sexta-feira, dezembro 10, 2021

Os Prémios Nobel foram atribuídos pela primeira vez há 120 anos

  
O Prémio Nobel foi instituído por Alfred Nobel, químico e industrial sueco, inventor da dinamite, no seu testamento. Os prémios são entregues anualmente, no dia 10 de dezembro, aniversário da morte do seu criador, as pessoas que fizeram pesquisas importantes, criaram técnicas pioneiras ou deram contribuições destacadas à sociedade.
Nobel jamais criou um prémio de Economia. O que se conhece por Nobel de Economia é na verdade o Prémio do Banco Central da Suécia de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel, que nada tem a ver com a Fundação Nobel.
Alfred Nobel, que já vinha desgostoso com o uso militar dos explosivos que havia criado, ficou chocado ao ver a edição de um jornal francês, que noticiara por engano a morte de seu irmão Ludvig como sendo a sua e qualificando-o como "mercador da morte". Por isto chama atenção o fato de o Banco Central da Suécia criar um Prémio "Em Homenagem a Alfred Nobel", um monopolista de artefactos de destruição em massa.
É possível que essa visão antecipada do seu obituário tenha despertado nele o desejo de modificá-lo. Daí sua decisão de premiar aqueles que, no futuro, servissem ao bem da Humanidade - mais propriamente nos campos da física, química, fisiologia ou medicina, literatura e paz. Não há nenhuma menção de um prémio em economia.
Alfred Nobel deixou uma herança de 32 milhões de coroas. Seu testamento, redigido em 1895, determinava a criação de uma instituição à qual caberia recompensar, a cada ano, pessoas que prestaram grandes serviços à Humanidade, nos campos da paz ou da diplomacia, literatura, química, fisiologia ou medicina e física. O testamento estabelecia também que a nacionalidade das pessoas não seria considerada na atribuição do prémio.
A Fundação Nobel foi criada em junho de 1900 e é responsável pelo controle do respeito às regras na designação dos laureados e verifica o bom andamento da eleição. Também é responsável, através de um comité específico para cada uma das cinco áreas e de acordo com as propostas de personalidades eminentes, pela elaboração e encaminhamento das listas de indicações às várias instâncias que atribuem o prémio.
Os prémios são custeados pelos rendimentos oriundos do legado de Alfred Nobel, recursos privados, e o prémio de Economia é custeado pelo Banco Central com recursos públicos, de igual montante ao escolhido pela Fundação Nobel.
A primeira cerimónia de premiação nos campos da literatura, física, química e fisiologia/medicina ocorreu no Conservatório Real de Estocolmo, em 1901; o Prémio Nobel da Paz foi entregue em Oslo.
Desde 1902, os prémios são formalmente entregues pelo Rei da Suécia. A entrega do Nobel da Paz continua a ser feita em Oslo, sendo presidida pelo Rei da Noruega.
O Rei Oscar II inicialmente não aprovou que os prémios fossem concedidos a estrangeiros, mas mudou de ideia depois de compreender o valor do prestígio que os prémios dariam ao seu país.

Clarice Lispector nasceu há 101 anos

 

Clarice Lispector, nascida Haia Pinkhasovna Lispector (Tchetchelnik, 10 de dezembro de 1920 - Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977) foi uma escritora e jornalista brasileira, nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira.


