Ulrike Meinhof em 1964, antes da RAF e da clandestinidade, com cerca de 30 anos
Presa em junho de 1972 e acusada de diversos crimes, depois de dois
anos de participação nas atividades da RAF, entre eles assaltos,
atentados à bomba, assassinatos e formação de organização terrorista,
morreu na sua cela na prisão de
Stammheim, em
Estugarda, por
enforcamento, em maio de 1976. A sua morte, se por
suicídio ou assassinato, é alvo de controvérsias até hoje.
Nascida em Oldemburgo em 1934, Ulrike mudou-se para
Jena com dois anos de idade com a família, após o seu pai, um
historiador de
arte, se ter tornado diretor do
museu da cidade. O Dr. Werner Meinhof morreu de
cancro
em 1940, quanto ela tinha cinco anos, fazendo com que a sua mãe
alugasse um dos quartos da casa para uma inquilina, Renate Riemeck,
para obter uma renda. Em 1946, após a
II Guerra Mundial,
as Meinhof, juntamente com Renate - que além de inquilina acabou com
parte da família -, mudaram-se novamente para a cidade natal de Ulrike,
Oldemburgo, depois que Jena passou para o domínio soviético após a
Conferência de Yalta.
Oito anos depois, sua mãe, Ingeborg, que trabalhou como professora após
a guerra, também morreu de cancro e Renate assumiu a adolescente e a
sua irmã mais velha sob sua guarda. Renate, uma historiadora e fervorosa
anti-nazi, ativa
militante socialista, viria a ter grande influência na formação política de Meinhof.
Ulrike completou os estudos secundários em 1955 e foi estudar
filosofia,
sociologia,
pedagogia,
literatura e
língua alemã em
Marburg, onde se envolveu em movimentos reformistas universitários. Em 1957, ela entrou para a
Universidade de Münster, onde conheceu o
marxista espanhol
Manuel Sacristán - que mais tarde traduziria e publicaria alguns de
seus escritos - entrou para a União Socialista Alemã de Estudantes
(Sozialistischer Deutscher Studentenbund), participando de protestos contra o rearmamento do
Bundeswehr e seu envolvimento com armamento nuclear proposto pelo governo de
Konrad Adenauer. Lia
Jean-Paul Sartre,
Herman Hesse,
Thomas Mann,
Marcel Proust e aprendeu a tocar
violino.
Em 1958 ela filiou-se no
Partido Comunista da Alemanha - então fora da legalidade - e começou pouco depois a trabalhar na revista
Konkret,
de linha política esquerdista e independente, da qual seria
editora-chefe de 1962 a 1964. Casou-se em 1961 com o co-fundador e
editor da revista, Klaus Rainer Röhl, e com ele teve duas filhas gémeas,
Regina e Bettina, no ano seguinte. O seu casamento durou até o
divórcio, em 1968.
Em 1962, durante a gravidez, foi-lhe diagnosticada um
tumor cerebral,
depois de sofrer de dores de cabeça contínuas. Temerosa, pois os seus
pais morreram de cancro e acreditando ter uma predisposição
genética para a doença, mesmo assim Ulrike decidiu esperar até o parto para realizar a operação, em que seu
crânio
teria que ser aberto, temendo que ela pudesse afetar o desenvolvimento
e nascimento das gémeas. Depois de o tumor ser retirado foi
diagnosticado como sendo benigno.
RAF
A morte do estudante
Benno Ohnesorg, durante manifestações estudantis e de exilados iranianos durante a visita do
Xá Reza Pahlevi a
Berlim, em 1967, e a tentativa de assassinato do líder estudantil e amigo de Ulrike,
Rudi Dutschke, no ano seguinte, levam-na à radicalização. Depois de escrever sobre o julgamento de dois militantes esquerdistas alemães,
Andreas Baader e
Gudrun Ensslin, processados e condenados por incendiarem duas lojas de departamentos em
Frankfurt,
em fins de 1968 ou começo de 1969 ela abandonou seu emprego e resolveu
unir-se aos dois e suas ideias de revolução, antes escrevendo na
revista
Konkret o que seria uma de suas mais famosas citações:
Protesto
é quando eu digo que algo me incomoda. Resistência é quando eu me
asseguro que aquilo que me incomoda nunca mais acontecerá.
