Licenciado em
Medicina (
1942) pela
Universidade de Coimbra, pertenceu à
geração de 40, grupo literário que reuniu personalidades marcantes como
Carlos de Oliveira,
Mário Dionísio,
Joaquim Namorado ou
João José Cochofel, moldando-o, certamente, como homem, à semelhança do exercício da profissão médica, primeiro na sua terra natal depois nas regiões da
Beira Baixa e
Alentejo, em locais como
Tinalhas,
Monsanto e
Pavia, até que, em 1951, acabaria por se instalar em Lisboa - onde, curiosamente, muito jovem estudara no
Liceu Camões -, como médico assistente do
Instituto Português de Oncologia.
O seu volume de estreia foi
Relevos (
1937),
livro de
poesia, porventura sob a influência de
Afonso Duarte e do grupo da
Presença. Mas já publicara em conjunto com
Carlos de Oliveira e Artur Varela, um pequeno livro de contos
Cabeças de Barro. Em (
1938) surge o seu primeiro romance
As Sete Partidas do Mundo que viria a ser galardoado com o
Prémio Almeida Garrett no mesmo ano em que recebe o
Prémio Mestre António Augusto Gonçalves, de artes plásticas - na categoria de pintura. Ainda estudante e com outros companheiros de geração funda a revista
Altitude e envolve-se activamente no projecto do
Novo Cancioneiro (
1941), colecção poética de 10 volumes que se inicia com o seu livro-poema
Terra, assinalando o advento do
neo-realismo, tendo esta iniciativa colectiva, nascida nas tertúlias de Coimbra, de
João José Cochofel, demarcado esse ponto de viragem na literatura portuguesa. Na mesma linha estética, embora em ficção, é lançada a colecção dos
Novos Prosadores (
1943), pela
Coimbra Editora, reunindo os romances
Fogo na Noite Escura, do biografado,
Casa na Duna, de
Carlos de Oliveira,
Onde Tudo Foi Morrendo, de
Vergílio Ferreira,
Nevoeiro, de
Mário Braga ou
O Dia Cinzento, de
Mário Dionísio, entre outros.
Com uma obra literária que se desenvolve ao longo de cinco décadas é de salientar a sua precoce vocação artística, de feição naturalista e poética, tal como a importância do período de formação em
Coimbra, mais as suas tertúlias e movimentos estudantis. Ao dar-se o amadurecimento estético do neo-realismo e coincidente com as vivências dos anos 50, enveredaria por novos caminhos, através de uma interpretação pessoal da narrativa, que o levaria a situar-se entre a
ficção e a
análise social. Os muitos textos que escreveu, nos diferentes momentos ou fases da vida literária, apresentam retratos com aspectos de picaresco, observações
naturalistas e algum
existencialismo. Independentemente do enquadramento, Namora foi um escritor dotado de uma profunda capacidade de
análise psicológica, inseparável de uma grande sensibilidade e
linguagem poética. Escreveu, para além de obras de poesia e
romances,
contos, memórias e impressões de
viagem, com destaque para os
cadernos de um escritor, que proporcionam um diálogo vivo com o leitor, a abertura a outras culturas, terras e gentes, a visão de um mundo em transformação, de uma realidade emergente, expressa em
Estamos no Vento (Fevereiro de
1974).
Entre os muitos títulos que publica em
prosa contam-se
Fogo na Noite Escura (
1943),
Casa da Malta (
1945),
As Minas de S. Francisco (
1946), (capítulo inédito publicado no nº 16 da revista
Mundo literário existente entre 1946 e 1948),
Retalhos da Vida de um Médico (
1949 e
1963),
A Noite e a Madrugada (
1950),
O Trigo e o Joio (
1954),
O Homem Disfarçado (
1957),
Cidade Solitária (
1959),
Domingo à Tarde (
1961,
Prémio José Lins do Rego),
Os Clandestinos (
1972),
Resposta a Matilde (
1980) e
O Rio Triste (
1982,
Prémio Fernando Chinaglia,
Prémio Fialho de Almeida e
Prémio D. Dinis). Ou, as
biografias romanceadas de
Deuses e Demónios da Medicina (
1952). Além dos títulos já referidos, publicou em poesia
Mar de Sargaços (
1940),
Marketing (
1969) e
Nome para uma Casa (
1984). Toda a sua produção poética seminal foi reunida numa antologia(
1959) denominada
As Frias Madrugadas. Escreveu ainda sobre o mundo e a sociedade em geral, na forma de narrativas romanceadas ou de anotações de viagem e reflexões críticas, sendo disso exemplo
Diálogo em Setembro (
1966),
Um Sino na Montanha (
1968),
Os Adoradores do Sol (
1971),
Estamos no Vento (
1974),
A Nave de Pedra (
1975),
Cavalgada Cinzenta (
1977),
URSS, Mal Amada, Bem Amada e
Sentados na Relva, ambos de (
1986). Porém, foram romances como os
Retalhos da Vida de um Médico,
O Trigo e o Joio,
Domingo à Tarde,
O Homem Disfarçado ou
O Rio Triste, que vieram a ser traduzidos em diversas línguas, tendo inclusive, em
1981, sido proposto para o
Prémio Nobel da Literatura, pela
Academia das Ciências de Lisboa e pelo
PEN Clube.
