Donato foi amigo de todos os expoentes do movimento
bossanovista, como
João Gilberto,
Tom Jobim,
Vinícius de Moraes e
Johnny Alf, entre outros, mas nunca foi caracterizado unicamente como tal, e sim um músico muito criativo e que promove fusões musicais, de
jazz e
música latina, entre tantos outros. Na
década de 1950, João Donato mudou-se para os
Estados Unidos, onde permanece durante treze anos e realiza o que nunca tinha conseguido no Brasil: reincorporar a musicalidade
afro-cubana no
jazz. Grava o disco
A Bad Donato e compõe músicas como "Amazonas", "A Rã" e "Cadê Jodel". Retorna ao Brasil, reencontra a música brasileira que estava sendo feita no país, mas não abandona sua paixão pela fusão entre o jazz e ritmos
caribenhos. Como arranjador participou de discos de grandes nomes da
MPB como
Gal Costa e
Gilberto Gil.
Entre as composições mais conhecidas do músico, estão: "Amazonas", "Lugar Comum", "Simples Carinho", "Até Quem Sabe" e "Nasci Para Bailar". Segundo o crítico musical Tárik de Souza: "Durante muito tempo, João Donato foi um mito das internas da MPB.
Génio, desligado, louco, de tudo um pouco."
Biografia
Filho de um
major da
aeronáutica, João Donato de Oliveira Filho e Eutália Pacheco da Cunha, nasceu em
Rio Branco no dia
17 de agosto de
1934, mas 11 anos depois mudou-se para o
Rio de Janeiro. Desde cedo demonstrou ter mais intimidade com a
música, aos cinco anos já tocava acordeão.
João Donato nasceu numa família musical, o seu pai, que era piloto de avião, nas horas vagas tocava
bandolim. A mãe cantava e a irmã mais velha, Eneyda, pretendia ser concertista de
piano. O mais novo, Lysias, pendeu para as
letras e tornar-se-ia no principal parceiro nas composições com Donato.
O primeiro instrumento de João foi o
acordeão, no qual, aos oito anos, compôs a sua primeira música, a valsa "Nini". Antes de completar 12 anos, o pai presenteou-lhe com acordeões de 24 e 120 baixos. Em
1945, Donato pai é transferido, e a família tem de deixar Rio Branco rumo ao
Rio de Janeiro.
Em pouco tempo, passou a frequentar o circuito musical das festas de colégios da
Tijuca e adjacências. Tentou a sorte no programa de
Ary Barroso. Intransigente, Ary rodou o tabuleiro da baiana e nem sequer quis escutá-lo, sob a alegação de que "não gostava de meninos-prodígio".
Ao profissionalizar-se, em
1949, aos 15 anos, Donato já havia participado das
jam sessions realizadas na casa do cantor
Dick Farney e no Sinatra-Farney Fã Club, do qual era membro.
Johnny Alf,
Nora Ney,
Dóris Monteiro,
Paulo Moura e até
Jô Soares, no
bongô, estavam entre os componentes destas jams.
Na primeira gravação em que participa, como integrante da banda do flautista
Altamiro Carrilho, Donato toca acordeão nas duas faixas do 78 RPM: "Brejeiro", de
Ernesto Nazareth, e "Feliz aniversário", do próprio Altamiro. Pouco depois, migra para o grupo do
violinista Fafá Lemos, como suplente de
Chiquinho do Acordeão.
Década de 50
Durante este período frequentou o
Sinatra-
Farney Fan Clube, na
Tijuca, zona norte carioca, que durou apenas 17 meses, considerado por muitos estudiosos como uma escola para toda a geração que mais tarde criaria a
Bossa Nova.
Em
1951, com apenas 17 anos, namorou
Dolores Duran, que tinha 21. O romance gerou polémicas e preconceitos a época, por ela ser mais velha que ele. Após um tempo, João resolveu se separar dela por causa das brigas da família do casal. Assim, ele a deixou e foi morar no
México.
A partir de
1953, agora como pianista, Donato passa a comandar suas próprias formações instrumentais,– Donato e seu Conjunto, Donato Trio, o grupo Os Namorados – com quem lança, em 78 RPM, versões instrumentais para standards da música americana (como "Tenderly", sucesso de
Nat King Cole) e brasileira (como "Se acaso você chegasse, do sambista gaúcho
Lupicinio Rodrigues).
