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quinta-feira, maio 09, 2024

Mais novidades interessantes sobre os nossos primos neandertais...

Cientistas revelam o rosto de um neandertal que viveu há 75 mil anos (e avisam que as descobertas podem não ficar por aqui)

 

Reconstrução do rosto de Neandertal que viveu há 75 mil anos

 

Uma mulher de 40 e poucos anos foi enterrada numa gruta há 75 mil anos, numa vala escavada para acolher o seu corpo. A sua mão esquerda estava enrolada debaixo da cabeça e uma pedra atrás da cabeça pode ter sido colocada como almofada.

Conhecida como Shanidar Z, em homenagem à caverna no Curdistão iraquiano onde foi encontrada em 2018, a mulher era um neandertal, um tipo de humano antigo que desapareceu há cerca de 40 mil anos.

Os cientistas que estudam os seus restos mortais juntaram meticulosamente o crânio a partir de 200 fragmentos de ossos, um processo que demorou nove meses. Utilizaram os contornos do rosto e do crânio para guiar a reconstrução e compreender como terá sido a sua aparência.

A impressionante recriação é apresentada num novo documentário “Secrets of the Neanderthals” (Segredos dos Neandertais) produzido pela BBC para a Netflix, que já está disponível para transmissão.

Com os contornos das sobrancelhas pronunciados e sem queixo, os crânios dos neandertais são diferentes dos da nossa espécie, o Homo sapiens, explica Emma Pomeroy, paleoantropóloga e professora associada do departamento de arqueologia da Universidade de Cambridge, que desenterrou o esqueleto e aparece no novo filme. A reconstrução facial de Shanidar Z indica que essas diferenças podem não ter sido tão acentuadas em vida, 
 
 
 
 

“Há alguma liberdade artística aqui, mas no centro está o crânio real e dados concretos sobre o que sabemos acerca destas pessoas”, diz.

“Ela na verdade tem um rosto bastante grande para o seu tamanho”, constata Pomeroy. “Tem o contorno das sobrancelhas bastante grande, que normalmente não veríamos, mas penso que vestida com roupas modernas provavelmente não olharíamos duas vezes.”

Os neandertais viveram na Europa, no Médio Oriente e nas montanhas da Ásia Central durante cerca de 300 mil anos, sobrepondo-se aos humanos modernos durante cerca de 30 mil anos. A análise do ADN dos seres humanos atuais revela que, durante este período, os neandertais e o Homo sapiens se encontraram ocasionalmente e cruzaram entre si.

 

A gruta de Shanidar no Curdistão iraquiano foi escavada pela primeira vez na década de 50; foram aí encontrados os restos mortais de mais de 10 neandertais 

 

Nova análise

Quando Pomeroy escavou o esqueleto pela primeira vez, o seu sexo não foi imediatamente óbvio, porque apenas a metade superior do corpo estava preservada. Faltavam-lhe os ossos pélvicos reveladores. A equipa que inicialmente estudou os restos mortais baseou-se numa técnica relativamente nova que envolve a sequência de proteínas no interior do esmalte dos dentes para determinar o sexo de Shanidar Z, que é revelado pela primeira vez no documentário.

Os investigadores das universidades de Cambridge e Liverpool estimam a altura do espécime em cerca de 1,5 metros, comparando o comprimento e o diâmetro dos ossos do braço com dados relativos a humanos modernos. Uma análise do desgaste dos dentes e dos ossos sugeriu que tinha cerca de 40 anos na altura da sua morte.

“É uma estimativa razoável, mas não podemos ter 100% de certeza, na realidade, de que não eram mais velhos”, afirma Pomeroy. “O que podemos dizer é que se trata de alguém que viveu uma vida relativamente longa. Para essa sociedade, teria sido provavelmente muito importante em termos de conhecimentos e experiência de vida”.

 

O crânio foi encontrado esmagado e fragmentado em 200 pedaços; reconstruí-lo foi um “quebra-cabeças 3D de alto risco”, diz Pomeroy  

 

A gruta onde Shanidar Z foi enterrada é bem conhecida entre os arqueólogos porque uma sepultura neandertal aí descoberta em 1960 levou os investigadores a acreditar que os neandertais poderiam ter enterrado os seus mortos com flores - o primeiro desafio à visão predominante de que os antigos humanos eram tontos e brutos. Investigações posteriores da equipa de Pomeroy lançaram, contudo, dúvidas sobre a teoria do enterro de flores.

m vez disso, suspeitam que o pólen descoberto entre as sepulturas pode ter chegado através de abelhas polinizadoras.

Ainda assim, ao longo dos anos, os cientistas têm encontrado cada vez mais provas da inteligência, sofisticação e complexidade dos neandertais, incluindo arte, cordas e ferramentas.

Os neandertais regressavam repetidamente à Gruta de Shanidar para enterrar os seus mortos. Os restos mortais de 10 deles foram desenterrados no local, metade dos quais parecem ter sido sepultados deliberadamente em série, segundo a investigação.

Os neandertais podem não ter honrado os seus mortos com ramos de flores, mas os habitantes da Gruta de Shanidar eram provavelmente uma espécie empática, sugere a investigação. Por exemplo, um neandertal macho ali enterrado era surdo e tinha um braço paralisado bem como um traumatismo craniano, que provavelmente o tornava parcialmente cego, mas viveu muito tempo, pelo que deve ter sido tratado com carinho, de acordo com o estudo.

Shanidar Z é o primeiro neandertal encontrado na caverna em mais de 50 anos, conta Pomeroy, mas o local ainda pode render mais descobertas. Durante as filmagens do documentário em 2022, Pomeroy encontrou uma omoplata esquerda, alguns ossos das costelas e uma mão direita pertencente a outro neandertal.

“Penso que a nossa interpretação neste momento”, diz, “é que, na verdade, estes são provavelmente os restos mortais de um único indivíduo, que depois foi mexido”.

 

Os paleoartistas holandeses Adrie e Alfons Kennis criaram uma reconstrução facial da mulher de Neandertal para o documentário

 

Reconstruir o crânio

Pomeroy descreve a reconstrução do crânio de Shanidar Z, que tinha sido esmagado relativamente pouco tempo depois da morte, como um “puzzle 3D de alto risco”. Os ossos fossilizados foram endurecidos com uma substância semelhante a cola, removidos em pequenos blocos de sedimentos da caverna e embrulhados em papel de alumínio antes de os investigadores os enviarem para a Universidade de Cambridge para análise.