De origem judaica, Clarice foi a terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. Nasceu na cidade de Tchetchelnik enquanto seus pais percorriam várias aldeias da Ucrânia por conta da perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa de 1918-1921. Chegou ao Brasil quando tinha dois meses de idade, e sempre que questionada de sua nacionalidade, Clarice afirmava não ter nenhuma ligação com a Ucrânia - "Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo" - e que sua verdadeira pátria era o Brasil.
A família chegou a Bragança Paulista em março de 1922, sendo recebida por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e primo José Rabin. Por iniciativa de seu pai todos mudaram de nome, exceto Tânia, sua irmã. O pai passou a se chamar Pedro; Mania, Marieta; Leia, sua irmã, Elisa; e Haia, por fim, Clarice. Pedro passou a trabalhar com Rabin, já um próspero comerciante. Com dificuldades de relacionamento com Rabin e sua família, Pedro decide mudar-se para Recife, então a cidade mais importante do Nordeste.
Clarice Lispector começou a escrever logo que aprendeu a ler, na cidade de Recife, onde passou parte da infância no bairro de Boa Vista. Estudou no Ginásio Pernambucano de 1932 a 1934. Falava vários idiomas, entre eles o francês e o inglês. Cresceu ouvindo no âmbito domiciliar o idioma materno, o iídiche.
A sua mãe morreu em 21 de setembro de 1930 (Clarice tinha apenas 9 anos), após vários anos sofrendo com as consequências de sífilis, supostamente contraída por conta de uma violação sofrida durante a Guerra Civil Russa, enquanto a família ainda estava na Ucrânia. Clarice sofreu com a morte da mãe, e muitos de seus textos refletem a culpa que a autora sentia e figuras de milagres que salvariam sua mãe.
Quando tinha 15 anos seu pai decidiu se mudar para o Rio de Janeiro. Sua irmã Elisa conseguiu um emprego no ministério, por intervenção do então ministro Agamenon Magalhães, enquanto seu pai teve dificuldades em achar uma oportunidade na capital. Clarice estudou em uma escola primária na Tijuca, até ir para o curso preparatório para a Faculdade de Direito. Foi aceita na Escola de Direito na então Universidade do Brasil, em 1939. Viu-se frustrada com muitas das teorias ensinadas no curso, e descobriu um escape: a literatura. Em 25 de maio de 1940, com apenas 19 anos, publicou o seu primeiro conto - "Triunfo" - na Revista Pan.
Três anos depois, após uma cirurgia simples para a retirada da sua vesícula biliar, o seu pai Pedro morre de complicações da operação. As filhas ficam arrasadas com as circunstâncias da morte tão inesperada, e como consequência Clarice se afasta da religião judaica. No mesmo ano, Clarice chama a atenção (provavelmente com o conto "Eu e Jimmy") de Lourival Fontes, então chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda (órgão responsável pela censura no Estado Novo de Getúlio Vargas), e é alocada para trabalhar na Agência Nacional, responsável por distribuir notícias aos jornais e emissoras de rádio da época. Lá conheceu o escritor Lúcio Cardoso, por quem se apaixonou (não correspondido, já que Lúcio era homossexual) e de quem se tornou amiga íntima.
Em 1943, no mesmo ano de sua formatura, casou-se com o colega de turma Maury Gurgel Valente, futuro pai de seus dois filhos. Maury foi aprovado no concurso de admissão na carreira diplomática, e passou a fazer parte do quadro do Ministério das Relações Exteriores. Em sua primeira viagem como esposa de diplomata, Clarice morou na Itália onde serviu durante a Segunda Guerra Mundial como assistente voluntária junto ao corpo de enfermagem da Força Expedicionária Brasileira. Também morou em países como Inglaterra, Estados Unidos e Suíça, países para onde Maury foi escalado. Apesar disso, sempre falou em suas cartas a amigos e irmãs como sentia falta do Brasil.
Em 10 de agosto de 1948, nasce em Berna, Suíça, o seu primeiro filho, Pedro. Quando criança Pedro se destacava por sua facilidade de aprendizado, porém na adolescência sua falta de atenção e agitação foram diagnosticados como esquizofrenia. Clarice se sentia de certa forma culpada pela doença do filho, e teve dificuldades para lidar com a situação.
Em 10 de fevereiro de 1953, nasce Paulo, o segundo filho de Clarice e Maury, em Washington, D.C., nos Estados Unidos.
Em 1959 se separou do marido que ficou na Europa e voltou permanentemente ao Rio de Janeiro com seus filhos, morando no Leme. No mesmo ano assina a coluna "Correio feminino - Feira de Utilidades", no jornal carioca Correio da Manhã, sob o pseudónimo de Helen Palmer. No ano seguinte, assume a coluna "Só para mulheres", do Diário da Noite, como ghost-writer da atriz Ilka Soares.
Provoca um incêndio ao dormir com um cigarro acesso em 14 de setembro de 1966, seu quarto fica destruído e a escritora é hospitalizada entre a vida e a morte por três dias. Sua mão direita é quase amputada devido aos ferimentos, e depois de passado o risco de morte, ainda fica hospitalizada por dois meses.
Em 1975 foi convidada a participar do Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, em Cali na Colômbia. Fez uma pequena apresentação na conferência, e falou do seu conto "O ovo e a Galinha", que depois de traduzido para o espanhol fez sucesso entre os participantes. Ao voltar ao Brasil, a viagem de Clarice ganhou ares mitológico, com jornalistas descrevendo (falsas) aparições da autora vestida de preto e coberta de amuletos. Porém, a imagem se formou, dando a Clarice o título de "a grande bruxa da literatura brasileira". O seu próprio amigo Otto Lara Resende disse sobre a obra de Lispector: "não se trata de literatura, mas de bruxaria."
Foi hospitalizada pouco tempo depois da publicação do romance A Hora da Estrela com cancro inoperável nos ovários, diagnóstico desconhecido por ela. Faleceu no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu 57° aniversário. Foi enterrada no Cemitério Israelita do Caju, no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro. Até à manhã de seu falecimento, mesmo sob sedativos, Clarice ainda ditava frases para sua amiga Olga Borelli.
Durante toda sua vida Clarice teve diversos amigos de destaque como Fernando Sabino, Lúcio Cardoso, Rubem Braga, San Tiago Dantas e Samuel Wainer, entre diversos outros literários e personalidades.

 


A lucidez perigosa

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.


Clarice Lispector

Cássia Eller nasceu há 59 anos

    
Cássia Rejane Eller (Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1962 - Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 2001) foi uma cantora e guitarrista do rock brasileiro dos anos 90.
Foi uma das maiores representantes do rock brasileiro dos anos 90 e eleita a 18ª maior voz e 40ª maior artista da música brasileira pela revista Rolling Stone Brasil. Lançou cinco álbuns de estúdio em vida: Cássia Eller (1990), O Marginal (1992), Cássia Eller (1994), Veneno AntiMonotonia (1997) e Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo (1999). O seu sexto álbum de estúdio, Dez de Dezembro (2002) foi lançado postumamente. O álbum mais bem sucedido de Cássia foi o Acústico MTV (2001), com mais de 1 milhão de cópias vendidas e um prémio Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock. Cássia morreu aos 39 anos em 29 de dezembro de 2001, após um enfarte do miocárdio, causado por uma malformação do coração.
     

