Guevara foi um dos ideólogos e comandantes que lideraram a
Revolução Cubana (
1953-
1959) que levou a um novo
regime político em
Cuba. Ele participou, até 1965, na reorganização do
Estado cubano, desempenhando vários altos cargos da sua
administração e do
governo,
principalmente na área económica, como presidente do Banco Nacional e
como Ministro da Indústria, e também na área diplomática, encarregado
de várias missões internacionais.
(...)
No final de 1966, a localização de Guevara ainda não era conhecida
publicamente, embora representantes do movimento de independência de
Moçambique, a Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO), relatassem que se encontraram com ele no final de 1966, em
Dar es Salaam, para tratar da sua oferta para ajudar no seu projeto
revolucionário, que foi rejeitada.
Antes de partir para a Bolívia, alterou a sua aparência, rapando a
barba e grande parte do cabelo, também pintando-o de cor cinza, ficando
irreconhecível. Em 3 de novembro de 1966, chegou secretamente em
La Paz
num voo de Montevidéu, com o nome falso de Adolfo Mena González,
fazendo-se passar por um empresário uruguaio de meia-idade que
trabalhava para a Organização dos Estados Americanos.
Três dias depois de sua chegada à Bolívia, deixou La Paz para a
região rural do sudeste do país para formar o seu exército guerrilheiro. O
seu primeiro acampamento base era localizado na floresta seca e
montanhosa na remota região de Ñancahuazú. O treino no acampamento
no vale de Ñancahuazú provou ser perigoso, e pouco foi conseguido para
construir um exército guerrilheiro. A funcionária da Alemanha Oriental
nascida na Argentina, Haydée Tamara Bunke Bider, mais conhecida por seu nome de guerra "Tania", foi instalada como agente principal de Che em La Paz.
A força guerrilheira de Guevara, que contava com cerca de 50 homens
e atuava sob a sigla ELN (Exército de Libertação Nacional da Bolívia),
estava bem equipada e obteve inúmeros sucessos antecipados contra os
soldados regulares do exército boliviano no terreno da região montanhosa
de Camiri
durante os primeiros meses de 1967. Como resultado da vitória das suas
unidades em várias escaramuças contra as tropas bolivianas na primavera e
no verão de 1967, o governo boliviano começou a sobrestimar o tamanho
real da força de guerrilha.
Os pesquisadores supõem que o plano de Guevara para fomentar uma revolução na Bolívia fracassou por uma série de razões:
- Guevara esperava assistência e cooperação dos dissidentes locais que não recebeu, nem recebeu apoio do Partido Comunista da Bolívia
sob a liderança de Mario Monje, que era orientado por Moscovo e não por
Havana. No diário de Guevara, capturado após sua morte, ele escreveu
sobre o Partido Comunista da Bolívia, que ele qualificou de
"desconfiado, desleal e estúpido".
- Ele esperava lidar apenas com os militares bolivianos, que estavam
mal treinados e mal equipados, e não sabia que o governo dos Estados
Unidos havia enviado uma equipa de comandos da Special Activities Division da CIA e outros agentes para a Bolívia para ajudar no esforço anti-insurreição. O Exército boliviano também foi treinado, assessorado e abastecido pelas Forças Especiais do Exército dos Estados Unidos, incluindo um batalhão de elite dos Rangers
norte-americanos treinados em guerra na selva que montou acampamento em
La Esperanza, um pequeno povoado próximo da localização dos
guerrilheiros.
Além disso, sua conhecida preferência por confrontos em vez de
compromissos, que já haviam surgido durante sua campanha de guerrilha em
Cuba, contribuiu para sua incapacidade de desenvolver relações de
trabalho bem-sucedidas com líderes rebeldes locais na Bolívia, assim
como no Congo. Essa tendência existiu em Cuba, mas foi mantida sob
controle pelas oportunas intervenções e orientação de Fidel Castro.
Guevara foi incapaz de atrair habitantes da área local para se
juntar a sua milícia durante os onze meses em que tentou o recrutamento.
Muitos dos habitantes informaram voluntariamente as autoridades e
militares bolivianos sobre os guerrilheiros e seus movimentos na área.
Perto do fim da aventura boliviana, ele escreveu em seu diário que "os
camponeses não nos dão nenhuma ajuda e estão se transformando em
informantes".
Captura e morte
Félix Ismael Rodríguez, um exilado cubano que se tornou um agente da Divisão de Atividades Especiais da CIA, acessorou as tropas bolivianas durante a caçada a Guevara na Bolívia. Além disso, o documentário My Enemy's Enemy, de 2007, alega que o criminoso de guerra nazi Klaus Barbie aconselhou e possivelmente ajudou a CIA a orquestrar a eventual captura do revolucionário.
Em 7 de outubro de 1967, um informante avisou as Forças Especiais
da Bolívia sobre a localização do acampamento de guerrilha na garganta
de Yuro.
