Cristovam Pavia é pseudónimo de Francisco António Lahmeyer Flores
Bugalho, que nasceu em Lisboa em 7 de outubro de 1933. O período
determinante da infância passou-o, no entanto, numa casa que a família
possuía nos arredores de Castelo de Vide, e a paisagem do Nordeste
alentejano irá marcar profundamente a sua poesia. O pai, o “presencista”
Francisco Bugalho, iniciara pouco antes o seu itinerário poético, que
terá na ligação à terra e às actividades que nela se centram e nas
gentes que a trabalham um dos vectores principais. O percurso escolar,
desde o ensino primário, realiza-o Cristovam Pavia em Lisboa, mas as
férias passa-as em Castelo de Vide, em contacto com o mundo rural, que o
atrai e convida a um enraizamento. Decisivos na sua escolaridade foram
os últimos anos do ensino secundário, no Liceu D. João de Castro, onde
conheceu alguns dos seus maiores amigos, vários deles, como, por
exemplo, Pedro Tamen, António Osório, Luís de Sousa Costa e Rogério
Fernandes, dando já então sinais de uma nascente vocação literária. Em
Janeiro do ano em que começa a frequentar o 6.° Ano no referido liceu,
sofrera Cristovam Pavia um duro abalo, com a morte do pai. Para o
adolescente sensível, estará aí, segundo alguns, a origem dos problemas
psicológicos que o iriam atormentar ao longo da sua breve vida.
A frequência, a partir de 1951, de um curso, o de Direito, com o qual
não se sentia minimamente sintonizado, agravará nele o sentimento de
desajustamento com a realidade. Entretanto uma precoce maturidade
poética antes de atingir os vinte anos fará com que, logo nos começos
dos anos 50, o seu nome figure entre os dos colaboradores de duas das
mais importantes revistas desse período, a Távola Redonda e a Árvore. Em
meados da década, depois de desistir de Direito, acaba por
matricular-se na Faculdade de Letras, em Filologia Germânica, curso de
que completará o currículo da licenciatura, sem ter, todavia,
apresentado a tese final. Por essa altura, mais concretamente, em 1956,
começa a publicar-se o jornal dos universitários católicos 'Encontro’,
e, pouco depois, é criado o Centro Cultural de Cinema, o que contribuirá
para definir um seu enquadramento geracional entre os que estão, então,
empenhados numa renovação da Igreja em Portugal e que, mais tarde,
terão na revista de inspiração personalista O Tempo e o Modo um
dos seus privilegiados veículos de intervenção. Também de 1956 é a
entrada nos Dominicanos de Nuno Cardoso Peres, seu amigo desde os tempos
do Liceu D. João de Castro e colega em Direito, a quem dedicará um dos
textos mais emblemáticos de «35 Poemas», «Não fugir. Suster o peso da
hora». Do núcleo central da «revista de pensamento e acção» O Tempo e o
Modo, cuja publicação se inicia em janeiro de 1963, farão parte diversos
membros da que João Bénard da Costa chamou «a geração do Encontro», ele
próprio, Pedro Tamen, Nuno de Bragança, Alberto Vaz da Silva, e António
Alçada Baptista, o principal animador do projecto, de uma geração
anterior mas com ela plenamente identificado. Não por acaso, os
subscritores dos textos de homenagem a Cristovam Pavia que a revista
publica após a sua morte, em 1968, pertencem todos eles, Alberto Vaz da
Silva, João Bénard da Costa, M.S. Lourenço, Nuno de Bragança e Pedro
Tamen, a essa geração.
Em 1959, na colecção Círculo de Poesia, dirigida por Pedro Tamen, um dos
amigos mais presentes, com Luís de Sousa Costa, na vida de Cristovam
desde os anos da juventude, e inaugurada por Jorge de Sena no ano
anterior, dá Cristovam Pavia, finalmente, a público «35 Poemas», depois
de já se ter afirmado, através das revistas da época, como uma das vozes
mais originais da poesia dos anos 50. Não voltará a publicar em livro. O
consolo que a publicação do volume e a sua recepção crítica lhe trazem
não o impede, todavia, de se dar conta do agravamento da sua condição
psíquica. Procura, então, saída para os males que o afligem num programa
de psicoterapia na Alemanha, em Heidelberg. Com interrupções mais ou
menos longas em Portugal, aí seguirá, irregularmente, apesar da forte
empatia com o médico, o programa entre Agosto de 1960 e o mesmo mês de
1962. Grande revelação constitui, para ele, o extenuante trabalho braçal
que, episodicamente, conhece na cidade alemã como ajudante de pedreiro,
o que, entre outras coisas, lhe vai permitir um contacto de igual para
igual com gente fora dos meios intelectuais e académicos. Fará, aliás,
amizade com alguns dos seus companheiros de trabalho, e na
correspondência aos amigos portugueses falará mesmo com orgulho da sua
condição de «Dachdecker» (telhador, digamos). Por outro lado, o
admirador que há nele do eterno feminino deixa-se deslumbrar pelas
raparigas alemãs, réplicas do tipo físico de algumas das mulheres que,
em Portugal, lhe motivaram paixões infelizes.
O mal que o persegue e que, sem cura, traz de volta ao país, é bem real,
e nada tem a ver com o «mal du siècle» de que, em diferentes tempos, se
queixaram tantos poetas, afinal longevamente saudáveis. Só ele pode
estar por detrás da morte que procura em 13 de outubro de 1968, por
dolorosa coincidência no dia em que morreu Manuel Bandeira, um dos
poetas que mais admirava.
Ao meu cão
Deixei-te só, à hora de morrer.
Não percebi o desabrigado apelo dos teus olhos
Humaníssimos, suaves, sábios, cheios de aceitação
De tudo... e apesar disso, sem o pedir, tentando
Insinuar que eu ficasse perto,
Que, se me fosse, a mesma era a tua gratidão.
Não percebi a evidência de que ias morrer
E gostavas da minha companhia por uma noite,
Que te seria tão doce a minha simples presença
Só umas horas, poucas.
Não percebi, por minha grosseira incompreensão,
Não percebi, por tua mansidão e humildade,
Que já tinhas perdoado tudo à vida
E começavas a debater-te na maior angústia, a debater-te com a morte.
E deixei-te só, à beira da agonia, tão aflito, tão só e sossegado.