Se quisermos contextualizar, sistematizar a sua obra em fases distintas de
criação literária, podemos identificar: (1) o
ciclo de juventude, principalmente enquanto estudante em Coimbra, coincidente com o livro-poema
Terra e o romance
Fogo na Noite Escura; (2) o
ciclo rural, entre 1943 e 1950, representado pelas novelas
Casa da Malta (escrita em 8 dias) e
Minas de San Francisco, ou pelos romances
A Noite e a Madrugada,
O Trigo e o Joio sem esquecer os
Retalhos da Vida de um Médico, cuja edição espanhola (1ª tradução) apresenta o prefácio de (
Gregório Marañón); (3) o
ciclo urbano, coincidente com a sua vinda para Lisboa, marcado pela solidão e vivências do quotidiano, e que se terá reflectido no romance
O Homem Disfarçado, em
Cidade Solitária ou no
Domingo à Tarde; (4) o
ciclo cosmopolita, ou seja, dos
cadernos de um escritor, balizado no final dos anos 60 e década de 70, explicado pelas muitas viagens que fez, nomeadamente à Escandinávia, e pela sua participação nos
encontros de Genebra; (5) o
ciclo final, entre a ficção contemporânea, onde se insere o romance
O Rio Triste ou
Resposta a Matilde, intitulado pelo próprio
divertimento, e as reflexões íntimas de
Jornal sem Data (
1988).
Em
1975, surge
Fernando Namora – Vida e Obra, realizado por
Sérgio Ferreira. Também em 1975 Namora colaborou na publicação periódica
Jornal do Caso República (1975).
A Noite e a Madrugada, de
1985, deve a sua realização a
Artur Ramos.
Resposta a Matilde, de
1986, foi adaptado a televisão por
Dinis Machado e
Artur Ramos, com a participação de
Raúl Solnado e
Rogério Paulo. Em
1990, regista-se
O Rapaz do Tambor, curta metragem de
Vítor Silva.
Casa-Museu Fernando Namora
Ali, a dois passos da Vila, o Rio de Mouros. Nasceu de um fio de água, do suor de uma rocha, entre urzes e montes. Ainda a meio da serra, é um ribeirito que não dá para matar a sede a um rebanho. Mas depois, a terra começa, subitamente, a ficar brava, com penedos que têm o ar de montanhas, e o rio despenha-se entre os silvais e as fragas em som e espuma, com um fragor que, de Inverno, com as cheias, estremece os ouvidos da serra e dos homens. – texto de 1941.
É possível visitar a casa onde Fernando Namora nasceu, e onde os seus pais abriram um pequeno estabelecimento comercial, situada no centro da vila de Condeixa, distrito de Coimbra.
Inaugurada em 30 de Junho de 1990, esta iniciativa resultou da ideia de um grupo de amigos, seus conterrâneos, que quiseram homenageá-lo através da proposta da criação de uma Casa-Museu, de modo a recordar a todos, e nas palavras do Sr. Ramiro de Oliveira, que
é condeixense e que aqui viveu a sua infância e parte da mocidade.
Aberta ao público desde então, nela se pode encontrar o seu escritório, tal qual estava em Lisboa, com todos os seus livros e objectos pessoais, e que acabou por ser o destino do
que fui acumulando ao longo dos anos, coisas minhas, coisas do que vi e vivi e ainda valiosas coisas alheias que de algum modo se relacionam comigo - carta de 7 de junho de 1984.
A Mais Bela Noite do Mundo
Hoje,
será o fim!
Hoje
nem este falso silêncio
dos meus gestos malogrados
debruçando-se
sobre os meus ombros nus
e esmagados!
Nem o luar, pano baço de cenário velho,
escutando
a minha prisão de viver
a lição que me ditavam:
- Menino! acende uma vela na tua vida,
que o sol, a luz e o ar
são perfumes de pecado.
Tem braços longos e tentadores – o dia!
- Menino! recolhe-te na sombra do meu regaço
que teus pés
são feitos de barro e cansaço!
(Era esta a voz do papão
pintado de belo
na máscara de papelão).
Eram inúteis e magoadas as noites da minha rua...
Noites de lua
que lembravam as grilhetas
da minha vida parada.
- Amanhã,
terás os mestres, as aulas, os amigos e os livros
e o espectáculo da morgue
morando durante dias
nos teus sentidos gorados.
Amanhã,
será o ultrapassar outra curva
no teu caminho destinado.
(Era esta a voz do papão
que acendia a vela, tinha regaço de sombra
e velava
as noites da minha rua e a minha vida
e pintava-se de belo
na máscara de papelão).
Hoje,
será o fim!
Hoje,
nem a sombra do que há-de vir,
nem os mestres, nem os amigos, nem os livros,
nem a fragilidade dos meus pés
feitos de barro e cansaço!
Todas as minhas revoltas domadas,
todos os meus gestos em meio
e as minhas palavras sufocadas
terão a sua hora de viver e amar!
Hoje,
nem o cadáver a sorrir na morgue,
nem as mãos que ficaram angustiosas,
arrepiadas
no seu medo de findar!
Hoje,
será a mais bela noite do mundo!
in Mar de Sargaços (1940) - Fernando Namora