sábado, outubro 19, 2013

Vinícius de Moraes nasceu há um século

Vinícius de Moraes, nascido Marcus Vinicius de Moraes (Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913 - Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980) foi um diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta e compositor brasileiro.
Poeta essencialmente lírico, o que lhe renderia a alcunha "poetinha", que lhe teria atribuído Tom Jobim, notabilizou-se pelos seus sonetos. Conhecido como um boémio inveterado, fumador e apreciador do uísque, era também conhecido por ser um grande conquistador. O poetinha casou-se nove vezes ao longo de sua vida e as suas esposas foram, respectivamente: Beatriz Azevedo de Melo (mais conhecida como Tati de Moraes), Regina Pederneiras, Lila Bôscoli, Maria Lúcia Proença, Nelita de Abreu, Cristina Gurjão, Gesse Gessy, Marta Rodrigues Santamaria (a Martita) e Gilda de Queirós Mattoso.
A sua obra é vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. No campo musical, o poetinha teve como principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra.

Vida
Vinicius de Moraes nasceu em 1913 no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro, filho de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, funcionário da Prefeitura, poeta e violinista amador, e Lídia Cruz, pianista amadora. Vinícius é o segundo de quatro filhos, Lygia (1911), Laetitia (1916) e Helius (1918). Mudou-se com a família para o bairro de Botafogo em 1916, onde iniciou os seus estudos na Escola Primária Afrânio Peixoto. Desde então, já demonstrava interesse em escrever poesias. Em 1922, a sua mãe adoeceu e a família de Vinicius mudou-se para a Ilha do Governador, ele e a sua irmã Lygia permanecendo com o avô, em Botafogo, para terminar o ensino primário.
Vinicius de Moraes ingressou em 1924 no Colégio Santo Inácio, de padres jesuítas, onde passou a cantar no coral e começou a montar pequenas peças de teatro. Três anos mais tarde, tornou-se amigo dos irmãos Haroldo e Paulo Tapajós, com quem começou a fazer as suas primeiras composições e a apresentar-se em festas de amigos. Em 1929, concluiu o ensino secundário e, no ano seguinte, ingressou na Faculdade de Direito do Catete, hoje Faculdade Nacional de Direito (UFRJ). Na chamada "Faculdade do Catete", conheceu e tornou-se amigo do romancista Otavio Faria, que o incentivou na vocação literária. Vinicius de Moraes formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 1933.
Três anos depois, obteve o emprego de censor cinematográfico no Ministério da Educação e Saúde. Dois anos mais tarde, Vinicius de Moraes ganhou uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford. Em 1941, retornou ao Brasil empregando-se como crítico de cinema no jornal "A Manhã". Tornou-se também colaborador da revista "Clima" e empregou-se no Instituto dos Bancários.
No ano seguinte, foi reprovado em seu primeiro concurso para o Ministério das Relações Exteriores (MRE). Em 1943, concorreu novamente e desta vez foi aprovado. Em 1946, assumiu o primeiro posto diplomático como vice-cônsul em Los Angeles. Com a morte do pai, em 1950, Vinicius de Moraes retornou ao Brasil. Nos anos 1950, Vinicius atuou no campo diplomático em Paris e em Roma, onde costumava realizar animados encontros na casa do escritor Sérgio Buarque de Holanda.
No final de 1968 foi afastado da carreira diplomática tendo sido aposentado compulsivamente pelo Ato Institucional Número Cinco.
O poeta estava em Portugal, a dar uma série de espectáculos, alguns com Chico Buarque e Nara Leão, quando o regime militar emitiu o AI-5. O motivo apontado para o afastamento foi o seu comportamento boémio que o impedia de cumprir as suas funções. Vinícius foi amnistiado (depois da morte) pela Justiça, em 1998. A Câmara dos Deputados brasileira, aprovou em fevereiro de 2010, a promoção póstuma do poeta ao cargo de "ministro de primeira classe" do Ministério dos Negócios Estrangeiros - o equivalente a embaixador, que é o cargo mais alto da carreira diplomática. A lei foi publicada no Diário Oficial do dia 22 de junho de 2010 e recebeu o número 12.265.
Vinicius começou a se tornar prestigiado com sua peça de teatro "Orfeu da Conceição", em 25 de setembro de 1956. Além da diplomacia, do teatro e dos livros, a sua carreira musical começou a avançar em meados da década de 50 - época em que conheceu Tom Jobim (um de seus grandes parceiros) -, quando diversas de suas composições foram gravadas por inúmeros artistas. Na década seguinte, Vinicius de Moraes viveu um período áureo na MPB, no qual foram gravadas cerca de 60 composições de sua autoria. Foram firmadas parcerias com compositores como Baden Powell, Carlos Lyra e Francis Hime.
Na década de 1970, já consagrado e com um novo parceiro, o violonista Toquinho, Vinicius seguiu lançando álbuns e livros de grande sucesso.
Na noite de 9 de julho de 1980, acertando detalhes com Toquinho sobre as canções do álbum "Arca de Noé", Vinicius alegou cansaço e que precisava tomar um banho. Na madrugada do dia seguinte Vinicius foi acordado pela empregada, que o encontrara na banheira de casa, com dificuldades para respirar. Toquinho, que estava dormindo, acordou e tentou socorrê-lo, seguido por Gilda Mattoso (última esposa do poeta), mas não houve tempo e Vinicius de Moraes morreu pela manhã.

Carreira artística e poética
No fim da década de 1920 Vinicius de Moraes produziu letras para dez canções gravadas - nove delas parcerias com os Irmãos Tapajós. Seu primeiro registro como letrista veio em 1928, quando compôs (com Haroldo) "Loira ou Morena", gravado em 1932 pela dupla de irmãos. Vinicius teve publicado seu primeiro livro de poemas, O Caminho para a Distância, em 1933, e lançou outros livros de poemas nessa década. Foram também gravadas outras canções de sua autoria, como "Dor de uma Saudade" (composta com Joaquim Medina), gravada em 1933 por João Petra de Barros e Joaquim Medina, "O Beijo Que Você Não Quis Dar" (composta com Haroldo Tapajós) e "Canção da Noite" (composta com Paulo Tapajós), ambas gravadas em 1933 pelos Irmãos Tapajós e também "Canção para Alguém" (composta com Haroldo Tapajós), gravada pelos mesmos um ano depois.
Ainda na década de 1930 Vinicius de Moraes estabeleceu amizade com os poetas Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Em sua fase considerada mística, ele recebeu o Prémio Felipe D'Oliveira pelo livro Forma e Exegese, de 1935. No ano seguinte, lançou o livro Ariana, a Mulher.
Declarava-se então partidário do Integralismo, partido brasileiro de orientação fascista.

Mudança de fase
Na década de 1940 as suas obras literárias foram marcadas por versos em linguagem mais simples, sensual e excitante, por vezes, carregados de temas sociais. Vinicius de Moraes publicou os livros Cinco Elegias (1943), que marcou esta nova fase, e Poemas, Sonetos e Baladas (1946); obra ilustrada com 22 desenhos de Carlos Leão. Atuando como jornalista e crítico de cinema em diversos jornais, Vinicius lançou em 1947, com Alex Vianny, a revista Filme. Dois anos depois, publicou em Barcelona o livro Pátria Minha.
De volta ao Brasil no início dos anos 1950, após servir ao Itamaraty nos Estados Unidos, Vinicius começou a trabalhar no jornal Última Hora, exercendo funções burocráticas na sede do Ministério das Relações Exteriores.
Em 1953 Aracy de Almeida gravou "Quando Tu Passas Por Mim", primeiro samba de sua autoria. Escrita com Antônio Maria, a canção foi dedicado à esposa Tati de Moraes - e marcava também o fim do seu casamento. Ainda naquele ano, Vinícius foi para Paris como segundo secretário da embaixada brasileira. Aracy de Almeida também gravou "Dobrado de Amor a São Paulo" (outra parceria com Antônio Maria), em 1954.