  


J. Mascis, vocalista dos Dinosaur Jr., faz hoje 56 anos

  
J. Mascis, nome artístico de Joseph Mascis (Amherst, 10 de dezembro de 1965) é um músico norte-americano, provavelmente mais conhecido como vocalista, guitarrista, compositor e líder do grupo Dinosaur Jr. e que também é produtor e compositor de bandas sonoras. Foi considerado o 86º melhor guitarrista de todos os tempos pela revista norte-americana Rolling Stone.

 


Otis Redding morreu há 54 anos...

      
Otis Redding (Dawson, Geórgia, 9 de setembro de 1941 - Madison, Wisconsin, 10 de dezembro de 1967) foi um cantor de soul norte-americano conhecido por seu estilo passional e pelo sucesso póstumo "(Sittin' On) the Dock of the Bay". Foi considerado pela revista Rolling Stone o 8° maior cantor de todos os tempos e, pela mesma, o 21° maior artista de todos os tempos (pelo conjunto da obra).

Otis Redding nasceu na pequena cidade de Dawson, Geórgia. Quando tinha cinco anos, a sua família mudou para Macon, também na Geórgia, onde Otis começou a cantar no coral de uma igreja e, na adolescência, ganhou o show de talentos do "Douglass Theatre" durante 15 semanas consecutivas. A sua primeira influência musical foi Little Richard, que também havia morado em Macon. Ainda na adolescência resolveu sair da cidade, dizendo que se aquele não tinha sido o lugar para Little Richard, não seria o lugar para ele também.

Em 1960, Otis Redding começou uma turnê pelo sul dos Estados Unidos com Johnny Jenkins and the Pinetoppers. Além de cantar, Otis trabalhava como motorista de Jenkins. No mesmo ano fez as suas primeiras gravações, "Fat Gal" e "Shout Bamalama", com seu grupo com o nome "Otis Redding and the Pinetoppers", lançado pelos selos musicais "Confederate" e "Orbit".
Em 1962 fez a sua primeira marca no mundo da música, durante uma sessão de Johnny Jenkins, quando o estúdio ficou vago, ele gravou "These Arms of Mine", uma balada de sua autoria. A música virou um pequeno hit pela "Volt Records", uma subsidiária do famoso selo sulista Stax Records, que tinha sede em Memphis, Tennessee.
Redding compunha a maioria das suas músicas, prática não muito comum na época, às vezes em parceria com Steve Cropper (do grupo Booker T. & the MG's). Em julho de 1967 ele apresentou-se no influente Festival Pop de Monterey.
"(Sittin' On) the Dock of the Bay" tornou-se famosa um ano depois da morte de Redding, num acidente de avião no Wisconsin, juntamente com a sua banda de apoio, The Bar-Kays.
  
  

 


Donavon Frankenreiter, surfista e músico, faz hoje 49 anos

  

Donavon Frankenreiter (born 10 December 1972 in Downey, California) is an American musician and surfer. His debut self-titled album was released in 2004 on Brushfire Records through Universal Music.


 


Brian Molko, baixo, guitarra e voz dos Placebo, faz hoje 49 anos

  
Brian Molko (Bruxelas, 10 de dezembro de 1972) é um músico nascido na Bélgica. Ele é o vocalista, baixista e guitarrista da banda de rock alternativo Placebo. Também escreve a maioria das letras do grupo.


 


O violinista Jascha Heifetz morreu há 44 anos

   
Jascha Heifetz (Vilnius, Lituânia, 2 de fevereiro de 1901 - Los Angeles, 10 de dezembro de 1987) foi um dos maiores virtuosos da história do violino, famoso pelas suas interpretações de melodias famosas de Paganini, Bach e Saint-Saëns. É considerado por muitos o melhor violinista do século XX.

 


César Franck nasceu há 199 anos

   
César-Auguste-Jean-Guillaume-Hubert Franck (Liège, 10 de dezembro de 1822 - Paris, 8 de novembro de 1890) foi um organista e compositor belga.
    

 


O ditador Pinochet morreu há quinze anos

(imagem daqui)
  
Augusto José Ramón Pinochet Ugarte (Valparaíso, 25 de novembro de 1915 - Santiago, 10 de dezembro de 2006) foi um general do exército chileno, ditador do Chile após um golpe militar em 11 de setembro de 1973, pelo Decreto Lei Nº 806 editado pela junta militar (Conselho do Chile), que foi estabelecida para governar o Chile após a deposição de Salvador Allende, e posteriormente tornado senador vitalício de seu país, cargo que foi criado exclusivamente para si, por ter sido um ex-governante.
Governou o Chile entre 1973 e 1990, depois de liderar o golpe militar que derrubou o governo democraticamente eleito do presidente Salvador Allende. O seu regime foi marcado por constantes violações de direitos humanos, com mais de 80.000 pessoas presas e outras 30.000 torturadas. Segundo números oficiais, mais de 3 mil pessoas foram assassinadas pelo governo Pinochet.
 
 

quinta-feira, dezembro 09, 2021

Poema e pintura adequados à data...



