A origem e a formação de Edgar Degas jamais sugeriam que ele viesse a
ser um revolucionário, que de uma forma tão morta satirizou e
reformulou as perceções visuais das pessoas do seu tempo. Nasceu no
seio de uma família da alta-
burguesia. O seu pai, René Auguste de Gas, geria uma sucursal de um banco
napolitano que pertencia à família.
Com onze
anos os pais puseram-no num bom colégio, da típica alta sociedade, mas, só quando se inscreveu no
Lycée Louis Le Grand, começou a perseguir um sonho chamado «
Arte». Com dezoito anos, numa sala da mansão dos seus pais, formou um
atelier
onde concebeu alguns dos melhores trabalhos do início da sua carreira.
Não pintava muito na escola, pois tinha bem assente a sua posição
social, e os pais relembravam-lhe constantemente que era um
aristocrata. Cansado, saiu do liceu aos vinte anos de idade, com outros planos em mente.
Com Louis Lamothe estudou
desenho.
Foi esse artista quem lhe serviu de conselheiro durante os primeiros
anos da sua carreira e que lhe fez florescer o gosto iminente por
Dominique Ingres. Nos anos próximos, Degas foi admitido na
École des Beaux-Arts, em
Paris.
Durante esta viagem concebeu um dos seus melhores trabalhos:
Retrato da família Bellelli, quadro cuja preparação lhe roubou mais de dois meses, tendo esboços de todos os membros da família
aristocrata italiana. Com esta
pintura Degas descreveu extraordinariamente o carácter psicológico da baronesa, que contrasta visível e implacavelmente com o do
barão.
A baronesa confina-se a olhar enaltecidamente para uma janela que
somente se sabe que ali está devido ao espelho, em pose burguesa. O
barão, mais velho que a esposa, mira encarecidamente a sobrinha sentada.
A par deste quadro, não se cansou de retratar os membros da sua
família, incluindo o seu avô, Hilaire Germain de Gas, o patriarca da
família De Gas.
Retornado a
Paris, com a soberba imponência de quem travou conhecimento com o grande
Gustave Moreau, visitou várias vezes o
Louvre onde estudou concisamente a obra de
Delacroix e de
Dominique Ingres.
Este último era, por assim dizer, «idolatrado» por Degas. Com tudo
isto conheceu um homem que se viria a revelar um grande amigo e que o
marcaria até ao final dos seus dias:
Edouard Manet.
Pintor francês, nascido em 1834 e falecido em 1917, ligado à geração
do Impressionismo, mas que dificilmente pode ser considerado um
verdadeiro impressionista. Assimilou a lição das obras dos velhos
mestres, nas viagens por Itália, e conservou a admiração por Ingres, no
traço e no estilo linear. Degas apreciava tudo o que era fora do
comum. Chocava por uma paleta discordante, nos dizeres do público da
época, em que era capaz de colocar lado a lado um violeta intenso e um
verde ácido. A escolha dos temas era frequentemente pouco convencional.
Influenciado pela estética naturalista, retratou a vida parisiense,
nos seus vícios, como em
O Absinto (1876-77), e costumes. A frequência
da vida noturna de Paris, e principalmente da Ópera, levou-o a
multiplicar os ângulos de visão e os enquadramentos insólitos, que mais
tarde o cinema e a fotografia iriam banalizar. Em
A Bailarina (1876),
Degas exprime a beleza fugidia da dança, e neste aspeto pode
considerar-se que está a ser "impressionista". Embora a bailarina se
encontre completamente à direita, a composição é assimetricamente
equilibrada pela mancha escura do que será o chefe do corpo de baile.
