segunda-feira, abril 01, 2024
Saudades de Mário Viegas...
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Mário Viegas deixou-nos há vinte e oito anos...
A sua carreira no cinema começou com o filme O Funeral do Patrão (1975, Eduardo Geada). No cinema participou em mais de quinze películas, entre elas O Rei das Berlengas de Artur Semedo (1978), Azul, Azul de José de Sá Caetano (1986), Repórter X de José Nascimento (1987), A Divina Comédia de Manoel de Oliveira (1991), Rosa Negra de Margarida Gil (1992), Sostiene Pereira de Roberto Faenza (1996), onde contracenou com Marcello Mastroianni. Teve uma colaboração regular com José Fonseca e Costa - Kilas, o Mau da Fita (1981), Sem Sombra de Pecado (1983), A Mulher do Próximo (1988) e Os Cornos de Cronos (1991).
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Poema para celebrar a chegada de Aprilis...
A PALAVRA
Deixo cair uma palavra
no regaço de abril:
é uma semente.
Podia ser a primavera.
Mas vem devagar, soturna,
a tropeçar na chuva.
Há uma visão de sombras
no centro do verde onde cai.
A palavra arrasta-se pelo chão
como um país apedrejado.
Não é um poema nem um grito,
mas o silêncio de um homem
frente à janela.
Perco a palavra como uma gaivota
as asas sobre o mar.
Afunda-se na escuridão.
Os meus dedos ajudam-na a cantar
entre as colunas
de mais uma noite sem templos.
in Cântico sobre uma gota de água (2021) - Eduardo Bettencourt Pinto
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domingo, março 31, 2024
Porque hoje é a Páscoa da Ressurreição do Senhor...
Ressurreição de Jesus - 1619–20 (Francesco Buoneri)
De barro, como os outros
Nasceste, Jesus Cristo, entre as ovelhas
e as palhas de um curral,
mas, mal nasceste, o povo da Judeia
viu no céu um sinal.
Nasceste como o filho de um pastor
mas o Mundo, suspenso,
viu a estrela, o cortejo dos reis magos,
o ouro, a mirra, o incenso.
Nasceste como nascem os mortais
mas eras imortal,
e entre todas as noites só à tua
chamamos de Natal.
Foste preso, insultado, torturado
e pregado numa Cruz.
Mas do teu corpo não saía sangue,
saía sangue e luz.
Morreste como o bom e o mau ladrão,
cortou-te Deus a haste;
mas de todos os mortos, pelos séculos,
só tu ressuscitaste.
Ah, bem sabes, Senhor, que o barro é pouco
sem o sopro divino,
e que sem Deus só poderão salvar-se
o tonto e menino.
Por isso espero a morte sem terror,
sem temer o castigo.
Por que há-de recear-se a paz, o amor?
Receia-se o inimigo.
Bem sabes que o pecado original
nos roubou a inocência,
e que em nós e combatem Bem e Mal
ao longo da existência.
É difícil ao barro ser eterno.
Difícil, sobrehumano,
o longo drama que é o céu e o inferno
em cada ser humano.
Por isso eis-me a teus pés serena e calma.
Nem melhor, nem pior:
de barro, como os outros...corpo e alma
- mas a alma maior.
Fernanda de Castro
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sábado, março 30, 2024
Poesia, acompanhada de pintura, para celebrar um grande artista...
A CABEÇA LIGADA
Van Gogh, queria algo
tão consolador como a música.
Os campos de trigo e centeio
com ciprestes, os seus obeliscos,
e lírios e grandes nuvens,
a sesta dos camponeses,
a natureza morta
de girassóis e anémonas,
o sereno bivaque de ciganos,
as árvores com o azul tisnado do céu,
loendros, paveias,roçadores
de pastagens limão ouro pálido,
o semeador ferruginoso de ocre,
enxofre e do tamanho de uma catedral,
o voo de corvos sobre ramos
luminosos e ternos
de amendoeiras em flor.
