de quem teve quatro filhas.
    

 

Libera Me

 

Livrai-me, Senhor,
De tudo o que for
Vazio de amor.

Que nunca me espere
Quem bem me não quer
(Homem ou mulher).

Livrai-me também
De quem me detém
E graça não tem,

E mais de quem não
Possui nem um grão
De imaginação. 


Carlos Queirós

quinta-feira, abril 04, 2024

O Conde de Lautréamont, autor d'Os Cantos de Maldoror, nasceu há 178 anos


   
Isidore Lucien Ducasse, mais conhecido pelo pseudónimo literário de Conde de Lautréamont (Montevidéu, 4 de abril de 1846 - Paris, 24 de novembro de 1870) foi um poeta uruguaio que viveu na França. É considerado um precursor do surrealismo.

A quantidade de informação sobre a vida deste poeta é diminuta. Sabe-se que nasceu no Uruguai, "nas costas da América, na foz do La Plata", como é dito no Canto I de sua obra-prima "Os Cantos de Maldoror", onde também se identifica como "montevidense". Era filho de um chanceler do consulado francês no Uruguai. A sua mãe, francesa, morreu quando o escritor tinha apenas vinte meses de idade.
Em outubro de 1859 foi para a França estudar no colégio interno de Tarbes e, depois, no colégio de Pau, onde foi colega de Paul Lespès, uma das pessoas a que foram dedicados "Os Cantos de Maldoror" e cujo testemunho se deve o conhecimento de uma situação ocorrida durante uma aula de retórica do professor Gustave Hinstin. Este professor, que também consta na dedicatória do seu poema, tê-lo-ia repreendido publicamente de forma severa devido ao conteúdo de uma das suas "Poesias" – Ducasse ter-se-ia sentido extremamente injustiçado com a situação.
Crê-se que o pseudónimo Lautréamont tenha sido inspirado no nome de um romance de Eugène Sue, "Latréaumont" (note-se que há uma leve diferença na grafia da palavra); a atribuição do título de Conde poderá ser uma referência ao Marquês de Sade ou uma forma de destacar-se da burguesia, ainda que não existam quaisquer provas destas duas teses.
Lautréamont morreu aos 24 anos de idade, em 24 de novembro de 1870, às 08.00 horas, no seu hotel. No seu atestado de óbito foi dado "não há nenhuma informação". Uma vez que muitos tinham medo de epidemias, enquanto Paris estava sitiada, Ducasse foi sepultado no dia seguinte após uma missa na Igreja de Notre Dame de Lorette, num túmulo provisório no Cemetière du Nord. Em janeiro de 1871 o seu corpo foi colocado noutra sepultura, em lugar desconhecido.

O seu poema Les Chants de Maldoror ("Os Cantos de Maldoror", em português), constituído de sessenta estrofes, é considerado uma obra seminal no campo da literatura fantástica, ainda que hoje escape a qualquer classificação.
Os críticos e o público, em geral, dividem-se quanto à classificação desta obra. Para alguns, foi um génio da literatura universal – André Breton considerava-o uma "revelação total que parece exceder as possibilidades humanas" e o considerou um precursor do Surrealismo; Léon Bloy, por seu lado, dava-o por louco, "uma ruína humana completa". Contudo, o autor foi-se transformando numa referência principalmente para intelectuais apreciadores do género mais subversivo da literatura, tornando-se um autor de culto.

 

