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terça-feira, novembro 19, 2024

Guimarães Rosa morreu há 57 anos...

(imagem daqui)

 

João Guimarães Rosa (Cordisburgo, 27 de julho de 1908 - Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967), foi um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. Foi também médico e diplomata.
Os contos e romances escritos por Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro. A sua obra destaca-se, sobretudo, pelas inovações de linguagem, sendo marcada pela influência de falares populares e regionais que, somados à erudição do autor, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas.
  
Biografia
Foi o primeiro dos seis filhos de Florduardo Pinto Rosa ("Flor") e de Francisca Guimarães Rosa ("Chiquitita"). Começou ainda criança a estudar diversos idiomas, iniciando-se no Francês quando ainda não tinha sete anos, como se pode verificar neste trecho de uma entrevista concedido a uma prima, anos mais tarde:
 
Eu falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polaco, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.
 
Ainda pequeno, mudou-se para a casa dos avós, em Belo Horizonte, onde concluiu o curso primário. Iniciou o curso secundário no Colégio Santo Antônio, em São João del-Rei, mas logo retornou a Belo Horizonte, onde se formou. Em 1925, matriculou-se na então "Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais", com apenas 16 anos. Em 27 de junho de 1930, casou-se com Lígia Cabral Pena, de apenas 16 anos, de quem teve duas filhas: Vilma e Agnes. Ainda nesse ano formou-se e passou a exercer a profissão em Itaguara, então município de Itaúna (MG), onde permaneceu cerca de dois anos. Foi nessa localidade que passou a ter contacto com os elementos do sertão que serviram de referência e inspiração à sua obra. De volta de Itaguara, Guimarães Rosa serviu como médico voluntário da Força Pública (atual Polícia Militar), durante a Revolução Constitucionalista de 1932, indo para o setor do Túnel em Passa-Quatro (MG) onde tomou contacto com o futuro presidente Juscelino Kubitschek, naquela ocasião o médico-chefe do Hospital de Sangue. Posteriormente, entrou para o quadro da Força Pública, por concurso. Em 1933, foi para Barbacena na qualidade de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria. Aprovado em concurso para o Itamaraty, passou alguns anos de sua vida como diplomata na Europa e na América Latina. No início da carreira diplomática, exerceu, como primeira função no exterior, o cargo de cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, na Alemanha, de 1938 a 1942. No contexto da Segunda Guerra Mundial, para auxiliar judeus a fugir para o Brasil, emitiu, ao lado da sua segunda esposa, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, mais vistos do que as quotas legalmente estipuladas, tendo, por essa ação humanitária e de coragem, ganho, no pós-Guerra, o reconhecimento do Estado de Israel. Aracy é a única mulher homenageada no Jardim dos Justos entre as Nações, o Yad Vashem, que é o memorial oficial de Israel para lembrar as vitimas judaicas do Holocausto. No Brasil, na sua segunda candidatura para a Academia Brasileira de Letras, foi eleito por unanimidade (1963). Temendo ser tomado por uma forte emoção, adiou a cerimónia de posse durante quatro anos. No seu discurso, quando enfim decidiu assumir a cadeira da Academia, em 1967, chegou a afirmar, em tom de despedida, como se soubesse o que se passaria ao entardecer do domingo seguinte: "…a gente morre é para provar que viveu." Faleceu três dias mais tarde, na cidade do Rio de Janeiro, a 19 de novembro. Se a certidão de óbito atestou que morreu de enfarte do miocárdio, a sua morte permanece um mistério inexplicável, sobretudo por estar previamente anunciada na sua obra mais marcante - Grande Sertão: Veredas -, romance qualificado por Rosa como uma "autobiografia irracional". Talvez a explicação esteja na própria travessia simbólica do rio e do sertão de Riobaldo, ou no amor inexplicável por Diadorim, maravilhoso demais e terrível demais, beleza e medo ao mesmo tempo, ser e não-ser, verdade e mentira. Diadorim-Mediador, a alma que se perde na consumação do pacto com a linguagem e a poesia. Riobaldo (Rosa-IO-bardo), o poeta-guerreiro que, em estado de transe, dá à luz obras-primas da literatura universal. Biografia e ficção se fundem e se confundem nas páginas enigmáticas de João Guimarães Rosa, desaparecido prematuramente, aos 59 anos de idade, no ápice de sua carreira literária e diplomática.
  
Contexto literário
Realismo mágico, regionalismo, liberdades e invenções linguísticas e neologismos são algumas das características fundamentais da literatura de Guimarães Rosa, mas não as suficientes para explicar o seu sucesso. Guimarães Rosa prova o quão importante é ter a linguagem a serviço da temática, e vice-versa, uma potencializando a outra. Nesse sentido, o escritor mineiro inaugura uma metamorfose no regionalismo brasileiro que o traria de novo ao centro da literatura de ficção brasileira.
Guimarães Rosa também seria incluído no cânone internacional a partir do boom da literatura latino-americano pós-1950. O romance entrara em decadência nos Estados Unidos (onde à época era vitrine da própria arte literária, concorrendo apenas com o cinema), especialmente após a morte de Céline (1951), Thomas Mann (1955), Albert Camus (1960), Hemingway (1961), Faulkner (1962). E, a partir de Cem anos de solidão (1967), do colombiano Gabriel García Márquez, a ficção latino-americana torna-se a representação de uma vitalidade artística e de uma capacidade de invenção ficcional que pareciam, naquele momento, perdidas para sempre. São desse período os imortais Mario Vargas Llosa (Peru), Carlos Fuentes (México), Julio Cortázar (Argentina), Juan Rulfo (México), Alejo Carpentier (Cuba) e mais recentemente Angel Ramá (Uruguai).
       