No laboratório de Cambridge, os investigadores fizeram microtomografias de cada bloco e utilizaram-nas para orientar a extração dos fragmentos de osso. A colega de Pomeroy, Lucía López-Polín, uma conservadora arqueológica do Instituto Catalão de Paleoecologia Humana e Evolução Social, em Espanha, juntou mais de 200 pedaços de crânio a olho nu para lhe devolver a forma original.

A equipa digitalizou e imprimiu em 3D o crânio recriado, que serviu de base a uma cabeça reconstruída feita pelos paleoartistas holandeses Adrie e Alfons Kennis, irmãos gémeos que construíram camadas de músculo fabricado e de pele para revelar o rosto de Shanidar Z.

Pomeroy garante que a reconstrução ajudou a “preencher a lacuna entre a anatomia e os 75 mil anos de tempo”.

 

in CNN Portugal

 

terça-feira, novembro 10, 2020

Notícia interessante sobre a batalha entre humanos modernos e neandertais

Neandertais e humanos estiveram em guerra durante 100 mil anos (e isso pode ter levado à sua extinção)

 


A extinção dos Neandertais é um dos grandes mistérios da ciência. Agora, uma nova teoria de um paleontólogo diz que a extinção desta espécie foi o resultado da perda de uma guerra de 100 mil anos anos com humanos anatomicamente modernos.

Os Neandertais e os ancestrais dos humanos modernos separaram-se em África há mais de 500 mil anos. A primeira espécie migrou para o Médio Oriente e espalhou-se por grande parte da Europa e da Ásia. Já os humanos anatomicamente modernos deixaram África há cerca de 200 mil anos. Por isso acredita-se que as duas espécies se cruzaram.

Isto pode indicar que as duas espécies viviam em harmonia e até cooperavam. De acordo com a BBC Future, os Neandertais não eram primitivos, pois eram relativamente avançados e tinham uma cultura.

O paleontólogo Nicholas R Longrich refere que “é tentador imagina-los a viver em paz com a natureza e uns com os outros”, mas “os Neandertais eram predadores e territoriais, por isso defendiam o seu território com violência e trabalhavam de forma cooperativa para combater os invasores. Isso significa que a extinção dos Neandertais pode não ter sido fácil.

  

Comportamento Territorial

Defender o próprio território e usar a violência para fazê-lo foi uma característica que todas as espécies herdaram dos seus ancestrais.

Longrich disse à BBC Future que “a agressão cooperativa evoluiu no ancestral comum dos chimpanzés e de nós mesmos há 7 milhões de anos”. Esse impulso é a raiz da violência organizada e da guerra. O especialista refere que “a guerra não é uma invenção moderna, mas uma parte antiga e fundamental de nossa humanidade”.

Os Neandertais eram notavelmente semelhantes aos humanos modernos, pois comportavam-se de forma semelhante. “Se os Neandertais partilhavam tantos dos nossos instintos criativos, também deviam ter muitos dos nossos instintos destrutivos”, refere o especialista.

Neste sentido, quando os ancestrais dos humanos modernos deixaram África e encontraram outras espécies de humanos arcaicos, o conflito e a guerra foram inevitáveis.

Uma análise no registo paleontológico mostra que há evidências de traumas nos ossos do Homo Sapiens e dos Neandertais. De acordo com algumas pesquisas, os homens jovens Neandertais mostravam sinais de ferimentos por traumas. Esses eram provavelmente os guerreiros dos grupos e isso pode indicar que foram feridos ou mortos em confrontos violentos.

As armas primitivas encontradas por arqueólogos em sítios pré-históricos contam também uma história de violência.

Há a possibilidade de os Neandertais e os primeiros humanos se terem envolvido em conflitos, e assim, os Neandertais resistiram às incursões dos humanos modernos nos seus territórios. Longrich afirma que esta situação “levou a uma guerra de 100 mil anos”, por isso, para os investigadores, é fácil perceber que a extinção dos Neandertais não foi rápida.

Os Neandertais eram adversários formidáveis e, por isso, difíceis de combater. Eram caçadores hábeis e tinham armas para resistir aos recém-chegados. Além disso, eram mais atarracados, mais fortes do que os nossos ancestrais, e provavelmente tinham melhor visão noturna, o que poderia tê-los ajudado em conflitos noturnos.

  
Como é que o Homo sapiens venceu?

Segundo o Ancient Origins, a guerra entre as duas espécies fluiu por milhares de anos. A BBC Future relata que “em Israel e na Grécia, o arcaico Homo sapiens ganhou terreno para recuar contra as ofensivas Neandertais”, ainda assim a espécie demorou cerca de 75 mil anos para alcançar a extinção dos Neandertais nos locais que hoje são Israel e Grécia.

É possível que os nossos ancestrais tivessem usado melhores técnicas de caça e tivessem outras vantagens estratégicas. Também os primeiros grupos de caça desta espécie eram provavelmente maiores do que os dos Neandertais, e sobretudo com mais lutadores.

A teoria de que nossos ancestrais acabaram por vencer os Neandertais através de violência, parece apoiar a visão de que estes desapareceram porque foram exterminados pelo Homo sapiens.

No entanto, existem outras teorias para explicar a extinção dos Neandertais, incluindo doenças, falha na adaptação a ambientes em mudança e até mesmo falta de diversidade genética.

 
in ZAP

segunda-feira, dezembro 16, 2013

Notícia sobre Paleoantropologia no Público

Genoma de homens primitivos extintos revela sinais de uma outra espécie, mais antiga, de humanos

Réplica da falange que permitiu sequenciar o ADN dos denisovanos

Será a misteriosa espécie agora descoberta totalmente nova ou, pelo contrário, tratar-se-á de uma espécie de humanos da qual já se conhecem restos fósseis, mas cujo ADN ainda não foi sequenciado?

Cientistas norte-americanos encontraram, no ADN dos denisovanos – uma espécie primitiva de humanos recentemente descoberta e hoje extinta –, vestígios de outra espécie de humanos primitivos da qual ainda nada se sabe, noticiou a revista britânica New Scientist.