LES CHANTS DE MALDOROR

CHANT PREMIER

chant 1 - strophe 1

Plût au ciel que le lecteur, enhardi et devenu momentanément féroce comme ce qu'il lit, trouve, sans se désorienter, son chemin abrupt et sauvage, à travers les marécages désolés de ces pages sombres et pleines de poison; car, à moins qu'il n'apporte dans sa lecture une logique rigoureuse et une tension d'esprit égale au moins à sa défiance, les émanations mortelles de ce livre imbiberont son âme comme l'eau le sucre. Il n'est pas bon que tout le monde lise les pages qui vont suivre ; quelques-uns seuls savoureront ce fruit amer sans danger. Par conséquent, âme timide, avant de pénétrer plus loin dans de pareilles landes inexplorées, dirige tes talons en arrière et non en avant. Écoute bien ce que je te dis : dirige tes talons en arrière et non en avant, comme les yeux d'un fils qui se détourne respectueusement de la contemplation auguste de la face maternelle; ou, plutôt, comme un angle à perte de vue de grues frileuses méditant beaucoup, qui, pendant l'hiver, vole puissamment à travers le silence, toutes voiles tendues, vers un point déterminé de l'horizon, d'où tout à coup part un vent étrange et fort, précurseur de la tempête. La grue la plus vieille et qui forme à elle seule l'avant-garde, voyant cela, branle la tête comme une personne raisonnable, conséquemment son bec aussi qu'elle fait claquer, et n'est pas contente (moi, non plus, je ne le serais pas à sa place), tandis que son vieux cou, dégarni de plumes et contemporain de trois générations de grues, se remue en ondulations irritées qui présagent l'orage qui s'approche de plus en plus. Après avoir de sang-froid regardé plusieurs fois de tous les côtés avec des yeux qui renferment l'expérience, prudemment, la première (car, c'est elle qui a le privilége de montrer les plumes de sa queue aux autres grues inférieures en intelligence), avec son cri vigilant de mélancolique sentinelle, pour repousser l'ennemi commun, elle vire avec flexibilité la pointe de la figure géométrique (c'est peut-être un triangle, mais on ne voit pas le troisième côté que forment dans l'espace ces curieux oiseaux de passage), soit à bâbord, soit à tribord, comme un habile capitaine; et, manoeuvrant avec des ailes qui ne paraissent pas plus grandes que celles d'un moineau, parce qu'elle n'est pas bête, elle prend ainsi un autre chemin philosophique et plus sûr.

Afonso X, o Sábio, morreu há 740 anos

Afonso X, o Sábio, trajado com as armas de Leão e Castela, rodeado pelos seus cortesãos
       
Afonso X (em espanhol: Alfonso X), o Sábio (Toledo, 23 de novembro de 1221Sevilha, 4 de abril de 1284), foi rei de Castela e Leão de 1252 até à sua morte, em 1284.
  
Armas do reino de Leão e Castela
    
(...)
    
O infante cresceu com seus aios em Villaldemiro e em Celada del Camino e também passou parte de sua infância nas propriedades de seus cuidadores, em Allariz, onde aprendeu galaico-português que, anos depois, utilizou para escrever as Cantigas de Santa Maria. Ainda infante, o seu pai fê-lo participar na tomada de várias praças andaluzes, entre as quais Múrcia, Alicante e Cádis, na reconquista durante o reinado do seu pai, Fernando, o Santo.
   
(...)
   
Contribuições para a cultura
Como D. Dinis seu neto, Afonso X fomentou a atividade cultural a diversos níveis. Realizou a primeira reforma ortográfica do castelhano, idioma que adotou como oficial em detrimento do latim. O objetivo seria desenvolver o vernáculo do seu reino, segundo o historiador Juan de Mariana.
A famosa escola de tradutores de Toledo juntou um grupo de estudiosos cristãos, judeus e muçulmanos. Foi principalmente nesta que se realizou o importantíssimo trabalho de traduzir para as línguas ocidentais os textos da antiguidade clássica, entretanto desenvolvidos pelos cientistas islâmicos. Estas obras foram as principais responsáveis pelo renascimento científico de toda a Europa medieval, que forneceria inclusivamente os conhecimentos necessários para o subsequente período dos descobrimentos. A verdadeira revolução cultural que impulsionou foi qualificada de renascimento do século XIII. Mas a obra que mais foi divulgada e traduzida no reinado deste intelectual foi a Bíblia.
  
Afonso foi também mecenas generoso do movimento trovadoresco, e ele próprio um dos maiores trovadores e poetas de língua galaico-portuguesa (a língua mais usada na lírica ibérica do século XIII), tendo chegado até nós 44 cantigas suas, de amor e, principalmente, de escárnio e maldizer. A sua obra mais conhecida é o livro das Cantigas de Santa Maria, cancioneiro sacro sobre os prodígios da Virgem Santíssima, num total de 430 composições, musicadas.
Também colaborou no El Libro del Saber de Astronomia, obra baseada no sistema ptolomaico. Esta obra teve a participação de vários cientistas que o rei congregara, e aos quais proporcionava meios de estudo e investigação, tendo mesmo mandado instalar um observatório astronómico em Toledo. Compôs as tabelas afonsinas sobre as posições astronómicas dos planetas, baseadas nos cálculos de cientistas árabes. Como tributo à sua influência para o conhecimento da astronomia, o seu nome foi atribuído à cratera lunar Alfonsus.
Outras obras com o seu contributo são o Lapidario, um tratado sobre as propriedades das pedras em relação com a astronomia e o Libro de los juegos, sobre temas lúdicos (xadrez, dados e tabelas - uma família de jogos a que pertence o gamão), praticados pela nobreza da época.
     

Salgueiro Maia morreu há trinta e dois anos...

(imagem daqui)

    

Fernando José Salgueiro Maia (Castelo de Vide, 1 de julho de 1944 - Lisboa, 4 de abril de 1992), foi um militar português.