Orfeu e o amigo Tom
Em 1954, Vinícius publica a sua coletânea de poemas, Antologia Poética, mesmo ano que publica sua peça teatral Orfeu da Conceição, premiada no concurso do IV Centenário de São Paulo e publicada na revista Anhembi. Dois anos depois, quando Vinicius buscava alguém para musicar a peça, e aceitou a sugestão do amigo Lúcio Rangel para trabalhar com um jovem pianista, Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, que na época tinha 29 anos e vivia da venda de músicas e arranjos nos inferninhos de Copacabana.
Do encontro entre Vinícius e Tom nasceria uma das mais fecundas parcerias da música brasileira, que a marcaria definitivamente. Os dois compuseram a banda sonora, que incluía "Lamento no Morro", "Se Todos Fossem Iguais A Você", "Um Nome de Mulher", "Mulher Sempre Mulher" e "Eu e Você" e foram lançadas em disco por Roberto Paiva, Luiz Bonfá e Orquestra. A peça estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Além destas canções, a dupla Vinicius e Tom compuseram, entre outros clássicos, "A Felicidade", "Chega de Saudade", "Eu sei que vou te amar", "Garota de Ipanema", "Insensatez", entre outras belas canções.
Entre 1957 a 1958, o diretor de cinema francês Marcel Camus filmou "Orfeu do Carnaval" no Rio de Janeiro, filme este que recebeu o nome de Orfeu Negro. Vinicius compôs para o filme "A Felicidade" e "O Nosso Amor". Um ano depois, o filme seria contemplado com a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes e o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Em 1957 teve a sua carreira diplomática transferida para Montevidéu, onde permaneceu por três anos.

Bossa Nova
O ano de 1958 marcaria o início de um dos movimentos mais importantes da música brasileira, a Bossa Nova. A pedra fundamental do movimento veio com o álbum "Canção do Amor Demais", gravado pela cantora Elizeth Cardoso. Além da faixa-título, o antológico LP contava ainda com outras canções de autoria da dupla Vinicius e Tom, como "Luciana", "Estrada Branca", "Outra Vez" e "Chega de Saudade", em interpretações vocais intimistas.
"Chega de Saudade" foi uma canção fundamental daquele novo movimento, especialmente porque o álbum de Elizeth contou com a participação de um jovem violonista, que com seu inovador modo de tocar o violão, caracterizado por uma nova batida, marcaria definitivamente a bossa nova e a tornaria famosa no mundo inteiro a partir dali. O nome deste violonista é João Gilberto. A importância do disco "Canção do Amor Demais" é tamanha que ele é tido como referência por muitos artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso.
Várias das composições de Vinicius foram gravadas na metade final daquela década por outros artistas. Joel de Almeida gravou "Loura ou Morena" (1956). No ano seguinte, Aracy de Almeida gravou "Bom Dia, Tristeza" (composta com Adoniran Barbosa), Tito Madi gravou "Se Todos Fossem Iguais A Você", Bill Farr gravou "Eu Não Existo Sem Você", Agnaldo Rayol gravou "Serenata do Adeus" e Albertinho Fortuna gravou "Eu Sei Que Vou Te Amar". "O Nosso Amor" e "A Felicidade" foram duas das canções mais lançadas no final daquela década. A primeira foi gravada por Lueli Figueiró e Diana Montez, ambas em 1959. Já a segunda foi lançada por Lueli Figueiró, Lenita Bruno, Agostinho dos Santos e João Gilberto.
Servindo ao Itamaraty em Montevidéu desde 1957, Vinicius de Moraes deixaria a embaixada brasileira no Uruguai somente em 1960. As suas canções continuaram sendo gravadas por muitos artistas no início da década de 60. Foram lançadas "Janelas Abertas" (composta com Tom Jobim), por Jandira Gonçalves, e "Bate Coração", (composta com Antônio Maria), por Marianna Porto de Aragão, cantora de culto na época, com uma das vozes mais poderosas de toda uma geração de cantoras .

Novas parcerias
No ano seguinte, Vinicius registou pela primeira vez a sua voz, em um álbum contendo os sambas "Água de Beber" e "Lamento no Morro", novamente em parcerias com Tom Jobim. O poeta teria também um novo parceiro naquele período, o cantor, compositor e violonista Carlos Lyra. Com ele, Vinicius iria compor clássicos como "Você e Eu", "Coisa Mais Linda", "A Primeira Namorada" e "Nada Como Te Amar". Ainda em 1961, o Teatro Santa Rosa foi inaugurado no Rio de Janeiro com "Procura-se uma rosa", peça de autoria de Vinicius, Pedro Bloch e Gláucio Gil - filmada depois pelo cinema italiano com o nome de "Una Rosa per Tutti" (o longa-metragem foi rodado no Rio e estrelado por Cláudia Cardinale).
Em 1962, a Banda do Corpo de Bombeiros Fluminense gravou "Serenata do Adeus", um ano após gravarem "Rancho das Flores", marcha-rancho com versos do poeta sobre tema de Jesus, Alegria dos Homens, de Johann Sebastian Bach. Ainda naquele ano, enquanto "Canção da Eterna Despedida" (composta com Tom Jobim) "Em Noite de Luar" (composta com Ary Barroso) foram gravadas por Orlando Silva e Ângela Maria, respectivamente, Vinicius de Moraes publicou três livros: Antologia Poética, Procura-se Uma Rosa e Para Viver Um Grande Amor.
Com Pixinguinha, compôs a banda sonora do filme Sol sobre a Lama, de Alex Vianny, escrevendo as letras para os chorinhos "Lamento" e "Mundo Melhor". Também naquele período, nasceu a parceria com o compositor e violonista Baden Powell. Desta, resultariam inúmeros sucessos, como "Apelo", "Canção de Amor", "Canto de Ossanha", "Formosa", "Mulher Carioca", "Paz", "Pra Quê Chorar", "Samba da Bênção", "Samba Em Prelúdio", "Só Por Amor", "Tem Dó", "Tempo Feliz", entre outras.
Em agosto de 1962, com Tom Jobim, João Gilberto e o grupo Os Cariocas, Vinicius de Moraes participou de "Encontro", um dos mais importantes concertos da bossa nova e realizado na discoteca "Au Bon Gourmet", no Rio de Janeiro. Neste show, foram lançadas clássicos da música popular brasileira como "Ela é Carioca", "Garota de Ipanema", "Insensatez", "Samba do Avião" e "Só Danço Samba". Naquela mesma casa noturna foi montada "Pobre Menina Rica", mais uma peça do poeta, cuja banda sonora trazia canções como "Sabe Você", "Primavera" e "Samba do Carioca" (lançando a cantora Nara Leão), ambas parcerias com Carlos Lyra. Ainda naquele ano, Vinicius comporia com Lyra "Marcha da Quarta-feira de Cinzas" e "Minha Namorada".
Várias daquelas seriam gravadas em 1963. Jorge Goulart gravou "Marcha da Quarta-feira de Cinzas", Elizeth Cardoso gravou "Mulher Carioca" e "Menino Travesso" (composta com Moacir Santos), Elza Soares gravou "Só Danço Samba", Pery Ribeiro e o Tamba Trio gravaram "Garota de Ipanema" e Jair Rodrigues gravou "O Morro Não Tem Vez" (composta com Tom Jobim).
Naquele mesmo período, Vinicius de Moraes lançou com a atriz Odete Lara seu primeiro álbum: Vinicius e Odete Lara. Com arranjos e regência do poeta Moacir Santos, o LP continha canções da parceria com Baden Powell, como "Berimbau", "Mulher Carioca", "Samba em Prelúdio" e "Só por Amor", entre outras. Ainda em 1963, o selo Copacabana lançou o álbum "Elizeth Interpreta Vinicius", contendo as parcerias do poetinha com Baden Powell, Moacir Santos (e arranjos deste), Nilo Queiroz e Vadico.