 

 

CONSCIÊNCIA CÓSMICA


Já não é preciso de rir.
Os dedos longos do medo
largaram minha fronte.
E as vagas do sofrimento me arrastaram
para o centro remoinho da grande força,
que agora flui, feroz, dentro e fora de mim...

Já não tenho medo de escalar os cimos
onde o ar limpo e fino pesa para fora,
e nem de deixar escorrer a força dos meus músculos,
e deitar-me na lama, o pensamento opiado...

Deixo que o inevitável dance, ao meu redor,
a dança das espadas de todos os momentos.
E deveria rir, se me restasse o riso,
das tormentas que pouparam as furnas da minha alma,
dos desastres que erraram o alvo de meu corpo...



in
Magma (1936) - João Guimarães Rosa

sexta-feira, julho 19, 2024

Aristides de Sousa Mendes nasceu há 139 anos


Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches (Carregal do Sal, Cabanas de Viriato, 19 de julho de 1885 - Lisboa, 3 de abril de 1954) foi um diplomata português. Cônsul de Portugal em Bordéus no ano da invasão da França pela Alemanha nazi na Segunda Guerra Mundial, Sousa Mendes desafiou ordens expressas do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, António de Oliveira Salazar (cargo ocupado em acumulação com a chefia do Governo), e concedeu trinta mil vistos de entrada em Portugal a refugiados de todas as nacionalidades que desejavam fugir da França em 1940.
Aristides de Sousa Mendes salvou dezenas de milhares de pessoas do Holocausto. Chamado de "Schindler português", Sousa Mendes também teve a sua lista e salvou a vida de milhares de pessoas, das quais cerca de dez mil judeus.
     
Vida
Foi batizado Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches numa pequena aldeia do concelho do Carregal do Sal, no sul do distrito de Viseu. Aristides pertenceu a uma família aristocrática rural, católica, conservadora e monárquica (também católico e monárquico, apoiou a célebre contra-revolução a "Monarquia do Norte"). O seu pai era membro do supremo tribunal. Pelo lado materno era bisneto matrilineal, por bastardia, do 2.º Visconde de Midões e descendente de D. Fernando de Almada (2º Conde de Avranches). Pelo lado familiar "de Sousa", descendente de Madragana Ben Aloandro (de quem teve filhos El-Rei D. Afonso III de Portugal), senhora que pertencia à Comunidade Judaica de Faro e cuja ascendência provinha do próprio Rei David de Israel.
Aristides instala-se em Lisboa em 1907 após a licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tal como o seu irmão gémeo César de Sousa Mendes. Ambos enveredaram pela carreira diplomática. César foi feito Comendador da Ordem Militar de Cristo a 28 de janeiro de 1925 e Grã-Cruz da Ordem Real da Estrela Polar da Suécia a 23 de setembro de 1932. Em 1909 nasceu seu primogénito, tendo ao todo 14 filhos e filhas com a sua mulher Angelina.
Aristides ocupou diversas delegações consulares portuguesas pelo mundo fora, entre elas: Zanzibar, Brasil, Estados Unidos, Guiana, entre outras.
Em 1929 é nomeado Cônsul-geral em Antuérpia, cargo que ocupa até 1938. O seu empenho na promoção da imagem de Portugal não passa despercebido. É condecorado por duas vezes por Leopoldo III, rei da Bélgica, tendo-o feito Oficial da Ordem de Leopoldo II a 6 de janeiro de 1931 e Comendador da Ordem da Coroa, a mais alta condecoração belga. Durante o período em que viveu na Bélgica, conviveu com personalidades ilustres, como o escritor Maurice Maeterlinck, Prémio Nobel da Literatura, e o cientista Albert Einstein, Prémio Nobel da Física.
Depois de quase dez anos de serviço na Bélgica, Salazar, presidente do Conselho de Ministros e simultaneamente Ministro dos Negócios Estrangeiros, nomeia Sousa Mendes cônsul em Bordéus, França.
  