Depois de cortar a orelha
retratou-se com os lábios
pintados de sangue.
Se o sofrimento fosse mensurável,
naquela cara de símio
louco de ser homem
haveria dores
de um inteiro campo de concentração.
in A Ignorância da Morte (1978) - António Osório
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sexta-feira, março 29, 2024
Saudades do tempo em que Amália cantava a música de Alain Oulman...
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Alain Oulman morreu há 34 anos...
Alain Robert Oulman (Oeiras, Cruz Quebrada - Dafundo, 15 de junho de 1928 - Paris, 29 de março de 1990) foi o grande responsável por alguns dos maiores sucessos de Amália. Foi também o editor do livro "Le Portugal Baillonné - témoignage" ("Portugal Amordaçado") de Mário Soares.
"Cantei porque para mim era fado. A nobreza que está lá dentro é que conta. Se não tem fado para os outros, para mim tem"
"Alain Oulman, que em sucessivos discos publicados nos anos 50 e 60 soube transformar a fadista Amália Rodrigues - cuja popularidade era incontestada desde o final da Segunda Guerra - na «Amalia», sem acento, que se tornou diva internacional. Oulman divulgou a voz, mas soube renovar-lhe a cada passo os atributos com desafios ousados: primeiro, já não apenas a guitarra e a viola, mas também os acompanhamentos orquestrais, depois as variações sobre estes, conduzindo-a ao extremo de um «jazz combo»."
Jorge P. Pires, Expresso, 1998
"Eu tenho uma proximidade muito maior com a Amália dos anos 60, do período do Oulman. Cabe tudo ali - e é isso que lhe dá dimensão. Nós não podemos reduzi-la - como ela nunca se quis reduzir - a um qualquer sub-género do seu reportório."
Rui Vieira Nery, DN, 2002
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quinta-feira, março 28, 2024
Hojé dia de recordar, cantando, a poesia de Teresa de Ávila...
NADA TE TURBE
Jacques Berthier - Teresa de Ávila
Nada te turbe,
nada te espante;
quien a Dios tiene,
nada le falta.
Nada te turbe,
nada te espante;
solo Dios basta.
Todo se pasa,
Dios no se muda,
la paciencia todo lo alcanza.
En Cristo mi confianza
y de Él solo, mi asimiento.
En Sus cansancios, mi aliento
y en Su imitación, mi holganza.
Aquí estriba mi firmeza,
aquí mi seguridad.
La prueba de mi verdad,
la muestra de mi firmeza.
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Hoje é dia de cantar a poesia de Miguel Hernández...
Aceituneros
Andaluces de Jaén,
aceituneros altivos,
decidme en el alma, ¿quién,
quién levantó los olivos?
No los levantó la nada,
ni el dinero, ni el señor,
sino la tierra callada,
el trabajo y el sudor.
Unidos al agua pura
y a los planetas unidos,
los tres dieron la hermosura
de los troncos retorcidos.
Levántate, olivo cano,
dijeron al pie del viento.
Y el olivo alzó una mano
poderosa de cimiento.
Andaluces de Jaén,
aceituneros altivos, decidme en el alma ¿quién
quién amamantó los olivos?
Vuestra sangre, vuestra vida,
no la del explotador
que se enriqueció en la herida
generosa del sudor.
No la del terrateniente
que os sepultó en la pobreza,
que os pisoteó la frente,
que os redujo la cabeza.
Árboles que vuestro afán
consagró al centro del día
eran principio de un pan
que sólo el otro comía.
¡Cuántos siglos de aceituna,
los pies y las manos presos,
sol a sol y luna a luna,
pesan sobre vuestros huesos!
Andaluces de Jaén,
aceituneros altivos,
pregunta mi alma: ¿de quién,
de quién son estos olivos?
Jaén, levántate brava
sobre tus piedras lunares,
no vayas a ser esclava
con todos tus olivares.
Dentro de la claridad
del aceite y sus aromas,
indican tu libertad
la libertad de tus lomas.