Regresso ao Brasil
Em 1964 Vinicius retornou ao Brasil e logo se apresentou na discoteca "Zum Zum", ao lado de Dorival Caymmi, Quarteto em Cy e o Conjunto de Oscar Castro Neves. O concerto teve grande repercussão nos meios artísticos e foi lançado em LP pelo selo Elenco, contendo composições como "Bom-dia, Amigo" (parceria com Baden Powell), "Carta ao Tom", "Dia da Criação" e "Minha Namorada" (parcerias com Carlos Lyra), e "Adalgiza", "...Das Rosas", "História de Pescadores" e "Saudades da Bahia" (parcerias com o cantor, compositor e violonista Dorival Caymmi).
Duas canções de Vinicius de Moraes concorreram, em 1965, o I Festival Nacional de Música Popular Brasileira (da extinta TV Excelsior). "Arrastão" (composta com Edu Lobo), defendida por Elis Regina, ficou com o primeiro lugar, e "Valsa do Amor que Não Vem" (parceria com Baden Powell), defendida por Elizeth Cardoso, ficou com o segundo lugar. Também com o arranjador, cantor e instrumentista Edu Lobo, Vinicius compôs "Zambi" e "Canção do Amanhecer" - canções que se engajaram no clima de protesto da época e foram apresentadas em projetos do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE). Por um breve período, Vinicius foi designado para trabalhar na delegação do Brasil junto à UNESCO, na Europa. O poeta também trabalhou com o diretor Leon Hirszman no roteiro do filme Garota de Ipanema, voltou a se apresentar no Zum Zum com Dorival Caymmi e lançou o livro "Cordélia e o Peregrino".
Ainda em 1965, o Teatro Municipal de São Paulo foi o palco de uma homenagem para o poetinha, com o show Vinicius: Poesia e Canção, espetáculo que contou com a participação da Orquestra Sinfónica do Estado de São Paulo (sob a regência do maestro Diogo Pacheco). As composições apresentadas receberam arranjos dos maestros Guerra Peixe, Radamés Gnattali, Luís Eça, Gaya e Luís Chaves e contou com intérpretes com Carlos Lyra, Edu Lobo, Suzana de Morais, Francis Hime, Paulo Autran, Cyro Monteiro e Baden Powell. Quando o poeta terminou a apresentação de "Se Todos Fossem Iguais A Você", a plateia respondeu com dez minutos ininterruptos de aplausos.
Em 1966, foi lançado o álbum Os Afro-Sambas, com suas composições em parceria com Baden Powell. Constam do repertório do disco "Canto de Ossanha", "Canto de Xangô", "Canto de Iemanjá" e "Lamento de Exu", entre outras, além da participação de Powell tocando violão. Naquele mesmo período, Vinicius participou do concerto Pois É, no Teatro Opinião, ao lado de Maria Bethânia e Gilberto Gil. No espetáculo dirigido pelo arranjador, compositor, maestro e pianista Francis Hime, o público carioca conheceu pela primeira vez as canções de Gilberto Gil. Ainda naquele ano, lançou o livro de crónicas Para Uma Menina Com Uma Flor e também foi convidado a participar do júri do Festival de Cannes. Na ocasião, descobriu que sua canção "Samba da Bênção" havia sido utilizada, sem os devidos créditos, na trilha sonora do filme Um Homem e Uma Mulher, do diretor francês Claude Lelouch, vencedor do festival. Após uma ameaça de processo, a obra de Lelouch creditou a canção de Vinicius. O ano de 1967 marcou a estreia do filme Garota de Ipanema, baseado no sucesso homónimo de Vínicius. É a canção brasileira mais conhecida no mundo depois de "Aquarela do Brasil" (de Ary Barroso). Ainda naquele período, Vinícius organizou um festival de artes em Ouro Preto e fez um tour na Argentina e no Uruguai.

Reforma compulsória
Em 1968 Vinicius de Moraes participou de shows em Lisboa, na companhia de Chico Buarque e Nara Leão. Também naquele ano, a convite do crítico Ricardo Cravo Albin, Vinicius prestou histórico depoimento para o Museu da Imagem e do Som (de onde era membro do Conselho Superior de MPB).
Mas o ano de 1968 marcou o fim da carreira diplomática de Vinicius de Moraes. Após 26 anos de serviços prestados ao MRE, Vinicius foi aposentado pelo Ato Institucional 5, criado pela ditadura militar brasileira, facto que o magoou profundamente. No dia em que o ato era editado, Vinicius encontrava-se em Portugal, onde realizava um concerto. Após este espetáculo, estudantes salazaristas estavam aglomerados na porta do teatro para protestar contra o poeta. Avisado disto e aconselhado a se retirar pelos fundos do teatro, o poetinha preferiu enfrentar os protestos e, parando diante dos manifestantes, começou a declamar "Poética I" ("De manhã escureço/De dia tardo/De tarde anoiteço/De noite ardo"). Então, um dos jovens tirou a capa do seu traje académico e a colocou no chão para que Vinicius pudesse passar sobre ela - ato imitado pelos outros estudantes e que, em Portugal, é uma forma tradicional de homenagem académica.
Segundo entrevista publicada pela Revista Veja em 12 de janeiro de 2000 o ex-presidente João Figueiredo explicou as reais causas da demissão do poeta do Itamaraty: "Ele até diz que muita gente do Itamaraty foi demitida ou por corrupção ou por pederastia. É verdade. Mas no caso dele foi por vagabundagem mesmo. Eu era o chefe da Agência Central do Serviço e recebíamos constantemente informes de que ele, servindo no consulado brasileiro de Montevidéu, ganhando 6.000 dólares por mês, não aparecia por lá havia três meses. Consultamos o Ministério das Relações Exteriores, que nos confirmou a acusação. Verificamos que ele não saía dos botequins do Rio de Janeiro, tocando violão, se apresentando por aí, com copo de uísque do lado. Nem pestanejamos. Mandamos brasa."
A reabilitação ao corpo diplomático brasileiro só ocorreu trinta anos depois de sua morte por meio da Lei 12.265 de 21 de junho de 2010. Em cerimónia no Palácio do Itamaraty, Vinicius de Moraes foi elevado ao cargo de ministro de exterior, cargo semelhante ao de embaixador.
Em 1969 Vinicius de Moraes publicou o livro Obra Poética e se apresentou ao lado de Maria Creuza e Dorival Caymmi em Punta del Este. O poetinha também fez recital na Livraria Quadrante, em Lisboa, apresentando, entre outros, os poemas "A Uma Mulher", "O Falso Mendigo", "Sob o Trópico de Câncer" (no qual trabalhou durante nove anos) e "Soneto da Intimidade". O evento foi gravado ao vivo e lançado em LP pelo selo Festa. Ainda naquele ano, Vinicius fez apresentações em Buenos Aires, ao lado de Caymmi, Baden Powell, Quarteto em Cy e Oscar Castro Neves.