II Grande Guerra
Aristides de Sousa Mendes permanece ainda cônsul de Bordéus quando tem início a Segunda Guerra Mundial, e as tropas de Adolf Hitler avançam rapidamente sobre a França. Salazar manteve a neutralidade de Portugal.
Pela circular 14, Salazar ordena aos cônsules portugueses espalhados pelo mundo que recusem conferir vistos às seguintes categorias de pessoas: "estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio; os apátridas; os judeus, quer tenham sido expulsos do seu país de origem ou do país de onde são cidadãos".
Entretanto, em 1940, o governo francês refugiou-se temporariamente na cidade de Vichy, fugindo de Paris antes da chegada das tropas alemãs. Milhares de refugiados que fogem do avanço nazi dirigiram-se a Bordéus. Muitos deles afluem ao consulado português desejando obter visto de entrada para Portugal ou para os Estados Unidos, onde Sousa Mendes, o cônsul, caso seguisse as instruções do seu governo, distribuiria vistos com parcimónia.
Já no final de 1939, Sousa Mendes tinha desobedecido às instruções do seu governo e emitido alguns vistos. Entre as pessoas que ele tinha então decidido ajudar encontra-se o rabino de Antuérpia, Jacob Kruger, que lhe faz compreender que há que salvar os refugiados judeus.
A 16 de junho de 1940, Aristides decide conceder visto a todos os que o pedissem: "A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião". Com a ajuda dos seus filhos e sobrinhos e do rabino Kruger, ele carimba passaportes, assina vistos, usando todas as folhas de papel disponíveis.
Confrontado com os primeiros avisos de Lisboa, ele terá dito:
Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus.
Uma vez que Salazar tomara medidas contra o cônsul, Aristides continuou a sua atividade de 20 a 23 de junho, em Baiona (França), no escritório de um vice-cônsul estupefacto, e mesmo na presença de dois outros funcionários de Salazar. A 22 de junho de 1940, a França pediu um armistício à Alemanha nazi. Mesmo a caminho de Hendaye, Aristides continua a emitir vistos para os refugiados que cruzam com ele a caminho da fronteira, uma vez que a 23 de junho, Salazar demitira-o de suas funções de cônsul.
Apesar de terem sido enviados funcionários para trazer Aristides, este lidera, com a sua viatura, uma coluna de veículos de refugiados e guia-os em direção à fronteira, onde, do lado espanhol, não existem telefones. Por isso mesmo, os guardas fronteiriços não tinham sido ainda avisados da decisão de Madrid de fechar as fronteiras com a França. Sousa Mendes impressiona os guardas aduaneiros, que acabariam por deixar passar todos os refugiados, que, com os seus vistos, puderam continuar viagem até Portugal.
     
Castigo de Salazar
A 8 de julho de 1940, Aristides, de volta a Portugal, é punido pelo governo de Salazar, que priva o diplomata das suas funções por um ano, diminuindo em metade o seu salário, antes de o enviar para a reforma. Para além disso, Sousa Mendes perde o direito de exercer a profissão de advogado. A sua licença de condução, emitida no estrangeiro, também lhe é retirada.
O cônsul demitido e a sua família, bastante numerosa, sobrevivem graças à solidariedade da comunidade judaica de Lisboa, que facilitou a alguns dos seus filhos estudos nos Estados Unidos. Dois dos seus filhos participaram no desembarque da Normandia.
Frequentou, juntamente com os seus familiares, a cantina da assistência judaica internacional, onde causou impressão, pelas suas ricas roupas e sua presença. Certo dia, teve de confirmar:
 
Nós também, nós somos refugiados.
Em 1945, Salazar felicitou-o por Portugal ter ajudado os refugiados, recusando-se no entanto a reintegrar Sousa Mendes no corpo diplomático.
A sua miséria será ainda maior: venda dos bens, morte de sua esposa em 1948, emigração dos seus filhos, com uma exceção. Após a morte da mulher, Aristides de Sousa Mendes viveu com uma amante francesa que, segundo testemunhos da época, muito contribuiu para a sua miséria.
Aristides de Sousa Mendes faleceu muito pobre, a 3 de abril de 1954, no hospital dos franciscanos em Lisboa. Não possuindo um fato próprio, foi enterrado com um hábito franciscano.
    
Pessoas que salvou
Cerca de trinta mil vistos foram emitidos pelo cônsul Sousa Mendes, dos quais dez mil a refugiados de confissão judaica.
Entre aqueles que obtiveram um visto do cônsul português contam-se:
  
Políticos:
  • Otto de Habsburgo, filho de Carlos, o último imperador da Áustria-Hungria; o príncipe Otto era detestado por Adolf Hitler, que o condenara inclusive à morte. Ele escapou com a sua família desde o exílio belga e dirigiu-se aos Estados Unidos onde participou numa campanha para alertar a opinião pública.
  • Vários ministros do governo belga no exílio.
Artistas:

Reconhecimento
Em 1966, o Memorial de Yad Vashem (Memorial do Holocausto situado em Jerusalém) em Israel, presta-lhe homenagem atribuindo-lhe o título de "Justo entre as nações". Já em 1961, haviam sido plantadas vinte árvores, em sua memória, nos terrenos do Museu Yad Vashem.
Em 1986, a 15 de novembro, o presidente da República Portuguesa Mário Soares reabilita Aristides de Sousa Mendes condecorando-o a título póstumo com o grau de Oficial da Ordem da Liberdade e a sua família recebe desculpas públicas, dezasseis anos após a morte de Salazar.
Em 1994, o presidente português Mário Soares desvela um busto em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, bem como uma placa comemorativa na Rua 14 Quai Louis-XVIII, o endereço do consulado de Portugal em Bordéus em 1940.
Em 1995, a 23 de março, é agraciado a título póstumo pelo presidente da República Portuguesa Mário Soares com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.
Em 1995, a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) cria um prémio anual com o seu nome.
Em 1996, o grupo de escuteiros de Esgueira (Aveiro) homenageou-o criando o CLÃ 25 ASM (Aristides de Sousa Mendes)
Em 1998, a República Portuguesa, na prossecução do processo de reabilitação oficial da memória de Aristides de Sousa Mendes, condecora-o com a Cruz de Mérito a título póstumo pelas suas ações em Bordéus.
Em 2005, na Grande Sala da Unesco em Paris, o barítono Jorge Chaminé organiza uma homenagem a Aristides de Sousa Mendes, realizando dois Concertos para a Paz, integrados nas comemorações dos sessenta anos da Unesco.
Em 2006 foi realizada uma ação de sensibilização: "Reconstruir a Casa do Cônsul Aristides de Sousa Mendes", na sua antiga casa em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal e na Quinta de Crestelo, Seia - São Romão.
Em 2007, um programa televisivo da RTP1, Os Grandes Portugueses, promoveu a escolha dos dez maiores e importantes portugueses de todos os tempos. Sousa Mendes foi o terceiro mais votado. Ironicamente, o primeiro lugar foi atribuído a Salazar e o segundo lugar a Álvaro Cunhal.
Em 2007 o barítono Jorge Chaminé realizou dois concertos de homenagem a Aristides de Sousa Mendes, em Baiona e em Bordéus.
Em Viena, Áustria, no Vienna International Center, onde estão sediados diversos organismos da ONU, como a Agência Internacional de Energia Atómica, existe um grande passeio pedonal com o nome do ex-diplomata português, denominado Aristides-de-Sousa-Mendes-Promenade.
Aristides de Sousa Mendes não foi o único funcionário a quem o seu país não perdoou a desobediência apesar dos seus atos de justiça e humanidade na Segunda Guerra Mundial. Entre outros casos conhecidos de figuras que se destacaram pela coragem e humanismo incluem-se o cônsul japonês em Kaunas (Lituânia) Chiune Sugihara e Paul Grüninger, chefe da polícia do cantão suíço de São Galo.
    

quinta-feira, junho 27, 2024

João Guimarães Rosa nasceu há 116 anos...

    

João Guimarães Rosa (Cordisburgo, 27 de junho de 1908 - Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967), foi um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. Foi também médico e diplomata.
Os contos e romances escritos por Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro. A sua obra destaca-se, sobretudo, pelas inovações de linguagem, sendo marcada pela influência de falares populares e regionais que, somados à erudição do autor, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas.
  
Biografia
Foi o primeiro dos seis filhos de Florduardo Pinto Rosa ("Flor") e de Francisca Guimarães Rosa ("Chiquitita"). Começou ainda criança a estudar diversos idiomas, iniciando-se no Francês quando ainda não tinha 7 anos, como se pode verificar neste trecho de uma entrevista concedido a uma prima, anos mais tarde:
Eu falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polaco, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.
Ainda pequeno, mudou-se para a casa dos avós, em Belo Horizonte, onde concluiu o curso primário. Iniciou o curso secundário no Colégio Santo Antônio, em São João del-Rei, mas logo retornou a Belo Horizonte, onde se formou. Em 1925, matriculou-se na então "Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais", com apenas 16 anos. Em 27 de junho de 1930, casou-se com Lígia Cabral Pena, de apenas 16 anos, de quem teve duas filhas: Vilma e Agnes. Ainda nesse ano formou-se e passou a exercer a profissão em Itaguara, então município de Itaúna (MG), onde permaneceu cerca de dois anos. Foi nessa localidade que passou a ter contacto com os elementos do sertão que serviram de referência e inspiração à sua obra. De volta de Itaguara, Guimarães Rosa serviu como médico voluntário da Força Pública (atual Polícia Militar), durante a Revolução Constitucionalista de 1932, indo para o setor do Túnel em Passa-Quatro (MG) onde tomou contacto com o futuro presidente Juscelino Kubitschek, naquela ocasião o médico-chefe do Hospital de Sangue. Posteriormente, entrou para o quadro da Força Pública, por concurso. Em 1933, foi para Barbacena na qualidade de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria. Aprovado em concurso para o Itamaraty, passou alguns anos de sua vida como diplomata na Europa e na América Latina. No início da carreira diplomática, exerceu, como primeira função no exterior, o cargo de cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, na Alemanha, de 1938 a 1942. No contexto da Segunda Guerra Mundial, para auxiliar judeus a fugir para o Brasil, emitiu, ao lado da sua segunda esposa, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, mais vistos do que as quotas legalmente estipuladas, tendo, por essa ação humanitária e de coragem, ganho, no pós-Guerra, o reconhecimento do Estado de Israel. Aracy é a única mulher homenageada no Jardim dos Justos entre as Nações, o Yad Vashem, que é o memorial oficial de Israel para lembrar as vitimas judaicas do Holocausto. No Brasil, na sua segunda candidatura para a Academia Brasileira de Letras, foi eleito por unanimidade (1963). Temendo ser tomado por uma forte emoção, adiou a cerimónia de posse durante quatro anos. No seu discurso, quando enfim decidiu assumir a cadeira da Academia, em 1967, chegou a afirmar, em tom de despedida, como se soubesse o que se passaria ao entardecer do domingo seguinte: "…a gente morre é para provar que viveu." Faleceu três dias mais tarde, na cidade do Rio de Janeiro, a 19 de novembro. Se a certidão de óbito atestou que morreu de enfarte do miocárdio, a sua morte permanece um mistério inexplicável, sobretudo por estar previamente anunciada na sua obra mais marcante - Grande Sertão: Veredas -, romance qualificado por Rosa como uma "autobiografia irracional". Talvez a explicação esteja na própria travessia simbólica do rio e do sertão de Riobaldo, ou no amor inexplicável por Diadorim, maravilhoso demais e terrível demais, beleza e medo ao mesmo tempo, ser e não-ser, verdade e mentira. Diadorim-Mediador, a alma que se perde na consumação do pacto com a linguagem e a poesia. Riobaldo (Rosa-IO-bardo), o poeta-guerreiro que, em estado de transe, dá à luz obras-primas da literatura universal. Biografia e ficção se fundem e se confundem nas páginas enigmáticas de João Guimarães Rosa, desaparecido prematuramente, aos 59 anos de idade, no ápice de sua carreira literária e diplomática.
  