Miguel Hernández
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Porque hoje é quinta feira santa...
Simão Pedro perguntou: “Senhor, para onde vais?” Jesus respondeu-lhe: “Para onde eu vou, não podes seguir-me agora; mais tarde me seguirás”.Pedro disse: “Senhor, por que não posso seguir-te agora? Eu darei minha vida por ti!”Jesus respondeu: “Darás tua vida por mim? Em verdade, em verdade, te digo: não cantará o galo antes que me tenhas negado três vezes.
Jo 13, 36-38
Simão Pedro e um outro discípulo seguiam Jesus. Este discípulo era conhecido do sumo sacerdote. Ele entrou com Jesus no pátio do sumo sacerdote.Pedro ficou do lado de fora, perto da porta. O outro discípulo, que era conhecido do sumo sacerdote, saiu, conversou com a criada que atendia a porta e levou Pedro para dentro.A criada disse a Pedro: “Não pertences tu também aos discípulos desse homem?” Ele respondeu: “Não”.Os servos e os guardas tinham feito um fogo, porque fazia frio; estavam se aquecendo, e Pedro estava com eles para se aquecer.O sumo sacerdote interrogou Jesus a respeito dos seus discípulos e do seus ensinamentos.Jesus respondeu: “Eu falei abertamente ao mundo. Eu sempre ensinei nas sinagogas e no templo, onde os judeus se reúnem. Nada falei às escondidas.Por que me interrogas? Pergunta aos que ouviram o que eu falei; eles sabem o que eu disse”.Quando assim falou, um dos guardas que ali estavam deu uma bofetada em Jesus, dizendo: “É assim que respondes ao sumo sacerdote?”Jesus replicou-lhe: “Se falei mal, mostra em que falei mal; e se falei certo, por que me bates?”Anás, então, mandou-o, amarrado, a Caifás.Simão Pedro continuava lá, aquecendo-se. Disseram-lhe: “Não és tu, também, um dos discípulos dele?” Pedro negou: “Não”.Então um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro tinha cortado a orelha, disse: “Será que não te vi no jardim com ele?”Pedro negou de novo, e na mesma hora o galo cantou.
Jo 18, 15-27
E, no mesmo instante, estando ele ainda a falar, cantou um galo. Voltando-se, o Senhor fixou os olhos em Pedro; e Pedro recordou-se da palavra do Senhor, quando lhe disse: «Hoje, antes de o galo cantar, irás negar-me três vezes.» E, vindo para fora, chorou amargamente.
Lc 22, 60-61
Romper do dia
Não é em vão
Que o romper de cada novo dia
Se inaugura p'lo canto do galo
Denunciando já de antigos tempos
Uma traição.
in Poemas (2007) - Bertold Brecht (tradução de Paulo Quintela)
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O poeta Miguel Hernández morreu há 82 anos...
Miguel Hernández Gilabert (Orihuela, 30 de octubre de 1910 - Alicante, 28 de marzo de 1942) fue un poeta y dramaturgo de especial relevancia en la literatura española del siglo XX. Aunque tradicionalmente se le ha encuadrado en la generación del 36, Miguel Hernández mantuvo una mayor proximidad con la generación anterior hasta el punto de ser considerado por Dámaso Alonso como «genial epígono» de la generación del 27. Actualmente - y tras las interesantes aportaciones de A. Sánchez Vidal - se le asocia a la Escuela de Vallecas.
Busto de Miguel Hernández en el Paseo de los Poetas, El Rosedal, Buenos Aires
in Wikipédia
Eterna sombra
Eterna sombra
Yo que creí que la luz era mía
precipitado en la sombra me veo.
Ascua solar, sideral alegría
ígnea de espuma, de luz, de deseo.
Sangre ligera, redonda, granada:
raudo anhelar sin perfil ni penumbra.
Fuera, la luz en la luz sepultada.
Siento que sólo la sombra me alumbra.
Sólo la sombra. Sin rastro. Sin cielo.