Parceria com Toquinho
Naquele mesmo período, iniciou suas primeiras composições com um novo parceiro, o violonista Toquinho. Desta parceria, viriam clássicos como "Como Dizia o poeta", "Tarde em Itapoã" e "Testamento".
Em 1970 Vinicius se apresentou na casa de espetáculo carioca Canecão, com o parceiro Tom Jobim, o violonista Toquinho e a cantora Miúcha. O show, que relembrou a trajetória do poeta, ficou quase um ano em cartaz devido ao grande sucesso obtido. Outra apresentação marcante de Vinícus de Moraes, ao lado de Toquinho e da cantora Maria Creuza, foi em a cidade argentina de Mar del Plata, na boate La Fusa. O concerto resultaria no LP ao vivo Vinicius En La Fusa, uma das mais belas joias gravadas ao vivo da música brasileira. No repertório, interpretado de modo espetacular pela cantora baiana, estavam entre outras "A Felicidade", "Garota de Ipanema", "Irene", "Lamento no Morro", "Canto de Ossanha" (canção muito aplaudida pela plateia argentina), "Samba em Prelúdio", "Eu Sei Que Vou Te Amar" (canção que contou ainda com a declamação do poetinha de "Soneto da Fidelidade", para delírio do público argentino), "Minha Namorada" e "Se Todos Fossem Iguais A Você", que encerrou o magnífico concerto. No ano seguinte, Vinicius voltou à Fusa para gravar um novo LP ao vivo, também com Toquinho, mas desta vez com a cantora Maria Bethânia nos vocais. Neste álbum estão presentes canções com "A Tonga da Mironga do Kabuletê", "Testamento" e "Tarde em Itapoã". Também em 1971, assinou com Chico Buarque, sobre antigo choro de Garoto, a canção "Gente Humilde", grande sucesso gravada pelo próprio Chico e, pouco depois, por Ângela Maria.
A parceria Vinicius/Toquinho excursionou por várias cidades brasileiras e também pelo exterior. Ainda em 1971, a dupla lançou seu primeiro LP de estúdio, com destaque para "Maria Vai com as Outras", "Morena Flor", "A Rosa Desfolhada" e "Testamento". Em 1972, eles lançaram o álbum "São Demais os Perigos Dessa Vida", contendo - além da faixa-título - grandes sucessos como "Cotidiano nº 2", "Para Viver Um Grande Amor" e "Regra três". Com Toquinho, também compôs a trilha sonora da telenovela "Nossa Filha Gabriela" (da extinta TV Tupi), registrada em disco naquele mesmo ano. No ano seguinte, a dupla se apresentou no show "O Poeta, a Moça e o Violão", com a cantora Clara Nunes no Teatro Castro Alves, em Salvador.
Em 1974 Vinicius e Toquinho compuseram "As Cores de Abril" e "Como É Duro Trabalhar", ambas incluídas na trilha sonora da novela Fogo Sobre Terra, da Rede Globo. Naquele mesmo ano, a parceria lançou o álbum Toquinho, Vinicius e Amigos. O disco teve as participações de Maria Bethânia (em "Apelo" e "Viramundo"), Cyro Monteiro ("Que Martírio" e "Você Errou", últimas gravações deste cantor), Maria Creuza ("Tomara" e "Lamento no Morro"), Sergio Endrigo ("Poema Degli Occhi" e "La Casa") e Chico Buarque ("Desencontro"). Ainda naquele ano, a dupla lançou "Vinicius e Toquinho", quarto álbum de estúdio da parceria, que trazia composições de autoria deles, como "Samba do Jato", "Sem Medo" e "Tudo Na Mais Santa Paz", e ainda "Samba pra Vinicius", homenagem ao poetinha de Toquinho e Chico Buarque, que fez uma participação especial no disco.
Em 1975 Vinicius de Moraes lançou o álbum "O Poeta e o Violão". Gravado em Milão, o LP teve a participação especial dos maestros Bacalov e Bardotti. No mesmo ano, a gravadora Philips lançou o álbum "Vinicius e Toquinho". Deste LP, destaca-se "Onde Anda Você" - parceria com Hermano Silva e que alcançou grande sucesso. Ainda naquele ano, Vinicius lançou o livro de poemas infantis A Arca de Noé. Foram lançados em no ano seguinte os álbuns Ornella Vanoni, Vinicius de Moraes e Toquinho - La voglia, la pazzia, l'incoscienza e l'allegria e Deus lhe Pague - este com as composições da parceria Vinicius e Edu Lobo.
Vinicius teve publicado, em 1977, o livro O Breve Momento, com 15 serigrafias de Carlos Leão. Naquele ano, o selo Philips lançou o álbum "Antologia Poética", uma seleção da obra poética do poetinha e que teve a participação especial de Tom Jobim, Francis Hime e Toquinho. A gravadora Som Livre disponibilizou no mercado o LP Tom, Vinicius, Toquinho e Miúcha - Ao Vivo no Canecão. Em 1978 foi lançado o álbum Vinicius e Amália, gravado em Lisboa com a cantora portuguesa Amália Rodrigues. Naquele mesmo ano, foi editado o álbum "10 Anos de Toquinho e Vinicius" - uma coletânea de uma década de trabalhos da dupla. Em 1980 foi lançado o álbum Arca de Noé, que trouxe diversos intérpretes para as composições infantis do poeta, musicadas a partir do livro homónimo. O disco gerou um especial infantil na Rede Globo, naquele mesmo ano.

Falecimento
Na madrugada de 9 de julho de 1980 Vinicius de Moraes começou a se sentir mal na banheira da casa onde morava, na Gávea, vindo a falecer pouco depois. O poeta passara o dia anterior com o parceiro e amigo Toquinho, com quem planeava os últimos detalhes do volume 2 do álbum "Arca de Noé". Em 1981, este LP foi lançado.
Mesmo após a morte, a obra musical de Vinicius manteve-se prestigiada na música brasileira. Foram lançados os álbuns Toquinho, Vinicius e Maria Creuza - O Grande Encontro (1988) e A História dos Shows Inesquecíveis - Poeta, Moça e Violão: Vinicius, Clara e Toquinho (1991), além de terem sido lançados livros sobre o poeta, como Vinicius de Moraes - Livro de Letras (1993), de José Castello, Vinicius de Moraes (1995), também de José Castello, "Vinicius de Moraes" (1997), de Geraldo Carneiro (uma edição ampliada do livro publicado em 1984). Ainda em 1993, Almir Chediak editou os três volumes do Songbook Vinicius de Moraes.
Por ocasião dos vinte anos da morte do poeta, em 2000, a Praia de Ipanema foi o palco de um show em homenagem a Vinicius, que contou com a participação da Orquestra Sinfônica Brasileira, Roberto Menescal, Wanda Sá, Zimbo Trio, Os Cariocas, Emílio Santiago e Toquinho, interpretando composições de sua autoria.
Em 2003, ano em que o poeta completaria seu 90º aniversário, foram lançados vários projetos em tributo à sua criação artística. Também foi lançado o website oficial de Vinicius.
Em 2005 "The Girl from Ipanema", versão em inglês de "Garota de Ipanema", interpretada por Astrud Gilberto, Tom Jobim, João Gilberto e Stan Getz e gravada em 1963, foi escolhida como uma das 50 grandes obras musicais da Humanidade pela Biblioteca do Congresso Americano. Ainda em 2005, estreou, na abertura da sétima edição do Festival do Rio, o documentário Vinicius, dirigido por Miguel Faria Jr. e produzido por Suzana de Moraes, filha do poeta, com a participação de Chico Buarque, Carlos Lyra, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Adriana Calcanhoto, Mariana de Moraes e Olívia Byington, entre outros convidados. A trilha sonora do filme foi lançada em CD.
Em 2006 foi lançada a caixa "Vinicius de Moraes & Amigos", com cinco álbuns do poetinha, contendo 70 canções compiladas de fonogramas gravados por vários intérpretes e pelo próprio Vinicius (a solo ou em dueto). A caixa incluiu ainda um libreto com a biografia do homenageado e as letras de todas as canções.
Em 2011 a escola Império Serrano falou sobre ele com o enredo : "A Benção, Vinicius".


A Noite Sangrenta e a televisão

República
RTP acaba com ignorância sobre Noite Sangrenta

Minissérie. Actores e argumentista admitem que não conheciam este episódio histórico que aconteceu há 89 anos. Agora, já sabem. Investimento foi um dos mais caros da estação pública


Noite Sangrenta é o último dos projectos de ficção da RTP para assinalar o centenário da implantação da República. Mas é também um episódio quase desconhecido da história portuguesa. E os intervenientes da minissérie - que será emitida hoje e amanhã na RTP1, pelas 21.00 horas - são disso exemplo. "De toda a equipa só uma pessoa, que tinha 80 anos e veio fazer uma figuração especial, é que sabia o que era a Noite Sangrenta", resume o argumentista Tiago Rodrigues, assumindo que ele próprio desconhecia este acontecimento até começar a investigar.
Os actores Isabel Abreu, Gonçalo Waddington e Nuno Lopes, protagonistas da história, também admitem que nunca haviam ouvido falar deste episódio. "Inicialmente achei que era um problema meu, que não tinha estudado bem a história. Depois, percebi que não. Provavelmente, 90% dos portugueses não sabem o que é a Noite Sangrenta", comenta a actriz, que interpreta Berta da Maia, a personagem central do projecto, a mulher que leva a cabo uma investigação por conta própria para descobrir o mandante do assassínio do marido, Carlos da Maia, e de outros heróis da República na noite de 19 de Outubro de 1921.
"É uma mulher à frente do seu tempo. É alguém que vai contra tudo e contra todos, é uma mulher muito à frente", analisa Isabel Abreu, que se surpreendeu quando leu o livro que Berta da Maia escreveu. "Tem ali um tom que se deve à época e à posição da mulher na época", explica, realçando o contraste dessa autocomiseração com a força desta mulher. "Acho que o que ela fez e o que ela era não é aquilo que ela escreve", sublinha.
Apesar disso, o livro foi, segundo Tiago Rodrigues, silenciado. "A segunda edição foi tirada de circulação, já o marechal Carmona era presidente da República. Ele que fora o procurador do caso e que parece ter feito uma investigação forte", lembra o argumentista, que também faz uma participação como actor no papel de Fernando da Maia, o cunhado de Berta da Maia, o homem que a acompanha apesar de achar que "nada daquilo vale a pena".
Gonçalo Waddington interpreta Abel Olímpio, o marinheiro chefe da milícia que é julgado pelo crime, mas que se recusa sempre a divulgar o nome dos mandantes.
As cenas foram gravadas no tribunal militar do Campo de Santa Clara, em Lisboa, local exacto onde ocorreram os acontecimentos há 89 anos. "Encontraram-se fotos e ele era ainda mais magro do que eu", sorri Gonçalo, mostrando o dente de ouro que colocou para compor o personagem.
Vestido de marinheiro, Nuno Lopes admite que o figurino o ajuda a situar-se no ambiente dos anos 1920. "É sempre divertido imaginarmo-nos a viver nesta época", admite o actor.
Noite Sangrenta foi apenas um de quatro projectos de época produzidos praticamente em simultâneo, o que acabou por complicar as coisas.
"As armas foram alugadas na Alemanha pelos quatro projectos, mas isso foi um acordo entre as produtoras. Sei que no guarda-roupa houve alguma competição e que algumas produtoras, quando chegaram a Espanha para alugar a roupa, esta já estava alugada por outras. E que na marcação de filmagens em algumas ruas de Lisboa ou em alguns palácios houve alguma confusão, porque para projectos diferentes e em dias diferentes havia o mesmo espaço, a mesma rua, o mesmo palácio", conta São José Ribeiro, directora adjunta de programas da RTP. "Mas são projectos completamente diferentes. A única coisa que os une é que contam histórias à volta de 1910", acrescenta, referindo-se a República, O Segredo de Miguel Zuzarte e A Noite do Fim do Mundo, já emitidos. "Foi um grande, grande, grande investimento. É, talvez, e estou há sete anos na RTP, o maior investimento em produção histórica que a RTP fez nos últimos anos", admite a responsável da estação. De valores não fala, mas remata: "São projectos muito caros."