 

(imagem daqui)

  

 O enforcado - 1940

 
Protopoema da Serra d’Arga

Sonhei ou bem alguém me contou
Que um dia
Em San Lourenço da Montaria
Uma rã pediu a Deus para ser grande como um boi
A rã foi
Deus é que rebentou
E ficaram pedras e pedras nos montes à conta da fábula
Ficou aquele ar de coisa sossegada nas ruínas sensíveis
Ficou o desejo que se pega de deixar os dedos pelas arestas das fragas
Ficou a respiração ligeira do alívio do peso de cima
Ficou um admirável vazio azul para crescerem castanheiros
E ficou a capela como um inútil côncavo de virgem
Para dançar à roda o estrapassado e o vira
Na volta do San João d’Arga

Não sei se é bem assim em San Lourenço da Montaria
Sei que isto é mesmo assim em San Lourenço da Montaria
O resto não tem importância
O resto é que tem importância em San Lourenço da Montaria
O resto é a Deolinda
Dança os amores que não teve
Tem o fôlego do hálito alheio que lhe faltou a amolecer a carne
Seca como a da penedia

O resto é o verde que sangra nos beiços grossos de apetecerem ortigas
O resto são os machos as fêmeas e a paisagem é claro
Como não podia deixar de ser
As raízes das árvores à procura de merda na terra ressequida
Os bichos à procura dos bichos para fazerem mais bichos
Ou para comerem outros bichos
Os tira-olhos as moscas as ovelhas de não pintar
E o milho nos intervalos

Todas estas informações são muito mais poema do que parecem
Porque a poesia não está naquilo que se diz
Mas naquilo que fica depois de se dizer
Ora a poesia da Serra d’Arga não tem nada com as palavras
Nem com os montes nem com o lirismo fácil
De toda a poesia que por lá há

A poesia da Serra d’Arga está no desejo de poesia
Que fica depois da gente lá ter ido
Ver dançar a Deolinda
Depois da gente lá ter caçado rãs no rio
Depois da gente ter sacudido as varejeiras dos mendigos
Que também foram à romaria

As varejeiras põem as larvas nos buracos da pele dos mendigos
E da fermentação
Nascem odores azedos padre-nossos e membros mutilados

É assim na Serra d’Arga
Quando canta Deolinda
E vem gente de longe só para a ouvir cantar

Nesses dias
as larvas vêem-se menos
Pois o trabalho que têm é andar por debaixo das peles
A prepararem-se para voar

Quanto aos mendigos é diferente
A sua maneira de aparecer
Uns nascem já mendigos com aleijões e com as rezas sabidas
Do ventre mendigo materno
Outros é quando chupam o seio sujo das mães
Que apanham aquela voz rouca e as feridas
Outros então é em consequência das moscas e das chagas
Que vão à mendicidade

Não mo contou a Deolinda
Que só conta de amores
E só dança de cores
E só fala de flores
A Deolinda

Mas sabe-se na serra que há uma tribo especial de mendigos
Que para os criar bem
Lhes põem desde pequenos os pés na lama dos pauis
Regando-os com o esterco dos outros

Enquanto ali estão a criar as membranas que valem a pena
Vão os mais velhos ensinando-lhes as orações do agradecimento
Eles aprendem
Ao saberem tudo
Nasce de propósito um enxame de moscas para cada um

Todas as moscas que há no Minho
Se geraram nos mendigos ou para eles
E é por isso que têm as patinhas frias e peganhosas
Quando pousam em nós
E é por isso que aquele zumbido de vai-vem
Das moscas da Serra d’Arga
Ainda lembra a mastigação de lamúrias pelas alminhas do Purgatório
Em San Lourenço da Montaria

Este poema não tem nada que ver com os outros poemas
Nem eu quero tirar conclusões com os poetas nos artigos de fundo
Nem eu quero dizer que sofri muito ou gozei
Ou simplesmente achei uma maçada
Ou sim mas não talvez quem dera
Viva Deus-Nosso-Senhor

Este poema é como as moscas e a Deolinda
De San Lourenço da Montaria
E nem sequer lá foi escrito

Foi escrito conscienciosamente na minha secretária
Antes de eu o passar à máquina
Etc. que não tenho tempo para mais explicações

É que eu estava a falar dos mendigos e das moscas
E não disse
Contagiado pelo ar fino de San Lourenço da Montaria
Que tudo é assim em todos os dias do ano
Mas aos sábados e nos dias de romaria
Os mendigos e as moscas deles repartem-se melhor
São sempre mais
E creio de propósito
Ser na sexta-feira à noite
Que as mendigas parem aquela quantidade de mendigozinhos
Com que se apresentam sempre no dia da caridade

Elas parem-nos pelo corpo todo
Pois a carne
De tão amolecida pelos vermes
Não tem exigências especiais
E porque assim acontece
Todos os meninos nascidos deste modo têm aquele ar de coisa mole
Que nunca foi apertada

Os mendigos fazem parte de todas as paisagens verdadeiras
Em San Lourenço da Montaria
Além deles há a bosta dos bois
Os padres
O ar que é lindo
Os pássaros que comem as formigas
Algumas casas às vezes
Os homens e as mulheres