Seres. Volúmenes. Cuerpos tangibles
dentro del aire que no tiene vuelo,
dentro del árbol de los imposibles.
Cárdenos ceños, pasiones de luto.
Dientes sedientos de ser colorados.
Oscuridad del rencor absoluto.
Cuerpos lo mismo que pozos cegados.
Falta el espacio. Se ha hundido la risa.
Ya no es posible lanzarse a la altura.
El corazón quiere ser más de prisa
fuerza que ensancha la estrecha negrura.
Carne sin norte que va en oleada
hacia la noche siniestra, baldía.
¿Quién es el rayo de sol que la invada?
Busco. No encuentro ni rastro del día.
Sólo el fulgor de los puños cerrados,
el resplandor de los dientes que acechan.
Dientes y puños de todos los lados.
Más que las manos, los montes se estrechan.
Turbia es la lucha sin sed de mañana.
¡Qué lejanía de opacos latidos!
Soy una cárcel con una ventana
ante una gran soledad de rugidos.
Soy una abierta ventana que escucha,
por donde ver tenebrosa la vida.
Pero hay un rayo de sol en la lucha
que siempre deja la sombra vencida.
Miguel Hernández
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Armando da Silva Carvalho nasceu há 86 anos...
(imagem daqui)
Armando da Silva Carvalho (Olho Marinho, Óbidos, 28 de março de 1938 – Caldas da Rainha, 1 de junho de 2017) foi um poeta e tradutor português.
Licenciado em Direito, na Universidade de Lisboa, foi advogado, jornalista, professor do ensino secundário e publicitário. Colaborou na Antologia de Poesia Universitária, em 1959, juntamente com Ruy Belo, Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge, Gastão Cruz, entre outros, e também na Quadrante revista da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, iniciada em 1958. Publicou Lírica Consumível em 1965, que marcou o início da sua obra poética e que lhe valeu o Prémio Revelação da Sociedade Portuguesa de Autores. A sua escrita é marcada por um timbre de mordacidade, sarcasmo e figurações da pulsão sexual. Das obras de ficção salienta Portuguex, publicada em 1977. Desde a década de 60 colaborou em inúmeros jornais e revistas (Diário de Lisboa, Jornal de Letras, O Diário, Poemas Livres, Colóquio-Letras, Hífen, As Escadas Não Têm Degraus, Sílex, Nova, Via Latina, Loreto 13, entre outras). Foi incluído na IV Líricas Portuguesas, em 1969, antologia poética organizada por António Ramos Rosa e desde então tem estado representado na generalidade das antologias de poesia portuguesa.
in Wikipédia
Cinzas de Sísifo
Eu vi o sobressalto.
Nesse bosque de lâminas e luvas
tocaste cada coisa como
um grito.
E amaste a minha boca
como quem corta
os pulsos ao silêncio.
Se o vento te derrama
entre folhas e cinza
é sempre a mesma voz que não perdoa
a mesma lei
o mesmo labirinto.
Armando da Silva Carvalho
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Santa Teresa de Ávila nasceu há 509 anos
Terra...
Era em Ávila da Ibéria a minha terra...
Terra!
Mas eu não vi a terra que me teve!
Nem lhe dei o calor que um filho deve
A sua Mãe!
Terra!
Nem lhe sabia o nome verdadeiro!
Nem a cor! nem o gosto! nem o cheiro!
Nem calculava o peso que ela tem!
Terra...
Vai-se embaçando o brilho dos meus olhos!
Apodrece o tutano dos meus ossos!
Crescem as unhas doidas nos meus dedos
Contra a palma da mão encarquilhada!
Medra o livor em mim de tal maneira
Que me babo de nojo do meu nada!
Terra!...
E andei eu a morrer a vida inteira!
E andei eu a secar a seiva da raiz
Que do Céu ou do Inferno me prendia
A ti, humana terra de Castela!
Terra!
E andei eu a viver a morte que vivia
Disfarçada em amor na minha cela!
Terra!...