     
Biografia
Salgueiro Maia, como se tornou conhecido, foi um dos distintos capitães do Exército Português, que liderou as forças revolucionárias durante a Revolução dos Cravos, que marcou o final da ditadura. Filho de um ferroviário, Francisco da Luz Maia, e de sua mulher Francisca Silvéria Salgueiro, frequentou a Escola Primária em São Torcato, Coruche, mudando-se mais tarde para Tomar, vindo a concluir o ensino secundário no Liceu Nacional de Leiria (hoje Escola Secundária de Francisco Rodrigues Lobo). Depois da revolução, viria a licenciar-se em Ciências Políticas e Sociais, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa.
Em outubro de 1964, ingressa na Academia Militar, em Lisboa e, acabado o curso, apresenta-se na Escola Prática de Cavalaria (EPC), em Santarém, para frequentar o tirocínio. Foi comandante de instrução em Santarém. Integrou uma companhia de comandos na então guerra colonial.
Em 1973 iniciam-se as reuniões clandestinas do Movimento das Forças Armadas e, Salgueiro Maia, como Delegado de Cavalaria, integra a Comissão Coordenadora do Movimento. Depois do 16 de Março de 1974 e do «Levantamento das Caldas», foi Salgueiro Maia, a 25 de Abril desse ano, quem comandou a coluna de blindados que, vinda de Santarém, montou cerco aos ministérios do Terreiro do Paço forçando, já no final da tarde, a rendição de Marcelo Caetano, no Quartel do Carmo, que entregou a pasta do governo a António de Spínola. Salgueiro Maia escoltou Marcelo Caetano ao avião que o transportaria para o exílio no Brasil.
A 25 de novembro de 1975 sai da EPC, comandando um grupo de carros às ordens do Presidente da República. Será transferido para os Açores, só voltando a Santarém em 1979, onde ficou a comandar o Presídio Militar de Santarém. Em 1984 regressa à EPC.
A 24 de setembro de 1983 recebe a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, e, a título póstumo, o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito a 28 de junho de 1992 e em 2007 a Medalha de Ouro de Santarém. Recusou, ao longo dos anos, ser membro do Conselho da Revolução, adido militar numa embaixada à sua escolha, governador civil do distrito de Santarém e pertencer à casa Militar da Presidência da República. Foi promovido a major em 1981 e, posteriormente, a Tenente-Coronel.
Em 1989 foi-lhe diagnosticada uma doença cancerosa que, apesar das intervenções cirúrgicas no ano seguinte e em 1991, o vitimaria, a 4 de abril de 1992.
 
Madrugada de 25 de Abril de 74, parada da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém:
"Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!"
 
Todos os 240 homens que ouviram estas palavras, ditas da forma serena mas firme, tão característica de Salgueiro Maia, formaram de imediato à sua frente. Depois seguiram para Lisboa e marcharam sobre a ditadura.
  

 

Monumento ao Capitão Salgueiro Maia em Santarém

 
A Salgueiro Maia
  
  
Aquele que na hora da vitória
respeitou o vencido

... Aquele que deu tudo e não pediu a paga
  
Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite
  
Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com a sua ignorância ou vício
  
Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
como antes dele mas também por ele
Pessoa disse
  
   
Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, abril 01, 2024

Saudades de Mário Viegas...

Mário Viegas deixou-nos há vinte e oito anos...

(imagem daqui)

  

António Mário Lopes Pereira Viegas (Santarém, 10 de novembro de 1948 - Lisboa, 1 de abril de 1996) foi um actor, encenador e declamador português.
Reconhecido como um dos melhores atores da sua geração, despertou para o teatro ainda aluno da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Daí passou para a Escola de Teatro do Conservatório Nacional, tendo a sua estreia profissional no Teatro Experimental de Cascais.
Foi fundador de três companhias teatrais (a última das quais a Companhia Teatral do Chiado) e actuou em Moçambique, Macau, Brasil, Países Baixos e Espanha. Notabilizou-se como encenador, tendo dirigido obras de autores clássicos como Samuel Beckett, Eduardo De Filippo, Anton Tchekov, August Strindberg, Luigi Pirandello ou Peter Shaffer. Pela sua actividade foi distinguido, diversas vezes, pela Casa da Imprensa, pela Associação Portuguesa de Críticos de Teatro e pela Secretaria de Estado da Cultura, que lhe atribuiu o Prémio Garrett (1987). No estrangeiro foi premiado no Festival de Teatro de Sitges (1979), com a peça D. João VI de Hélder Costa, e no Festival Europeu de Cinema Humorístico da Corunha (1978), com filme O Rei das Berlengas de Artur Semedo. O seu último êxito teatral foi a peça Europa Não! Portugal Nunca (1995).

