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terça-feira, outubro 15, 2024

Manuel da Fonseca nasceu há 113 anos...

(imagem daqui)
    
Manuel Lopes Fonseca, mais conhecido como Manuel da Fonseca (Santiago do Cacém, 15 de outubro de 1911 - Lisboa, 11 de março de 1993) foi um escritor (poeta, contista, romancista e cronista) português.

Biografia
Após ter terminado o ensino básico, Manuel da Fonseca prosseguiu os seus estudos em Lisboa. Estudou no Colégio Vasco da Gama, Liceu Camões, Escola Lusitânia e Escola de Belas-Artes. Apesar de não ter sobressaído na área das Belas-Artes, deixou alguns registos do seu traço, sobretudo nos retratos que fazia de alguns dos seus companheiros de tertúlias lisboetas como é o caso do de José Cardoso Pires. Durante os períodos de interregno escolar, aproveitava para regressar ao seu Alentejo de origem. Daí que o espaço de eleição dos seus primeiros textos seja o Alentejo. Só mais tarde e a partir de Um Anjo no Trapézio é que o espaço das suas obras passa a ser a cidade de Lisboa.
Membro do Partido Comunista Português (PCP), Manuel da Fonseca fez parte do grupo do Novo Cancioneiro e é considerado por muitos como um dos melhores escritores do neo-realismo português. Nas suas obras, carregadas de intervenção social e política, relata como poucos a vida dura do Alentejo e dos alentejanos.
A sua vida profissional foi muito díspar tendo exercido nos mais diferentes sectores: comércio, indústria, revistas, agências publicitárias, entre outras.
Era membro da Sociedade Portuguesa de Escritores quando esta atribuiu o Grande Prémio da Novelística a José Luandino Vieira pela sua obra Luuanda, o que levou ao encerramento desta instituição e à detenção de alguns dos seus membros na prisão de Caxias, entre os quais Manuel da Fonseca.
Em sua homenagem, a Escola Secundária de Santiago do Cacém denomina-se Escola Secundária Manuel da Fonseca e cada uma das bibliotecas municipais de Castro Verde e Santiago do Cacém se chama Biblioteca Municipal Manuel da Fonseca.
  

 

Vida 
  
 
Vida:
sensualíssima mulher de carnes maravilhosas
cujos passos são horas
cadenciadas
rítmicas
fatais.
A cada movimento do teu corpo
dispersam asas de desejos
que me roçam a pele
e encrespam os nervos na alucinação do «nunca mais».
Vou seguindo teus passos
lutando e sofrendo
cantando e chorando
e ficam abertos meus braços:
nunca te alcanço!
Meu suplício de Tântalo.
Envelheço...
E tu, Vida, cada vez mais viçosa
na oscilação nervosa
das tuas ancas fecundas e sempre virgens!
À punhalada dilacero a folhagem
e abro clareiras
na floresta milenária do meu caminho.
Humildemente se rasga e avilta
no roçar dos espinhos
minha carne dorida.
E quando julgo chegada a hora
meu abraço de posse fica escancarado no ar!
Olímpica
firme
gloriosa
tu passas e não te alcanço, Vida.
Caio suado de borco
no lodo...
O vento da noite badala nos ramos
sarcasmos canalhas.
Não avisto a vida!
Tenho medo, grito.
Creio em Deus e nos fantásticos ecos
do meu grito
que vêm de longe e de perto
do sul e do norte
que me envolvem
e esmagam:
— maldita selva, maldita selva,
antes o deserto, a sede e a morte!


 

in Rosa dos Ventos (1940) - Manuel da Fonseca

quarta-feira, agosto 07, 2024

Políbio Gomes dos Santos nasceu há 113 anos...

(imagem daqui)

    

Políbio Gomes dos Santos (Ansião, 7 de agosto de 1911 - Ansião, 3 de agosto de 1939, foi um poeta português.
Políbio, frequentou o Instituto Militar dos Pupilos do Exército em Lisboa e terminou os seus estudos liceais em Coimbra, tendo aí ingressado na Faculdade de Letras.
Devido a ter adoecido, em setembro de 1938, com tuberculose, esteve internado no Sanatório da Guarda.
Foi um dos colaboradores dos Cadernos da Juventude, da Presença, do Sol Nascente e do O Diabo, assim como fez parte do grupo Novo Cancioneiro, de tendência neo-realista.
Atualmente, existe o Prémio Literário Políbio Gomes dos Santos, em homenagem ao poeta.
  

 

Poema da Voz que Escuta
 

Chamam-me lá em baixo.
São as coisas que não puderam decorar-me:
As que ficaram a mirar-me longamente
E não acreditaram;
As que sem coração, no relâmpago do grito,
Não puderam colher-me.
Chamam-me lá em baixo,
Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,
Onde a multidão formiga
Sem saber nadar.
Chamam-me lá em baixo
Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante
E transparente e desgraçado e vil
Quando a noite vem, criança distraída,
Que debilmente apaga os traços brancos
Deste quadro negro - a Vida.
Chamam-me lá em baixo:
Voz de coisas, voz de luta.
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta
.
 