E andei eu a negar o amor do mundo,
Quando de pólo a pólo o meu amor podia
Ser sem limites como a alma quer!...
E ser fecundo como a luz do dia!
E dar um filho, porque eu fui mulher!
Terra!...
E andei eu a legar este legado:
“Vivo morrendo primeiro”,
Derradeiro Castelo a que subi!...
Terra...
E Deus, que prometeu ter-me a seu lado,
Tem-me aqui.
in Poemas Ibéricos (1965) - Miguel Torga
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Alexandre Herculano nasceu há 214 anos
Que harmonia suave
É esta, que na mente
Eu sinto murmurar,
Ora profunda e grave,
Ora meiga e cadente,
Ora que faz chorar?
Porque da morte a sombra,
Que para mim em tudo
Negra se reproduz,
Se aclara, e desassombra
Seu gesto carrancudo,
Banhada em branda luz?
Porque no coração
Não sinto pesar tanto
O férreo pé da dor,
E o hino da oração,
Em vez de irado canto,
Me pede íntimo ardor?
És tu, meu anjo, cuja voz divina
Vem consolar a solidão do enfermo,
E a contemplar com placidez o ensina
De curta vida o derradeiro termo?
Oh, sim!, és tu, que na infantil idade,.
Da aurora à frouxa luz,
Me dizias: «Acorda, inocentinho,
Faz o sinal da Cruz.»
És tu, que eu via em sonhos, nesses anos
De inda puro sonhar,
Em nuvem d'ouro e púrpura descendo
Coas roupas a alvejar.
És tu, és tu!, que ao pôr do Sol, na veiga,
Junto ao bosque fremente,
Me contavas mistérios, harmonias
Dos Céus, do mar dormente.
És tu, és tu!, que, lá, nesta alma absorta
Modulavas o canto,
Que de noite, ao luar, sozinho erguia
Ao Deus três vezes santo.
És tu, que eu esqueci na idade ardente
Das paixões juvenis,
E que voltas a mim, sincero amigo,
Quando sou infeliz.
Sinta a tua voz de novo,
Que me revoca a Deus:
Inspira-me a esperança,
Que te seguiu dos Céus!...
Alexandre Herculano
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quarta-feira, março 27, 2024
Porque hoje é o Dia Mundial do Teatro...
O Actor
O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.
O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.
Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.
O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.
Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.
Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.
O actor em estado geral de graça.
Herberto Hélder
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terça-feira, março 26, 2024
Hoje é dia de recordar Walt Whitman...
SAUDAÇÃO A WALT WHITMAN
Portugal-Infinito, onze de junho de mil novecentos e quinze...
Hé-lá-á-á-á-á-á-á!
De aqui, de Portugal, todas as épocas no meu cérebro,
Saúdo-te, Walt, saúdo-te, meu irmão em Universo,
Ó sempre moderno e eterno, cantor dos concretos absolutos,
Concubina fogosa do universo disperso,
Grande pederasta roçando-te contra a diversidade das coisas
Sexualizado pelas pedras, pelas árvores, pelas pessoas, pelas profissões,
Cio das passagens, dos encontros casuais, das meras observações,
Meu entusiasta pelo conteúdo de tudo,
Meu grande herói entrando pela Morte dentro aos pinotes,
E aos urros, e aos guinchos, e aos berros saudando Deus!
Cantor da fraternidade feroz e terna com tudo,
Grande democrata epidérmico, contíguo a tudo em corpo e alma,
Carnaval de todas as ações, bacanal de todos os propósitos
Irmão gémeo de todos os arrancos,
Jean-Jacques Rousseau do mundo que havia de produzir máquinas,
Homero do insaisissable do flutuante carnal,
Shakespeare da sensação que começa a andar a vapor,
Milton-Shelley do horizonte da Eletricidade futura!
Incubo de todos os gestos,
Espasmo p’ra dentro de todos os objetos de fora
Souteneur de todo o Universo,
Rameira de todos os sistemas solares, paneleiro de Deus!