Os denisovanos são conhecidos com base em restos fósseis muito fragmentários: a ponta de um dedo e dois molares, descobertos em 2008 na gruta Denisova, nos montes Altai, na Sibéria. Viveram até há 30 mil anos e eram “primos” dos neandertais, com quem, aliás, misturaram os seus genes. A linhagem de ambas estas espécies divergiu da nossa há uns 400 mil anos.

O ADN de um ínfimo bocado da falange foi sequenciado na íntegra em 2012. E, agora, David Reich, da Universidade de Harvard (EUA), e colegas analisaram em pormenor esse ADN. Constataram então que o genoma dos denisovanos contém pequenas parcelas genéticas – que, conjuntamente, representam 1% do total – aparentemente muito mais antigas do que o resto. Os seus resultados foram apresentados numa reunião da Royal Society, em Londres.

“Os denisovanos parecem ser mais diferentes dos humanos modernos do que os neandertais”, explicou Reich naquele encontro. “A sua ancestralidade inclui uma população arcaica desconhecida, não relacionada com os neandertais.”

Para Johannes Krause, da Universidade de Tubinga (Alemanha) e um dos geneticistas que estudaram o genoma dos denisovanos, citado pela revista britânica, os resultados da equipa de Reich são convincentes. Mas este especialista pensa que a misteriosa espécie não é nova, mas antes uma espécie da qual já se conhecem restos fósseis, como Homo erectus. Só que como esta e outras espécies de humanos primitivos viviam em ambientes quentes e húmidos – ao contrário dos neandertais e dos denisovanos, que viviam em sítios frios e secos –, o ADN dos seus fósseis está muito degradado e torna-se muito difícil extraí-lo para o sequenciar.

in Público - ler notícia

sexta-feira, agosto 31, 2012

Humanos modernos - uma espécie com uma história cada vez mais complicada

Evolução humana
Nós, os neandertais, os denisovanos e como tudo se complicou

Réplica da falange que permitiu descobrir um novo grupo de humanos, os denisovanos (Instituto Max Planck para a Antropologia Evolutiva) 

A ponta de um dedo veio evidenciar ainda mais que, se há coisa que não é simples, é a história da evolução humana. Descoberto em 2008 na gruta Denisova, nos montes Altai, Sibéria, o pequeno osso da falange era afinal de um grupo de humanos desconhecido - os denisovanos, que viveram até há 30 mil anos. E se as surpresas não chegassem, também eles, tal como os neandertais, se reproduziram com a nossa espécie. Uma equipa publica nesta sexta-feira, na revista Science, a análise do genoma completo dos denisovanos, a partir do fragmento de dedo: dentro de nós há um pouco de neandertal e de denisovano, é verdade, mas a genética revelou agora uma nova teia de migrações e relações complexas entre nós e estes dois humanos já extintos. 

A equipa de Svante Pääbo, do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolutiva, Alemanha, já tinha ficado surpreendida com o que representava a descoberta da falange e de dois dentes molares. Quando os cientistas sequenciaram o ADN das mitocôndrias (as baterias das células), herdado só da parte da mãe e que está fora do núcleo celular, perceberam que era um novo grupo de humanos. O osso é de uma menina de cinco a sete anos de idade, que viveu há 80 mil anos. Tinha a pele escura, cabelos e olhos castanhos.

Em Maio de 2010, a revelação da sua existência espantou o mundo e, em Dezembro desse ano, a equipa de Pääbo avançava com a publicação de um primeiro rascunho do ADN do núcleo. Dizia já que os denisovanos se tinham misturado connosco e que a herança desse passado "promíscuo" não era igual em toda a Terra. Os europeus têm ADN dos neandertais, mas não têm material genético dos denisovanos, que por sua vez deixaram a sua pegada genética para os lados das ilhas da Melanésia.

No meio desta viagem à história da evolução humana através do ADN, a equipa de Pääbo disponibilizou na Internet, no início deste ano, toda a sequenciação do genoma dos denisovanos, para quem a quisesse usar na investigação. A leitura deste ADN antigo já era bastante rigorosa, graças a um método desenvolvido por Matthias Meyer, também do Instituto Max Planck, que permite ler até 30 vezes as letras do genoma (pequenas moléculas que compõem a grande molécula de ADN). Agora, a equipa aprofunda na Science as reflexões sobre essa informação e faz mais revelações, comparando o genoma da nossa espécie (os humanos modernos), dos denisovanos e dos neandertais.

"Pudemos confirmar que parentes de um indivíduo da gruta Denisova contribuíram geneticamente para os antepassados das pessoas actuais na Nova Guiné, mas esse fluxo genético não afectou o resto das pessoas da Eurásia continental, incluindo o Sudeste da Ásia continental", disse um dos autores do artigo, o geneticista David Reich, da Faculdade de Medicina de Harvard, numa conferência organizada pela revista. "No entanto, é claro que os denisovanos contribuíram com 3% a 5% de material genético para os genomas das pessoas da Austrália, Nova Guiné, os nativos das Filipinas e de algumas ilhas das redondezas. A confirmação foi muito forte", acrescentou.

Como se explica que o material genético dos denisovanos não se encontre sequer na Ásia continental, onde viveram, como mostra a falange e os dentes? "Diria que a mistura entre os denisovanos e os antepassados dos habitantes da Melanésia, Papuásia-Nova Guiné e aborígenes australianos deu-se provavelmente no Sudeste da Ásia continental. Quando os antepassados dos humanos modernos chegaram a essa área, encontraram-se com os denisovanos, misturaram-se e depois partiram para colonizar a Melanésia", disse Pääbo.

E agora vem a última descoberta, aquela que complica tudo. Envolve os neandertais, extintos há cerca de 28 mil anos e que durante mais de 150 anos estiveram no centro da polémica sobre se eles e nós tínhamos feito sexo e deixado descendentes.

Sim, tínhamos, já tinham concluído outros estudos de Pääbo.

"As pessoas das regiões Leste da Eurásia [Ásia] e os nativos americanos têm mais material genético dos neandertais do que as da Europa, apesar de os neandertais terem vivido sobretudo na Europa, o que é mesmo muito interessante", considerou David Reich. "Vemos que há uma contribuição dos neandertais ligeiramente superior na Ásia do que na Europa - em cerca de 20% - o que é surpreendente, porque os neandertais viveram na Oeste da Ásia e na Europa", acrescentou Pääbo.

