Biografia
Nasceu em
Miragaia,
freguesia da cidade portuguesa do
Porto,
em prédio hoje devidamente assinalado. Era filho de mãe portuguesa (de
ascendência inglesa, Tomásia Isabel Clarque) e pai nordestino (João
Bernardo Gonzaga). Órfão de mãe no primeiro ano de vida, mudou-se com o
pai,
magistrado brasileiro para
Pernambuco em 1751 depois para a
Bahia, onde estudou no
Colégio dos Jesuítas. Em 1761, voltou a Portugal para cursar
Direito na
Universidade de Coimbra, tornando-se bacharel em Leis em 1768. Com intenção de lecionar naquela universidade, escreveu a tese
Tratado de Direito Natural, no qual enfocava o tema sob o ponto de vista tomista, mas depois trocou as pretensões ao
magistério superior pela magistratura. Exerceu o cargo de juiz de fora na cidade de
Beja,
em Portugal. Quando voltou ao Brasil, em 1782, foi nomeado Ouvidor dos
Defuntos e Ausentes da comarca de Vila Rica, atual cidade de
Ouro Preto, então conheceu a adolescente de apenas dezasseis anos,
Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão, a pastora Marília, em uma das possíveis interpretações de seus poemas, que teria sido imortalizada em sua obra lírica (
Marília de Dirceu) - apesar de ser muito discutível essa versão, tendo em vista as regras retórico-poéticas que prevaleciam no
século XVIII, época em que os poemas foram escritos.
Durante sua permanência em Minas Gerais, escreveu
Cartas Chilenas,
poema satírico em forma de
epístolas, uma violenta
crítica ao governo colonial. Promovido a desembargador da relação da Bahia em 1786, resolve pedir em
casamento
Maria Doroteia dois anos depois. O casamento é marcado para o final do
mês de maio de 1789. Como era pobre e bem mais velho que ela, sofreu
oposição da família da noiva.
Por seu papel na
Inconfidência Mineira ou
Conjuração Mineira (primeira grande revolta pró-independência do
Brasil), trabalhando junto de outros personagens dessa revolta como:
Cláudio Manuel da Costa,
Silva Alvarenga e
Alvarenga Peixoto, é acusado de conspiração e preso em 1789, cumprindo sua pena de três anos na Fortaleza da
Ilha das Cobras, no
Rio de Janeiro,
tendo seus bens confiscados. Foi, portanto, separado de sua amada,
Maria Doroteia. Permaneceu em reclusão por três anos, durante os quais,
teria escrito a maior parte das liras atribuídas a ele, pois não há
registros de assinatura em qualquer uma de suas poesias. Em 1792, sua
pena é comutada em degredo, a pedido pessoal de
Maria I de Portugal e o poeta é enviado a costa oriental da África, a fim de cumprir, em Moçambique, a sentença de dez anos.
No mesmo ano é lançada em Lisboa a primeira parte de
Marília de Dirceu,
com 33 liras (nota-se que não houve participação, portanto, do poeta
na edição desse conjunto de liras, e até hoje não se sabe quem teria
feito, provavelmente
irmãos de maçonaria). No país africano
trabalha como advogado e hospeda-se em casa de abastado comerciante de
escravos, vindo a casar em 1793 com a filha dele,
Juliana de Sousa Mascarenhas ("pessoa de muitos dotes e poucas letras"), de quem teve dois filhos:
Ana Mascarenhas Gonzaga e
Alexandre Mascarenhas Gonzaga,
vivendo depois disso, durante quinze anos, rico e considerado, até
morrer em 1810. Em 1799, é publicada a segunda parte de Marília de
Dirceu, com mais 65 liras. No desterro, ocupou os cargos de procurador
da Coroa e Fazenda, e o de juiz de Alfândega de Moçambique (cargo que
exercia quando morreu). Gonzaga foi muito admirado por poetas românticos
como Casimiro de Abreu e Castro Alves. É patrono da cadeira 37 da
Academia Brasileira de Letras.
As suas principais obras são:
Tratado de Direito Natural;
Marília de Dirceu (coleção de
poesias líricas, publicadas em três partes, em 1792, 1799 e 1812 - hoje sabe-se que a terceira parte não foi escrita pelo poeta);
Cartas Chilenas
(impressas em conjunto em 1863). A data de sua morte não é uma data
certa, mas sabe-se que ele veio a falecer entre 1809 e 1810. É um dos
melhores escritores da época.
Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite,
e mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela.
graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos inda não está cortado;
os Pastores que habitam este monte
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste
nem canto letra, que não seja minha.
Graças, Marília bela.
graças à minha Estrela!
Mas tendo tantos dotes da ventura,
só apreço lhes dou, gentil Pastora,
depois que o teu afeto me segura
que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
de um rebanho, que cubra monte e prado;
porém, gentil Pastora, o teu agrado
vale mais que um rebanho e mais que um trono.
Graças, Marília bela.
graças à minha Estrela!