in DN - ler notícia

A verdadeira estória da Noite Sangrenta e da Camionete Fantasma

(imagem daqui)

19 de outubro de 1921

O 19 de outubro de 1921 foi o fim da 1ª República, embora formalmente ela continuasse até 28 de maio de 1926. Pelo meio, alguns episódios grotescos de um regime em degenerescência: as governações de António Maria da Silva, o carbonário tornado o chefe todo poderoso do PRP e dos respectivos caciques, diretas ou por interpostos testas de ferro; a eleição de Teixeira Gomes para a Presidência da República, uma manobra de Afonso Costa para tentar regressar ao poder; a renúncia de Teixeira Gomes quando percebeu que nem conseguia o regresso de Afonso Costa, nem passaria de um títere nas mão do odiado chefe do PRP (Partido Republicano Português aka Partido Democrático - PRP/PD): renunciou e abandonou o país no primeiro barco que zarpou da barra de Lisboa, com destino ao estrangeiro.
Entre o assassinato de Sidónio Pais e os massacres de 19 de outubro de 1921, Portugal, teoricamente um regime parlamentar, viveu sob uma ditadura tutelada pelos arruaceiros e rufias dos cafés e tabernas de Lisboa e pela Guarda Nacional Republicana, uma Guarda Pretoriana do regime, bem municiada de artilharia e armamento pesado, concentrada na zona de Lisboa e cujos efectivos passaram de 4.575 homens em 1919 para 14.341 em 1921, chefiados por oficiais «de confiança», com vencimentos superiores aos do exército. A queda do governo de Liberato Pinto, o principal cacique e mentor da GNR, em fevereiro de 1921, colocou as instituições democráticas na mira dos arruaceiros e pretorianos do regime a que se juntaram sindicalistas, anarquistas, efectivos do corpo de marinheiros, etc. O governo de António Granjo, formado a 30 de agosto, era o alvo.
O nó górdio foi o caso Liberato Pinto, entretanto julgado e condenado em Conselho de Guerra por causa das suas actividades conspirativas. Juntamente com o Mundo, a Imprensa da Manhã, jornal sob a tutela de Liberato Pinto, atacavam diariamente o governo, tentando provar, através de documentos falsos, que o Governo projectava o cerco de Lisboa por forças do Exército, para desarmar a Guarda Nacional Republicana. No Diário de Lisboa apareceram, entretanto, algumas notas relativas ao futuro movimento. Em 18 de agosto, um informador anónimo dizia da futura revolta: «Mot d'ordre: a revolução é a última. Depois, liquidar-se-ão várias pessoas».
O coronel Manuel Maria Coelho era o chefe da conjura. Acompanhavam-no, na Junta, Camilo de Oliveira e Cortês dos Santos (oficiais da G.N.R.) e o capitão-de-fragata Procópio de Freitas. O republicanismo histórico do primeiro aliava-se às forças armadas, que seriam o pilar da revolução. Depois de uma primeira tentativa falhada, em que alguns dos seus chefes foram presos e libertos logo a seguir, o movimento de 19 de outubro de 1921 desenrolou-se num dia apenas, entre a manhã e a noite. Três tiros de canhão disparados da Rotunda pela artilharia pesada da GNR tiveram a sua resposta no Vasco da Gama. Passavam à acção as duas grandes forças da revolta. A Guarda concentrou os seus elementos na Rotunda; o Arsenal foi ocupado pelos marinheiros sublevados, que não encontraram qualquer resistência; núcleos de civis armados percorreram a cidade em serviço de vigilância e propaganda. Os edifícios públicos, os centros de comunicações, os postos de comando oficiais caíram rapidamente em poder dos sublevados. Às nove horas, uma multidão de soldados, marinheiros e civis subiu a Avenida para saudar a Junta vitoriosa. Instalado num anexo do hospital militar de Campolide, o seu chefe, o coronel Manuel Maria Coelho, presidia àquela vitória sem luta.
Em face da incapacidade de resistir, às dez da manhã, António Granjo escreveu ao Presidente da República: «Nestes termos, o governo encontra-se sem meios de resistência e defesa em Lisboa. Deponho, por isso, nas mãos de V. Ex.a a sorte do Governo...» António José de Almeida respondeu-lhe, aceitando a demissão: «Julgo cumprir honradamente o meu dever de português e de republicano, declarando a V. Ex.a que, desde este momento, considero finda a missão do seu governo...» Recebida a resposta, António Granjo retirou-se para sua casa. Eram duas da tarde.
O PR recusou-se a ceder aos sublevados. Afiançou que preferiria demitir-se a indigitar um governo imposto pelas armas. Às onze da noite, ainda sem haver solução institucional, Agatão Lança avisou António José de Almeida que algo de grave se estava a passar. Perante tal, conforme descreveu depois o PR, «Corri ao telefone e investi o cidadão Manuel Maria Coelho na Presidência do Ministério, concedendo-lhe os poderes mais amplos e discricionários para que, sob a minha inteira responsabilidade, a ordem fosse, a todo o transe, mantida».
Passando a palavra a Raul Brandão (Vale de Josafat, páginas 106-107), «Depois veio a noite infame. Veio depois a noite e eu tenho a impressão nítida de que a mesma figura de ódio, o mesmo fantasma para o qual todos concorremos, passou nas ruas e apagou todos os candeeiros. Os seres medíocres desapareceram na treva, os bonifrates desapareceram, só ficaram bonecos monstruosos, com aspectos imprevistos de loucura e sonho...».
Sentindo as ameaças que se abatiam sobre ele, António Granjo buscou refúgio na casa de Cunha Leal. Cunha Leal tinha simpatias entre os revoltosos (tinha aliás sido sondado para ser um dos chefes do movimento, mas recusara) e Granjo considerou-se a salvo. Todavia, a denúncia de uma porteira guiou os seus perseguidores, que tentaram entrar na casa de Cunha Leal, para deter António Granjo. Cunha Leal impediu-os, mas a partir desse momento ficaram sem possibilidades de fuga porque, pouco a pouco, o cerco apertara-se e grupos armados vigiavam a casa. Apelos telefónicos junto de figuras próximas dos chefes da sublevação, que pudessem dar-lhes auxílio, não surtiram efeito.
Perto das nove da noite compareceu um oficial da marinha, conhecido de ambos, que afirmou que levaria Granjo para bordo do Vasco da Gama, um lugar seguro. Cunha Leal vacilou. Granjo mostrou-se disposto a partir. Cunha Leal acompanhou-o, exigindo ao oficial da marinha que desse a palavra de honra de que não seriam separados. Meteram-se na camioneta que afinal não os levaria ao refúgio do Vasco de Gama, mas ao centro da sublevação.
A camioneta chegou ao Terreiro do Paço onde os marinheiros e os soldados da Guarda apuparam e tentaram matar António Granjo. Cunha Leal conseguiu então salvá-lo. A camioneta entrou, por fim, no Arsenal e os dois políticos passaram ao pavilhão dos oficiais. Um grupo rodeou Cunha Leal e separou-o de Granjo, apesar dos seus protestos. Os seus brados levaram a que um dos sublevados disparasse sobre ele, atingindo-o três vezes, um dos tiros, gravemente, no pescoço. Foi conduzido ao posto médico do Arsenal.
Entretanto, vencida a débil resistência de alguns oficiais, marinheiros e soldados da GNR invadiram o quarto onde estava António Granjo e descarregaram as suas armas sobre ele. Caiu crivado. Um corneteiro da Guarda Nacional Republicana cravou-lhe um sabre no ventre. Depois, apoiando o pé no peito do assassinado, puxou a lâmina e gritou: «Venham ver de que cor é o sangue do porco!»