Tradicionalmente, a arte ocidental respeita a unidade de composição. As
formas surgem ligadas a outras formas, criando um movimento ou um
conjunto de linhas no espaço. A arte oriental, pelo contrário, baseia
essa relação no acentuar de certos grafismos ou cores e levando em
linha de conta o espaço "entre", o vazio. Degas não deixou de tomar
conhecimento da exposição de gravuras japonesas realizada em Paris em
1860, assimilando o delicado traço das composições. Os objetos deixam
de ser olhados como objetos em si, a retratar fielmente, mas são
representados pelas qualidades pictóricas que podem emprestar ao
conjunto do quadro. Nas numerosas versões de
Depois do Banho, é
desenvolvido o tema de mulheres fazendo a toilette. O pintor
experimenta vários processos técnicos: a aguarela, o pastel, a
água-forte, a litografia, o monotipo. Nos últimos anos, devido às
dificuldades de visão, trabalhou quase exclusivamente com cera, pastel e
barro. A sua paleta ganhou mais força e luminosidade, enquanto as
formas se simplificaram.
Começara, de vez, o impressionante percurso artístico de Edgar Degas.
Percurso artístico
Depois da sua longa visita a
Itália, onde não se absteve de estudar e até mesmo copiar as obras dos mais distintos
pintores do
Renascimento italiano, Degas regressou a Paris. Entusiasmado pela
arte renascentista e
barroca, passou a ir frequentemente ao
Museu do Louvre, onde estudou as obras de pintores, seus precedentes, de toda a
Europa, sem exceptuar
Nicolas Poussin,
Dominique Ingres,
Leonardo da Vinci,
Hans Memling,
Ticiano,
Anthony van Dyck,
Joshua Reynolds,
Hubert Robert,
John Constable e outros mestres.
As
pinturas
deste período, cópias das obras dos precedentes pintores ou inspiradas
nas obras dos mesmos, começaram a encarar o sucesso e foram até
aceitas no
Salon. Degas era reconhecido como um convencional e eclético pintor
parisiense do
Salon.
Mas, em
1870, a vida de Degas mudou algo, aquando da
Guerra Franco-Prussiana. Na
guerra, entre duas das maiores potências europeias - embora em declínio - que Degas serviu, na Guarda Nacional, na
artilharia, agindo na defesa de
Paris. Estava ali junto de
Henri Rouart.
Os dois ficaram instalados na casa de uns amigos da família De Gas
(ou, abreviadamente, Degas), de nome Valpiçon. Foi aqui, em
Ménil-Hubert, na
Normandia, que Degas trabalhou em
Retrato da jovem Hortense Valpiçon. O quadro revela uma assimetria semelhante a
A dama dos crisântemos, que, por sua vez, retrata a mãe de Hortense, a famosa Madame Valpiçon. Esta temporada marcou o interesse maior do
aristocrata pela
pintura histórica.
Depois da Guerra - e para descansar - Degas retirou-se para
Nova Orleans, via
Londres, com o seu irmão René (que tinha o mesmo nome que o pai), onde o tio estava imigrado e mantinha um negócio de
algodão. Ali concebeu um vasto número de trabalhos antes de retornar a
Paris, entre
A Bolsa de algodão de Nova Orleans,
O pedicuro (que tem-se como mais um dos incansáveis estudos da vida quotidiana proferidos por Degas) e
Negociantes do algodão em Nova Orleans. Regressou à sua
cidade natal no
ano de
1873, depois de permanecer cerca de cinco
meses nos
Estados Unidos.
Depois de tantos anos dedicado à
pintura
Degas quis, a par dessa atividade, experimentar uma nova ocupação.
Vendo-se em favorável posição social, Degas teve acesso às mais
contemporâneas tecnologias e modas. Recentemente inventada, a
Fotografia também atraiu o
francês.
Mas por pouco tempo. De opinião conservadora, digna de um verdadeiro
aristocrata, reinventou-se como colecionador de arte e comprou vários
trabalhos de
Paul Gauguin,
Van Gogh e
Paul Cézanne,
o que demonstra a aptidão que tinha para a escolha de tons vivos e
fortes e a «força» que estes exercem sobre si. Criou então uma coleção,
hoje, de imenso valor comercial.