 

in Voz que Escuta (1939) - Políbio Gomes dos Santos

sábado, agosto 03, 2024

Para recordar Políbio Gomes dos Santos, uma poesia de Nemésio...

(imagem daqui)

À Memória de Políbio Gomes dos Santos

O poeta que morreu entrou agora,
Não se sabe bem onde, mas entrou,
Todo coberto de demora,
No bocado de noite em que ficou.

As ervas lhe desenham
Seu espaço devido:
Depressa, venham
Lê-lo no chão os que o não tenham lido.

Que o sorriso que o veste
Já galga como um potro
As coisas tenebrosas,
E esquecido – só outro:
Este
Nem precisa de rosas.


in Eu, Comovido a Oeste (1940) - Vitorino Nemésio

Políbio Gomes dos Santos morreu há 85 anos...

(imagem daqui)

 

Políbio Gomes dos Santos (Ansião, 7 de agosto de 1911 - Ansião, 3 de agosto de 1939, foi um poeta português.

Frequentou o Instituto Militar dos Pupilos do Exército em Lisboa e terminou os seus estudos liceais em Coimbra, tendo aí ingressado na Faculdade de Letras e Direito.
Devido a ter adoecido, em setembro de 1938, com tuberculose, esteve internado no Sanatório da Guarda.
Foi um dos colaboradores dos Cadernos da Juventude, da Presença, do Sol Nascente e do O Diabo, assim como fez parte do grupo Novo Cancioneiro de tendência neo-realista.
Atualmente ainda existe o prémio literário Políbio Gomes dos Santos, em homenagem ao poeta.
     

 

 

Génesis

O mundo existe desde que eu fui nado.
Tudo o mais é um… era uma vez
- A história que se contou.

No princípio criou-se o leite que mamei
E eu vi que era bom e chorei
Quando a fonte materna secou.

A terra era sem forma
E vazia;
Havia trevas no abismo.

E formou-se o chão
E amassou-se o pão
Que eu comi.
(Era este aquela esponja que eu mordia,
Que eu babava,
Que eu sujava,
Que uma gente andrajosa pedia).

E então se fez
A geração remota dos papões:
Nascera a esmola, o medo, a prece
E o rosto que empalidece…
E a rosa criou-se,
Desejada,
E logo o espinho,
A lágrima,
O sangue.
Este era vermelho e doce,
A lágrima doce, brilhante, salgada;
No espinho havia o gosto
Da vingança perfumada.

E eu vi que tudo era bom.
E fizeram-se os luminares,
Porque eu tinha olhos,
E o som fez-se de cantares
E de gemidos,
Porque eu tinha ouvidos.
Nasceram as águas
E os peixes das águas
E alguns seres viventes da terra
E as aves dos céus.
O homem que então era vagamente feito,
Dominou o homem, comprimiu-lhe o peito,
E fizeram-se as mágoas
E o adeus,

E eu vi que tudo era bom.

A mulher só mais tarde se fez:
Foi duma vez
Em que eu e ela nos somámos
E ficamos três.

Nisto e no mais se gastaram
Sete longuíssimos dias,
O mundo era feito
E embora por tudo e nada imperfeito,
Eu vi que era bom.

Acaba o mundo
Quando eu morrer.
Sim… será o fim!
Também tu deixas de existir,
No mesmo dia.

E o resto que seguir
É profecia.



in As Três Pessoas (1938) - Políbio Gomes dos Santos

quarta-feira, julho 17, 2024

Poema adequada à data...


(imagem daqui)

 

Alotropia

 

Parar o tempo,
manejá-lo,
substância dócil,
reversível.

Alotropia verbal
sem duração,
pura escolha
da memória.
 



João José Cochofel

O poeta João José Cochofel nasceu há 105 anos...


João José de Melo Cochofel Aires de Campos (Coimbra, 17 de julho de 1919 – Lisboa, 14 de março de 1982), foi um poeta, ensaísta e crítico literário e musical português

O poeta licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Fez parte do movimento neorrealista português tendo sido um dos organizadores do Novo Cancioneiro, ajudando a fundar e colaborando ativamente nas revistas, ligadas àquele movimento, Altitude (1939) e Vértice (1942), ou, mais tarde, na direção da Gazeta Musical e de Todas as Artes. Também se encontra colaboração da sua autoria no semanário Mundo Literário (1946-1948).

A 10 de junho de 1990, foi agraciado, a título póstumo, com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

 

in Wikipédia

 

XIII

Faze que a vida seja o que te nega
A luta é tua - fá-la
Agora, os sonhos em farrapos,
melhor é a luta que pensá-la

Ergue com o vigor do teu pulso;
solda-o em aço
E da tua obra afirma:
- Sou o que faço.




in Sol de Agosto - João José Cochofel

quarta-feira, março 13, 2024

João José Cochofel morreu há quarenta e dois anos...