Na manhã de 8 de outubro cercaram a área com dois batalhões,
contando com mil e oitocentos soldados e avançaram até ao barranco, desencadeando
uma batalha em que Guevara foi ferido e feito prisioneiro enquanto
liderava um destacamento com Simeón Cuba Sarabia. Jon Lee Anderson,
biógrafo de Che, relatou a história do sargento boliviano Bernardino
Huanca: quando os Rangers Bolivianos se aproximaram, Guevara duas vezes
ferido, com sua arma inutilizada, ergueu os braços em sinal de rendição e
gritou aos soldados: "Não atire! Eu sou Che Guevara e valho mais para
você vivo do que morto".
Não
havia ninguém mais temido pela empresa (CIA) do que Che Guevara, porque
ele tinha a capacidade e o carisma necessários para dirigir a luta
contra a repressão política das hierarquias tradicionais no poder nos
países da América Latina.
—
Philip Agee, agente da CIA de 1957-1968, que depois desertou para Cuba
Ele foi amarrado e levado para uma escola delapidada de lama na aldeia vizinha de La Higuera
na noite de 8 de outubro. Durante o próximo meio dia, recusou ser
interrogado por oficiais bolivianos e só falou em voz baixa com os
soldados. Um desses soldados, um piloto de helicóptero chamado Jaime
Nino de Guzman, descreveu Che como "terrível". De acordo com Guzman, o
revolucionário foi baleado na barriga da perna direita, o seu cabelo estava
sujo de barro, as suas roupas estavam rasgadas e os seus pés estavam cobertos
por bainhas de couro. Apesar de sua aparência abatida, ele conta que
"Che ergueu a cabeça, olhou todos diretamente nos olhos e pediu apenas
para fumar". Guzman afirma que ele "teve pena" e deu-lhe uma pequena
bolsa de tabaco para o cachimbo, e Guevara sorriu e agradeceu-lhe.
Mais tarde, na noite de 8 de outubro, Guevara - apesar de ter as mãos
amarradas - chutou um oficial do exército boliviano, chamado Capitão
Espinosa, contra um muro depois que o oficial entrou na escola e tentou
arrancar o cachimbo de sua boca para levar como lembrança enquanto ele
ainda estava fumando.
Noutro caso de desafio, cuspiu na cara do contra-almirante boliviano
Ugarteche, que o tentou questionar algumas horas antes da sua execução.
Na manhã seguinte, 9 de outubro, Guevara pediu para ver a
professora da aldeia, uma mulher de 22 anos chamada Julia Cortez. Mais
tarde, ela afirmou que o encontrou como um "homem de aparência agradável
com um olhar suave e irónico" e que durante a conversa ela se viu
"incapaz de olhá-lo nos olhos" porque seu "olhar era insuportável,
penetrante e tranquilo". Durante a sua curta conversa, apontou para Cortez o mau estado da escola, afirmando que era "anti-
pedagógico"
esperar que os estudantes camponeses fossem educados lá, enquanto
"funcionários do governo dirigem carros Mercedes", e declarando que "é
contra isso que nós estamos lutando".
Naquela manhã de 9 de outubro, o presidente boliviano, René Barrientos Ortuño,
ordenou que Guevara fosse morto. A ordem foi retransmitida para a
unidade que o detinha por Félix Rodríguez, apesar do desejo do governo
dos Estados Unidos de que ele fosse levado ao Panamá para mais
interrogatórios. O carrasco que se ofereceu para matar o revolucionário foi Mario Terán,
um sargento de 27 anos do exército que, embora meio bêbado, pediu para
atirar nele porque três de seus amigos da Companhia B, todos com o mesmo
nome de "Mario", haviam sido mortos num tiroteio com o grupo
guerrilheiro vários dias antes.
Para fazer as feridas de bala parecerem consistentes com a história que
o governo boliviano planeava divulgar ao público, Félix Rodríguez
ordenou que Terán não atirasse na cabeça, mas apontasse com cuidado para
fazer parecer que havia sido morto em ação durante um confronto com o
exército. René Barrientos nunca revelou seus motivos para ordenar a
execução sumária de Guevara em vez de julgá-lo ou expulsá-lo do país ou
entregá-lo às autoridades dos Estados Unidos.
Gary Prado, o capitão boliviano no comando da companhia do exército que
capturou Guevara, disse que as razões pelas quais Barrientos ordenou a
sua execução imediata eram para que não houvesse possibilidade de
Guevara escapar da prisão, e também para que não houvesse drama de um
julgamento público, em que a publicidade adversa pode acontecer.