Contexto literário
Realismo mágico, regionalismo, liberdades e invenções linguísticas e neologismos são algumas das características fundamentais da literatura de Guimarães Rosa, mas não as suficientes para explicar o seu sucesso. Guimarães Rosa prova o quão importante é ter a linguagem a serviço da temática, e vice-versa, uma potencializando a outra. Nesse sentido, o escritor mineiro inaugura uma metamorfose no regionalismo brasileiro que o traria de novo ao centro da literatura de ficção brasileira.
Guimarães Rosa também seria incluído no cânone internacional a partir do boom da literatura latino-americano pós-1950. O romance entrara em decadência nos Estados Unidos (onde à época era vitrine da própria arte literária, concorrendo apenas com o cinema), especialmente após a morte de Céline (1951), Thomas Mann (1955), Albert Camus (1960), Hemingway (1961), Faulkner (1962). E, a partir de Cem anos de solidão (1967), do colombiano Gabriel García Márquez, a ficção latino-americana torna-se a representação de uma vitalidade artística e de uma capacidade de invenção ficcional que pareciam, naquele momento, perdidas para sempre. São desse período os imortais Mario Vargas Llosa (Peru), Carlos Fuentes (México), Julio Cortázar (Argentina), Juan Rulfo (México), Alejo Carpentier (Cuba) e mais recentemente Angel Ramá (Uruguai).
    
   in Wikipédia
  

Gargalhada
  
  
Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias...
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo...
  
  
 

in Magma (1936) - João Guimarães Rosa

sexta-feira, maio 03, 2024

Maquiavel nasceu há 555 anos

    
Nicolau Maquiavel (em italiano: Niccolò di Bernardo dei Machiavelli; Florença, 3 de maio de 1469 - Florença, 21 de junho de 1527) foi um historiador, poeta, diplomata e músico italiano do Renascimento. É reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna, pelo facto de ter escrito sobre o estado e o governo como realmente são e não como deveriam ser. Os recentes estudos do autor e da sua obra admitem que seu pensamento foi mal interpretado historicamente.
Desde as primeiras críticas, feitas postumamente pelo cardeal inglês Reginald Pole, as opiniões, muitas vezes contraditórias, acumularam-se, de forma que o adjetivo maquiavélico, criado a partir do seu nome, significa esperteza, astúcia, aleivosia, maldade.
Maquiavel viveu a juventude sob o esplendor político da República Florentina durante o governo de Lourenço de Médici e entrou para a política aos 29 anos de idade no cargo de Secretário da Segunda Chancelaria. Nesse cargo, Maquiavel observou o comportamento de grandes nomes da época e a partir dessa experiência retirou alguns postulados para sua obra. Depois de servir em Florença durante catorze anos foi afastado e escreveu suas principais obras. Conseguiu também algumas missões de pequena importância, mas jamais voltou ao seu antigo posto como desejava.
Como renascentista, Maquiavel utilizou os autores e os conceitos da Antiguidade clássica de maneira nova. Um dos principais autores foi Tito Lívio, além de outros lidos através de traduções latinas, e entre os conceitos apropriados por ele, encontram-se o de virtù e o de fortuna.
   
(...)
   