João José de Melo Cochofel Aires de Campos (Coimbra, 17 de julho de 1919 – Lisboa, 14 de março de 1982), foi um poeta, ensaísta e crítico literário e musical português

 

in Wikipédia

 

XIII

Faze que a vida seja o que te nega
A luta é tua - fá-la
Agora, os sonhos em farrapos,
melhor é a luta que pensá-la

Ergue com o vigor do teu pulso;
solda-o em aço
E da tua obra afirma:
- Sou o que faço.




in Sol de Agosto (1941) - João José Cochofel

segunda-feira, março 11, 2024

Manuel da Fonseca morreu há trinta e um anos

(imagem daqui)

 

Manuel Lopes Fonseca, mais conhecido como Manuel da Fonseca (Santiago do Cacém, 12 de outubro de 1911 - Lisboa, 11 de março de 1993) foi um escritor (poeta, contista, romancista e cronista) português.
  
Biografia
Após ter terminado o ensino básico, Manuel da Fonseca prosseguiu os seus estudos em Lisboa. Estudou no Colégio Vasco da Gama, Liceu Camões, Escola Lusitânia e Escola de Belas-Artes. Apesar de não ter sobressaído na área das Belas-Artes, deixou alguns registos do seu traço, sobretudo nos retratos que fazia de alguns dos seus companheiros de tertúlias lisboetas como é o caso do de José Cardoso Pires. Durante os períodos de interregno escolar, aproveitava para regressar ao seu Alentejo de origem. Daí que o espaço de eleição dos seus primeiros textos seja o Alentejo. Só mais tarde e a partir de Um Anjo no Trapézio é que o espaço das suas obras passa a ser a cidade de Lisboa.
Membro do Partido Comunista Português (PCP), Manuel da Fonseca fez parte do grupo do Novo Cancioneiro e é considerado por muitos como um dos melhores escritores do neo-realismo português. Nas suas obras, carregadas de intervenção social e política, relata como poucos a vida dura do Alentejo e dos alentejanos.
A sua vida profissional foi muito díspar tendo exercido nos mais diferentes sectores: comércio, indústria, revistas, agências publicitárias, entre outras.
Era membro da Sociedade Portuguesa de Escritores quando esta atribuiu o Grande Prémio da Novelística a José Luandino Vieira pela sua obra Luuanda, o que levou ao encerramento desta instituição e à detenção de alguns dos seus membros na prisão de Caxias, entre os quais Manuel da Fonseca.
Em sua homenagem, a Escola Secundária de Santiago do Cacém denomina-se Escola Secundária Manuel da Fonseca e as bibliotecas municipais de Castro Verde e Santiago do Cacém chamam-se Biblioteca Municipal Manuel da Fonseca.
 

 

 

Tragédia 

Foi para a escola e aprendeu a ler
e as quatro operações, de cor e salteado.
Era um menino triste:
nunca brincou no largo.
Depois, foi para a loja e pôs a uso
aquilo que aprendeu
— vagaroso e sério,
sem um engano,
sem um sorriso.
Depois, o pai morreu
como estava previsto.
E o Senhor António
(tão novinho e já era «o Senhor António»!...)
ficou dono da loja e chefe da família...
Envelheceu, casou, teve meninos,
tudo como quem soma ou faz multiplicação!...
E quando o mais velhinho
já sabia contar, ler, escrever,
o Senhor António deu balanço à vida:
tinha setenta anos, um nome respeitado...
— que mais podia querer?
Por isso,
num meio-dia de Verão,
sentiu-se mal.
Decentemente abriu os braços
e disse: — Vou morrer.
E morreu!, morreu de congestão...
 


in
Planície (1941) - Manuel da Fonseca

quarta-feira, janeiro 31, 2024

Fernando Namora morreu há trinta e cinco anos...

  
Fernando Namora (Condeixa-a-Nova, 15 de abril de 1919 - Lisboa, 31 de janeiro de 1989) de nome completo Fernando Gonçalves Namora, foi um médico e escritor português, autor de uma extensa obra, das mais divulgadas e traduzidas nos anos 70 e 80.
 