A sua carreira no cinema começou com o filme O Funeral do Patrão (1975, Eduardo Geada). No cinema participou em mais de quinze películas, entre elas O Rei das Berlengas de Artur Semedo (1978), Azul, Azul de José de Sá Caetano (1986), Repórter X de José Nascimento (1987), A Divina Comédia de Manoel de Oliveira (1991), Rosa Negra de Margarida Gil (1992), Sostiene Pereira de Roberto Faenza (1996), onde contracenou com Marcello Mastroianni. Teve uma colaboração regular com José Fonseca e Costa - Kilas, o Mau da Fita (1981), Sem Sombra de Pecado (1983), A Mulher do Próximo (1988) e Os Cornos de Cronos (1991).
Deu-se a conhecer pelos seus recitais de poesia, gravando uma discografia de catorze títulos, com poemas de Fernando Pessoa, Luís de Camões, Cesário Verde, Camilo Pessanha, Jorge de Sena, Ruy Belo, Eugénio de Andrade, Bertolt Brecht, Pablo Neruda, entre outros. Divulgou nomes como Pedro Oom ou Mário-Henrique Leiria. Na televisão contribuiu igualmente para a divulgação da poesia portuguesa, particularmente com duas séries dos programas Palavras Ditas (1984) e Palavras Vivas (1991). Foi colunista do Diário Económico, onde escreveu sobre teatro e humor. Publicou uma autobiografia, intitulada Auto-Photo Biografia (1995).
Em 1995 candidatou-se a deputado, como independente nas listas da União Democrática Popular, e à Presidência da República Portuguesa (também apoiado pela UDP), adotando o slogan O sonho ao poder, e buscando apoio no meio universitário lisboeta.
Recebeu a Medalha de Mérito do Município de Santarém (1993) e o título de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique (1994), das mãos de Mário Soares. O seu túmulo está no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa. Em 2001 o Museu Nacional do Teatro dedicou-lhe a exposição Um Rapaz Chamado Mário Viegas.
      

 


Poema para celebrar a chegada de Aprilis...


 

A PALAVRA


Deixo cair uma palavra
no regaço de abril:
é uma semente.
Podia ser a primavera.
Mas vem devagar, soturna,
a tropeçar na chuva.
Há uma visão de sombras
no centro do verde onde cai.
A palavra arrasta-se pelo chão
como um país apedrejado.
Não é um poema nem um grito,
mas o silêncio de um homem
frente à janela.
Perco a palavra como uma gaivota
as asas sobre o mar.
Afunda-se na escuridão.
Os meus dedos ajudam-na a cantar
entre as colunas
de mais uma noite sem templos. 


in Cântico sobre uma gota de água (2021) - Eduardo Bettencourt Pinto

domingo, março 31, 2024

Porque hoje é a Páscoa da Ressurreição do Senhor...

Ressurreição de Jesus - 1619–20 (Francesco Buoneri)

 

De barro, como os outros

Nasceste, Jesus Cristo, entre as ovelhas
e as palhas de um curral,
mas, mal nasceste, o povo da Judeia
viu no céu um sinal.

Nasceste como o filho de um pastor
mas o Mundo, suspenso,
viu a estrela, o cortejo dos reis magos,
o ouro, a mirra, o incenso.

Nasceste como nascem os mortais
mas eras imortal,
e entre todas as noites só à tua
chamamos de Natal.

Foste preso, insultado, torturado
e pregado numa Cruz.
Mas do teu corpo não saía sangue,
saía sangue e luz.

Morreste como o bom e o mau ladrão,
cortou-te Deus a haste;
mas de todos os mortos, pelos séculos,
só tu ressuscitaste.

Ah, bem sabes, Senhor, que o barro é pouco
sem o sopro divino,
e que sem Deus só poderão salvar-se
o tonto e menino.

Por isso espero a morte sem terror,
sem temer o castigo.
Por que há-de recear-se a paz, o amor?
Receia-se o inimigo.

Bem sabes que o pecado original
nos roubou a inocência,
e que em nós e combatem Bem e Mal
ao longo da existência.

É difícil ao barro ser eterno.
Difícil, sobrehumano,
o longo drama que é o céu e o inferno
em cada ser humano.

Por isso eis-me a teus pés serena e calma.
Nem melhor, nem pior:
de barro, como os outros...corpo e alma
- mas a alma maior.





Fernanda de Castro

sábado, março 30, 2024

Poesia, acompanhada de pintura, para celebrar um grande artista...