Como aconteceu isto? De início, pensava-se que tinha havido um único intercâmbio genético entre neandertais e humanos modernos, que saíram de África há cerca de 50 mil anos. Talvez quando os dois tipos de humanos se encontraram no Médio Oriente. Depois a nossa espécie espalhou-se pelo mundo inteiro e teria levado consigo essa herança. "Agora tudo se tornou mais complicado com os neandertais", disse Pääbo. "Vemos que toda a gente fora de África teve uma contribuição dos neandertais. A maneira mais simples de explicar isto é que algo ocorreu assim que os humanos modernos saíram de África, se encontraram com os neandertais no Médio Oriente e se misturaram com eles."

Como hipóteses, a equipa diz que pode ter havido uma segunda mistura entre humanos modernos e neandertais na Ásia Central, reforçando aí a carga genética destes. Ou a contribuição genética dos neandertais na Europa foi diluída com a chegada tardia de humanos modernos vindos de África e que não tinham um pouco de Neandertal no genoma.

in Público - ler notícia

terça-feira, fevereiro 28, 2012

Mais novidades sobre a extinção dos neandertais

Evolução humana
Neandertais poderiam já estar perto da extinção quando nos encontraram

Representação de uma família de Neandertais

Os estudos de ADN têm uma tendência para revolver a história da evolução humana, desta vez uma nova investigação sugere que quando os nossos antepassados contactaram com os Neandertais, há menos de 50.000 anos, estes já eram sobreviventes de um fenómeno que tinha ceifado quase totalmente a espécie, conclui um artigo publicado na revista Molecular Biology and Evolution.

A equipa internacional, que inclui investigadores do Centro de Evolução e Comportamento Humano da Universidade Complutense de Madrid, analisou o ADN extraído do osso de 13 Neandertais. Os indivíduos viveram entre os 100.000 e os 35.000 anos, e foram encontrados em sítios arqueológicos que se estendem desde a Espanha até à Ásia.

Os cientistas analisaram a variabilidade do ADN mitocondrial, que existe dentro das mitocôndrias, as baterias das células que são sempre herdadas da mãe para os filhos. A partir desta análise, verificaram que havia muito mais variabilidade entre os Neandertais que viveram há mais de 50.000 anos, do que os indivíduos que viveram durante os 10.000 anos depois, pouco antes de se terem extinguido.

Os indivíduos com menos de 50.000 anos tinham uma variabilidade genética seis vezes menor do que os mais antigos. Isto evidencia um fenómeno que provocou a morte de um grande número de pessoas desta espécie. Depois disto, sucedeu-se uma re-colonização da Europa a partir de populações de Neandertais vindas de Ásia.

“O facto de os Neandertais terem estado quase extintos na Europa, e depois terem recuperado, e tudo isso ter acontecido antes de entrarem em contacto com os humanos modernos, é uma surpresa total”, disse Love Dalen, o primeiro autor do artigo, que pertence ao centro de investigação de Madrid e ao Museu de História Natural de Estocolmo, Suécia. “Isto indica que os Neandertais poderiam ser mais sensíveis a mudanças climáticas dramáticas que ocorreram durante a última Idade do Gelo, do que se pensava anteriormente”, disse, citado pela BBC News.

Segundo o artigo, a variabilidade do genoma dos Neandertais antes do tal fenómeno que ocorreu há 50.000 anos era equivalente à variabilidade da espécie humana. Depois do fenómeno, essa variabilidade passou a ser menor do que a que existe hoje entre a população da Islândia.

Este fenómeno poderá estar ligado às alterações climáticas. Pensa-se que há cerca de 50.000 anos alterações nas correntes oceânicas do Atlântico causaram uma série de temporadas geladas que alteraram inclusive a cobertura vegetal da Europa.

O que quer que tenha acontecido depois, quando os humanos modernos foram migrando pela Europa, continua a ser uma incógnita. Mas estes dados sugerem que as populações de Neandertais que os nossos antepassados encontraram seriam muito mais homogéneas a nível genético e por isso muito mais vulneráveis a alterações no ambiente.

quinta-feira, dezembro 30, 2010

Há quanto tempo existimos?

Cientistas põem em causa idade e origem do Homo sapiens
Dentes humanos encontrados em gruta de Israel são mais antigos do que Homem moderno

Os fósseis de dentes com 400 mil anos, encontrados perto de Telavive

A descoberta de oito dentes numa gruta de Israel levanta questões sobre a nossa origem. Uma equipa de cientistas da Universidade de Telavive descobriu fósseis que parecem ser de Homem moderno, mas que estão em camadas de terra com idade entre os 400 e 200 mil anos – mais antigas do que o nascimento dos antepassados directos do Homem.

O estudo, que tem vindo a ser desenvolvido desde 2006, foi publicado online na revista American Journal of Physiscal Anthropology. “Há muitas possibilidades”, disse à agência Bloomberg Avi Gopher, professor de arqueologia da Universidade de Telavive que co-dirigiu a escavação na gruta de Qesem. “É preciso sermos cuidadosos, não podemos atirar para o lixo um paradigma só por causa de alguns dentes.”

Qual é o paradigma? Apesar de ao longo do último milhão de anos diversas migrações feitas por várias espécies de hominídeos terem colonizado a Terra, pensa-se que a última tenha começado há cerca de 60 mil anos, feita pelo Homem moderno. Estes nossos antepassados, segundo o que se conhece hoje, evoluíram há 200 mil anos, em África, e migraram para o resto do mundo, substituindo os humanos que existiam em cada local.

Um dos fenómenos mais conhecido nesta viagem foi o encontro e substituição dos neandertais pelo Homem moderno, que sucedeu na Europa, apesar de já existirem provas genéticas de ter havido cruzamento sexual entre os dois grupos.

Os dentes molares encontrados na gruta competem com esta visão. No resumo do artigo, os autores defendem que estes fósseis têm muitas parecenças com outros crânios encontrados em Israel de Homem moderno, que são muito mais recentes. O que pode mudar aquilo que se sabe sobre a idade e origem da nossa espécie.

“É aceite que o mais antigo Homo sapiens que se conhece foi descoberto na África Oriental e tem 200 mil anos de idade, ou um pouco menos. Não conhecemos mais nenhum local onde alguém defenda a existência de um Homo sapiens mais antigo”, disse Gopher à AFP.

Paul Mellars, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, disse que outra hipótese é que estes dentes possam ser de neandertal. O artigo também diz que os dentes têm algumas características destes humanos.