Licenciado em Medicina (1942) pela Universidade de Coimbra, pertenceu à geração de 40, grupo literário que reuniu personalidades marcantes como Carlos de Oliveira, Mário Dionísio, Joaquim Namorado ou João José Cochofel, moldando-o, certamente, como homem, à semelhança do exercício da profissão médica, primeiro na sua terra natal, depois nas regiões da Beira Baixa e Alentejo, em locais como Tinalhas, Monsanto e Pavia, até que, em 1951, acabaria por se instalar em Lisboa - onde, curiosamente, muito jovem estudara, no Liceu Camões - como médico assistente do Instituto Português de Oncologia.
O seu volume de estreia foi Relevos (1937), livro de poesia, porventura sob a influência de Afonso Duarte e do grupo da Presença. Mas já publicara em conjunto com Carlos de Oliveira e Artur Varela, um pequeno livro de contos Cabeças de Barro. Em (1938) surge o seu primeiro romance As Sete Partidas do Mundo que viria a ser galardoado com o Prémio Almeida Garrett no mesmo ano em que recebe o Prémio Mestre António Augusto Gonçalves, de artes plásticas - na categoria de pintura. Ainda estudante e com outros companheiros de geração funda a revista Altitude e envolve-se ativamente no projeto do Novo Cancioneiro (1941), coleção poética de 10 volumes que se inicia com o seu livro-poema Terra, assinalando o advento do neo-realismo, tendo esta iniciativa coletiva, nascida nas tertúlias de Coimbra, de João José Cochofel, demarcado esse ponto de viragem na literatura portuguesa. Na mesma linha estética, embora em ficção, é lançada a coleção dos Novos Prosadores (1943), pela Coimbra Editora, reunindo os romances Fogo na Noite Escura, do biografado, Casa na Duna, de Carlos de Oliveira, Onde Tudo Foi Morrendo, de Vergílio Ferreira, Nevoeiro, de Mário Braga ou O Dia Cinzento, de Mário Dionísio, entre outros.
Com uma obra literária que se desenvolve ao longo de cinco décadas é de salientar a sua precoce vocação artística, de feição naturalista e poética, tal como a importância do período de formação em Coimbra, mais as suas tertúlias e movimentos estudantis. Ao dar-se o amadurecimento estético do neo-realismo e coincidente com as vivências dos anos 50, enveredaria por novos caminhos, através de uma interpretação pessoal da narrativa, que o levaria a situar-se entre a ficção e a análise social. Os muitos textos que escreveu, nos diferentes momentos ou fases da vida literária, apresentam retratos com aspetos de picaresco, observações naturalistas e algum existencialismo. Independentemente do enquadramento, Namora foi um escritor dotado de uma profunda capacidade de análise psicológica, inseparável de uma grande sensibilidade e linguagem poética. Escreveu, para além de obras de poesia e romances, contos, memórias e impressões de viagem, com destaque para os cadernos de um escritor, que proporcionam um diálogo vivo com o leitor, a abertura a outras culturas, terras e gentes, a visão de um mundo em transformação, de uma realidade emergente, expressa em Estamos no Vento (Fevereiro de 1974).
Entre os muitos títulos que publica em prosa contam-se Fogo na Noite Escura (1943), Casa da Malta (1945), As Minas de S. Francisco (1946), (capítulo inédito publicado no nº 16 da revista Mundo literário existente entre 1946 e 1948), Retalhos da Vida de um Médico (1949 e 1963), A Noite e a Madrugada (1950), O Trigo e o Joio (1954), O Homem Disfarçado (1957), Cidade Solitária (1959), Domingo à Tarde (1961, Prémio José Lins do Rego), Os Clandestinos (1972), Resposta a Matilde (1980) e O Rio Triste (1982, Prémio Fernando Chinaglia, Prémio Fialho de Almeida e Prémio D. Dinis). Ou, as biografias romanceadas de Deuses e Demónios da Medicina (1952). Além dos títulos já referidos, publicou em poesia Mar de Sargaços (1940), Marketing (1969) e Nome para uma Casa (1984) . Toda a sua produção poética seminal foi reunida numa antologia(1959) denominada As Frias Madrugadas. Escreveu ainda sobre o mundo e a sociedade em geral, na forma de narrativas romanceadas ou de anotações de viagem e reflexões críticas, sendo disso exemplo Diálogo em Setembro (1966), Um Sino na Montanha (1968), Os Adoradores do Sol (1971), Estamos no Vento (1974), A Nave de Pedra (1975), Cavalgada Cinzenta (1977), URSS, Mal Amada, Bem Amada e Sentados na Relva, ambos de (1986). Porém, foram romances como os Retalhos da Vida de um Médico, O Trigo e o Joio, Domingo à Tarde, O Homem Disfarçado ou O Rio Triste, que vieram a ser traduzidos em diversas línguas, tendo inclusive, em 1981, sido proposto para o Prémio Nobel da Literatura, pela Academia das Ciências de Lisboa e pelo PEN Clube.
    

 

A Mais Bela Noite do Mundo 
  
  
Hoje,
será o fim!
 
Hoje
nem este falso silêncio
dos meus gestos malogrados
debruçando-se
sobre os meus ombros nus
e esmagados!
  
Nem o luar, pano baço de cenário velho,
escutando
a minha prisão de viver
a lição que me ditavam:
- Menino! acende uma vela na tua vida,
que o sol, a luz e o ar
são perfumes de pecado.
Tem braços longos e tentadores – o dia!
  
- Menino! recolhe-te na sombra do meu regaço
que teus pés
são feitos de barro e cansaço!
  
(Era esta a voz do papão
pintado de belo
na máscara de papelão).
  
Eram inúteis e magoadas as noites da minha rua...
Noites de lua
que lembravam as grilhetas
da minha vida parada.
  
- Amanhã,
terás os mestres, as aulas, os amigos e os livros
e o espectáculo da morgue
morando durante dias
nos teus sentidos gorados.
  
Amanhã,
será o ultrapassar outra curva
no teu caminho destinado.
  
(Era esta a voz do papão
que acendia a vela, tinha regaço de sombra
e velava
as noites da minha rua e a minha vida
e pintava-se de belo
na máscara de papelão).
  
Hoje,
será o fim!
  
Hoje,
nem a sombra do que há-de vir,
nem os mestres, nem os amigos, nem os livros,
nem a fragilidade dos meus pés
feitos de barro e cansaço!
Todas as minhas revoltas domadas,
todos os meus gestos em meio
e as minhas palavras sufocadas
terão a sua hora de viver e amar!
  
Hoje,
nem o cadáver a sorrir na morgue,
nem as mãos que ficaram angustiosas,
arrepiadas
no seu medo de findar!
  