Por isso tudo ali parece ter sido feito de propósito
Exactamente de propósito
Exactamente para estar ali
E é por isso que se tiram as fotografias

Por isso tudo ali é naturalmente
Duma grande crueldade natural
Os meninos apertam os olhos das trutas
Que vêm da água do rio
Para elas estrebucharem com as dores e mostrarem que ainda estão vivas
Os homens beliscam o cu das mulheres para que elas se doam
E percebam assim que lhes agradam
Os animais comem-se uns aos outros
As pessoas comem muito devagar os animais e o pão
E as árvores essas
Sorvem monstruosamente pelas raízes tudo o que podem apanhar

Assim acaba este poema da Serra d’Arga
Onde ontem vi rachar uma árvore e me deu um certo gozo aquilo
Parecia a queda dum regímen
Tudo muito assim mesmo lá em cima
E cá em baixo dois suados à machadada

Ao cair o barulho parecia o duma coisa muito dolorosa
Mas no buraco do sítio da árvore
Na mata de pinheiral
O azul do céu emoldurado ainda era mais bonito
Em San Lourenço da Montaria

Moledo, agosto de 1948

 

António Pedro

Um sismo teve, pela primeira vez, vítimas mortais no Brasil há onze anos

O Gov. Aécio Neves nos escombros da casa onde morreu a vítima do sismo que destruiu dezenas de casas (imagem daqui)

Itacarambi é um município do norte do estado de Minas Gerais, no Brasil. Situa-se na margem esquerda do rio São Francisco e localiza-se a 660 quilómetros da capital estadual, Belo Horizonte.

No dia 9 de dezembro de 2007, pelas 00.05 horas, ocorreu um tremor de terra de magnitude 4,9 na Escala de Richter, no distrito de Caraíbas, provocando a morte de uma criança de cinco anos e ferimentos em seis pessoas, além de desalojar outras 380, atingindo as 75 casas do distrito, sendo, portanto, considerado o primeiro tremor de terras com mortes registado no Brasil. A menina foi a primeira vítima de um terramoto no Brasil.  
 

O infante D. Pedro, da Ínclita Geração e Duque de Coimbra, nasceu há 629 anos

O Infante D. Pedro no Padrão dos Descobrimentos 


D. Pedro, infante de Portugal, 1º Duque de Coimbra, (Lisboa, 9 de dezembro de 1392Alfarrobeira, Vialonga, 20 de maio de 1449) foi um príncipe da dinastia de Avis, filho do rei D. João I e da rainha Filipa de Lencastre. Entre 1439 e 1448 foi regente de Portugal.
Devido às suas viagens ao estrangeiro, ficou conhecido como o "Infante das Sete partidas". Tendo recebido nelas o feudo de Treviso, com o título de Duque de Treviso, pelo imperador Segismundo da Hungria e investido cavaleiro da Ordem da Jarreteira pelo seu tio Henrique IV de Inglaterra.
Pedro foi, desde a nascença, um dos filhos favoritos de João I, que lhe proporcionou uma educação esmerada e excepcional numa era em que os grandes senhores eram pouco mais, senão mesmo, analfabetos. Muito próximo dos irmãos Duarte e João, Pedro cresceu num ambiente tranquilo e livre de intrigas. Em 1415, acompanha o pai na conquista de Ceuta e é feito cavaleiro no dia seguinte à tomada da cidade, na recém consagrada mesquita. É nesta altura que lhe é conferido o Ducado de Coimbra, tornando-se, com o irmão Henrique, nos dois primeiros duques criados em Portugal.
Em 1429, Pedro casa com a princesa Isabel de Aragão, condessa de Urgel, em determinada altura herdeira de Aragão, com quem constitui, segundo as fontes, uma união de amor. Na morte de Duarte, seu Rei e irmão mais velho, Pedro é preterido na regência de Afonso V de Portugal a favor da rainha mãe, Leonor de Aragão. A escolha do falecido rei não era, no entanto, popular e a facção opositora de Leonor em breve saiu às ruas. Um motim em Lisboa foi evitado in extremis, convocando-se uma reunião das cortes para normalizar a situação (Cortes de 1439). O resultado do encontro foi a nomeação de Pedro para a regência do pequeno Rei (dezembro de 1439), deixando a classe média de burgueses e mercadores deveras satisfeita. No entanto, dentro da aristocracia, em particular D. Afonso, conde de Barcelos (meio irmão de Pedro), preferia-se a mais maleável Leonor de Aragão e desconfiava-se do valor do Infante. Começa então uma guerra surda de influências e Afonso consegue transformar-se no tio favorito de D. Afonso V.
Em 1443, num gesto de reconciliação, Pedro torna o meio irmão Afonso no primeiro duque de Bragança e as relações entre os dois parecem regressar à normalidade. Indiferente às intrigas, Pedro continua a sua regência e o país prospera sob a sua influência. É durante este período que se concedem os primeiros subsídios à exploração do oceano Atlântico, organizada pelo Infante D. Henrique.
Finalmente, a 9 de junho de 1448, Afonso V atinge a maioridade e Pedro entrega o controlo de Portugal ao Rei, verificando-se o grau de influência do Duque de Bragança sobre Afonso. A 15 de setembro, Afonso V anula todos os éditos de Pedro, começando, contra si próprio, pelos que determinavam a concentração do poder na pessoa do rei. A única coisa que Afonso parece não aceitar é a separação da rainha Isabel, por muito a estimar. No ano seguinte, sob acusações que haveria mais tarde de descobrir falsas, Afonso V declara o infante Pedro um rebelde. A situação torna-se insustentável, e começa uma guerra civil. Breve, pois a 20 de maio de 1449 ocorreu a batalha de Alfarrobeira, no Forte da Casa, perto de Alverca, durante a qual o infante morreu. As condições exactas da sua morte continuam a causar debate: aparentemente Pedro morreu em combate, mas a hipótese de um assassínio disfarçado na batalha nunca foi descartada.
Com a morte de Pedro, Portugal caiu nas mãos de Afonso, 1º Duque de Bragança, com cada vez mais poder sobre o rei. No entanto, o período da sua regência nunca foi esquecido e D. Pedro foi citado muitas vezes pelo rei D. João II de Portugal (seu neto) como sendo a sua maior influência. A perseguição implacável que D. João II moveu aos Bragança foi talvez em resposta às conspirações que causaram a queda de um dos maiores príncipes da Ínclita Geração.