Eu, de monóculo e casaco exageradamente cintado,
Não sou indigno de ti, bem o sabes, Walt,
Não sou indigno de ti, basta saudar-te para o não ser...
Eu tão contíguo à inércia, tão facilmente cheio de tédio,
Sou dos teus, tu bem sabes, e compreendo-te e amo-te,
E embora te não conhecesse, nascido pelo ano em que morrias,
Sei que me amaste também, que me conheceste, e estou contente.
Sei que me conheceste, que me contemplaste e me explicaste,
Sei que é isso que eu sou, quer em Brooklyn Ferry dez anos antes de eu nascer,
Quer pela rua do Ouro acima pensando em tudo que não é a rua do Ouro,
E conforme tu sentiste tudo, sinto tudo, e cá estamos de mãos dadas,
De mãos dadas, Walt, de mãos dadas, dançando o universo na alma.
Quantas vezes eu beijo o teu retrato.
Lá onde estás agora (não sei onde é mas é Deus)
Sentes isto, sei que o sentes, e os meus beijos são mais quentes (em gente)
E tu assim é que os queres, meu velho, e agradeces de lá,
Sei-o bem, qualquer coisa mo diz, um agrado no meu espírito,
Uma ereção abstrata e indireta no fundo da minha alma.
Nada do engageant em ti, mas ciclópico e musculoso,
Mas perante o universo a tua atitude era de mulher,
E cada erva, cada pedra, cada homem era para ti o Universo.
Meu velho Walt, meu grande Camarada, evoé!
Pertenço à tua orgia báquica de sensações-em-liberdade,
Sou dos teus, desde a sensação dos meus pés até à náusea em meus sonhos,
Sou dos teus, olha pra mim, de aí desde Deus vês-me ao contrário:
De dentro para fora... Meu corpo é o que adivinhas, vês a minha alma —
Essa vês tu propriamente e através dos olhos dela o meu corpo —
Olha pra mim: tu sabes que eu, Álvaro de Campos, engenheiro,
Poeta sensacionista,
Não sou teu discípulo, não sou teu amigo, não sou teu cantor,
Tu sabes que eu sou Tu e estás contente com isso!
Nunca posso ler os teus versos a fio... Há ali sentir de mais...
Atravesso os teus versos como a uma multidão aos encontrões a mim,
E cheira-me a suor, a óleos, a atividade humana e mecânica
Nos teus versos, a certa altura não sei se leio ou se vivo,
Não sei se o meu lugar real é no mundo ou nos teus versos,
Não sei se estou aqui, de pé sobre a terra natural,
Ou de cabeça p’ra baixo, pendurado numa espécie de estabelecimento,
No teto natural da tua inspiração de tropel,
No centro do teto da tua intensidade inacessível.
Abram-me todas as portas!
Por força que hei-de passar!
Minha senha? Walt Whitman!
Mas não dou senha nenhuma...
Passo sem explicações...
Se for preciso meto dentro as portas...
Sim — eu franzino e civilizado, meto dentro as portas,
Porque neste momento não sou franzino nem civilizado,
Sou EU, um universo pensante de carne e osso, querendo passar,
E que há-de passar por força, porque quando quero passar sou Deus!
Tirem esse lixo da minha frente!
Metam-me em gavetas essas emoções!
Daqui p’ra fora, políticos, literatos,
Comerciantes pacatos, polícia, meretrizes, souteneurs,
Tudo isso é a letra que mata, não o espírito que dá a vida.
O espírito que dá a vida neste momento sou EU!
Que nenhum filho da puta se me atravesse no caminho!
O meu caminho é pelo infinito fora até chegar ao fim!
Se sou capaz de chegar ao fim ou não, não é contigo, deixa-me ir...
É comigo, com Deus, com o sentido-eu da palavra Infinito...
Prá frente!
Meto esporas!
Sinto as esporas, sou o próprio cavalo em que monto,
Porque eu, por minha vontade de me consubstanciar com Deus,
Posso ser tudo, ou posso ser nada, ou qualquer coisa,
Conforme me der na gana... Ninguém tem nada com isso...