Hoje,
será a mais bela noite do mundo!

  
 
 
in Mar de Sargaços (1940) - Fernando Namora

domingo, outubro 15, 2023

Manuel da Fonseca nasceu há cento e doze anos

(imagem daqui)
    
Manuel Lopes Fonseca, mais conhecido como Manuel da Fonseca (Santiago do Cacém, 15 de outubro de 1911 - Lisboa, 11 de março de 1993) foi um escritor (poeta, contista, romancista e cronista) português.

Biografia
Após ter terminado o ensino básico, Manuel da Fonseca prosseguiu os seus estudos em Lisboa. Estudou no Colégio Vasco da Gama, Liceu Camões, Escola Lusitânia e Escola de Belas-Artes. Apesar de não ter sobressaído na área das Belas-Artes, deixou alguns registos do seu traço, sobretudo nos retratos que fazia de alguns dos seus companheiros de tertúlias lisboetas como é o caso do de José Cardoso Pires. Durante os períodos de interregno escolar, aproveitava para regressar ao seu Alentejo de origem. Daí que o espaço de eleição dos seus primeiros textos seja o Alentejo. Só mais tarde e a partir de Um Anjo no Trapézio é que o espaço das suas obras passa a ser a cidade de Lisboa.
Membro do Partido Comunista Português (PCP), Manuel da Fonseca fez parte do grupo do Novo Cancioneiro e é considerado por muitos como um dos melhores escritores do neo-realismo português. Nas suas obras, carregadas de intervenção social e política, relata como poucos a vida dura do Alentejo e dos alentejanos.
A sua vida profissional foi muito díspar tendo exercido nos mais diferentes sectores: comércio, indústria, revistas, agências publicitárias, entre outras.
Era membro da Sociedade Portuguesa de Escritores quando esta atribuiu o Grande Prémio da Novelística a José Luandino Vieira pela sua obra Luuanda, o que levou ao encerramento desta instituição e à detenção de alguns dos seus membros na prisão de Caxias, entre os quais Manuel da Fonseca.
Em sua homenagem, a Escola Secundária de Santiago do Cacém denomina-se Escola Secundária Manuel da Fonseca e cada uma das bibliotecas municipais de Castro Verde e Santiago do Cacém se chama Biblioteca Municipal Manuel da Fonseca.
  

 

Vida 
  
 
Vida:
sensualíssima mulher de carnes maravilhosas
cujos passos são horas
cadenciadas
rítmicas
fatais.
A cada movimento do teu corpo
dispersam asas de desejos
que me roçam a pele
e encrespam os nervos na alucinação do «nunca mais».
Vou seguindo teus passos
lutando e sofrendo
cantando e chorando
e ficam abertos meus braços:
nunca te alcanço!
Meu suplício de Tântalo.
Envelheço...
E tu, Vida, cada vez mais viçosa
na oscilação nervosa
das tuas ancas fecundas e sempre virgens!
À punhalada dilacero a folhagem
e abro clareiras
na floresta milenária do meu caminho.
Humildemente se rasga e avilta
no roçar dos espinhos
minha carne dorida.
E quando julgo chegada a hora
meu abraço de posse fica escancarado no ar!
Olímpica
firme
gloriosa
tu passas e não te alcanço, Vida.
Caio suado de borco
no lodo...
O vento da noite badala nos ramos
sarcasmos canalhas.
Não avisto a vida!
Tenho medo, grito.
Creio em Deus e nos fantásticos ecos
do meu grito
que vêm de longe e de perto
do sul e do norte
que me envolvem
e esmagam:
— maldita selva, maldita selva,
antes o deserto, a sede e a morte!


 

in Rosa dos Ventos (1940) - Manuel da Fonseca

segunda-feira, agosto 07, 2023

Políbio Gomes dos Santos nasceu há cento e doze anos

(imagem daqui)

    

Políbio Gomes dos Santos (Ansião, 7 de agosto de 1911 - Ansião, 3 de agosto de 1939, foi um poeta português.
Políbio, frequentou o Instituto Militar dos Pupilos do Exército em Lisboa e terminou os seus estudos liceais em Coimbra, tendo aí ingressado na Faculdade de Letras.
Devido a ter adoecido, em setembro de 1938, com tuberculose, esteve internado no Sanatório da Guarda.
Foi um dos colaboradores dos Cadernos da Juventude, da Presença, do Sol Nascente e do O Diabo, assim como fez parte do grupo Novo Cancioneiro, de tendência neo-realista.
Atualmente, existe o Prémio Literário Políbio Gomes dos Santos, em homenagem ao poeta.
  

 

Poema da Voz que Escuta
 

Chamam-me lá em baixo.
São as coisas que não puderam decorar-me:
As que ficaram a mirar-me longamente
E não acreditaram;
As que sem coração, no relâmpago do grito,
Não puderam colher-me.
Chamam-me lá em baixo,
Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,
Onde a multidão formiga
Sem saber nadar.
Chamam-me lá em baixo
Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante
E transparente e desgraçado e vil
Quando a noite vem, criança distraída,
Que debilmente apaga os traços brancos
Deste quadro negro - a Vida.
Chamam-me lá em baixo:
Voz de coisas, voz de luta.
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta
.
 