Autorretrato com Orelha Enfaixada e Cachimbo, 1889

 

A CABEÇA LIGADA
 

La pintura è una poesia che si vede
Leonardo


 
Van Gogh, queria algo
tão consolador como a música.
 
Os campos de trigo e centeio
com ciprestes, os seus obeliscos,
e lírios e grandes nuvens,
a sesta dos camponeses,
a natureza morta
de girassóis e anémonas,
o sereno bivaque de ciganos,
as árvores com o azul tisnado do céu,
loendros, paveias,roçadores
de pastagens limão ouro pálido,
o semeador ferruginoso de ocre,
enxofre e do tamanho de uma catedral,
o voo de corvos sobre ramos
luminosos e ternos
de amendoeiras em flor.
 
Depois de cortar a orelha
retratou-se com os lábios
pintados de sangue.
Se o sofrimento fosse mensurável,
naquela cara de símio
louco de ser homem
haveria dores
de um inteiro campo de concentração.

  
 
 
in
A Ignorância da Morte (1978) - António Osório

sexta-feira, março 29, 2024

Saudades do tempo em que Amália cantava a música de Alain Oulman...

Alain Oulman morreu há 34 anos...

(imagem daqui)
   
Alain Robert Oulman (Oeiras, Cruz Quebrada - Dafundo, 15 de junho de 1928 - Paris, 29 de março de 1990) foi o grande responsável por alguns dos maiores sucessos de Amália. Foi também o editor do livro "Le Portugal Baillonné - témoignage" ("Portugal Amordaçado") de Mário Soares.
   
Biografia
Alain Oulman nasceu a 15 de junho de 1928, na Cruz Quebrada, distrito de Lisboa, no seio de uma família judaica tradicional.
Era um apaixonado pelos livros, pela música e por Amália. Foi apresentado a Amália, em 1962, por Luís de Macedo, diplomata em Paris, durante umas férias na Praia do Lisandro, perto da Ericeira. Oulman mostrou a Amália uma música que tinha composto ao piano, sobre o poema Vagamundo de Luís de Macedo.
O álbum Busto, editado em 1962, marcou o início de colaboração de Alain Oulman com Amália. Foi ele quem levou os poetas portugueses, como Luís de Camões, David Mourão-Ferreira, Alexandre O'Neill ou Manuel Alegre, para dentro de casa de Amália. Alain Oulman é também considerado o principal responsável por uma profunda alteração na música que a acompanhava.
Foi também ele que compôs a música do conhecido fado A Minha terra é Viana do poeta Pedro Homem de Mello, do álbum Cantigas numa Língua Antiga.
Oulman, pessoa de esquerda, é perseguido e preso pela PIDE. Amália tudo fez para o apoiar aquando da sua prisão. É deportado para França. "A sua ativa solidariedade com a luta antifascista portuguesa levou-o a ser preso pela PIDE, sendo expulso de Portugal e fixando-se definitivamente em Paris", lê-se no 'site' oficial do Partido Comunista Português.
Oulman escreveu a música para Meu Amor é Marinheiro, com base em A Trova do Amor Lusíada, que Manuel Alegre escreveu quando esteve preso em Caxias.
No disco Com Que Voz, gravado em 1969 mas editado apenas no ano seguinte, Amália canta nomes como Cecília Meireles, Alexandre O'Neill, David Mourão-Ferreira, Manuel Alegre, Camões, Ary dos Santos e Pedro Homem de Mello. O disco receberá o IX Prémio da Crítica Discográfica Italiana (1971), o Grande Prémio da Cidade de Paris e o Grande Prémio do Disco de Paris (1975).
Após o 25 de abril de 1974, Alain Oulman fez parte da minoria que defendeu Amália, quando esta foi acusada de estar ligada ao anterior regime, escrevendo cartas para os jornais "República" e "O Século".
Alain Oulman morreu, na cidade de Paris, a 29 de março de 1990, quando contava 61 anos de idade. A 9 de junho de 1993 foi feito Comendador da Ordem do Infante D. Henrique a título póstumo.
       
Comentários
"Cantei porque para mim era fado. A nobreza que está lá dentro é que conta. Se não tem fado para os outros, para mim tem"
  
"Alain Oulman, que em sucessivos discos publicados nos anos 50 e 60 soube transformar a fadista Amália Rodrigues - cuja popularidade era incontestada desde o final da Segunda Guerra - na «Amalia», sem acento, que se tornou diva internacional. Oulman divulgou a voz, mas soube renovar-lhe a cada passo os atributos com desafios ousados: primeiro, já não apenas a guitarra e a viola, mas também os acompanhamentos orquestrais, depois as variações sobre estes, conduzindo-a ao extremo de um «jazz combo»."
    
