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segunda-feira, outubro 07, 2019

Cristovam Pavia nasceu há 86 anos

(imagem daqui)
     
Cristovam Pavia é pseudónimo de Francisco António Lahmeyer Flores Bugalho, que nasceu em Lisboa em 7 de outubro de 1933. O período determinante da infância passou-o, no entanto, numa casa que a família possuía nos arredores de Castelo de Vide, e a paisagem do Nordeste alentejano irá marcar profundamente a sua poesia. O pai, o “presencista” Francisco Bugalho, iniciara pouco antes o seu itinerário poético, que terá na ligação à terra e às actividades que nela se centram e nas gentes que a trabalham um dos vectores principais. O percurso escolar, desde o ensino primário, realiza-o Cristovam Pavia em Lisboa, mas as férias passa-as em Castelo de Vide, em contacto com o mundo rural, que o atrai e convida a um enraizamento. Decisivos na sua escolaridade foram os últimos anos do ensino secundário, no Liceu D. João de Castro, onde conheceu alguns dos seus maiores amigos, vários deles, como, por exemplo, Pedro Tamen, António Osório, Luís de Sousa Costa e Rogério Fernandes, dando já então sinais de uma nascente vocação literária. Em Janeiro do ano em que começa a frequentar o 6.° Ano no referido liceu, sofrera Cristovam Pavia um duro abalo, com a morte do pai. Para o adolescente sensível, estará aí, segundo alguns, a origem dos problemas psicológicos que o iriam atormentar ao longo da sua breve vida.
A frequência, a partir de 1951, de um curso, o de Direito, com o qual não se sentia minimamente sintonizado, agravará nele o sentimento de desajustamento com a realidade. Entretanto uma precoce maturidade poética antes de atingir os vinte anos fará com que, logo nos começos dos anos 50, o seu nome figure entre os dos colaboradores de duas das mais importantes revistas desse período, a Távola Redonda e a Árvore. Em meados da década, depois de desistir de Direito, acaba por matricular-se na Faculdade de Letras, em Filologia Germânica, curso de que completará o currículo da licenciatura, sem ter, todavia, apresentado a tese final. Por essa altura, mais concretamente, em 1956, começa a publicar-se o jornal dos universitários católicos 'Encontro’, e, pouco depois, é criado o Centro Cultural de Cinema, o que contribuirá para definir um seu enquadramento geracional entre os que estão, então, empenhados numa renovação da Igreja em Portugal e que, mais tarde, terão na revista de inspiração personalista O Tempo e o Modo um dos seus privilegiados veículos de intervenção. Também de 1956 é a entrada nos Dominicanos de Nuno Cardoso Peres, seu amigo desde os tempos do Liceu D. João de Castro e colega em Direito, a quem dedicará um dos textos mais emblemáticos de «35 Poemas», «Não fugir. Suster o peso da hora». Do núcleo central da «revista de pensamento e acção» O Tempo e o Modo, cuja publicação se inicia em janeiro de 1963, farão parte diversos membros da que João Bénard da Costa chamou «a geração do Encontro», ele próprio, Pedro Tamen, Nuno de Bragança, Alberto Vaz da Silva, e António Alçada Baptista, o principal animador do projecto, de uma geração anterior mas com ela plenamente identificado. Não por acaso, os subscritores dos textos de homenagem a Cristovam Pavia que a revista publica após a sua morte, em 1968, pertencem todos eles, Alberto Vaz da Silva, João Bénard da Costa, M.S. Lourenço, Nuno de Bragança e Pedro Tamen, a essa geração.
Em 1959, na colecção Círculo de Poesia, dirigida por Pedro Tamen, um dos amigos mais presentes, com Luís de Sousa Costa, na vida de Cristovam desde os anos da juventude, e inaugurada por Jorge de Sena no ano anterior, dá Cristovam Pavia, finalmente, a público «35 Poemas», depois de já se ter afirmado, através das revistas da época, como uma das vozes mais originais da poesia dos anos 50. Não voltará a publicar em livro. O consolo que a publicação do volume e a sua recepção crítica lhe trazem não o impede, todavia, de se dar conta do agravamento da sua condição psíquica. Procura, então, saída para os males que o afligem num programa de psicoterapia na Alemanha, em Heidelberg. Com interrupções mais ou menos longas em Portugal, aí seguirá, irregularmente, apesar da forte empatia com o médico, o programa entre Agosto de 1960 e o mesmo mês de 1962. Grande revelação constitui, para ele, o extenuante trabalho braçal que, episodicamente, conhece na cidade alemã como ajudante de pedreiro, o que, entre outras coisas, lhe vai permitir um contacto de igual para igual com gente fora dos meios intelectuais e académicos. Fará, aliás, amizade com alguns dos seus companheiros de trabalho, e na correspondência aos amigos portugueses falará mesmo com orgulho da sua condição de «Dachdecker» (telhador, digamos). Por outro lado, o admirador que há nele do eterno feminino deixa-se deslumbrar pelas raparigas alemãs, réplicas do tipo físico de algumas das mulheres que, em Portugal, lhe motivaram paixões infelizes.
O mal que o persegue e que, sem cura, traz de volta ao país, é bem real, e nada tem a ver com o «mal du siècle» de que, em diferentes tempos, se queixaram tantos poetas, afinal longevamente saudáveis. Só ele pode estar por detrás da morte que procura em 13 de outubro de 1968, por dolorosa coincidência no dia em que morreu Manuel Bandeira, um dos poetas que mais admirava.
in SNPC
 
Ao meu cão
   
   
Deixei-te só, à hora de morrer.
Não percebi o desabrigado apelo dos teus olhos
Humaníssimos, suaves, sábios, cheios de aceitação
De tudo... e apesar disso, sem o pedir, tentando
Insinuar que eu ficasse perto,
Que, se me fosse, a mesma era a tua gratidão.
   
Não percebi a evidência de que ias morrer
E gostavas da minha companhia por uma noite,
Que te seria tão doce a minha simples presença
Só umas horas, poucas.
Não percebi, por minha grosseira incompreensão,
Não percebi, por tua mansidão e humildade,
Que já tinhas perdoado tudo à vida
E começavas a debater-te na maior angústia, a debater-te com a morte.
E deixei-te só, à beira da agonia, tão aflito, tão só e sossegado.