Do seu casamento com D. Isabel de Aragão, condessa de Urgel, filha de Jaime II de Urgel e da infanta Isabel de Aragão e Fortiá, teve os seguintes filhos:

Bandeira pessoal do Infante D. Pedro com a divisa: «Désir»

 
D. Pedro no Painel dos Cavaleiros, no políptico de S. Vicente

   

D. Pedro, Regente de Portugal

Claro em pensar, e claro no sentir,
É claro no querer;
Indiferente ao que há em conseguir
Que seja só obter;
Dúplice dono, sem me dividir,
De dever e de ser —

Não me podia a Sorte dar guarida
Por eu não ser dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
Calmo sob mudos céus,
Fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo mais é com Deus!

   

in Mensagem (1934) - Fernando Pessoa

El-Rei D. Pedro II morreu há 315 anos

    
D. Pedro II de Portugal (Lisboa, 26 de abril de 1648 - Alcântara, 9 de dezembro de 1706). Foi Rei de Portugal, de 1683 até à sua morte, sucedendo ao irmão Afonso VI, vindo já exercendo as funções de Regente do Reino desde 1668, devido à instabilidade mental do irmão, D. Afonso VI. Está sepultado no Panteão dos Braganças, em São Vicente de Fora. Morreu na Quinta de Alcântara, ou Palácio da Palhavã, de apoplexia. Tinha 58 anos e estava doente apenas há quatro dias.
   
Bandeira pessoal de D. Pedro II
    
Biografia
Terceiro filho do rei João IV de Portugal e de Dona Luísa de Gusmão, foi Senhor da Casa do Infantado. Cognominado de O Pacífico, porque na sua regência fez-se a paz com a Espanha (em 1668).
Regente de 1667 a 1683, chegou ao poder por Golpe de Estado no qual, em 27 de janeiro de 1668, depôs o irmão, o Rei Afonso VI de Portugal. Foi Rei por morte deste, em 12 de setembro de 1683. Governou portanto, de facto, de 1667 a 1706. Implacável com o irmão, além de o encarcerar em Sintra, preparou o processo de anulação do casamento com Maria Francisca Isabel de Saboia, alegando a não-consumação do mesmo, por inaptidão do rei em sua relação com mulheres, obtendo de Roma e dissolução e casando-se com a cunhada.
   