“Esta região do mundo tem sido um cruzamento para movimentos da população humana durante um longo período de tempo e está situado mesmo ao lado de África e da Europa”, explicou à Bloomberg Rolf M. Quam, um dos investigadores que produziu o estudo, professor de antropologia na Universidade Estatal de Nova Iorque.

“É possível que os dentes mais velhos representem uma espécie e os mais novos representem uma espécie diferente, já que sabemos que diferentes espécies humanas estavam a ocupar a Europa e a África durante este tempo”, acrescentou o investigador.

Além das características dos fósseis, há outros factores que suportam a teoria dos dentes pertencerem ao Homem moderno. No local verificou-se a existência de lâminas sílex, do uso habitual de fogo, caça, corte e partilha de carne animal, e de actividade mineira de sílex para a produção de utensílios – actividades e objectos que, segundo os autores, traduzem um comportamento que corresponde à aparição do Homem moderno.

A escavação continua a decorrer na gruta. Os cientistas esperam encontrar mais provas que ajudem a confirmar esta descoberta.

terça-feira, dezembro 28, 2010

Artigo na PNAS
Estudo revela que os neandertais afinal cozinhavam e comiam legumes

Comparação dos crâneos de um homem moderno e de um neandertal

O homem de Neandertal, extinto há 30 mil anos, alimentava-se de carne e de vegetais e cozinhava os alimentos, segundo um estudo publicado hoje na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, PNAS, citado pela AFP.

As investigações anteriores indicavam que os Neandertais eram sobretudo caçadores carnívoros, o que teria precipitado a sua extinção.

Pensava-se que os primeiros homens modernos com os quais aqueles coexistiram durante cerca de 10 mil anos teriam sobrevivido graças ao consumo de outros tipos de alimentos, como vegetais, peixes e mariscos, conforme os locais onde viviam.

O novo estudo parte da análise de partículas de alimentos contidas nas placas de tártaro dos dentes fossilizados de Neandertais descobertos em sítios arqueológicos do Iraque e da Bélgica, e trazem uma nova luz sobre estes primos desaparecidos.

Os investigadores, orientados por Dolores Piperno, do departamento de Antropologia do Museu de História Natural Americano Smithsonian, descobriram grãos de amido provenientes de várias plantas, entre as quais uma erva selvagem, e vestígios de diferentes legumes, raízes e tubérculos.

Muitos desses alimentos tinham sofrido modificações físicas correspondentes à cozedura, nomeadamente os grãos de amido, o que faz pensar que o homem de Neandertal dominava o fogo, tal como os primeiros homens modernos.

Os dentes continham também vestígios de partículas de tâmaras e de amido de outros vegetais que os investigadores continuam a tentar identificar.

Nenhum artefacto de pedra indica, no entanto, que os Neandertais utilizavam utensílios para moer os grãos, pelo que é provável que não praticassem agricultura.

in Público - ler notícia

quinta-feira, dezembro 23, 2010

Os humanos modernos e os denisovianos

Ancient humans, dubbed 'Denisovans', interbred with us

Professor Chris Stringer: "It's nothing short of sensational - we didn't know how ancient people in China related to these other humans"

Scientists say an entirely separate type of human identified from bones in Siberia co-existed and interbred with our own species.

The ancient humans have been dubbed Denisovans after the caves in Siberia where their remains were found.

There is also evidence that this group was widespread in Eurasia.

A study in Nature journal shows that Denisovans co-existed with Neanderthals and interbred with our species - perhaps around 50,000 years ago.

An international group of researchers sequenced a complete genome from one of the ancient hominins (human-like creatures), based on nuclear DNA extracted from a finger bone.

DNA from a tooth (pictured) and a finger bone show the Denisovans were a distinct group

'Sensational' find

According to the researchers, this provides confirmation there were at least four distinct types of human in existence when anatomically modern humans (Homo sapiens sapiens) first left their African homeland.

long with modern humans, scientists knew about the Neanderthals and a dwarf human species found on the Indonesian island of Flores nicknamed The Hobbit. To this list, experts must now add the Denisovans.

The implications of the finding have been described by Professor Chris Stringer of the Natural History Museum in London as "nothing short of sensational".

Scientists were able to analyse DNA from a tooth and from a finger bone excavated in the Denisova cave in southern Siberia. The individuals belonged to a genetically distinct group of humans that were distantly related to Neanderthals but even more distantly related to us.

The finding adds weight to the theory that a different kind of human could have existed in Eurasia at the same time as our species.

Researchers have had enigmatic fossil evidence to support this view but now they have some firm evidence from the genetic study carried out by Professor Svante Paabo of the Max Planck Institute in Leipzig, Germany.

"A species of early human living in Europe evolved," according to Professor Paabo.

"There was a western form that was the Neanderthal and an eastern form, the Denisovans."

The study shows that Denisovans interbred with the ancestors of the present day people of the Melanesian region north and north-east of Australia. Melanesian DNA comprises between 4% and 6% Denisovan DNA.

David Reich from the Harvard Medical School, who worked with Svante Paabo on the study, says that the fact that Denisovan genes ended up so far south suggests they were widespread across Eurasia: "These populations must have been spread across thousands and thousands of miles," he told BBC News.

One mystery is why the Denisovan genes are unique in modern Melanesians and are not found in other Eurasian groups that have so far been sampled.

The remains were excavated at a cave site in southern Siberia

'Fleeting encounter'

Professor Stringer believes it is because there may have been only a fleeting encounter as modern humans migrated through South-East Asia and then on to Melanesia.

"It could be just 50 Denisovans interbreeding with a thousand modern humans. That would be enough to produce this 5% of those archaic genes being transferred," he said.

"So the impact is there but the number of interbreeding events might have been quite small and quite rare."

No one knows when or how these humans disappeared but, according to Professor Paabo, it is very likely something to do with modern people because all the "archaic" humans, like Denisovans and Neanderthals disappeared sometime after Homo sapiens sapiens appeared on the scene.

"It is fascinating to see direct evidence that these archaic species did exist (alongside us) and it's only for the last few tens of thousands of years that is unique in our history that we are alone on this planet and we have no close relatives with us anymore," he said.