A camioneta continuou a sua marcha sangrenta, agora em busca de Carlos da Maia, o herói republicano do 5 de outubro e ministro de Sidónio Pais. Carlos da Maia inicialmente não percebeu as intenções do grupo de marinheiros armados. Tinha de ir ao Arsenal por ordem da Junta Revolucionária. Na discussão que se seguiu só conseguiu o tempo necessário para se vestir. Então, o cabo Abel Olímpio, o Dente de Ouro, agarrou-o pelo braço e arrastou-o para a camioneta que se dirigiu ao Arsenal. Carlos da Maia apeou-se. Um gesto instintivo de defesa valeu-lhe uma coronhada brutal. Atordoado pelo golpe, vacilou, e um tiro na nuca acabou com a sua vida.
A camioneta, com o Dente de Ouro por chefe, prosseguiu na sua missão macabra. Era seguida por uma moto com sidecar, com repórteres do jornal Imprensa da Manhã. Bem informados como sempre, foram os próprios repórteres que denunciaram: «Rapazes, vocês por aí vão enganados... Se querem prender Machado Santos venham por aqui...». Acometido pela soldadesca, Machado Santos procurou impor a sua autoridade: «Esqueceis que sou vosso superior, que sou Almirante!». Dente de Ouro foi seco: «Acabemos com isto. Vamos». Machado Santos sentou-se junto do motorista, com Abel Olímpio, o Dente de Ouro, a seu lado. Na Avenida Almirante Reis, a camioneta imobiliza-se devido a avaria no motor. Dente de Ouro e os camaradas não perdem tempo. Abatem ali mesmo Machado Santos, o herói da Rotunda.
Não encontraram Pais Gomes, ministro da Marinha. Prenderam o seu secretário, o comandante Freitas da Silva, que caiu, crivado de balas, à porta do Arsenal. O velho coronel Botelho de Vasconcelos, um apoiante de Sidónio, foi igualmente fuzilado. Outros, como Barros Queirós, Cândido Sotomayor, Alfredo da Silva, Fausto Figueiredo, Tamagnini Barbosa, Pinto Bessa, etc., salvaram a vida por acaso.
Os assassinos foram marinheiros e soldados da Guarda. Estavam tão orgulhosos dos seus actos que pensaram publicar os seus nomes na Imprensa da Manhã, como executores de Machado Santos. Não o chegaram a fazer devido ao rápido movimento de horror que percorreu toda a sociedade portuguesa face àquele massacre monstruoso. Mas quem os mandou matar?
O horror daqueles dias deu lugar a uma explicação imediata, simples e porventura correcta: os assassínios de 19 de outubro tinham sido a explosão das paixões criadas e acumuladas pelo regime. Determinados homens mataram; a propaganda revolucionária impeliu-os e a explosão da revolução permitiu-lhes matar. No enterro de António Granjo, Cunha Leal proclamou essa verdade: «O sangue correu pela inconsciência da turba - a fera que todos nós, e eu, açulámos, que anda solta, matando porque é preciso matar. Todos nós temos a culpa! É esta maldita política que nos envergonha e me salpica de lama». No mesmo acto, afirmaria Jaime Cortesão: «Sim, diga-se a verdade toda. Os crimes, que se praticaram, não eram possíveis sem a dissolução moral a que chegou a sociedade portuguesa».
Com o tempo, os republicanos procuraram outras explicações. Não podiam aceitar a explicação simples que teria sido a sua ação, o radicalismo da sua política, a imundície que haviam lançado desde 1890 sobre toda a classe política, a sua retórica de panegírico aos atentados bombistas (desde que favoráveis à sua causa), aos regícidas, a desencadear tanta monstruosidade. Significava acusarem-se a si próprios. Outras explicações foram aparecendo, sempre mais tortuosas, acerca dos eventuais culpados: conspiração monárquica; Cunha Leal (apesar de ter sido quase morto); Alfredo da Silva (apesar de, nessa noite, ter escapado à justa e tido que se refugiar em Espanha) uma conspiração monárquica e ibérica; a Maçonaria (a acção da Maçonaria sobre a Guarda, impelindo-a para a revolução, era constante, mas isso não significa que desse ordens para aqueles crimes)
Os assassinados na Noite Sangrenta não seriam, entre os republicanos, aqueles que mais hostilidade mereceriam dos monárquicos. Eram republicanos moderados. O furor dos assassinos liquidara homens tidos, na sua maior parte, como simpatizantes do sidonismo. Não se tratava de vingar outubro de 1910, mas sim dezembro de 1917. Carlos da Maia e Machado Santos foram ministros de Sidónio Pais. Botelho de Vasconcelos, coronel na Rotunda, às ordens de Sidónio Pais. Se as matanças de 19 de outubro de 1921 foram uma vingança terão de ser referenciadas à República Nova e não ao 5 de outubro. Aliás, num gesto significativo, os revolucionários libertaram o assassino de Sidónio Pais.
Há na Noite Sangrenta factos que se impõem de maneira evidente. A 20 de outubro, a Imprensa da Manhã reivindicou para si a glória de ter preparado o movimento, mas repudiou as suas trágicas consequências, especialmente a morte de Granjo. Ora anteriormente, dia após dia, aquele diário havia acusado e ameaçado Granjo, injuriando-o sistematicamente. Como podia agora lavar as mãos da sua morte? Aliás, a atitude dos assassinos foi concludente: depois de matarem Machado Santos, dirigiram-se na camioneta da morte à Imprensa da Manhã para lhe agradecerem o apoio e para aquela publicar os nomes dos que tinham fuzilado o Almirante. Um deles confessou mais tarde que Machado Santos havia sido localizado por informações de jornalistas da Imprensa da Manhã. Os assassinos procuravam a satisfação e a glória de uma obra realizada, no diário matutino onde se proclamara a necessidade dessa realização.
Os assassinos nunca esperaram ser castigados. Mesmo durante o julgamento sempre esperaram a absolvição. Quando foram condenados, entre gritos de vingança e de apoio à «República radical», alguns acusaram altos oficiais de não terem autoridade moral para os condenarem, pois estavam por detrás da carnificina. Os assassinos tinham, de certo modo, razão: eles tinham agido dentro da lógica que o republicanismo tinha instilado neles. Em todos os regimes que nascem e se sustentam no crime e no terror (por muito justa que a causa possa ser), há sempre o momento (ou os momentos) em que a revolução devora os próprios filhos.
Para terminar devo referir que nem Manuel Maria Coelho, nem nenhum dos «outubristas», conseguiu formar um governo estável. O horror fez todos os nomes sonantes recusarem fazer parte de um governo de assassinos. Menos de dois meses depois da revolução, António José de Almeida, em 16 de dezembro de 1921, entregou a chefia do ministério a Cunha Leal.
A GNR foi pouco a pouco desmantelada e reduzida a uma força de policiamento rural.
A república ficara ferida de morte.


NOTA: o link original deste brilhante texto já não funciona (como, misteriosamente, vão desaparecendo na Internet os textos que falam deste evento...). Os livros de História que se atrevem a tratar este acontecimento também sofrem do mesmo problema (têm uma 1ª Edição, críticas ferozes e morrem rapidamente). Este limpar, com luvas e aventais, desta vergonha da I república, é de per si, também uma vergonha. Salazar, um feroz ditador, na voz imparcial da esmagadora maioria dos Historiadores oficiais do regime, nunca fez, autorizou ou permitiu algo remotamente parecido com a Noite Sangrenta ou a Camionete Fantasma deste trágico dia, em que o republicanismo mostrou a sua verdadeira face... E estamos conversados.

