Almada Negreiros é uma figura ímpar no panorama artístico português do
século XX. Essencialmente autodidata (não frequentou qualquer escola de
ensino artístico), a sua precocidade levou-o a dedicar-se desde muito
jovem ao desenho de humor. Mas a notoriedade que adquiriu no início de
carreira prende-se acima de tudo com a escrita, interventiva ou
literária. Almada teve um papel particularmente ativo na primeira
vanguarda modernista, com importante contribuição para a dinâmica do
grupo ligado à
Revista Orpheu,
sendo a sua ação determinante para que essa publicação não se
restringisse à área das letras. Aguerrido, polémico, assumiu um papel
central na dinâmica do
futurismo em Portugal: "
Se à introversão de Fernando Pessoa
se deve o heroísmo da realização solitária da grande obra que hoje se
reconhece, ao ativismo de Almada deve-se a vibração espetacular do
«futurismo» português e doutras oportunas intervenções públicas, em que
era preciso dar a cara".
Mas a intervenção pública de Almada e a sua obra não marcaram apenas o
primeiro quartel do século XX. Ao contrário de companheiros próximos
como
Amadeo de Souza-Cardoso e
Santa-Rita,
ambos mortos em 1918, a sua ação prolongou-se ao longo de várias
décadas, sobrepondo-se à da segunda e terceira geração de modernistas. A
contundência das suas intervenções iniciais iria depois abrandar,
cedendo o lugar a uma atitude mais lírica e construtiva que abriu
caminho para a sua obra plástica e literária da maturidade.
Eduardo Lourenço escreve: "
Estranho
arco de vida e arte o que une Almada «Futurista e tudo», Narciso do
Egipto da provocante juventude, ao mago hermético certo de ter
encontrado nos anos 40, «a chave» de si e do mundo no «número imanente
do universo»".
Almada é também um caso particular no modo como se posicionou em termos
de carreira artística. Esteve em Paris, como quase todos os candidatos
a artista então faziam, mas fê-lo desfasado dos companheiros de
geração e por um período curto, sem verdadeiramente se entrosar com o
meio artístico parisiense. E se Paris foi para ele pouco mais do que um
ponto de passagem, a sua segunda permanência no estrangeiro revelou-se
ainda mais atípica. Residiu em Madrid durante vários anos e o seu
regresso ficou associado à decisão de se centrar definitiva e
exclusivamente em Portugal.
Ao longo da vida empenhou-se numa enorme diversidade de áreas e meios
de expressão – desenho e pintura, ensaio, romance, poesia, dramaturgia…
até o bailado –, que
Fernando de Azevedo classifica de "
fulgurante dispersão".
Sem se fixar num domínio único e preciso, o que emerge é sobretudo a
imagem do artista total, inclassificável, onde o todo supera a soma das
partes. Também neste aspeto Almada se diferencia dos seus pares mais
notáveis, Amadeo de Souza-Cardoso e Fernando Pessoa, cuja concentração
num território único, exclusivo, foi condição necessária à realização
das obras máximas que nos deixaram como legado.
Personalidade incontornável, a inserção de Almada Negreiros na vida e na cultura nacionais é extremamente complexa; segundo
José Augusto França, dele fica sobretudo a imagem de "
português sem mestre" e, também, tragicamente, "
sem discípulos".
(...)
Duplo Retrato, 1934-36, óleo sobre tela (com a esposa, Sarah Afonso)
Em 1952 expõe individualmente na
Galeria de Março
(exposição inaugural dessa galeria) e participa na Exposição de Arte
Moderna (Lisboa). Dois anos mais tarde pinta a primeira versão de
Retrato de Fernando Pessoa para o restaurante Irmãos Unidos. Em 1957 participa na
I Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian,
sendo galardoado com um prémio extra concurso. Ainda dentro da
colaboração com Pardal Monteiro, entre 1957 e 1961 realiza grandes
painéis decorativos para as fachadas de vários edifícios da
Cidade Universitária de Lisboa (
Faculdade de Direito;
Faculdade de Letras; Reitoria). Em 1960 dá uma série de entrevistas, publicadas no Diário de Notícias, onde de algum modo encerra o seu "
itinerário espiritual" e retoma a questão da reconstrução do
Painéis de São Vicente de Fora; em 1963 expõe na
Sociedade Nacional de Belas Artes,
em Lisboa, e nesse mesmo ano é alvo de homenagem por ocasião do seu
septuagésimo aniversário, sendo publicada a primeira monografia sobre a
sua obra, da autoria de
José Augusto França. Encomendas e atividades diversas preenchem os anos finais, entre as quais se destacam as tapeçarias para a Exposição de
Lausana, para o
Tribunal de Contas e para o
Hotel Ritz, Lisboa; uma série de gravuras em vidro acrílico (1963) e cenários para o «Auto da Alma», de Gil Vicente, no
Teatro Nacional de São Carlos, a sua última participação no teatro. É condecorado com o grau de Grande-Oficial da
Ordem Militar de Sant'Iago da Espada a 13 de julho de 1967. Em 1968-1969 realiza o painel
Começar, para o átrio do edifício sede da
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Em julho de 1969 faz a sua derradeira intervenção pública, participando no programa televisivo
Zip-Zip.