 

in Voz que Escuta (1939) - Políbio Gomes dos Santos

quinta-feira, agosto 03, 2023

Poesia de Nemésio para recordar Políbio Gomes dos Santos...

(imagem daqui)

À Memória de Políbio Gomes dos Santos

O poeta que morreu entrou agora,
Não se sabe bem onde, mas entrou,
Todo coberto de demora,
No bocado de noite em que ficou.

As ervas lhe desenham
Seu espaço devido:
Depressa, venham
Lê-lo no chão os que o não tenham lido.

Que o sorriso que o veste
Já galga como um potro
As coisas tenebrosas,
E esquecido – só outro:
Este
Nem precisa de rosas.


in Eu, Comovido a Oeste (1940) - Vitorino Nemésio

O poeta Políbio Gomes dos Santos morreu há 84 anos...

(imagem daqui)

 

Políbio Gomes dos Santos (Ansião, 7 de agosto de 1911 - Ansião, 3 de agosto de 1939, foi um poeta português.

Frequentou o Instituto Militar dos Pupilos do Exército em Lisboa e terminou os seus estudos liceais em Coimbra, tendo aí ingressado na Faculdade de Letras e Direito.
Devido a ter adoecido, em setembro de 1938, com tuberculose, esteve internado no Sanatório da Guarda.
Foi um dos colaboradores dos Cadernos da Juventude, da Presença, do Sol Nascente e do O Diabo, assim como fez parte do grupo Novo Cancioneiro de tendência neo-realista.
Atualmente ainda existe o prémio literário Políbio Gomes dos Santos, em homenagem ao poeta.
     

 

 

Génesis

O mundo existe desde que eu fui nado.
Tudo o mais é um… era uma vez
- A história que se contou.

No princípio criou-se o leite que mamei
E eu vi que era bom e chorei
Quando a fonte materna secou.

A terra era sem forma
E vazia;
Havia trevas no abismo.

E formou-se o chão
E amassou-se o pão
Que eu comi.
(Era este aquela esponja que eu mordia,
Que eu babava,
Que eu sujava,
Que uma gente andrajosa pedia).

E então se fez
A geração remota dos papões:
Nascera a esmola, o medo, a prece
E o rosto que empalidece…
E a rosa criou-se,
Desejada,
E logo o espinho,
A lágrima,
O sangue.
Este era vermelho e doce,
A lágrima doce, brilhante, salgada;
No espinho havia o gosto
Da vingança perfumada.

E eu vi que tudo era bom.
E fizeram-se os luminares,
Porque eu tinha olhos,
E o som fez-se de cantares
E de gemidos,
Porque eu tinha ouvidos.
Nasceram as águas
E os peixes das águas
E alguns seres viventes da terra
E as aves dos céus.
O homem que então era vagamente feito,
Dominou o homem, comprimiu-lhe o peito,
E fizeram-se as mágoas
E o adeus,

E eu vi que tudo era bom.

A mulher só mais tarde se fez:
Foi duma vez
Em que eu e ela nos somámos
E ficamos três.

Nisto e no mais se gastaram
Sete longuíssimos dias,
O mundo era feito
E embora por tudo e nada imperfeito,
Eu vi que era bom.

Acaba o mundo
Quando eu morrer.
Sim… será o fim!
Também tu deixas de existir,
No mesmo dia.

E o resto que seguir
É profecia.



in As Três Pessoas (1938) - Políbio Gomes dos Santos

segunda-feira, julho 17, 2023

João José Cochofel nasceu há 104 anos...


João José de Melo Cochofel Aires de Campos (Coimbra, 17 de julho de 1919 – Lisboa, 14 de março de 1982), foi um poeta, ensaísta e crítico literário e musical português

O poeta licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Fez parte do movimento neorrealista português tendo sido um dos organizadores do Novo Cancioneiro, ajudando a fundar e colaborando ativamente nas revistas, ligadas àquele movimento, Altitude (1939) e Vértice (1942), ou, mais tarde, na direção da Gazeta Musical e de Todas as Artes. Também se encontra colaboração da sua autoria no semanário Mundo Literário (1946-1948).

A 10 de junho de 1990, foi agraciado, a título póstumo, com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

 

in Wikipédia

 

Não Desafies

 

Não desafies
a alegria.

Quando ela chegue
um instante só
não lhe perguntes
porquê?

Estende as mãos ávidas
para o calor
da cinza fria. 



João José Cochofel

terça-feira, março 14, 2023

Poema adequada à data...


(imagem daqui)

 

XIII

Faze que a vida seja o que te nega
A luta é tua - fá-la
Agora, os sonhos em farrapos,
melhor é a luta que pensá-la

Ergue com o vigor do teu pulso;
solda-o em aço
E da tua obra afirma:
- Sou o que faço.




in Sol de Agosto - João José Cochofel

segunda-feira, março 13, 2023

João José Cochofel morreu há quarenta e um anos


João José de Melo Cochofel Aires de Campos (Coimbra, 17 de julho de 1919 – Lisboa, 14 de março de 1982), foi um poeta, ensaísta e crítico literário e musical português

 

in Wikipédia

 

Não Desafies

 

Não desafies
a alegria.