Como já foi dito explicitamente, Degas gozou de uma grande estabilidade
monetária. Todavia somente gozou de tanta estabilidade até
1874,
aquando da morte do seu pai. Tendo herdado algumas dívidas, Degas
viu-se na obrigação de vender a sua coleção de arte. Mesmo assim não
deixou de parte os seus luxos, incluindo os criados, os quais retratava
frequentemente. A sua governanta era Zoé Cloisier.
Em
1874, após a morte do pai, Degas precisava de ajuda para a concretização de uma exposição onde pudesse exibir as suas
pinturas.
A exposição, a princípio um acontecimento simples, que não deveria
chamar muita atenção, acabou por se transformar na
Primeira Exposição Impressionista,
onde Degas se apresentou com trabalhos como
Nas corridas e
Cavalos de corridas. Ambas as obras estão hoje em exibição em museus: a primeira no
Museum of Fine Arts, em
Boston, e a segunda no
Museu de Orsay, em
Paris. Degas e os demais impressionistas protagonizaram mais sete exposições, a última em
1886. Degas participou em todas, sem exceção. Na maioria das exposições, Degas foi ali inserido sob alçada de
Manet, o seu «amigo rival».
Depois destas exposições o mundo havia, de certo, mudado. As pessoas
renovaram a sua visão da arte e foram se acostumando àquelas
pinturas que a «boa-sociedade» tinha como imprudentes, escandalosas (as de
Edouard Manet) e até mesmo imorais, objetos incitadores de revoluções. E de facto, os
impressionistas foram mesmo revolucionários: revolucionaram a maneira muito conservadora de ver a
arte, mudaram a visão
naturalista que as pessoas tinham do
Mundo que as rodeava, deram o primeiro passo para a
Arte Moderna…
Apesar de Degas, ao longo da sua vida, ter sido conservador tanto nas
opiniões quanto na própria forma de vida, as transformações que sofreu,
tal como com a maioria dos outros
impressionistas, viriam, de facto, a transformar-se na «alavanca» do
Modernismo.
Estilo artístico
Degas é considerado vulgarmente como um dos impressionistas, todavia,
tal afirmação revela-se um erro, visto que o autor nunca adotou o
leque de cores típico dos impressionistas, proposto por
Monet e
Boudin, e para além disso desaprovou vários trabalhos seus. Pelo contrário, Degas misturava o estilo impressionista - inspirado em
Manet - com inspirações conservadoras, com bases assentes na
Renascença italiana e no
Realismo francês. Mas à semelhança de muitos modernistas - desta época ou de outras, veja-se
Matisse, que viveu posteriormente -, inspirou-se muito nas odaliscas de
Dominique Ingres.
Na primeira exibição impressionista, Degas constava na lista dos que
ali tinham obras expostas. As suas obras reuniam uma gama de influências
vastas e sem semelhança, onde sobressaem as gravuras japonesas e os
torneados humanos de
Dominique Ingres.
Como é de notar os quadros de Degas não surpreenderam tanto como os de
Monet, por exemplo. O público não se espantava tanto com as suas
pinturas; eram tão mais delicadas, sem a agressividade que viram nos
outros trabalhos, fazia-lhes até lembrar a pintura histórica, os grandes
mestres
italianos e o encanto dos
franceses do
setecento.
Degas ficou conhecido por muito pintar bailarinas, principalmente, cavalos, retratos de família - dos quais o mais conhecido é
Retrato da Família Bellelli - ou individuais (por exemplo, o
Retrato de Edmond Duranty), cenas do quotidiano parisiense e cenas domésticas, como o banho (como
A banheira), paisagens e pela
burguesia de
Nova Orleans. Todavia, durante algum tempo Degas aplicou-se a pintar as tensões maritais, entre homem e mulher (recorde-se
O estupro e
O amuo).