Em abril de 1970, Andreas Baader, que, libertado em condicional junto
com Ensslin depois de alguns meses preso pelo ataques incendiários de
Frankfurt, fugiu depois que a Justiça cancelou a condicional, foi
novamente preso em Berlim. Um mês depois, em 14 de maio, Ulrike, no
papel de jornalista que faria algumas entrevistas com Baader para um
livro, participou do resgate dele do Instituto para as Questões Sociais -
local da entrevista para onde ele havia sido levado sob guarda - junto
a outros integrantes do já clandestino grupo (apenas ela continuava
levando uma vida normal em público). A fuga de Baader, que resultou em
três polícias feridos, e a participação de Meinhof nela, viraram notícia
nacional na Alemanha e Meinhof passou à clandestinidade.
No dia seguinte, cartazes da polícia começaram a aparecer com a
fotografia dos dois e os jornais sensacionalistas e de grande tiragem de
Axel Springer traziam a notícia em grandes parangonas, chamando o grupo de
Gang Baader-Meinhof, pelo qual ficaram popularmente conhecidos. O filme
Bambule, com
roteiro
de Meinhof, sobre a vida de jovens mulheres num reformatório e
programado anteriormente para estrear na televisão alemã dez dias
depois, foi retirado da grade de programação. Em
2 de julho, o jornal anarquista
833 publica um manifesto da organização, que assina com o nome oficial de
Rote Armee Fraktion (Fração do Exército Vermelho) pela primeira vez. Uma recompensa de 10.000 de
marcos é oferecida por sua captura e anunciada em cartazes pelo país.
Prisão
Pelos próximos dois anos, ela participou de várias ações do grupo, como
roubos a banco e atentados à bomba. Além das ações de campo, Ulrike
escrevia manifestos e tratados da RAF. Um dos mais conhecidos e
significativos deles foi
Das Konzept Stadtguerilla (O Conceito de Guerrilha Urbana), uma resposta ao ensaio publicado por
Horst Mahler, outro dos fundadores do
Baader-Meinhof
e preso desde 1970, que, convertido a novas ideias políticas,
criticava as ações do grupo. Nestas publicações, apareceu pela primeira
vez o
logotipo da organização, uma metralhadora
M5 sobre uma
estrela vermelha.
Em 22 de outubro de 1971, ela foi participou de um tiroteio com a
polícia em Hamburgo durante uma tentativa de prisão. Ulrike e um
companheiro conseguiram fugir, depois que um polícia foi baleado e
morto. Novamente desaparecida, mais de seis meses se passaram até que se
tivesse alguma notícia sua.
Em novembro de 1971, Renate Riemeck tentou argumentar com sua filha adotiva. Ela publicou uma carta em
Konkret
intitulada 'Desista, Ulrike!', numa mistura de crítica às ações da RAF
e elogios a seu passado político e caráter benevolente. Riemeck tentou
mudar o ponto de vista de Meinhof, elogiando-a e argumentando com ela.
Na carta, ela escrevia que acreditava que a filha era muito
inteligente e racional para confundir uma rebeldia
antiautoritarismo
com o início de uma revolução geral. Também colocou que "a Alemanha
não é um lugar para uma guerrilha urbana ao estilo latino-americano" e
perguntou.. "Quem ainda entende o impulso moral e político por trás das
suas ações?". Renate concluía a carta com um apelo: "Eu não sei até
que ponto a sua influência dentro do próprio grupo se estende até onde
seus amigos sejam passíveis de considerações racionais. Mas você deve
tentar medir as possibilidades reais de um movimento de guerrilha
urbana na República Federal Alemã contra a realidade social do país.
Você pode fazer isso, Ulrike."
A resposta de Meinhof foi encontrada três semanas depois, dentro de uma
lata de lixo. O seu título: "Uma mãe escrava roga à sua filha". Ulrike
reescreveu a carta do ponto de vista de uma mãe escrava, Renate
Riemeck, pedindo à sua filha que negasse o direito de lutar pela
liberdade, voltar atrás e se contentar em ser uma obediente e exemplar
escrava, que poderia tornar-se uma supervisora algum dia, se aceitasse
as autoridades e a sua vida de escrava. Com esta resposta, Ulricke
Meinhof cortou os últimos elos com seu passado e conscientemente
decidiu dedicar a sua vida a causa política na qual acreditava.