Pequeno sismo sentido no Algarve

Recebido via e-mail do IPMA:
O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) informa que no dia 19.10.2013 pelas 01.19 (hora local) foi registado nas estações da Rede Sísmica do Continente, um sismo de magnitude 4.2 (Richter) e cujo epicentro se localizou a cerca de 130 km a Sudoeste do Cabo de S.Vicente.
Este sismo, de acordo com a informação disponível até ao momento, não causou danos pessoais ou materiais e foi sentido com intensidade máxima III (escala de Mercalli modificada) nas regiões de Lagos, Portimão e Monchique.
Se a situação o justificar serão emitidos novos comunicados.
Sugere-se o acompanhamento da evolução da situação através da página do IPMA na Internet (www.ipma.pt) e a obtenção de eventuais recomendações junto da Autoridade Nacional de Proteção Civil (www.prociv.pt).
NOTA: aqui fica o sismograma de hoje, obtido pelo geofone de Évora, e os dados oficiais do sismo, segundo o IPMA:



Data(TU)Lat.Lon.Prof.Mag.Ref.GrauLocal
2013-10-19 00.19 36,11 -9,90 31 4,2 SW Cabo S.Vicente IIILagos

Há 92 anos a I república mostrava a sua verdadeira face

A infame camioneta (imagem daqui)


A Noite Sangrenta é a designação pela qual ficou conhecida a revolta radical de marinheiros e arsenalistas, que ocorreu em Lisboa a 19 de outubro de 1921, no decurso da qual foram assassinados, entre outros, António Granjo, então presidente do Ministério, Machado Santos e José Carlos da Maia, dois dos históricos da Proclamação da República Portuguesa, o comandante Freitas da Silva, secretário do Ministro da Marinha, e o coronel Botelho de Vasconcelos, antigo apoiante de Sidónio Pais no Arsenal da Marinha.
Na origem da revolta esteve a demissão do governo de Liberato Pinto, e a sua condenação a um ano de detenção (confirmada a 10 de setembro de 1921, pelo Conselho Superior de Disciplina do Exército), um conjunto de militares ligados àquela força policial, a que se juntaram militares do Exército e da Armada, que se sublevou.

Os trágicos acontecimentos da noite de 19 de outubro de 1921 inspiraram um espectáculo de teatro, O Mistério da Camioneta Fantasma, e a mini-série da RTP, Noite Sangrenta, ambas produções de 2010, ano em que se comemorava o centenário da implantação da República Portuguesa.


NOTA: a república e os republicanos tentaram, durante anos, apagar este triste episódio da História de Portugal (e continuam ainda - as referências ao mesmo vão sendo, sucessivamente, misteriosamente apagadas dos livros e da Internet...); felizmente há quem não deixe esquecer este momento, que ilustra muito bem o que foi a bandalheira da I república e dos seus adeptos, havendo ainda alguns que preservam a sua memória.

Samora Machel morreu há 27 anos

Samora Moisés Machel (Chilembene, Gaza, 29 de setembro de 1933 - Mbuzini, Montes Libombos, 19 de outubro de 1986) foi um militar moçambicano, líder revolucionário de inspiração socialista, que liderou a Guerra da Independência de Moçambique e se tornou o seu primeiro presidente após a sua independência, de 1975 a 1986.
Carinhosamente conhecido como "Pai da Nação", morreu quando o avião em que regressava ao Maputo se despenhou em território sul-africano. Em 1975-1976 foi-lhe atribuído o Prémio Lenine da Paz.

(...)

Na frente externa, Samora sempre seguiu uma política de angariar amizades e apoio para Moçambique, não só entre os «amigos» tradicionais, os países do «bloco soviético» e os países vizinhos unidos numa frente de integração regional, a SADCC, mas até entre os seus «inimigos», sendo inclusivamente recebido (embora com frieza) por Ronald Reagan e tendo assinado um acordo de boa-vizinhança com Pieter Botha, presidente da África do Sul nos últimos anos do apartheid (o Acordo de Nkomati). Apesar disso, Samora não conseguiu suster a guerra que, iniciada logo a seguir à independência pelos vizinhos regimes racistas (a África do Sul e a Rodésia de Ian Smith), se tornou uma verdadeira guerra civil dirigida por um movimento de resistência armada (a RENAMO). A guerra civil durou 16 anos, provocou cerca de um milhão de mortos e cinco milhões de deslocados e destruiu grande parte das infraestruturas do país.
A partida da comunidade portuguesa, o insucesso da política de socialização e a guerra levaram a um colapso económico, e Samora, nos últimos anos, teve de abrandar a política de orientação comunista, permitindo aos «quadros» acesso a bens que estavam vedados ao comum dos cidadãos, encetando conversações com a RENAMO e, finalmente, organizando acordos com o Banco Mundial e o FMI, no sentido de estancar a guerra e relançar a economia.

Samora Machel não conseguiu, no entanto, ver realizados os seus propósitos, uma vez que, em 19 de outubro de 1986, quando se encontrava de regresso de uma reunião internacional em Lusaka, o Tupolev 134 cedido pela União Soviética em que seguia, junto com muitos dos seus colaboradores, se despenhou em Mbuzini, nos montes Libombos (território sul-africano, perto da fronteira com Moçambique). O acidente foi atribuído a erros do piloto russo, mas ficou provado que este tinha seguido um rádio-farol, cuja origem não foi determinada. Este facto levou a especulações sobre uma possível cumplicidade do governo sul-africano, que nunca se conseguiu provar.
Em 2010, o jornalista português José Milhazes, que vive em Moscovo desde 1977 e trabalha atualmente para o diário português Público e como correspondente da cadeia portuguesa de televisão SIC, publicou o livro «Samora Machel: Atentado ou Acidente?», no qual sustenta que a queda do avião nada teve a ver com um atentado ou uma falha mecânica, mas sim com diversos erros da tripulação russa: em lugar de executar corretamente as operações de voo, os membros da tripulação, incluindo o piloto, estavam entretidos com futilidades, como a partilha de bebidas alcoólicas e outras, que não era possível obter em Moçambique e que eles traziam da Zâmbia. Segundo Milhazes, tanto os soviéticos como os moçambicanos teriam interesse em divulgar a tese de um atentado perpetrado pelo governo racista da África do Sul: a URSS quereria salvaguardar a sua reputação (qualidade mecânica do aparelho e profissionalismo da tripulação), ao passo que o governo de Moçambique quereria criar um herói.
No entanto, em 2007, Jacinto Veloso, um dos mais fieis aliados de Machel no seio da Frelimo, tinha já publicado as suas Memórias em Voo Rasante, nas quais sustenta que a morte do presidente de Moçambique se deveu a uma conspiração entre os serviços secretos sul-africanos e os soviéticos, que, uns e outros, teriam razões para o eliminar.
Segundo Veloso, o embaixador soviético pediu certa vez uma audiência ao Presidente para lhe comunicar a apreensão da URSS face ao aparente «deslizamento» de Moçambique para o Ocidente, ao que Machel teria respondido «Vai à merda!», ordenando em seguida ao intérprete que traduzisse e abandonando a sala. Convencidos de que Machel se afastara irrevogavelmente da sua órbita, os soviéticos não teriam hesitado em sacrificar o piloto e toda a equipagem do seu próprio avião.
A viúva de Samora, Graça Machel (Simbine de seu nome de solteira), com quem ele se casara em 1977 sendo ela Ministra da Educação, casou-se em 1998 com Nelson Mandela.
 

A agonia de El-Rei D. Luís I acabou há 124 anos

D. Luís I de Portugal (nome completo: Luís Filipe Maria Fernando Pedro de Alcântara António Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis João Augusto Júlio Valfando de Saxe-Coburgo-Gotha e Bragança) (Lisboa, 31 de outubro de 1838 - Cascais, 19 de outubro de 1889) foi o segundo filho da rainha D. Maria II e do rei D. Fernando II. Luís herdou o trono depois da morte do seu irmão mais velho, D. Pedro V, em 1861. Ficou conhecido como O Popular, devido à adoração pelo seu povo; Eça de Queirós chamou-lhe O Bom.