Na
década
de 60, Degas adquire finalmente o estilo que o tornaria famoso e
diferente dos seus colegas: a pintura histórica. Apesar desse particular
não deixou de continuar a pintar as cenas de ópera e concertos,
mulheres e finalmente, as bailarinas. Sim, as famosas bailarinas que o
tornaram um
pintor de renome. Desta série que perdurou ao longo do final do seu glorioso percurso
artístico, as mais famosas
pinturas são, sem dúvida,
A primeira bailarina e
A aula de dança.
Nestes trabalhos o francês aplicou-se vivamente nos tons vibrantes,
que vigoraram vulgarmente ao longo da sua vida. Porém, durante este
período os seus trabalhos tornaram-se muito expressivos, alarmantes,
assustadores. Veja-se o caso do primeiro. A bailarina parece que voa e o
ambiente em torno dela é inspirador e implacável. Um quadro vivo, uma
obra-prima inquestionável.
É impossível esquecer
Músicos da Ópera, uma verdadeira cena saída de um conto
literário. Um particular interessante na
pintura
de Degas é o facto de conceder a cada personagem dos seus trabalhos
uma atmosfera brilhante e eclética que faz com estas pareçam reais,
móveis, tocáveis, inexplicáveis. Degas era, incontestavelmente, um
mestre da
pintura.
Músicos da Ópera não foge à regra.
Até aqui era frequente utilizar pastel, todavia, durante a década de 70 era mais frequente a
pintura a óleo, nos seus trabalhos.
Devido à sua brilhante técnica, hoje, as
pinturas de Edgar Degas são das mais procuradas pelos compradores de todo o
Mundo. Em
2004 um trabalho de Degas de nome
As corridas no Bosque de Boulonha foi vendido na
Sotheby's pela quantia espantosa de cerca de 10 milhões de
Euros, ao lado de
O tomateiro, de
Pablo Picasso e de alguns outros trabalhos do seu eterno «amigo-rival»
Edouard Manet.
A pequena bailarina
E depois de
A pequena bailarina de catorze anos, Degas marca o início da sua independência do grupo dos
impressionistas. Deixa-os para trás. Aquilo para ele era somente uma brincadeira, com a qual se tornou reconhecido na
Europa.
Ao exibir esta escultura deixou os seus colegas chocados, como toda a
«boa sociedade» da época. A bailarina representada era um dançarina da
Ópera que Degas conheceu. A sua família era miserável, tendo mesmo uma irmã prostituta. Estudou
balett até aos dezasseis
anos, já depois de Degas a ter esculpido, até que teve que se prostituir para conseguir viver.
Escandalizado, Degas fez com que a bailarina muito jovem se deixasse
desenhar. Começou com simples esboço, depois as telas e depois, uma escultura
revolucionária que viria a mudar o
mundo.
Degas fê-la com o propósito de deixar bem marcados na cera (material
com que esculpiu a bailarina) os seus sentimentos face àquela miséria
fútil, na qual viviam milhares de
parisienses. A sua face mostra o árduo trabalho com o qual conviveu.
Ao exibí-la, chocados, todos perguntavam o porquê de estar ali exposta aquela
escultura. Aquilo comovia a
sociedade, remexia-lhes o peito, fazia-os tristes, não queriam olhar. Por outro lado, esta
escultura foi o primeiro trabalho nesta área da arte que incluiu uma roupa real, desta feita uma saia.
A partir daí, o
Mundo começou a refletir sobre aquele
aristocrata que se atreveu a provocar a
sociedade
e Degas foi, de algum modo, rejeitado e até mesmo humilhado. Mas
ninguém se pôde esquecer que ele mudara a visão conservadora e eclética
do
mundo,
e não se esqueceu de publicitar e de tornar públicos os problemas
deste. Anos mais tarde, a famosa escultura tornou-se um ícone desta
forma de
Arte.
Impossível é deixar de referir que Edgar Degas foi um dos maiores revolucionários da arte do
século XIX e de todos os tempos.