Clarice Lispector, nascida Haia Pinkhasovna Lispector (Tchetchelnik, 10 de dezembro de 1920 - Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977) foi uma escritora e jornalista brasileira, nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira.
De origem judaica, Clarice foi a terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. Nasceu na cidade de
Tchetchelnik enquanto seus pais percorriam várias
aldeias da
Ucrânia por conta da perseguição aos
judeus durante a
Guerra Civil Russa de 1918-1921. Chegou ao
Brasil
quando tinha dois meses de idade, e sempre que questionada de sua
nacionalidade, Clarice afirmava não ter nenhuma ligação com a Ucrânia -
"Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo" - e
que sua verdadeira pátria era o Brasil.
A família chegou a Bragança Paulista em março de
1922,
sendo recebida por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e primo José
Rabin. Por iniciativa de seu pai todos mudaram de nome, exceto Tânia,
sua irmã. O pai passou a se chamar Pedro; Mania, Marieta; Leia, sua
irmã, Elisa; e Haia, por fim, Clarice. Pedro passou a trabalhar com
Rabin, já um próspero comerciante. Com dificuldades de relacionamento
com Rabin e sua família, Pedro decide mudar-se para
Recife, então a cidade mais importante do
Nordeste.
Clarice Lispector começou a escrever logo que aprendeu a ler, na
cidade de
Recife, onde passou parte da
infância no bairro de
Boa Vista. Estudou no Ginásio Pernambucano de
1932 a
1934. Falava vários idiomas, entre eles o
francês e o
inglês. Cresceu ouvindo no âmbito domiciliar o idioma materno, o
iídiche.
A sua mãe morreu em 21 de setembro de 1930 (Clarice tinha apenas 9 anos), após vários anos sofrendo com as consequências de
sífilis, supostamente contraída por conta de uma violação sofrida durante a
Guerra Civil Russa, enquanto a família ainda estava na
Ucrânia.
Clarice sofreu com a morte da mãe, e muitos de seus textos refletem a
culpa que a autora sentia e figuras de milagres que salvariam sua mãe.
Quando tinha 15 anos seu pai decidiu se mudar para o
Rio de Janeiro. A sua irmã Elisa conseguiu um emprego no ministério, por intervenção do então ministro
Agamenon Magalhães,
enquanto seu pai teve dificuldades em achar uma oportunidade na
capital. Clarice estudou numa escola primária na Tijuca, até ir para o
curso preparatório para a Faculdade de Direito. Foi aceite na Escola
de
Direito na então
Universidade do Brasil, em 1939. Viu-se frustrada com muitas das teorias ensinadas no curso, e descobriu um escape: a literatura. Em
25 de maio de
1940, com apenas 19 anos, publicou o seu primeiro conto - "Triunfo" - na Revista
Pan.
Três anos depois, após uma cirurgia simples para retirar a
vesícula biliar,
o seu pai Pedro morre, de complicações da operação. As filhas ficam
arrasadas com as circunstâncias da morte tão inesperada, e como
consequência Clarice afasta-se da
religião judaica. No mesmo ano, Clarice chama a atenção (provavelmente com o conto "Eu e Jimmy") de
Lourival Fontes, então chefe do
Departamento de Imprensa e Propaganda (órgão responsável pela censura no
Estado Novo de
Getúlio Vargas),
e é alocada para trabalhar na Agência Nacional, responsável por
distribuir notícias aos jornais e emissoras de rádio da época. Lá
conheceu o escritor
Lúcio Cardoso, por quem se apaixonou (não correspondido, já que Lúcio era homossexual) e de quem se tornou amiga íntima.
Em
1943,
no mesmo ano de sua formatura, casou-se com o colega de turma Maury
Gurgel Valente, futuro pai de seus dois filhos. Maury foi aprovado no
concurso de admissão na carreira diplomática, e passou a fazer parte do
quadro do
Ministério das Relações Exteriores. Em sua primeira viagem como esposa de diplomata, Clarice morou na Itália onde serviu durante a
Segunda Guerra Mundial como assistente voluntária junto ao corpo de enfermagem da
Força Expedicionária Brasileira. Também morou em países como Inglaterra,
Estados Unidos e
Suíça, países para onde Maury foi enviado. Apesar disso, sempre falou em suas cartas a amigos e irmãs como sentia falta do Brasil.
Em
10 de agosto de
1948, nasce em
Berna,
Suíça,
o seu primeiro filho, Pedro. Quando criança Pedro se destacava por sua
facilidade de aprendizagem, porém na adolescência a sua falta de atenção e
agitação foram diagnosticados como
esquizofrenia. Clarice sentia-se de certa forma culpada pela doença do filho, e teve dificuldades para lidar com a situação.
Provoca um incêndio ao dormir com um cigarro acesso em
14 de setembro de
1966,
seu quarto fica destruído e a escritora é hospitalizada entre a vida e
a morte por três dias. Sua mão direita é quase amputada devido aos
ferimentos, e depois de passado o risco de morte, ainda fica
hospitalizada por dois meses.
Em
1975 foi convidada a participar do Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, em
Cali na
Colômbia.
Fez uma pequena apresentação na conferência, e falou do seu conto "O
ovo e a Galinha", que depois de traduzido para o espanhol fez sucesso
entre os participantes. Ao voltar ao
Brasil,
a viagem de Clarice ganhou ares mitológico, com jornalistas
descrevendo (falsas) aparições da autora vestida de preto e coberta de
amuletos. Porém, a imagem se formou, dando a Clarice o título de "a
grande bruxa da literatura brasileira". O seu próprio amigo Otto Lara
Resende disse sobre a obra de Lispector: "não se trata de literatura,
mas de bruxaria."
A lucidez perigosa
Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
Clarice Lispector