Biografia
D. Luís herdou a coroa em novembro de 1861, sucedendo ao seu irmão D. Pedro V, por este não deixar descendência, e foi aclamado rei a 22 de dezembro do mesmo ano. A 27 de setembro do ano seguinte casou-se, por procuração, com a princesa D. Maria Pia de Sabóia, filha do rei Vitor Emanuel II da Itália. Enquanto Infante serviu na Marinha, visitando a África Portuguesa. Exerceu o seu primeiro comando naval em 1858.
Luís era um homem culto e de educação esmerada, como todos os seus irmãos. De grande sensibilidade artística, pintava, compunha e tocava violoncelo e piano. Poliglota, falava correctamente algumas línguas europeias e fez traduções de obras de William Shakespeare.
Durante o seu reinado e, em consequência da criação do imposto geral de consumo, que a opinião pública recebeu mal, originou-se o motim a que se chamou a Janeirinha (em finais de 1867). Também a 19 de maio de 1870, verificou-se uma revolta militar, promovida pelo Marechal Duque da Saldanha e que pretendia a demissão do governo. À revolta de 19 de Mmaio, respondeu o monarca em 29 de agosto, com a demissão do ministério de Saldanha, chamando ao poder Sá da Bandeira.
Em setembro de 1871, subiu ao poder Fontes Pereira de Melo, que organizou um gabinete regenerador, o qual se conservou até 1877. Seguiu-se o Duque de Ávila, que não se aguentou durante muito tempo por lhe faltar maioria. Assim, e depois do conflito parlamentar que rebentou em 1878, Fontes foi chamado outra vez para constituir gabinete. Consequentemente, os progressistas atacaram o rei, acusando-o de patrocinar escandalosamente os regeneradores. Este episódio constitui um incentivo ao desenvolvimento do republicanismo. Em 1879, D. Luís chamava, então, os progressistas a formarem governo.
No seu tempo surgiu a Questão Coimbrã (1865-1866) e ocorreu a iniciativa das Conferências do Casino (1871), a que andavam ligados os nomes de Antero de Quental e Eça de Queiroz, os expoentes de uma geração que se notabilizou na vida intelectual portuguesa. De temperamento calmo e conciliador, foi um modelo de monarca constitucional, respeitador escrupuloso das liberdades públicas. Do seu reinado merecem especial destaque o início das obras dos portos de Lisboa e de Leixões, o alargamento da rede de estradas e dos caminhos-de-ferro, a construção do Palácio de Cristal, no Porto, a abolição da pena de morte para os crimes civis, a abolição da escravatura no Reino de Portugal, e a publicação do primeiro Código Civil.
Em 1884, foi efectuada a Conferência de Berlim, resultando daí o chamado Mapa Cor-de-Rosa, que definia a partilha de África entre as grandes potências coloniais: Alemanha, Bélgica, França, Inglaterra e Portugal.
Fértil em acontecimentos, é no reinado de D. Luís que são fundados alguns dos partidos políticos portugueses: o Partido Reformista (1865), que ascendeu ao poder em 1868, o Partido Socialista Português (1875), com o nome de Partido Operário Socialista, e o Partido Progressista (1876), que chega ao poder em 1879. Em 1883, dá-se a realização do Congresso de Comissão Organizadora do partido republicano. No final do seu reinado, o partido republicano apresenta-se já como uma força política perfeitamente estruturada.
D. Luís era principalmente um homem das ciências, com uma paixão pela oceanografia. Investiu grande parte da sua fortuna no financiamento de projectos científicos e de barcos de pesquisa oceanográfica, que viajaram pelos oceanos em busca de espécimes.
D. Luís seguiu os passos de sua mãe - D. Maria II - mandando construir e fundar associações culturais. Em 1 de junho de 1871, D. Luís esteve no Seixal (uma vila fundada pela sua mãe), para testemunhar a fundação da Sociedade Filarmónica União Seixalense. Neste mesmo dia terminava a Guerra Franco-Prussiana.
Morre subitamente no seu palácio de verão, na cidadela de Cascais, a 19 de outubro de 1889. Sucede-lhe o seu filho mais velho, Carlos, sob o nome de Carlos I de Portugal.
No dizer dos biógrafos, D. Luís, era: "muito agradável e liberal. [...] A Sr.ª D. Maria Pia, dizia que ele era um pouco doido, aludindo acertas aventuras de amor. [...] Além de tais aventuras, nada satisfazia mais o sr. D. Luís que o culto da arte. Escrevia muito, traduzia obras estrangeiras, e desenhava; mas o seu entusiasmo ia sobretudo para a música. Tinha uma grande colecção de violinos, e um bom mestre-escola [...]".

sexta-feira, outubro 18, 2013

Notícia sobre o mercado legal e ilegal de fósseis...

Quer comprar um dinossauro de 17 metros?

O esqueleto vai a leilão a 27 de novembro

Leiloeira britânica vai pôr à venda um esqueleto completo de um saurópode, que foi descoberto nos EUA por duas crianças, filhas de um caçador de fósseis.

Aquele oásis era um paraíso para os animais cheios de sede devido à intensa seca, mas acabou por se revelar uma armadilha para todos os que ficaram presos nas suas lamas finas. Misty, como agora lhe chamam, estava longe de imaginar que, 150 milhões de anos depois, a iriam colocar à venda num leilão britânico, a mais de sete mil quilómetros de distância do leito de sedimentos prensados de onde foi retirada.
Esse lago jurássico aprisionou vários dinossauros, tanto herbívoros como carnívoros, que têm sido gradualmente descobertos pela empresa Dinosauria International, na Pedreira de Dana, no Wyoming, Estados Unidos.
Num dia de escavação, em 2009, o caçador de fósseis Raimund Albersdörfer, presidente da empresa, fez-se acompanhar dos dois filhos, de 11 e 14 anos, mas ficaram numa área afastada para que não perturbassem a escavação. "Ele [Raimund Albersdörfer] indicou-lhes um local, suficientemente perto mas fora da zona da escavação, onde supôs que houvesse apenas alguns fragmentos de menor importância. Mas eles [os filhos] voltaram ao fim do dia dizendo que tinham encontrado um osso enorme”, conta à CNN Errol Fuller, curador na leiloeira Summer Place, da coleção de história natural que vai a leilão, no próximo mês.
Ao fim de nove semanas de escavação, os cientistas conseguiram retirar o esqueleto completo de um Diplodocus longus, um dos maiores animais que alguma vez caminharam no nosso planeta. O saurópode, um herbívoro quadrúpede, de cauda e pescoço longos, tem 17 metros de comprimento e seis metros de altura. Chamaram-lhe Misty, porque a zona da pedreira onde a encontraram foi considerada “misteriosa”. Ao contrário do que se supunha, é rica em fósseis.

Meia dúzia de esqueletos completos
Estima-se que existam apenas seis esqueletos completos desta espécie em todo o mundo. O famoso Dippy, o esqueleto de Diplodocus à entrada do Museu de História Natural de Londres é uma réplica do exemplar do Museu Carnegie de História Natural em Pittsburgh, na Pensilvânia (EUA), e mesmo este resulta da combinação dos esqueletos de dois indivíduos, conforme revela o comunicado da leiloeira Summer Place.
A primeira viagem da Misty foi para chegar a um laboratório na Holanda, onde os seus ossos foram preparados por especialistas em fósseis, e agora viaja até Billingshurst, no Reino Unido, onde fará parte da colecção que será leiloada pela Summer Place a 27 de Novembro. Este exemplar é um gigantesco puzzle tridimensional, que ficará fixo por uma estrutura metálica. “Foi especialmente concebido para poder ser montado e desmontado”, diz Errol Fuller. “Nenhuma das peças é tão pesada que não possa ser transportada por duas pessoas.”
Este esqueleto, com um valor estimado entre 470 mil e 700 mil euros, faz parte da colecção Evolução, uma colecção de história natural, com peças antigas e modernas, que inclui ainda um fóssil de Ichthyosaurus (réptil marinho) com 150 milhões de anos, ossos de dodó (ave da ilha Maurícia extinta pelo homem no século XVII), outros fósseis, animais embalsamados, minerais e rochas.
Este espécime de saurópode, escavado na América do Norte e à venda na Europa, poderá ser comprado por algum magnata ou um museu de qualquer parte do mundo. Isto levanta questões sobre as restrições impostas pelos Estados Unidos à venda de fósseis encontrados no país. Errol Fuller alega que, como este fóssil foi descoberto numa propriedade privada, não estará sujeito a essas normas. Já nos anos de 1990 um problema semelhante tinha surgido com o fóssil de um Tyrannosaurus rex encontrado na propriedade privada de um índio sioux. O Governo norte-americano ainda confiscou os ossos, mas acabou por perder a causa e o dinossauro foi vendido em leilão por mais de seis milhões de euros.
Já este ano, as autoridades americanas tiveram de entregar à Mongólia um tiranossauro asiático (Tyrannosaurus bataar) que tinha sido roubado do país de origem e leiloado online por uma empresa com sede em Dallas, no Texas.