Cerca de 30 minutos antes de Guevara ser morto, Félix Rodríguez
tentou questioná-lo sobre o paradeiro de outros guerrilheiros que
estavam atualmente em liberdade, mas ele continuou a permanecer em
silêncio. Rodríguez, auxiliado por alguns soldados bolivianos, ajudou-o a
ficar de pé e levou-o para fora da cabana para desfilar diante de
outros soldados bolivianos onde ele posou para uma fotografia ao lado de
Guevara. Depois disso, Rodríguez disse a Guevara que ele seria
executado. Um pouco mais tarde, Che foi questionado por um dos soldados
que o vigiavam se ele estava pensando na sua própria imortalidade.
"Não", ele respondeu, "estou pensando na imortalidade da revolução".
Poucos minutos depois, o sargento Terán entrou na cabana para atirar
nele, que neste momento se levantou e falou suas últimas palavras: "Eu
sei que você veio me matar. Atire, covarde! Você só vai matar um
homem!". Terán hesitou, depois apontou a carabina M2 de carregamento
automático e abriu fogo, atingindo-o nos braços e nas pernas.
Então, quando se contorceu no chão, aparentemente mordendo um de seus
pulsos para evitar gritar, Terán disparou outra vez, ferindo-o
fatalmente no peito. Guevara foi declarado morto às 13.10, hora
local, segundo Rodríguez.
Ao todo, foi baleado nove vezes por Terán, cinco vezes nas pernas,
uma vez no ombro e no braço direito e uma vez no peito e na garganta.
Meses antes, durante sua última declaração pública à Conferência Tricontinental, Guevara escreveu seu próprio
epitáfio,
declarando: "Onde quer que a morte possa nos surpreender, que seja
bem-vinda, desde que este nosso grito de guerra tenha chegado a algum
ouvido recetivo e outra mão possa ser estendida para manejar nossas
armas".
Após a sua execução, o corpo de Guevara foi amarrado aos patins de aterragem de um helicóptero e transportado para
Vallegrande,
onde foram tiradas fotografias dele, deitado numa laje de cimento, na
lavandaria da Nuestra Señora de Malta. Várias testemunhas foram chamadas
para confirmar sua identidade, entre elas o jornalista britânico
Richard Gott,
a única testemunha que o conhecera quando ainda estava vivo. Colocado
em exibição, enquanto centenas de residentes locais passavam pelo corpo,
o cadáver era considerado por muitos como representando um rosto
"semelhante a Cristo", com alguns até mesmo aparando mechas de cabelo
como relíquias divinas. Tais comparações foram estendidas ainda mais quando o crítico de arte britânico
John Berger, duas semanas depois de ver as fotografias
post-mortem, observou que elas se assemelhavam a duas pinturas famosas:
A Lição de Anatomia do Dr. Tulp de
Rembrandt e a
Lamentação sobre o Cristo Morto de
Andrea Mantegna. Havia também quatro correspondentes presentes quando o corpo de Guevara chegou a Vallegrande, incluindo Björn Kumm, do sueco
Aftonbladet, que descreveu a cena em um 11 de novembro de 1967, exclusivo para o
New Republic.
Um memorando desclassificado datado de 11 de outubro de 1967 para o presidente dos Estados Unidos,
Lyndon B. Johnson,
de seu assessor de segurança nacional Walt Whitman Rostow, chamou a
decisão de matar Guevara de "estúpida" mas "compreensível do ponto de
vista boliviano".
Após a execução, Rodríguez levou vários itens pessoais de Guevara,
incluindo um relógio que ele continuou a usar muitos anos depois, muitas
vezes mostrando-os aos repórteres durante os anos seguintes. Hoje,
alguns desses pertences, incluindo a sua lanterna, estão em exibição na
CIA.
Depois que um médico militar amputou suas mãos, oficiais do exército
boliviano transferiram seu corpo para um local não revelado e se
recusaram a revelar se seus restos tinham sido enterrados ou cremados.
As mãos foram enviadas para Buenos Aires para identificação de
impressões digitais. As mãos de Che, assim como ocorrera com o seu
diário, foram levadas clandestinamente ao exterior com auxílio do então
Ministro do Interior da Bolívia, Antonio Arguedas. As mãos chegariam em
Cuba nos primeiros dias de 1970.
Em 15 de outubro, em Havana, Fidel Castro reconheceu publicamente que
Guevara estava morto e proclamou três dias de luto oficial em toda a
ilha.
Em 18 de outubro, Castro dirigiu-se a uma multidão de um milhão de
pessoas na Plaza de la Revolución de Havana e falou sobre o caráter
revolucionário de Guevara. Fidel fechou o seu fervoroso elogio assim:
Se
quisermos expressar o que queremos que os homens das gerações futuras
sejam, devemos dizer: Que sejam como Che! Se quisermos dizer como
queremos que nossos filhos sejam educados, devemos dizer sem hesitação:
queremos que eles sejam educados no espírito de Che! Se queremos o
modelo de um homem, que não pertence ao nosso tempo, mas ao futuro, digo
do fundo do meu coração que tal modelo, sem uma única mancha em sua
conduta, sem uma única mancha em sua ação, é Che!