"Eu tenho uma proximidade muito maior com a Amália dos anos 60, do período do Oulman. Cabe tudo ali - e é isso que lhe dá dimensão. Nós não podemos reduzi-la - como ela nunca se quis reduzir - a um qualquer sub-género do seu reportório."
Rui Vieira Nery, DN, 2002
   

 


quinta-feira, março 28, 2024

Hojé dia de recordar, cantando, a poesia de Teresa de Ávila...


NADA TE TURBE
Jacques Berthier - Teresa de Ávila
 
Nada te turbe,
nada te espante;
quien a Dios tiene,
nada le falta.
Nada te turbe,
nada te espante;
solo Dios basta.

Todo se pasa,
Dios no se muda,
la paciencia todo lo alcanza.

En Cristo mi confianza
y de Él solo, mi asimiento.
En Sus cansancios, mi aliento
y en Su imitación, mi holganza.

Aquí estriba mi firmeza,
aquí mi seguridad.
La prueba de mi verdad,
la muestra de mi firmeza.

Hoje é dia de cantar a poesia de Miguel Hernández...

 

Aceituneros

 

Andaluces de Jaén,
aceituneros altivos,
decidme en el alma, ¿quién,
quién levantó los olivos?
No los levantó la nada,
ni el dinero, ni el señor,
sino la tierra callada,
el trabajo y el sudor.
Unidos al agua pura
y a los planetas unidos,
los tres dieron la hermosura
de los troncos retorcidos.
Levántate, olivo cano,
dijeron al pie del viento.
Y el olivo alzó una mano
poderosa de cimiento.
Andaluces de Jaén,
aceituneros altivos, decidme en el alma ¿quién
quién amamantó los olivos?
Vuestra sangre, vuestra vida,
no la del explotador
que se enriqueció en la herida
generosa del sudor.
No la del terrateniente
que os sepultó en la pobreza,
que os pisoteó la frente,
que os redujo la cabeza.
Árboles que vuestro afán
consagró al centro del día
eran principio de un pan
que sólo el otro comía.
¡Cuántos siglos de aceituna,
los pies y las manos presos,
sol a sol y luna a luna,
pesan sobre vuestros huesos!
Andaluces de Jaén,
aceituneros altivos,
pregunta mi alma: ¿de quién,
de quién son estos olivos?
Jaén, levántate brava
sobre tus piedras lunares,
no vayas a ser esclava
con todos tus olivares.
Dentro de la claridad
del aceite y sus aromas,
indican tu libertad
la libertad de tus lomas.

 

Miguel Hernández

Porque hoje é quinta feira santa...


(imagem daqui)

Simão Pedro perguntou: “Senhor, para onde vais?” Jesus respondeu-lhe: “Para onde eu vou, não podes seguir-me agora; mais tarde me seguirás”.
Pedro disse: “Senhor, por que não posso seguir-te agora? Eu darei minha vida por ti!”
Jesus respondeu: “Darás tua vida por mim? Em verdade, em verdade, te digo: não cantará o galo antes que me tenhas negado três vezes.

Jo 13, 36-38

Simão Pedro e um outro discípulo seguiam Jesus. Este discípulo era conhecido do sumo sacerdote. Ele entrou com Jesus no pátio do sumo sacerdote.
Pedro ficou do lado de fora, perto da porta. O outro discípulo, que era conhecido do sumo sacerdote, saiu, conversou com a criada que atendia a porta e levou Pedro para dentro.
A criada disse a Pedro: “Não pertences tu também aos discípulos desse homem?” Ele respondeu: “Não”.
Os servos e os guardas tinham feito um fogo, porque fazia frio; estavam se aquecendo, e Pedro estava com eles para se aquecer.
O sumo sacerdote interrogou Jesus a respeito dos seus discípulos e do seus ensinamentos.
Jesus respondeu: “Eu falei abertamente ao mundo. Eu sempre ensinei nas sinagogas e no templo, onde os judeus se reúnem. Nada falei às escondidas.
Por que me interrogas? Pergunta aos que ouviram o que eu falei; eles sabem o que eu disse”.
Quando assim falou, um dos guardas que ali estavam deu uma bofetada em Jesus, dizendo: “É assim que respondes ao sumo sacerdote?”
Jesus replicou-lhe: “Se falei mal, mostra em que falei mal; e se falei certo, por que me bates?”
Anás, então, mandou-o, amarrado, a Caifás.
Simão Pedro continuava lá, aquecendo-se. Disseram-lhe: “Não és tu, também, um dos discípulos dele?” Pedro negou: “Não”.
Então um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro tinha cortado a orelha, disse: “Será que não te vi no jardim com ele?”
Pedro negou de novo, e na mesma hora o galo cantou.