Quando ela chegue
um instante só
não lhe perguntes
porquê?

Estende as mãos ávidas
para o calor
da cinza fria. 



João José Cochofel

sábado, março 11, 2023

Manuel da Fonseca morreu há trinta anos

(imagem daqui)
   
Manuel Lopes Fonseca, mais conhecido como Manuel da Fonseca (Santiago do Cacém, 12 de outubro de 1911 - Lisboa, 11 de março de 1993) foi um escritor (poeta, contista, romancista e cronista) português.
  
Biografia
Após ter terminado o ensino básico, Manuel da Fonseca prosseguiu os seus estudos em Lisboa. Estudou no Colégio Vasco da Gama, Liceu Camões, Escola Lusitânia e Escola de Belas-Artes. Apesar de não ter sobressaído na área das Belas-Artes, deixou alguns registos do seu traço, sobretudo nos retratos que fazia de alguns dos seus companheiros de tertúlias lisboetas como é o caso do de José Cardoso Pires. Durante os períodos de interregno escolar, aproveitava para regressar ao seu Alentejo de origem. Daí que o espaço de eleição dos seus primeiros textos seja o Alentejo. Só mais tarde e a partir de Um Anjo no Trapézio é que o espaço das suas obras passa a ser a cidade de Lisboa.
Membro do Partido Comunista Português (PCP), Manuel da Fonseca fez parte do grupo do Novo Cancioneiro e é considerado por muitos como um dos melhores escritores do neo-realismo português. Nas suas obras, carregadas de intervenção social e política, relata como poucos a vida dura do Alentejo e dos alentejanos.
A sua vida profissional foi muito díspar tendo exercido nos mais diferentes sectores: comércio, indústria, revistas, agências publicitárias, entre outras.
Era membro da Sociedade Portuguesa de Escritores quando esta atribuiu o Grande Prémio da Novelística a José Luandino Vieira pela sua obra Luuanda, o que levou ao encerramento desta instituição e à detenção de alguns dos seus membros na prisão de Caxias, entre os quais Manuel da Fonseca.
Em sua homenagem, a Escola Secundária de Santiago do Cacém denomina-se Escola Secundária Manuel da Fonseca e as bibliotecas municipais de Castro Verde e Santiago do Cacém chamam-se Biblioteca Municipal Manuel da Fonseca.
 
 
  
Estradas

Não era noite nem dia.
Eram campos campos campos
abertos num sonho quieto.
Eram cabeços redondos
de estevas adormecidas.
E barrancos entre encostas
cheias de azul e silêncio.
Silêncio que se derrama
pela terra escalavrada
e chega no horizonte
suando nuvens de sangue.
Era hora do poente.
Quase noite e quase dia.

E nos campos campos campos
abertos num sonho quieto
sequer os passos de Nena
na branca estrada se ouviam.
Passavam árvores serenas,
nem as ramagens mexiam,
e Nena, pra lá do morro,
na curva desaparecia.

Já de noite que avançava
os longes escureciam.
Já estranhos rumores de folhas
entre as esteveiras andavam,
quando, saindo um atalho,
veio à estrada um vulto esguio.
Tremeram os seios de Nena
sob o corpete justinho.
E uma oliveira amarela
debruçou-se da encosta
com os cabelos caídos!
Não era ladrão de estradas,
nem caminheiro pedinte,
nem nenhum maltês errante.
Era António Valmorim
que estava na sua frente.

— Ó nena de Montes Velhos,
se te quisessem matar
quem te haverá de acudir?

Sob este corpete justinho
uniram-se os seios de Nena.

— Vai te António Valmorim.
Não tenho medo da morte,
só tenho medo de ti.

Mas já noite fechava
a saída dos caminhos.
Já do corpete bordado
os seios de Nena saíam
— como duas flores abertas
por escuras mãos amparadas!
Aí que perfume se eleva
do campo de rosmaninho!
Aí como a boca de Nena
se entreabre fria fria!
Caiu-lhe da mão o saco
junto ao atalho das silvas
e sobre a sua cabeça
o céu de estrelas se abriu!

Ao longe subiu a lua
como um sol inda menino
passeando na charneca…
Caminhos iluminados
eram fios correndo cerros.
Era um grito agudo e alto
que uma estrela cintilou.
Eram cabeços redondos
de estevas surpreendidas.
Eram campos campos campos
abertos de espanto e sonho…

 

Manuel da Fonseca

terça-feira, janeiro 31, 2023

Fernando Namora morreu há trinta e quatro anos...

 
Fernando Namora (Condeixa-a-Nova, 15 de abril de 1919 - Lisboa, 31 de janeiro de 1989) de nome completo Fernando Gonçalves Namora, médico e escritor português, autor de uma extensa obra, das mais divulgadas e traduzidas nos anos 70 e 80.
   

 

A Mais Bela Noite do Mundo 
  
  
Hoje,
será o fim!
 
Hoje
nem este falso silêncio
dos meus gestos malogrados
debruçando-se
sobre os meus ombros nus
e esmagados!
  