Apreciação
Diz Veríssimo Serrão em «História de Portugal», volume IV, página 233: «Um historiador coevo exaltou as suas qualidades físicas, tanto na destreza das armas como no toureio a cavalo, por ter uma agilidade e fortaleza que o predispunham para exercícios de violência. Foi no seu tempo que o palácio de Salvaterra de Magos voltou a ser o local preferido da corte, ali se instalando D. Pedro II nos meses de Janeiro e Fevereiro, para se dedicar aos desportos da montaria. (…) Senhor de grande memória, o monarca nunca recusava audiência a quem lha pedisse, tanto de dia como de noite, deleitando-se em ouvir os outros e em discutir os assuntos nos mais ínfimos pormenores. Essa qualidade era (…) um dos seus maiores defeitos, porque queria sempre ouvir a opinião dos conselheiros, o que o levava a dilatar a resolução dos problemas. O seu reinado tinha como grande desígnio reconstruir o País abalado pelas lutas da Restauração. Desde 1693 que podia dispor da riqueza aurífera do Brasil, que teria dado a essa obra o arranque decisivo de que Portugal carecia. Mas a participação na guerra sucessória da Espanha foi contrária aos interesses nacionais (…). »
Firmou a aliança inglesa. Consolidou a independência de Portugal, com a assinatura do Tratado de Lisboa em 1668, pondo fim às guerras da Restauração iniciadas em 1640. teve o decisivo apoio da Inglaterra, com base em cláusulas matrimoniais que uniram Carlos II Stuart com a irmã, princesa Catarina de Bragança, em 1661. Portugal cedeu Tânger e Bombaim, comprometeu-se a transferir para os ingleses a maioria das praças recuperadas dos holandeses, repartir ao meio o comércio da canela, instalar famílias inglesas com os mesmos privilégios dos portugueses em Goa, Cochim, Diu, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro. Em troca a Inglaterra daria suporte militar a Lisboa, protegendo embarcações portuguesas no Mediterrâneo e nas costas de Lisboa e do Porto.
A aliança com os ingleses foi decisiva na consolidação do poder de D. Pedro, que centralizou o poder da monarquia e dissolveu a excessiva força da nobreza depois da morte de D João IV em 1656.
Sua longa gestão foi de importantes realizações. Em 1671 concedeu liberdade de comércio para os ingleses residentes em Portugal e deu início ao estabelecimento de manufacturas têxteis. Dona Isabel Luísa foi proclamada herdeira do trono nas Cortes de 1674, tendo D. Pedro promulgado uma carta «sobre as regências e tuutorias dos Reys» para melhor fundar o direito de sua filha.
Em 1674 sua maior preocupação foi melhorar as defesas do Reino, pedindo contribuição dos três estados para o sustento das guarnições de fronteira, seu apetrecho e obras indispensáveis em castelos e fortes marítimos. As Cortes não atenderam a totalidade do pedido, mas o grande receio estava na defesa do litoral. «Os navios da Índia e do Brasil eram o principal objectivo da cobiça», diz Veríssimo Serrão, «História de Portugal», volume V, página 213, de modo que «a Coroa viu-se na obrigação de armar uma frota de 11 barcos. (…) A esquadra saiu do Tejo em 21 de julho de 1675, sob o comando de Pedro Jacques de Magalhães.» «Mas não se viram os resultados de tão custosa empresa».
Obteve autorização papal para a elevação do bispado da Bahia à categoria de arcebispado, e a criação dos bispados em Olinda e no Rio de Janeiro em 1676. Em 1677 foi criado o bispado do Maranhão, subordinado diretamente ao arcebispado de Lisboa. Em 1686, por decreto do Regimento de Missões, foram restringidos os privilégios dos jesuítas nos sertões do Norte. Houve porém resistências ao processo de reordenamento da administração colonial: em 1684 dá-se a revolta de Beckman, que sublevou os colonos do Maranhão contra o monopólio da Companhia Geral para o Estado do Maranhão, sufocada; da década de 1680 o levante dos tapuias, em diversas regiões do Nordeste.
Havia um óbice legal ao casamento de sua filha com o primo, o duque de Saboia: a chamada «lei das Cortes de Lamego» impedia o casamento de uma herdeira com um príncipe estrangeiro, pretenso documento que em 1640 se tornara lei fundamental do Reino. As Cortes convocadas em 1 de novembro de 1679 não tiveram dúvidas em proceder à derrogação. Já então viera a Lisboa o embaixador de Saboia, o marquês de Ornano, celebrar o casamento por procuração. Mas tudo ficaria sem efeito na medida em que a embaixada do duque de Cadaval, enviada a Turim, em maio de 1682, não alcançou ou não quis concretizar o projeto, por pressões talvez de Luís XIV sobre a dinastia de Saboia. Em 1683, aliás, morreriam D. Afonso VI de Portugal e a rainha D. Maria Francisca Isabel. Na corte havia um forte partido «francês», chefiado pelo 1º duque de Cadaval, por Manuel Teles da Silva, 2º conde de Vilar Maior, futuro marquês de Alegrete, e pelo visconde de Ponte de Lima, mas outros pugnavam por aliança mais próxima com a Espanha. Ao casar-se novamente, D. Pedro II escolheu a irmã da rainha espanhola, como ela filha de Filipe Guilherme, eleitor palatino do Reno. A nova rainha, D. Maria Sofia de Neuburgo jamais influiu na vida política, mantendo uma atuação discreta e dando ao marido larga descendência.
A descoberta de ouro no sertão de Caeté, nas Minas Gerais, no final do século XVII, deu início a uma fase de prosperidade económica e a remodelações administrativas, com a criação em 1693 da Capitania de São Paulo e Minas Gerais, e a criação da Intendência das Minas em 1702. Data do período também a destruição do Quilombo dos Palmares (Alagoas), em 1695.
No final do reinado, havia dois grandes problemas no Brasil: a disputa pela colónia do Sacramento que, embora desde 1680 reconhecido território português, foi ocupada pelos espanhóis em 1705; e os primeiros conflitos, desde 1703, entre paulistas e emboabas, concorrentes forasteiros, inclusive reinóis, que chegaram à região das minas em busca de ouro.
   