O Príncipe
O "Príncipe" é provavelmente o livro mais conhecido de Maquiavel e foi completamente escrito em 1513, apesar de publicado postumamente, em 1532. Teve origem com a união de esforços de Juliano de Médici e do Papa Leão X, com a qual Maquiavel viu a possibilidade de um príncipe finalmente unificar a Itália e defendê-la contra os estrangeiros, apesar de dedicar a obra a Lourenço II de Médici, mais jovem, de forma a estimulá-lo a realizar esta empreitada. Outra versão sobre a origem do livro, diz que ele o teria escrito numa tentativa de obter favores dos Médici, contudo ambas as versões não se auto excluem.
Está dividido em 26 capítulos. No início apresenta os tipos de principado existentes e expõe as características de cada um deles. A partir daí, defende a necessidade do príncipe de basear as suas forças em exércitos próprios, não em mercenários e, após tratar do governo propriamente dito e dos motivos por trás da fraqueza dos Estados italianos, conclui a obra fazendo uma exortação a que um novo príncipe conquiste e liberte a Itália.
         

quarta-feira, abril 03, 2024

Aristides de Sousa Mendes morreu há setenta anos...

       
Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches (Carregal do Sal, Cabanas de Viriato, 19 de julho de 1885 - Lisboa, 3 de abril de 1954) foi um cônsul de Portugal em Bordéus no ano da invasão da França pela Alemanha nazi, na Segunda Guerra Mundial, que desafiou as ordens expressas do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, António de Oliveira Salazar (cargo ocupado em acumulação com a chefia do Governo), e que, durante cinco dias, concedeu indiscriminadamente vistos de entrada em Portugal a refugiados de todas as nacionalidades que desejavam fugir da França em 1940. O número de vistos concedidos é ainda hoje um numero controverso.
Segundo algumas opiniões Aristides de Sousa Mendes terá salvado dezenas de milhares de pessoas do Holocausto. Chamado de "o Schindler português", Sousa Mendes também teve a sua lista e salvou a vida de milhares de pessoas, das quais cerca de 10 mil judeus.
Mas segundo, Avraham Milgram historiador da Yad Vashem num estudo publicado em 1999 pelo Shoah Resource Center, International School for Holocaust Studies, a diferença entre o mito dos 30.000 e a realidade é grande.
Os historiadores Avraham Milgam e Douglas Wheeler coincidem na opinião de que a literatura popular, na tentativa de elevar a figura e os feitos de Sousa Mendes, tem-no comparado com outras personalidades, como a de Raoul Wallenberg. Tal é o caso da biografia escrita por Rui Afonso: Um homem bom: Aristides de Sousa Mendes, o "Wallenberg português". Contudo segundo Milgram e Wheeler, excetuando o facto de que ambos eram diplomatas, as figuras têm muito pouco em comum.
 
(...)
  
Reconhecimento
Em 1966, o Memorial de Yad Vashem (Memorial do Holocausto situado em Jerusalém) em Israel, presta-lhe homenagem atribuindo-lhe o título de "Justo entre as nações". Já em 1961, haviam sido plantadas vinte árvores em sua memória nos terrenos do Museu Yad Vashem.
Em 1986, a 15 de novembro, o presidente da República Portuguesa Mário Soares reabilita Aristides de Sousa Mendes condecorando-o a título póstumo com o grau de Oficial da Ordem da Liberdade e a sua família recebe as desculpas públicas, dezasseis anos após a morte de Salazar.
Em 1994, o presidente português Mário Soares desvela um busto em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, bem como uma placa comemorativa no n.º 14 da Quai Louis-XVIII, o endereço do consulado de Portugal em Bordéus em 1940.
Em 1995, a 23 de março, é agraciado a título póstumo pelo presidente da República Portuguesa Mário Soares com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.
Em 1995, a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) cria um prémio anual com o seu nome.
Em 1998, a República Portuguesa, na prossecução do processo de reabilitação oficial da memória de Aristides de Sousa Mendes, condecora-o com a Cruz de Mérito a título póstumo pelas suas ações em Bordéus.
Em 2005, na Grande Sala da UNESCO em Paris, o barítono Jorge Chaminé organiza uma homenagem a Aristides de Sousa Mendes, realizando dois Concertos para a Paz, integrados nas comemorações dos 60 anos da UNESCO.
Em 2006 foi realizada uma ação de sensibilização: "Reconstruir a Casa do Cônsul Aristides de Sousa Mendes", na sua antiga casa em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal e na Quinta de Crestelo, Seia - São Romão.

Em 2007 um programa televisivo da RTP1, Os Grandes Portugueses, promoveu a escolha dos dez maiores e importantes portugueses de todos os tempos. Sousa Mendes foi o terceiro mais votado. Ironicamente, o primeiro lugar foi atribuído a Salazar, e o segundo lugar a Álvaro Cunhal.

Em 2007 o barítono Jorge Chaminé realizou dois concertos homenagem a Aristides de Sousa Mendes, em Baiona e em Bordéus.

Em 2013 a cidade de Toronto, no Canadá, homenageou Sousa Mendes atribuindo o seu nome a um parque infantil recém-renovado.

Em 2014 a TAP Portugal batizou um novo Airbus A319 em homenagem a Aristides de Sousa Mendes. 

Em Viena, Áustria, no Vienna International Center, onde estão sediados diversos organismos da ONU, como a Agência Internacional de Energia Atómica, existe um grande passeio pedonal com o nome do ex-diplomata português, denominado "Aristides-de-Sousa-Mendes-Promenade".