Jo 18, 15-27

E, no mesmo instante, estando ele ainda a falar, cantou um galo. Voltando-se, o Senhor fixou os olhos em Pedro; e Pedro recordou-se da palavra do Senhor, quando lhe disse: «Hoje, antes de o galo cantar, irás negar-me três vezes.» E, vindo para fora, chorou amargamente.

Lc 22, 60-61
(imagem daqui)


Romper do dia

Não é em vão
Que o romper de cada novo dia
Se inaugura p'lo canto do galo
Denunciando já de antigos tempos
Uma traição.

  

  
in Poemas (2007) - Bertold Brecht (tradução de Paulo Quintela)

O poeta Miguel Hernández morreu há 82 anos...

    

Miguel Hernández Gilabert (Orihuela, 30 de octubre de 1910 - Alicante, 28 de marzo de 1942) fue un poeta y dramaturgo de especial relevancia en la literatura española del siglo XX. Aunque tradicionalmente se le ha encuadrado en la generación del 36, Miguel Hernández mantuvo una mayor proximidad con la generación anterior hasta el punto de ser considerado por Dámaso Alonso como «genial epígono» de la generación del 27.​ Actualmente - y tras las interesantes aportaciones de A. Sánchez Vidal - se le asocia a la Escuela de Vallecas.

 

Busto de Miguel Hernández en el Paseo de los Poetas, El Rosedal, Buenos Aires

 

in Wikipédia

 



Eterna sombra




Eterna sombra
Yo que creí que la luz era mía
precipitado en la sombra me veo.
Ascua solar, sideral alegría
ígnea de espuma, de luz, de deseo.
Sangre ligera, redonda, granada:
raudo anhelar sin perfil ni penumbra.
Fuera, la luz en la luz sepultada.
Siento que sólo la sombra me alumbra.
Sólo la sombra. Sin rastro. Sin cielo.
Seres. Volúmenes. Cuerpos tangibles
dentro del aire que no tiene vuelo,
dentro del árbol de los imposibles.
Cárdenos ceños, pasiones de luto.
Dientes sedientos de ser colorados.
Oscuridad del rencor absoluto.
Cuerpos lo mismo que pozos cegados.
Falta el espacio. Se ha hundido la risa.
Ya no es posible lanzarse a la altura.
El corazón quiere ser más de prisa
fuerza que ensancha la estrecha negrura.
Carne sin norte que va en oleada
hacia la noche siniestra, baldía.
¿Quién es el rayo de sol que la invada?
Busco. No encuentro ni rastro del día.
Sólo el fulgor de los puños cerrados,
el resplandor de los dientes que acechan.
Dientes y puños de todos los lados.
Más que las manos, los montes se estrechan.
Turbia es la lucha sin sed de mañana.
¡Qué lejanía de opacos latidos!
Soy una cárcel con una ventana
ante una gran soledad de rugidos.
Soy una abierta ventana que escucha,
por donde ver tenebrosa la vida.
Pero hay un rayo de sol en la lucha

que siempre deja la sombra vencida.



Miguel Hernández

Armando da Silva Carvalho nasceu há 86 anos...

(imagem daqui)


Armando da Silva Carvalho (Olho Marinho, Óbidos, 28 de março de 1938Caldas da Rainha, 1 de junho de 2017) foi um poeta e tradutor português.

Licenciado em Direito, na Universidade de Lisboa, foi advogado, jornalista, professor do ensino secundário e publicitário. Colaborou na Antologia de Poesia Universitária, em 1959, juntamente com Ruy Belo, Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge, Gastão Cruz, entre outros, e também na Quadrante revista da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, iniciada em 1958. Publicou Lírica Consumível em 1965, que marcou o início da sua obra poética e que lhe valeu o Prémio Revelação da Sociedade Portuguesa de Autores. A sua escrita é marcada por um timbre de mordacidade, sarcasmo e figurações da pulsão sexual. Das obras de ficção salienta Portuguex, publicada em 1977. Desde a década de 60 colaborou em inúmeros jornais e revistas (Diário de Lisboa, Jornal de Letras, O Diário, Poemas Livres, Colóquio-Letras, Hífen, As Escadas Não Têm Degraus, Sílex, Nova, Via Latina, Loreto 13, entre outras). Foi incluído na IV Líricas Portuguesas, em 1969, antologia poética organizada por António Ramos Rosa e desde então tem estado representado na generalidade das antologias de poesia portuguesa.

