Biografia
Vasco Graça Moura nasceu a 3 de janeiro de 1942, na freguesia de Foz do Douro, no
Porto.
Licenciado em
Direito pela
Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, onde colaborou na publicação académica
Quadrante (1958-1962) publicada pela
Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa.
Passou 39 meses na tropa, numa altura em que era já casado e pai de dois filhos.
Foi
advogado entre
1966 e
1983.
Após o
25 de abril de 1974, aderiu ao
Partido Social Democrata, tendo sido chamado a exercer os cargos de Secretário de Estado da Segurança Social (
IV Governo Provisório, do
independente pró-
comunista Vasco Gonçalves, porém com participação de elementos ligados ao
Grupo dos Nove) e dos retornados (
VI Governo Provisório,
José Pinheiro de Azevedo).
Na década de
80
enveredou definitivamente pela carreira literária, que o havia de
confirmar como um nome central da literatura portuguesa da segunda
metade
século XX e um dos maiores defensores da
língua portuguesa
contra o denominado "Acordo Ortográfico" que tem sido alvo de grande
polémica e resistência, não só em Portugal como em todos os países
faladores de português, devido à sua introdução e implementação forçada e
conta-vontade da generalidade dos povos.
Divorciou-se da sua primeira mulher, Maria Fernanda de Sá Dantas,
no início dos anos 80, e voltou a casar-se mais duas vezes. Primeiro
com a ensaísta Clara Crabbé Rocha, filha de
Miguel Torga e de
Andrée Crabbé Rocha, em
1985, e depois com Maria do Rosário Sousa Machado, em
1987,
com quem teve mais duas filhas, enternecidamente referidas em vários
poemas dos seus últimos livros. A sua última companheira foi Maria
Bochicchio (italiana), que o acompanhou até perto da sua morte e com
quem publicou
O Binómio de Newton & A Vénus de Milo.
Foi diretor da
RTP2 (1978), administrador da
Imprensa Nacional - Casa da Moeda (1979-1989), presidente da Comissão Executiva das Comemorações do Centenário de
Fernando Pessoa (1988) e da Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses (1988-1995), diretor da revista
Oceanos (1988-1995), diretor da
Fundação Casa de Mateus,
comissário-geral de Portugal para a Exposição Universal de Sevilha
(1988-1992) e diretor do Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura da
Fundação Calouste Gulbenkian (1996-1999).
Juntamente com
António Mega Ferreira, foi o autor da proposta de realização da
Exposição Mundial de 1998 em
Lisboa, que mais tarde seria considerada pelo
Bureau International de Expositions uma das melhores exposições internacionais de sempre.
De novo pelo
PSD foi durante dez anos consecutivos deputado ao
Parlamento Europeu, integrando o Grupo do
Partido Popular Europeu, desde
1999 até
2009.
Em
janeiro de
2012, o Secretário de Estado da Cultura do governo de
Passos Coelho,
Francisco José Viegas, nomeou Vasco Graça Moura para a presidência da Fundação
Centro Cultural de Belém, substituindo assim
António Mega Ferreira, mantendo-se no cargo mesmo quando procurava curar-se do cancro que lhe provocou a morte, a
27 de abril de
2014. No mesmo dia,
Pedro Passos Coelho,
então primeiro-ministro de Portugal, destacou o percurso político de Graça
Moura e a sua atividade como "divulgador das letras portuguesas",
afirmando que o escritor deixou um "vasto legado literário, marcado pela
inspiração e pela dedicação à língua portuguesa, que enriqueceu como
poucos, uma constante procura da identidade nacional e um clarividente
pensamento sobre as raízes, a herança política e filosófica e o futuro
da Europa", concluindo: "Portugal perdeu hoje um dos seus maiores
cidadãos".
Graça Moura foi uma das vozes mais críticas do Acordo Ortográfico, que considerava que apenas "
serve
interesses geopolíticos e empresariais brasileiros, em detrimento de
interesses inalienáveis dos demais falantes de português no mundo".
OFÍCIO DE MORRER
eu imagino assim a morte de pavese:
era um quarto de hotel em turim,
decerto um hotel modesto, de uma ou duas
estrelas, se é que havia estrelas.
uma cama de pau, de verniz estalado,
rangendo de encontros fortuitos, um colchão mole
e húmido
com a cova no meio, a do costume.
corria o mês de agosto com sua terra escura
encardindo as cortinas. nada ia explodir
naquele mês de agosto àquela hora da tarde
de luz adocicada. e alguém pusera
três rosas de plástico num solitário verde.
vejo como pavese entrou, como pousou a maleta
com indiferença, dobrou alguns papéis
e despiu o casaco (como nos filmes
italianos da época). depois foi aos lavabos
no corredor, ao fundo. talvez tenha pensado
que esta vida é uma mijadela ou que.
voltou ao quarto, havia
uma fétida alma em tudo aquilo.
ele abriu a janela
e pediu a chamada telefónica.
a noite ia caindo sem palavras, mesmo sem buzinas
excessivas. encheu um copo de água. e
esperou.
quando a campainha tocou, havia muito pouco
a dizer e ele já o tinha dito:
já tinha dito quanto amar nos torna
vulneráveis; e míseros, inermes;
que é precisa humildade, não orgulho;
e parar de escrever;
e que dessa nudez é que morremos.
foi mais ou menos isto – a nossa condição
demasiado humana, a voz humana, a frágil
expressão disso tudo, uma firmeza tensa.
«e até rapariguinhas o fizeram».
tinham nomes obscuros e nenhum
remorso lancinante, ninguém pra falar delas.
a mais temida coisa é a coragem
do que parecia fácil: tudo o que não se disse
carregado num acto de súbitas fronteiras.
foi mais ou menos isto. não sei se ele a seguir
pôs do lado de fora um letreiro
com ‘do not disturb’ ou coisa assim
nem se tomou as pastilhas uma a uma, ou se as
contou.
não sei se o encontrou uma criada,
se a polícia veio logo, se deixou uma carta
ao seu melhor amigo, se apagou a luz,
nem se pousou ao lado a carteira, o relógio, a
esferográfica.
não sei se entrou na morte como quem
traz imagens pungentes na cabeça,
palavras marteladas de desejo, ou como quem
friamente
está no avesso do sono e vai calar-se e é
justo.
não sei se foi assim, se existe uma outra
verdade imaginável ou vedada. sei que ele tinha
um olhar decidido, alguma instigadora, e quarenta
e dois anos,
e sei que nessa altura há já poucas
verdades
e nenhuma dimensão biográfica na morte.
já vem nas escrituras. eu prefiro
dizer que ele fechou a porta à chave
e sei que era viril a sua transparência.
Vasco Graça Moura