The study follows a paper published earlier this year by Professor Paabo and colleagues that showed there was interbreeding between modern humans and Neanderthals as they emerged from Africa 60,000 years ago.

 in BBC

Os cro-magnons, os denisovanos e os neandertais

Nós, os Neandertais e agora também a Mulher-X

Na gruta Denisova, descobriu-se uma falange e um molar

Era uma mulher. Viveu entre há 30 a 50 mil anos. E, sem que o suspeitássemos até agora, pertencia a um grupo de humanos diferente de nós, mas que se reproduziu com a nossa espécie. Eis a Mulher-X, o primeiro indivíduo identificado desse grupo.

Este novo capítulo na história complexa da nossa espécie, os humanos modernos ou Homo sapiens sapiens, é contado amanha na revista Nature, pela equipa de Svante Pääbo, guru mundial da paleoantropologia genética do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolutiva, em Leipzig, na Alemanha.

Em 2008, encontrava-se a ponta do dedo de um humano na Sibéria, na gruta Denisova. Pensando estar perante a falange de um humano moderno, talvez de um Neandertal com sorte, a equipa de Pääbo sequenciou o ADN extraído desse pedaço de osso — não o ADN do núcleo das células, mas o que está nas mitocôndrias, as baterias das células e que é herdado só pela parte da mãe.

Quando viram os resultados, os cientistas não queriam acreditar: tinham em mãos ADN de um humano antigo desconhecido, pertencente a uma linhagem diferente das duas que até aqui se sabia terem habitado a Europa e a Ásia nessa altura — os humanos modernos, que saíram de África há cerca de 60 mil anos, e os Neandertais, que surgiram na Europa e Médio Oriente há 300 mil anos e extinguiram há cerca de 30 mil. Em Março último, a equipa revelou esses resultados, também na Nature, e espantou toda a gente.

Era também a primeira vez que um novo grupo de humanos era descrito não a partir da morfologia dos seus ossos fossilizados, mas da sua sequência de ADN.

Só pelo ADN das mitocôndrias, que está fora do núcleo das células, os cientistas não podiam saber se aquela falange, de um indivíduo com cinco a sete anos de idade, era de homem ou mulher. Mas deram-lhe a alcunha de Mulher-X, porque o ADN mitocondrial é matrilinear e porque gostavam de imaginar que era de uma mulher.

Depois, partiram para a sequenciação do ADN contido no núcleo celular e é a análise desses resultados que agora publicam. Além de confirmarem que a falange é mesmo feminina, os cientistas dizem que este novo grupo de humanos partilha um antepassado comum com os Neandertais, mas cada um seguiu uma história evolutiva diferente. Portanto, há 50 mil anos, além de nós e dos Neandertais, havia um terceiro grupo de humanos. Chamaram-lhe denisovanos.

Também sequenciaram agora o ADN mitocondrial retirado de um dente molar de outro indivíduo, um jovem adulto, descoberto na mesma gruta. Tanto o ADN como a morfologia do dente corroboram que se trata de um humano distinto dos Neandertais e da nossa espécie.

Durante décadas, discutiu-se se os Neandertais se teriam reproduzido ou não com a nossa espécie e se, apesar de extintos, haveria um bocadinho deles dentro de nós. Em Maio, o mesmo Pääbo pôs um ponto final na polémica, com a sequenciação do genoma dos Neandertais, dizendo que sim, que nos actuais euroasiáticos há um pouco de Neandertal. E agora a sua equipa diz que nos humanos modernos há igualmente um pouco dos denisovanos.

Mas, ao contrário dos Neandertais, os denisovanos não contribuíram geneticamente para os euroasiáticos actuais. As comparações genéticas entre os denisovanos e humanos modernos da Euroásia, África e Melanésia mostraram que são estes últimos que herdaram os seus genes.

De facto, a equipa descobriu que os naturais da Papuásia-Nova Guiné e das Ilhas Salomão partilham um número elevado de traços genéticos com os denisovanos, o que sugere que houve reprodução entre estes humanos até há poucos meses desconhecidos e os antepassados dos melanésios.

Sozinhos há pouco tempo

“Em conjunto com a sequenciação do genoma dos Neandertais, o genoma dos denisovanos sugere uma imagem complexa das interacções genéticas entre os nossos antepassados e diferentes grupos antigos de hominíneos”, comenta Pääbo, citado num comunicado de imprensa do seu instituto.

“O facto de os denisovanos terem sido descobertos no Sul da Sibéria, mas terem contribuído para o material genético de populações de humanos modernos da Papuásia-Nova Guiné sugere que os denisovanos podem ter-se espalhado pela Ásia”, diz.

Para Eugénia Cunha, especialista em evolução humana da Universidade de Coimbra, estes resultados mostram ainda quão diversos eram os grupos humanos no passado. “Sempre houve coexistência de várias espécies. Agora é que estamos numa situação anómala”, sublinha a antropóloga. “Há 50 mil anos, viviam os Neandertais, os humanos modernos e pelo menos este grupo distinto. Só muito recentemente é que nos tornámos a única espécie.” 

quinta-feira, maio 13, 2010

O sangue Neanderthal que nos corre nas veias


(Exposição Darwin 150, 200 - Museu da Ciência Universidade de Coimbra)

Na semana passada a revista Science publicou um artigo importantíssimo que abre uma janela verdadeiramente fascinante sobre a evolução recente da nossa espécie. Dada a sua importância, o artigo publicado pela equipa de Svante Paabo, do Max-Plank Institute de Leipzig, está disponível sem restrições e pode ser obtido aqui. Há também um conjunto de informações se recursos disponíveis numa página criada para o efeito. O artigo já foi aqui comentado pelo António Piedade.

Segundo as notícias que se seguiram na imprensa de todo o mundo, o artigo conclui que afinal corre sangue Neanderthal nas nossas veias. Quanto? Como sabemos isso? O que nos diz?

O laboratório de Svante Paabo é talvez o único actualmente com capacidade para realizar uma tarefa tão difícil como a de extrair e analisar DNA fóssil de Neanderthais. Foram eles os responsáveis pela descoberta recente de outra espécie de hominídeo, o Homem de Denisova que aqui comentei. Esta é uma tarefa dificílima. O DNA fóssil que é possível extrair de ossos parcialmente fossilizados apresenta-se sempre muito fragmentado, com sequências demasiado pequenas e, o que é mais complicado, extremamente contaminado com o DNA de outros organismos, particularmente de micro-organismos. Para se poder interpretar a informação é preciso ‘limpar’ o DNA identificando e removendo as partes que não pertencem ao DNA do organismo que se pretende analisar. O que só é possível por comparação de sequências.