Morreu a 1 de junho de 2017, no Montepio Rainha D. Leonor, nas Caldas da Rainha, aos 79 anos de idade, vítima de cancro.

 

in Wikipédia

 




Cinzas de Sísifo

Eu vi o sobressalto.
Nesse bosque de lâminas e luvas
tocaste cada coisa como
um grito.

E amaste a minha boca
como quem corta
os pulsos ao silêncio.

Se o vento te derrama
entre folhas e cinza
é sempre a mesma voz que não perdoa


a mesma lei


o mesmo labirinto.


Armando da Silva Carvalho

Santa Teresa de Ávila nasceu há 509 anos

Santa Teresa em glória - Pietro Novelli
  
  
 
SANTA TERESA

Terra...
Era em Ávila da Ibéria a minha terra...
Terra!
Mas eu não vi a terra que me teve!
Nem lhe dei o calor que um filho deve
A sua Mãe!
Terra!
Nem lhe sabia o nome verdadeiro!
Nem a cor! nem o gosto! nem o cheiro!
Nem calculava o peso que ela tem!

Terra...
Vai-se embaçando o brilho dos meus olhos!
Apodrece o tutano dos meus ossos!
Crescem as unhas doidas nos meus dedos
Contra a palma da mão encarquilhada!
Medra o livor em mim de tal maneira
Que me babo de nojo do meu nada!

Terra!...
E andei eu a morrer a vida inteira!
E andei eu a secar a seiva da raiz
Que do Céu ou do Inferno me prendia
A ti, humana terra de Castela!
Terra!
E andei eu a viver a morte que vivia
Disfarçada em amor na minha cela!

Terra!...
E andei eu a negar o amor do mundo,
Quando de pólo a pólo o meu amor podia
Ser sem limites como a alma quer!...
E ser fecundo como a luz do dia!
E dar um filho, porque eu fui mulher!

Terra!...
E andei eu a legar este legado:
“Vivo morrendo primeiro”,
Derradeiro Castelo a que subi!...
Terra...
E Deus, que prometeu ter-me a seu lado,
Tem-me aqui.

  
 
 
in Poemas Ibéricos (1965) - Miguel Torga

Alexandre Herculano nasceu há 214 anos

      
Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo (Lisboa, 28 de março de 1810 - Quinta de Vale de Lobos, Azoia de Baixo, Santarém, 13 de setembro de 1877) foi um escritor, historiador, jornalista e poeta português da era do romantismo.
Como liberal que era, teve como preocupação maior, estabelecida nas suas ações políticas e seus escritos, sobretudo em condenar o absolutismo e a intolerância da coroa no século XVI para denunciar o perigo do retorno a um centralismo da monarquia em Portugal.
     
  
 
A GRAÇA


Que harmonia suave
É esta, que na mente
Eu sinto murmurar,
Ora profunda e grave,
Ora meiga e cadente,
Ora que faz chorar?
Porque da morte a sombra,
Que para mim em tudo
Negra se reproduz,
Se aclara, e desassombra
Seu gesto carrancudo,
Banhada em branda luz?
Porque no coração
Não sinto pesar tanto
O férreo pé da dor,
E o hino da oração,
Em vez de irado canto,
Me pede íntimo ardor?

És tu, meu anjo, cuja voz divina
Vem consolar a solidão do enfermo,
E a contemplar com placidez o ensina
De curta vida o derradeiro termo?

Oh, sim!, és tu, que na infantil idade,.
Da aurora à frouxa luz,
Me dizias: «Acorda, inocentinho,
Faz o sinal da Cruz.»
És tu, que eu via em sonhos, nesses anos
De inda puro sonhar,
Em nuvem d'ouro e púrpura descendo
Coas roupas a alvejar.
És tu, és tu!, que ao pôr do Sol, na veiga,
Junto ao bosque fremente,
Me contavas mistérios, harmonias
Dos Céus, do mar dormente.
És tu, és tu!, que, lá, nesta alma absorta
Modulavas o canto,
Que de noite, ao luar, sozinho erguia
Ao Deus três vezes santo.
És tu, que eu esqueci na idade ardente
Das paixões juvenis,
E que voltas a mim, sincero amigo,
Quando sou infeliz.
Sinta a tua voz de novo,
Que me revoca a Deus:
Inspira-me a esperança,
Que te seguiu dos Céus!...

 

Alexandre Herculano

quarta-feira, março 27, 2024

Porque hoje é o Dia Mundial do Teatro...

(imagem daqui)


O Actor

O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.

O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.

Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.

O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.

Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.

Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.

O actor em estado geral de graça.



Herberto Hélder