Em 1 de junho de 1972, Andreas Baader foi preso em Frankfurt, juntamente com
Holger Meins e
Jan-Carl Raspe,
membros da liderança da RAF. Uma semana depois, foi a vez de Ensslin,
presa dentro de uma boutique em Hamburgo. Em 14 de junho, a polícia
montou uma emboscada num endereço de
Hannover,
depois da denúncia de que um casal de modos suspeitos estava hospedado
num apartamento. O homem do casal, ao descer para telefonar, foi
detido armado numa cabine telefónica. Era
Gerhard Müller,
que havia participado do tiroteio com Meinhof meses antes. Ao baterem
na porta do apartamento, Ulrike Meinhof, a última líder da primeira
geração do
Baader-Meinhof em liberdade, foi presa.
Em dezembro de 1972, ela foi retirada do isolamento da prisão de Köln-Ossendorf, em
Colónia,
convocada como testemunha no julgamento de Horst Mahler, onde ele a
questionou sobre as declarações que ambos teriam dado sobre a invasão,
sequestro e morte de atletas de
Israel na Vila Olímpica, durante os
Jogos Olímpicos de Munique, por terroristas do
Setembro Negro. Meinhof, que na época publicou um manifesto intitulado
A ação do Setembro Negro em Munique: por dentro da estratégia da luta anti-imperialista,
em que fazia reflexões sobre o relacionamento entre alemães,
palestinianos e judeus como um resultado da II Guerra Mundial. A
pergunta de Mahler a fez responder:
Como
Auschwitz foi possível? O que era o anti-semitismo na Alemanha?
Usou-se o ódio do povo à sua dependência pessoal do dinheiro, como uma
maneira de troca, sua busca pelo comunismo. Auschwitz significa que
seis milhões de judeus foram assassinados e jogados em aterros
sanitários pela Europa, por serem aquilo que lhes foi apontado ser -
Dinheiro-Judeus. O que aconteceu foi que o capital financeiro, a elite e
os bancos, o núcleo do sistema do capitalismo e do imperialismo,
desviou a atenção e o ódio do povo de si mesmo para os judeus.
Após dois anos de audiências preliminares, Ulrike, já então na prisão de segurança máxima de
Stammheim
juntamente com os outros líderes da RAF, foi condenada a oito anos de
reclusão, por sua participação na libertação de Andreas Baader, em
1970. Em agosto de 1975, ela, Baader, Ensslin e Raspe foram
conjuntamente acusados em conjuto de 4 homicídios, 54 tentativas de
homicídio e formação de organização criminosa. Entretanto, em maio de
1976, quando o julgamento ainda decorria, Meinhof foi encontrada morta.
Morte
Em
9 de maio de
1976, ainda durante o período de julgamento e quando se festejava o
Dia da Mãe na Alemanha, Ulrike Meinhof foi encontrada morta na sua cela, enforcada com uma
corda improvisada com uma
toalha rasgada,
sem deixar nenhuma carta de despedida às suas filhas ou aos seus
companheiros de prisão, os militantes da Fração do Exército Vermelho
(RAF) Andreas Baader, Gudrun Ensslin, Jan-Carl Raspe e Irmgard Möller. A
investigação oficial concluiu que se tratara de
suicídio,
tese contestada por acusações públicas de que a
jornalista havia sido assassinada. Massivas demonstrações de protesto de esquerdistas ocorreram por todo o país e bombas explodem em
Nice e
Paris, na
França e na base da
Força Aérea dos Estados Unidos em
Frankfurt.
Nos últimos tempos em que esteve presa, entretanto, Ulrike estava
deprimida por conflitos internos com os outros integrantes da
organização, que a relegaram ao
ostracismo no grupo.
Apesar disso, Jan-Carl Raspe declarou que eles
acreditavam que ela havia sido assassinada e que as difíceis relações
entre ela e Baader-Ensslin na prisão, não eram qualquer evidência de que
ela quisesse se suicidar.
Ulrike foi enterrada em Berlim, entre milhares de simpatizantes e
discursos de intelectuais de esquerda. No enterro, em 16 de maio de 1976
no bairro de
Mariendorf (então
Berlim Ocidental), o editor
Klaus Wagenbach disse que ela "sucumbiu às circunstâncias alemãs". O
poeta Erich Fried enviou para as cerimónias do funeral um
telegrama chamando-a de
"a maior mulher da Alemanha desde Rosa Luxemburgo". Algumas décadas após sua morte veio à tona a notícia de que o seu
cérebro fora retirado pelos
patologistas antes do enterro, sem conhecimento da família, e conservado durante 26 anos em
formol para estudos num
hospital de
Magdeburg. A sua filha, a jornalista Bettina Röhl, moveu uma ação contra o Estado e o
cérebro foi enterrado na sepultura, juntamente com os restos mortais de Ulrike em
2002.