Aristides de Sousa Mendes não foi o único funcionário a quem o seu país não perdoou a desobediência, apesar dos seus atos de justiça e humanidade na Segunda Guerra Mundial. Entre outros casos conhecidos de figuras que se destacaram pela coragem e humanismo incluem-se o cônsul japonês em Kaunas (Lituânia) Chiune Sugihara e Paul Grüninger, chefe da polícia do cantão suíço de São Galo.

Em 3 de abril de 2017, foi elevado, a título póstumo, a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Em 2021, o cônsul vai ter o seu nome num passeio no 17.º bairro de Paris, junto ao atual Consulado-Geral de Portugal na capital francesa.
     

quinta-feira, fevereiro 15, 2024

Ronald de Carvalho morreu há 89 anos...

(imagem daqui)
     
Ronald de Carvalho (Rio de Janeiro, 16 de maio de 1893 - Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1935) foi um poeta e político brasileiro.     
Vida
Ronald de Carvalho era filho do engenheiro naval Artur Augusto de Carvalho e de Alice Paula e Silva Figueiredo de Carvalho, concluindo o curso secundário no Colégio Naval.
Entrou na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, precursora da atual Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, fazendo um bacharelato em 1912. Desde 1910 trabalhava como jornalista, no Diário de Notícias, cujo diretor era Ruy Barbosa.
Na sua ida para a Europa, cursou Filosofia e Sociologia em Paris. Ao voltar para o Brasil, entrou para o Itamaraty. Em 1922, participou da Semana de Arte Moderna, que decorreu em 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, a qual foi o momento determinante do modernismo brasileiro.
Em 1924 dirigiu a Secção dos Negócios Políticos e Diplomáticos na Europa. Durante a gestão de Félix Pacheco, esteve no México, como hóspede de honra daquele governo. Em 1926 foi oficial de gabinete do ministro Otávio Mangabeira. Em 1930, o seu poema Brasil foi entusiasticamente lido na conferência Poesia Moderníssima do Brasil, apresentada pelo professor Manoel de Souza Pinto, da Cadeira de Estudos Brasileiros da Faculdade de Letras de Coimbra (tal estudo saiu estampado depois no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, edição de domingo, 11 de janeiro de 1931). Exerceu cargos diplomáticos de relevância, servindo na Embaixada de Paris, com o embaixador Sousa Dantas, por dois anos, e depois em Haia (Países Baixos). Regressou a Paris, de onde, em 1933, voltou para o Rio de Janeiro.
Foi secretário da Presidência da República, cargo que ocupava quando morreu. Em concurso realizado pelo Diário de Notícias, em 1935, foi eleito Príncipe dos Prosadores Brasileiros, em substituição a Coelho Neto. Colaborou, com destaque, em O Jornal e também se encontra colaboração da sua autoria nas revistas Alma nova (1914-1930) e Atlântida (1915-1920). Casou com Leilah Accioly de Carvalho, de quem teve quatro filhos.
Ronald de Carvalho faleceu com 41 anos de idade, vítima de acidente automobilístico, no Rio de Janeiro, a 15 de fevereiro de 1935.

    
in Wikipédia
     
  
Écloga Tropical
 
Entre a chuva de ouro das carambolas
e o veludo polido das jabuticabas,
sobre o gramado morno,
onde voam borboletas e besouros,
sobre o gramado lustroso
onde pulam gafanhotos de asas verdes e vermelhas,
  
Salta uma ronda de crianças!
O ar é todo perfume,
perfume tépido de ervas, raízes e folhagens.
 
O ar cheira a mel de abelhas...
 
E há nos olhos castanhos das crianças
a doçura e o travor das resinas selvagens,
e há nas suas vozes agudas e dissonantes
um áureo rumor de flautas, de trilos, de zumbidos
e de águas buliçosas...
  
    

   
in
Epigramas Irônicos e Sentimentais (1922) - Ronald de Carvalho

domingo, novembro 19, 2023

Guimarães Rosa morreu há 56 anos...

(imagem daqui)

 

João Guimarães Rosa (Cordisburgo, 27 de julho de 1908 - Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967), foi um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. Foi também médico e diplomata.
Os contos e romances escritos por Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro. A sua obra destaca-se, sobretudo, pelas inovações de linguagem, sendo marcada pela influência de falares populares e regionais que, somados à erudição do autor, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas.
  
Biografia
Foi o primeiro dos seis filhos de Florduardo Pinto Rosa ("Flor") e de Francisca Guimarães Rosa ("Chiquitita"). Começou ainda criança a estudar diversos idiomas, iniciando-se no Francês quando ainda não tinha sete anos, como se pode verificar neste trecho de uma entrevista concedido a uma prima, anos mais tarde:
 
Eu falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polaco, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.
 