Esta investigação só se tornou possível graças aos mapas genéticos de muitos organismos que entretanto foram sendo sequenciados e colocados disponíveis em bibliotecas de sequências de DNA. Programas de identificação de sequências podem então ser corridos para determinar se o material que está sequenciado pertence a uma bactéria ou a um hominídeo. Além disso, são necessárias condições de assepsia únicas para evitar contaminação pelo nosso DNA que é quase indistinguível do de um Neanderthal.

O que nos diz o estudo?


Comparando sequências extraídas de três ossos provenientes da localidade de Vindija, na Croácia (que se determinou pertencerem a três mulheres diferentes) com o de chimpanzé, e de cinco humanos (um francês, um chinês Han, um papuano da Nova Guiné, um africano San (bosquímano) e Yoruba (África ocidental), os investigadores chegaram à conclusão que há maior semelhança, relativamente a variantes novas de genes, dos Neanderthais com os europeus e asiáticos que com os africanos. A explicação mais plausível é que, quando os antepassados humanos saíram de África, há 80 mil anos, ter-se-ão cruzado com os Neanderthais no médio oriente. Estes cruzamentos tiveram que acontecer nessas populações ainda pequenas e antes de ocorrer a grande dispersão pela Ásia e a Europa dos homens modernos. De outro modo não é possível ter esta distribuição.

Prova-se inequivocamente que houve cruzamentos e que nós temos entre 1 e 4% de genes provenientes de Neanderthais. É uma pequena fracção, mas importante, tanto mais que está presente numa parte muito substancial da população humana.

Prova-se ainda que esses cruzamentos não ocorreram mais tarde na Europa ao longo dos 60 mil anos em que as duas sub-espécies conviveram. Se ocorreram foram muito limitados e pontuais, não havendo evidências neste estudo. Este resultado não vem corroborar as teses de João Zilhão e Eric Trinkaus sobre o menino de Lapedo, que tem sido mantido longe da investigação por outros cientistas. Não prova que ele seja um híbrido nem o seu contrário. Prova apenas que a hibridação era possível e aconteceu. Sabemos que aconteceu no Médio Oriente há 80 mil anos. Mas não há dados de que tenha acontecido na Europa mais tarde. Se tivesse sido muito extensa, então as semelhanças com os Europeus seriam maiores que com os Asiáticos, o que não se verifica. Serão necessários mais dados e de fósseis de outras regiões da Europa para poder ir mais longe.

Mas há um outro aspecto fascinante deste estudo: pela primeira vez temos um primeiro mapa genético, ainda que muito fragmentado, do nosso parente mais próximo, provavelmente pertencente à nossa espécie – é agora claro que a hibridização foi importante e teve consequências – extinto apenas há 28 mil anos. O artigo estima uma separação entre humanos actuais e Neanderthais tendo ocorrido há 270 000 – 440 000 anos. Este mapeamento de genes, que irá crescer nos próximos anos, formando uma biblioteca extensa do DNA Neanderthal, vai permitir-nos não só saber mais sobre a biologia dos Neanderthais como saber o que mudou, que genes se modificaram e conduziram à nossa evolução que foi tão bem sucedida nas últimas centenas de milhar de anos.

O artigo apresenta uma lista de 78 genes que estão modificados nos humanos actuais e têm uma configuração ancestral nos Neanderthais. E isto é fascinante. Há diferenças em genes ligados aos tecidos da pele e a sua pigmentação, receptores de estrogénio, afectando o movimento flagelar dos espermatozóides, evolvidos em processos de cicatrização, diabetes tipo II, ou metabolismo. Sabe-se que alguns dos genes com diferenças apresentam-se relacionados com capacidades cognitivas: certas mutações podem causar síndrome de Down, esquizofrenia, ou autismo. Esta biblioteca de dados irá seguramente crescer e permitir perceber melhor a evolução recente da nossa espécie.

A quantidade e qualidade de informação contida neste artigo é absolutamente impressionante e abre uma porta gigantesca sobre a investigação do nosso passado evolutivo de uma forma inimaginável há alguns anos.

in De Rerum Natura - post de Paulo Gama Mota

sábado, maio 08, 2010

Finalmente dá para perceber alguns comportamentos de certos deputados

Artigo da revista "Science"
Há um bocadinho de Neandertal dentro de nós
 

Svante Pääbo, investigador do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva de Leipzig, na Alemanha

O debate durou anos: o homem moderno (nós) e o Homem de Neandertal, hoje extinto, ter-se-iam cruzado e procriado juntos – ou não? Hoje a questão foi definitivamente arrumada pela genética, com a publicação na "Science" do primeiro rascunho do genoma dos Neandertais. A resposta? Sim! A criança do Lapedo teve de facto Neandertais entre os seus antepassados.


Há meses que nos diziam que a primeira sequenciação do genoma do Homem de Neandertal estava quase pronta. Já está. E proporcionou uma primeira grande surpresa aos próprios autores do trabalho (que, como muitos outros especialistas, não acreditavam nesta possibilidade), ao confirmar que os humanos modernos acasalaram e procriaram com Neandertais. Simplesmente, porque descobriram bocadinhos de sequências genéticas de Neandertal no nosso ADN.

A equipa internacional liderada por Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva de Leipzig, na Alemanha, demorou quatro anos a ler os genes desse ser humano, extinto há cerca de 30 mil anos – uma proeza técnica que, segundo os autores, vai ao mesmo tempo permitir perceber o que é que nos distingue deles do ponto de vista evolutivo.

“Há seis ou sete anos, eu pensava que a sequenciação da totalidade de um genoma antigo era algo que não iria acontecer durante a minha vida”, disse ontem Pääbo no início de uma conferência de imprensa telefónica convocada pela revista Science. O grande problema, explicou, é que “mais de 90 por cento do ADN encontrado nos fósseis provinha de bactérias ou de fungos” – ou seja, pertencia aos microrganismos que tinham contaminado os ossos após a morte dos indivíduos em questão. Para mais, os fragmentos de ADN obtidos eram extremamente curtos e tinham sofrido alterações químicas. Isto sem esquecer que a sua mera manipulação corria o risco de introduzir uma contaminação adicional, com o próprio ADN dos cientistas – o que é absolutamente indesejável quando se trata justamente de determinar se há genes de Neandertal em nós ou genes nossos neles... Uma grande parte do trabalho e das técnicas desenvolvidas tinha portanto como objectivo garantir a autenticidade da proveniência do ADN em estudo.