Loucura furiosa! Vontade de ganir, de saltar,
De urrar, zurrar, dar pulos, pinotes, gritos com o corpo,
De me cramponner às rodas dos veículos e meter por baixo,
De me meter adiante do giro do chicote que vai bater,
De me (...)
De ser a cadela de todos os cães e eles não bastam,
De ser o volante de todas as máquinas e a velocidade tem limite,
De ser o esmagado, o deixado, o deslocado, o acabado,
E tudo para te cantar, para te saudar e (...)
Dança comigo, Walt, lá do outro mundo esta fúria,
Salta comigo neste batuque que esbarra com os astros,
Cai comigo sem forças no chão,
Esbarra comigo tonto nas paredes,
Parte-te e esfrangalha-te comigo
E (...)
Em tudo, por tudo, à roda de tudo, sem tudo,
Raiva abstracta do corpo fazendo maelstroms na alma...
Arre! Vamos lá prá frente!
Se o próprio Deus impede, vamos lá prá frente... Não faz diferença...
Vamos lá prá frente
Vamos lá prá frente sem ser para parte nenhuma...
Infinito! Universo! Meta sem meta! Que importa?
Pum! pum! pum! pum! pum!
Agora, sim, partamos, vá lá prá frente, pum!
Pum
Pum
Heia...heia...heia...heia...heia...
Desencadeio-me como uma trovoada
Em pulos da alma a ti,
Com bandas militares à frente [...] a saudar-te...
Com um [...] contigo e uma fúria de berros e saltos
Estardalhaço a gritar-te
E dou-te todos os vivas a mim e a ti e a Deus
E o universo anda à roda de nós como um carrocel com música dentro dos nossos crânios,
E tendo luzes essenciais na minha epiderme anterior
Eu, louco de [...] sibilar ébrio de máquinas,
Tu célebre, tu temerário, tu o Walt — e o [...],
Tu a [sensualidade porto?]
Eu a sensualidade com [...]
Tu a inteligência (...)
Álvaro de Campos
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Leonard Nimoy, o Mr. Spock de Star Trek, nasceu há 93 anos...
Postado por Fernando Martins às 09:30 0 bocas
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El-Rei D. Sancho I morreu há 813 anos
Estátua de El-Rei D. Sancho I, desterrada num canto da praça da Sé, na cidade da Guarda
D. Sancho I de Portugal (Coimbra, 11 de novembro de 1154 - Coimbra, 26 de março de 1211) foi o Rei de Portugal de 1185 a 1211. Era cognominado de o Povoador pelo estímulo com que apadrinhou o povoamento dos territórios do país - destacando-se a fundação da cidade da Guarda, em 1199, e a atribuição de cartas de foral na Beira e em Trás-os-Montes: Gouveia (1186), Covilhã (1186), Viseu (1187), Bragança (1187) ou Belmonte (1199), povoando assim áreas remotas do reino, em particular com imigrantes da Flandres e da Borgonha.
por meu amigo, que hei alongado!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda!
Ai eu, coitada, como vivo en gran desejo
por meu amigo, que tarda e non vejo!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda!
El-Rei D. Sancho I
Postado por Fernando Martins às 08:13 0 bocas
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Walt Whitman morreu há cento e trinta e dois anos...
Sempre a indesencorajada alma do homem
resoluta indo à luta.
(Os contingentes anteriores falharam?
Pois mandaremos novos contingentes
e outros mais novos.)
Sempre o cerrado mistério
de todas as idades deste mundo
antigas ou recentes;
sempre os ávidos olhos, hurras, palmas
de boas-vindas, o ruidoso aplauso;
sempre a alma insatisfeita,
curiosa e por fim não convencida,
lutando hoje como sempre,
batalhando como sempre.
in Leaves of Grass (1897) - Walt Whitman
Postado por Fernando Martins às 01:32 0 bocas
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