Política europeia
Numa avaliação geral, o seu reinado consolidou a independência de Portugal diante da Espanha, mas foi alto o custo das concessões à Inglaterra: pelo controverso Tratado de Methuen, de 1703, os panos de lã ingleses passaram a ser livremente comercializados em Portugal, o que levou à estagnação da indústria têxtil do Reino.
A sua política de não-alinhamento tinha como trunfo a presença de embaixadores e agentes nas cortes europeias, e os nomes que se destacaram foram, até 1700, D. Francisco de Melo, marquês de Sande; Henrique de Sousa Tavares, 1º marquês de Arronches; o doutor José de Faria, na Inglaterra; Duarte Ribeiro de Macedo e Salvador Taborda Portugal, em Paris; Diogo de Mendonça Corte-Real, na Holanda. Diz Veríssimo Serrão: «Foi nessa boa escolha que se formou o mais destacado de nossos diplomatas da primeira metade de setecentos: D. Luís da Cunha».
A Guerra da Sucessão Espanhola veio alterar o equilíbrio, pois a sucessão de Carlos II da Espanha, morto em 1700, revelou-se enorme problema, na medida em que não teve descendência. O rei deixara por testamento, como herdeiro, o neto de Luís XIV, Filipe, duque de Anjou. Recusando o facto consumado, Guilherme III da Inglaterra, por meio da Grande Aliança da Haia, formou coligação com Holanda e com o Império, propondo Carlos, arquiduque da Áustria, como candidato ao trono espanhol. Seria difícil a Portugal fugir às pressões externas, e o rei viu-se impossibilitado de guardar uma posição neutral, pois as implicações do conflito podiam estender-se à América. Portugal, que começara por reconhecer Filipe de Anjou como Filipe V de Espanha pelo tratado de Paris de 18 de junho de 1701, repensou a sua posição, facto para o qual «contribuíram as primeiras derrotas dos franceses em Itália e no Reno», e a ameaça da frota inglesa. Em setembro de 1702 anulou-se o tratado com Luís XIV e graças à intervenção de John Methuen, embaixador da Inglaterra, estabeleceram-se «formas de cooperação que ainda não eram de aberta beligerância por parte de Portugal.» Mas era normal: diz Veríssimo Serrão na obra citada, página 230 do volume V: «Desde 1661 Portugal voltara, na política europeia, a fazer parte da órbita inglesa que garantira o triunfo da Restauração».
Portugal assinou em Lisboa em 16 de maio de 1703 um tratado defensivo com a Inglaterra e Províncias Unidas, outro tratado de aliança ofensiva e defensiva com a rainha Ana de Inglaterra, Leopoldo I da Áustria e os Estados da Holanda. Havia dois artigos secretos: logo que subisse ao trono da Espanha, o arquiduque Carlos entregaria a Portugal a título perpétuo as praças fronteiras de Badajoz, Albuquerque, Valença de Alcântara, Tui, Baiona de Galiza e Vigo; e na América do Sul, as terras da margem setentrional do rio da Prata, o qual ficaria a constituir o limite das duas coroas.
Aclamado rei da Espanha como Carlos III em Viena, a 12 de setembro de 1703, o arquiduque Carlos entendeu fazer de Portugal a base das operações contra o seu adversário e desembarcou em Lisboa a 9 de março de 1704. Deixou a cidade no ano seguinte numa esquadra inglesa para se fixar na Catalunha, pois a morte do imperador Leopoldo I, em 5 de maio, forçava-o a aproximar-se da Áustria e do norte da Itália. A ofensiva aliada começou com D. António Luís de Sousa, 4º marquês das Minas e Dinis de Melo e Castro, 1º conde das Galveias, que comandavam respectivamente a Beira e o Alentejo. Valência de Alcântara rendeu-se ao segundo, em 8 de maio de 1705. D. Fernando de Mascarenhas, futuro marquês de Fronteira, foi outro nome a destacar na guerra. A 28 de junho o exército português chegou a entrar triunfante em Madrid, onde Carlos III foi aclamado. Mas seu nome não tinha qualquer ressonância nas populações, e Filipe V recebia constantes socorros dos Pirenéus e beneficiava da realeza em exercício.
   
No Brasil
Fixou as bases de sua política no Brasil em dois pontos principais: o da pesquisa de metais e pedras preciosas e da extensão da fronteira da colónia às margens do rio da Prata. Enviou o visconde de Barbacena ao Brasil com instruções especiais para incentivas as explorações mineiras, e era tal a reputação dos paulistas que o Príncipe Regente, instado por Barbacena, escreveu a doze dos principais sertanistas piratininganos, a quem proporcionou a «incomparável honra» de uma interpelação direta, convocando-os ao emprego do seu real serviço. Alguns eram do maior prol, como Fernão Dias Paes Leme, Francisco Dias Velho, Lourenço Castanho Taques.
Sob seu reinado foi criada a Casa da Moeda da Bahia, inaugurada em 8 de março de 1694. D. Pedro II cedeu seus direitos de senhoriagem, tributo a ele devido, para o melhor funcionamento desta instituição, que cunhou as primeiras moedas brasileiras para uso da própria colónia em 1695. Estas moedas de 4000 e 2000 réis, em ouro e 640, 320, 160, 80, 40 e 20 réis, em prata; ampliaram e diversificaram a moeda circulante no Brasil.
      
Últimos anos
Desde 1703 o rei passava épocas de profunda sonolência que os médicos atribuíam a um «defluxo de estilicido», ou seja, grave infecção da laringe. A 5 de dezembro de 1706 foi acometido de um «pleuriz legítimo» que derivou num ataque apoplético, com o qual perdeu os sentidos. Não resultou a sangria nos pés e, no dia 9, o ataque tornou-se fatal. Acredita-se hoje em doença hepática, pois a autópsia achou «hua parte do fígado torcida e se lhe acharão 25 pedras no fel».
Está sepultado em Lisboa no Panteão dos Braganças.
      

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