Os cientistas extraíram o ADN principalmente de três fragmentos de osso fossilizado de três mulheres Neandertais, que tinham sido encontrados numa gruta na Croácia entre o fim da década de 1970 e o início da de 1980. Dois desses ossos foram datados com precisão e têm respectivamente 38 mil e 44 mil anos. A partir daí, conseguiu-se reconstituir, nesta primeira fase, cerca de 60 por cento da totalidade dos três mil milhões de pares de bases (ou “letras”) do ADN dos Neandertais.

Aconteceu no Médio Oriente
Os cientistas também sequenciaram cinco genomas de humanos actuais, de origem europeia, asiática e africana, para fins de comparação com o genoma fóssil – e compararam ainda esse genoma com o do chimpanzé. E descobriram que os Neandertais são, do ponto de vista genético, ligeiramente mais próximos dos humanos modernos fora de África do que dos africanos actuais. A explicação que dão para isto é que, pouco depois de terem saído de África à conquista do mundo, há uns 80 mil anos, provavelmente algures no Médio Oriente (antes de chegarem à Europa), os primeiros homens modernos cruzaram-se com os Neandertais e produziram descendência.

Isso não significa que não tenha havido, mais tarde, novos encontros e novos cruzamentos, nomeadamente na Europa. Mas o “fluxo genético” agora detectado – sempre dos Neandertais para os humanos actuais e não em sentido oposto – aponta para um contacto mais precoce, logo à saída de África. A ausência de provas não significa que não tenha havido contactos ulteriores, mas simplesmente que não foi possível detectar sinais genéticos desses contactos, argumentam os cientistas.

Seja como for, os seres humanos actuais, da Austrália à Europa, passando pela Ásia (mas não por África), herdaram, naquela altura, bocadinhos de sequências genéticas de Neandertal que continuam, ainda hoje, espalhadas pelo nosso ADN. Os cientistas estimam que entre um e quatro por cento do genoma dos humanos actuais provenha dos Neandertais. Num comunicado, referem mesmo que o genoma do célebre “caça-genes” norte-americano Craig Venter, recentemente publicado, contém segmentos que são mais próximos do genoma de Neandertal do que do genoma “de referência” humano, que inclui uma mistura de ADN de origem europeia e africana! “Um a quatro por cento do meu genoma é Neandertal”, salientou Pääbo na conferência de ontem. “Eles não se extinguiram totalmente, continuam a viver em nós.” Contudo, as sequências genéticas identificadas como provenientes dos Neandertais estão distribuídas ao acaso pela molécula de ADN e não correspondem a nenhum traço identificável que alguns de nós poderíamos ter em comum com eles.

Para Pääbo, “o mais fascinante” disto tudo é, porém, a possibilidade de utilizar este genoma fóssil para procurar provas da selecção “positiva” de traços genéticos, ou seja, de características genéticas que se fixaram ulteriormente nos humanos modernos porque apresentavam vantagens do ponto de vista evolutivo em termos de sobrevivência da espécie – e que nos tornam únicos e diferentes dos Neandertais. A equipa já identificou várias regiões do genoma onde isto poderá ter acontecido, que têm a ver com o desenvolvimento mental e cognitivo (há três genes que, quando mutados, estão implicados na trissomia 21, na esquizofrenia e no autismo), bem como regiões relacionadas com o metabolismo energético, com o desenvolvimento do crânio, da clavícula e da caixa torácica.

Pertencemos à mesma espécie?
Para Pääbo, esta pergunta não faz sentido. “É um debate estéril”, frisou. “Nunca me pronunciei sobre isto e prefiro deixar essas lutas a outros. O que interessa é que mostrámos que o cruzamento reprodutivo era biologicamente possível entre os Neandertais e nós. Eu diria que eram diferente dos humanos – mas não assim tão diferentes como isso.”

“Há mais de dez anos que as provas arqueológicas e paleontológicas de hibridação cultural e biológica entre Neandertais e homens modernos se vêm acumulando”, disse João Zilhão, arqueólogo português da Universidade de Bristol, em conversa telefónica com o PÚBLICO. Juntamente com o seu colega Erik Trinkaus, da Universidade de Washington, Zilhão descobriu em 1998, no Vale do Lapedo, perto de Leiria, o esqueleto mais completo até à data de uma criança da nossa espécie que viveu no Paleolítico Superior (há cerca de 25 mil anos). O fóssil, afirmam desde então estes cientistas, apresenta uma mistura de traços modernos e de Neandertal.

Só que muitos especialistas discordavam desta interpretação – o que, para Zilhão, deixa de ser possível a partir de hoje. “Andámos a dizer isso há dez anos e têm-nos atirado à cara com os dados genéticos”, disse-nos hoje o investigador. E mostrou-se satisfeito com os novos resultados: “Era a última objecção contra o nosso modelo e isso é óptimo. Há que virar a página, o problema está resolvido.”

Mas então somos ou não da mesma espécie? “A dicotomia homem moderno/Neandertal é falsa”, responde-nos Zilhão. “É uma classificação vitoriana, do século XIX.” O Neandertal foi o primeiro homem fóssil a ser descoberto, um ser a meio caminho entre os macacos e o homem, “e isso encaixava no paradigma da evolução [das espécies]”. Para Zilhão, esta concepção tem criado uma resistência cultural subconsciente. “Como é que um fulano tão feio pode ser igual a nós?”, ironiza. “Do ponto de vista biológico, o que é importante é que, em termos reprodutivos, o homem moderno e o homem de Neandertal funcionam como uma única comunidade. Podiam acasalar. Isso é que conta.”

É provável, entretanto, que o crescente número de pessoas que recorrem a empresas que analisam o seu genoma venham a saber em breve se são portadoras de sequências genéticas vindas dos Neandertais. Até porque o genoma fóssil já foi colocado pelos autores na Internet, numa base de dados genética de acesso livre. Interrogado pelo PÚBLICO a este propósito durante a conferência de imprensa de ontem, Pääbo riu-se: “Tenho a certeza de que algumas dessas empresas vão oferecer isso aos seus clientes.”