Nem o luar, pano baço de cenário velho,
escutando
a minha prisão de viver
a lição que me ditavam:
- Menino! acende uma vela na tua vida,
que o sol, a luz e o ar
são perfumes de pecado.
Tem braços longos e tentadores – o dia!
  
- Menino! recolhe-te na sombra do meu regaço
que teus pés
são feitos de barro e cansaço!
  
(Era esta a voz do papão
pintado de belo
na máscara de papelão).
  
Eram inúteis e magoadas as noites da minha rua...
Noites de lua
que lembravam as grilhetas
da minha vida parada.
  
- Amanhã,
terás os mestres, as aulas, os amigos e os livros
e o espectáculo da morgue
morando durante dias
nos teus sentidos gorados.
  
Amanhã,
será o ultrapassar outra curva
no teu caminho destinado.
  
(Era esta a voz do papão
que acendia a vela, tinha regaço de sombra
e velava
as noites da minha rua e a minha vida
e pintava-se de belo
na máscara de papelão).
  
Hoje,
será o fim!
  
Hoje,
nem a sombra do que há-de vir,
nem os mestres, nem os amigos, nem os livros,
nem a fragilidade dos meus pés
feitos de barro e cansaço!
Todas as minhas revoltas domadas,
todos os meus gestos em meio
e as minhas palavras sufocadas
terão a sua hora de viver e amar!
  
Hoje,
nem o cadáver a sorrir na morgue,
nem as mãos que ficaram angustiosas,
arrepiadas
no seu medo de findar!
  
Hoje,
será a mais bela noite do mundo!

  
 
 
in Mar de Sargaços (1940) - Fernando Namora

sábado, outubro 15, 2022

Manuel da Fonseca nasceu há cento e onze anos

(imagem daqui)
  
Manuel Lopes Fonseca, mais conhecido como Manuel da Fonseca (Santiago do Cacém, 15 de outubro de 1911 - Lisboa, 11 de março de 1993) foi um escritor (poeta, contista, romancista e cronista) português.

Biografia
Após ter terminado o ensino básico, Manuel da Fonseca prosseguiu os seus estudos em Lisboa. Estudou no Colégio Vasco da Gama, Liceu Camões, Escola Lusitânia e Escola de Belas-Artes. Apesar de não ter sobressaído na área das Belas-Artes, deixou alguns registos do seu traço, sobretudo nos retratos que fazia de alguns dos seus companheiros de tertúlias lisboetas como é o caso do de José Cardoso Pires. Durante os períodos de interregno escolar, aproveitava para regressar ao seu Alentejo de origem. Daí que o espaço de eleição dos seus primeiros textos seja o Alentejo. Só mais tarde e a partir de Um Anjo no Trapézio é que o espaço das suas obras passa a ser a cidade de Lisboa.
Membro do Partido Comunista Português (PCP), Manuel da Fonseca fez parte do grupo do Novo Cancioneiro e é considerado por muitos como um dos melhores escritores do neo-realismo português. Nas suas obras, carregadas de intervenção social e política, relata como poucos a vida dura do Alentejo e dos alentejanos.
A sua vida profissional foi muito díspar tendo exercido nos mais diferentes sectores: comércio, indústria, revistas, agências publicitárias, entre outras.
Era membro da Sociedade Portuguesa de Escritores quando esta atribuiu o Grande Prémio da Novelística a José Luandino Vieira pela sua obra Luuanda, o que levou ao encerramento desta instituição e à detenção de alguns dos seus membros na prisão de Caxias, entre os quais Manuel da Fonseca.
Em sua homenagem, a Escola Secundária de Santiago do Cacém denomina-se Escola Secundária Manuel da Fonseca e cada uma das bibliotecas municipais de Castro Verde e Santiago do Cacém se chama Biblioteca Municipal Manuel da Fonseca.
  

 

Vida 
  
 
Vida:
sensualíssima mulher de carnes maravilhosas
cujos passos são horas
cadenciadas
rítmicas
fatais.
A cada movimento do teu corpo
dispersam asas de desejos
que me roçam a pele
e encrespam os nervos na alucinação do «nunca mais».
Vou seguindo teus passos
lutando e sofrendo
cantando e chorando
e ficam abertos meus braços:
nunca te alcanço!
Meu suplício de Tântalo.
Envelheço...
E tu, Vida, cada vez mais viçosa
na oscilação nervosa
das tuas ancas fecundas e sempre virgens!
À punhalada dilacero a folhagem
e abro clareiras
na floresta milenária do meu caminho.
Humildemente se rasga e avilta
no roçar dos espinhos
minha carne dorida.
E quando julgo chegada a hora
meu abraço de posse fica escancarado no ar!
Olímpica
firme
gloriosa
tu passas e não te alcanço, Vida.
Caio suado de borco
no lodo...
O vento da noite badala nos ramos
sarcasmos canalhas.
Não avisto a vida!
Tenho medo, grito.
Creio em Deus e nos fantásticos ecos
do meu grito
que vêm de longe e de perto
do sul e do norte
que me envolvem
e esmagam:
— maldita selva, maldita selva,
antes o deserto, a sede e a morte!

 

in Rosa dos Ventos (1940) - Manuel da Fonseca