Ainda pequeno, mudou-se para a casa dos avós, em Belo Horizonte, onde concluiu o curso primário. Iniciou o curso secundário no Colégio Santo Antônio, em São João del-Rei, mas logo retornou a Belo Horizonte, onde se formou. Em 1925, matriculou-se na então "Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais", com apenas 16 anos. Em 27 de junho de 1930, casou-se com Lígia Cabral Pena, de apenas 16 anos, de quem teve duas filhas: Vilma e Agnes. Ainda nesse ano formou-se e passou a exercer a profissão em Itaguara, então município de Itaúna (MG), onde permaneceu cerca de dois anos. Foi nessa localidade que passou a ter contacto com os elementos do sertão que serviram de referência e inspiração à sua obra. De volta de Itaguara, Guimarães Rosa serviu como médico voluntário da Força Pública (atual Polícia Militar), durante a Revolução Constitucionalista de 1932, indo para o setor do Túnel em Passa-Quatro (MG) onde tomou contacto com o futuro presidente Juscelino Kubitschek, naquela ocasião o médico-chefe do Hospital de Sangue. Posteriormente, entrou para o quadro da Força Pública, por concurso. Em 1933, foi para Barbacena na qualidade de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria. Aprovado em concurso para o Itamaraty, passou alguns anos de sua vida como diplomata na Europa e na América Latina. No início da carreira diplomática, exerceu, como primeira função no exterior, o cargo de cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, na Alemanha, de 1938 a 1942. No contexto da Segunda Guerra Mundial, para auxiliar judeus a fugir para o Brasil, emitiu, ao lado da sua segunda esposa, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, mais vistos do que as quotas legalmente estipuladas, tendo, por essa ação humanitária e de coragem, ganho, no pós-Guerra, o reconhecimento do Estado de Israel. Aracy é a única mulher homenageada no Jardim dos Justos entre as Nações, o Yad Vashem, que é o memorial oficial de Israel para lembrar as vitimas judaicas do Holocausto. No Brasil, na sua segunda candidatura para a Academia Brasileira de Letras, foi eleito por unanimidade (1963). Temendo ser tomado por uma forte emoção, adiou a cerimónia de posse durante quatro anos. No seu discurso, quando enfim decidiu assumir a cadeira da Academia, em 1967, chegou a afirmar, em tom de despedida, como se soubesse o que se passaria ao entardecer do domingo seguinte: "…a gente morre é para provar que viveu." Faleceu três dias mais tarde, na cidade do Rio de Janeiro, a 19 de novembro. Se a certidão de óbito atestou que morreu de enfarte do miocárdio, a sua morte permanece um mistério inexplicável, sobretudo por estar previamente anunciada na sua obra mais marcante - Grande Sertão: Veredas -, romance qualificado por Rosa como uma "autobiografia irracional". Talvez a explicação esteja na própria travessia simbólica do rio e do sertão de Riobaldo, ou no amor inexplicável por Diadorim, maravilhoso demais e terrível demais, beleza e medo ao mesmo tempo, ser e não-ser, verdade e mentira. Diadorim-Mediador, a alma que se perde na consumação do pacto com a linguagem e a poesia. Riobaldo (Rosa-IO-bardo), o poeta-guerreiro que, em estado de transe, dá à luz obras-primas da literatura universal. Biografia e ficção se fundem e se confundem nas páginas enigmáticas de João Guimarães Rosa, desaparecido prematuramente, aos 59 anos de idade, no ápice de sua carreira literária e diplomática.
  
Contexto literário
Realismo mágico, regionalismo, liberdades e invenções linguísticas e neologismos são algumas das características fundamentais da literatura de Guimarães Rosa, mas não as suficientes para explicar o seu sucesso. Guimarães Rosa prova o quão importante é ter a linguagem a serviço da temática, e vice-versa, uma potencializando a outra. Nesse sentido, o escritor mineiro inaugura uma metamorfose no regionalismo brasileiro que o traria de novo ao centro da literatura de ficção brasileira.
Guimarães Rosa também seria incluído no cânone internacional a partir do boom da literatura latino-americano pós-1950. O romance entrara em decadência nos Estados Unidos (onde à época era vitrine da própria arte literária, concorrendo apenas com o cinema), especialmente após a morte de Céline (1951), Thomas Mann (1955), Albert Camus (1960), Hemingway (1961), Faulkner (1962). E, a partir de Cem anos de solidão (1967), do colombiano Gabriel García Márquez, a ficção latino-americana torna-se a representação de uma vitalidade artística e de uma capacidade de invenção ficcional que pareciam, naquele momento, perdidas para sempre. São desse período os imortais Mario Vargas Llosa (Peru), Carlos Fuentes (México), Julio Cortázar (Argentina), Juan Rulfo (México), Alejo Carpentier (Cuba) e mais recentemente Angel Ramá (Uruguai).
       

 

 

CONSCIÊNCIA CÓSMICA


Já não é preciso de rir.
Os dedos longos do medo
largaram minha fronte.
E as vagas do sofrimento me arrastaram
para o centro remoinho da grande força,
que agora flui, feroz, dentro e fora de mim...

Já não tenho medo de escalar os cimos
onde o ar limpo e fino pesa para fora,
e nem de deixar escorrer a força dos meus músculos,
e deitar-me na lama, o pensamento opiado...

Deixo que o inevitável dance, ao meu redor,
a dança das espadas de todos os momentos.
E deveria rir, se me restasse o riso,
das tormentas que pouparam as furnas da minha alma,
dos desastres que erraram o alvo de meu corpo...



in
Magma (1936) - João Guimarães Rosa