Três anos depois, a
Odeon escala um iniciante para fazer a direção musical de "Chá Dançante" (
1956), primeiro LP de Donato e seu conjunto.
Antônio Carlos Jobim fez a seleção musical do disco de João Donato. O repertório escolhido por
Tom Jobim foi: "No rancho fundo" (
Lamartine Babo –
Ary Barroso), "
Carinhoso" (
Pixinguinha –
João de Barro), "Baião" (
Luiz Gonzaga –
Humberto), "Peguei um ita no norte" (
Dorival Caymmi).
Em seguida, Donato passa uma temporada de dois anos em
São Paulo. Quando volta ao Rio, a
Bossa Nova estava no ar. Ainda em
1958, grava "Minha saudade" e "Mambinho", em parceria com
João Gilberto.
A convite de Nanai (ex-integrante do grupo
Os Namorados) parte para uma temporada de seis semanas no Casino Lake Tahoe (Nevada), onde Donato adaptou as influências do
jazz com a música do
Caribe, como integrante das orquestras de Mongo Santamaría, Johnny Martinez, Cal Tjader e Tito Puente, e ainda excursionou com João Gilberto pela Europa.
Década de 60
Em
1962 regressa ao
Brasil e concebe dois clássicos da música instrumental brasileira – "Muito à vontade" (
1962) e "A Bossa muito moderna de João Donato" (
1963), ambos pela
Polydor. As canções foram relançadas no começo dos anos
2000 em CD pela
Dubas. com Donato ao piano, Milton Banana na bateria, Tião Neto no baixo e Amaury Rodrigues, na percussão.
Sobre "Muito à vontade", o jornalista
Ruy Castro escreveu, por ocasião de seu relançamento em CD:
"foi o seu primeiro disco ao piano e o primeiro mesmo para valer, com nove de suas composições entre as 12 faixas (...). Donato, que estava morando nos Estados Unidos durante a explosão da Bossa Nova, era uma lenda entre os músicos mais novos - para alguns, pelas histórias que ouviam, ele devia ser algo assim como o curupira ou a cobra d'água
. Este disco abriu-lhes novos horizontes e devolveu Donato a um movimento que ele, sem saber, ajudara a construir". Estão lá "Muito à vontade", "Minha saudade", "Sambou, sambou", "Jodel".
"A Bossa muito moderna" introduz mais alguns temas originalmente instrumentais que, muitos anos depois, se tornariam obrigatórios em qualquer cancioneiro da
MPB. Entre elas "Índio perdido", que viraria "Lugar comum", ao receber letra de
Gilberto Gil. Gil também é parceiro nos versos que transformariam "Villa Grazia" em "Bananeira". Já "Silk Stop" é o tema original sobre o qual
Martinho da Vila escreveria "Gaiolas Abertas". A influência da música cubana é evidente em "Bluchanga", dos tempos em que Donato tocava com Mongo Santamaría.
Donato muda-se mais uma vez para os Estados Unidos e lá permaneceria durante quase uma década. Trabalhou com
Nelson Riddle,
Herbie Mann,
Chet Baker,
Cal Tjader,
Bud Shank,
Armando Peraza, etc. Formou, ao lado de João Gilberto, Jobim,
Moacir Santos,
Eumir Deodato,
Sergio Mendes e
Astrud Gilberto, o grupo dos que tornaram o Brasil de facto reconhecido internacionalmente pela sua música.
"Piano of João Donato: The new sound of Brazil" (
1965) e "Donato/Deodato" (
1973) saíram respectivamente pela
RCA e Muse Records, mas permanecem fora do catálogo no
Brasil. Mas o disco que melhor representa a segunda temporada americana é "A Bad Donato" (
1970), feito para o selo Blue Thumb, da
California, e relançado em CD pela Dubas. Gravado em
Los Angeles, "A Bad Donato" condensa
funk,
psicodelia,
soul music, sons afro-cubanos,
jazz fusion. Um Donato dançante, repleto de
groove e veneno sonoro – antenadíssimo com o experimentalismo do sonho californiano - , considerado um dos 100 maiores discos da música brasileira pela
Revista Rolling Stone.
Década de 70
No
Natal de
1972, Donato foi ao Rio e à casa do compositor
Marcos Valle, onde encontrou o cantor
Agostinho dos Santos, que sugeriu a Donato dar letras a suas criações instrumentais. Sendo assim, alguns temas de Donato ganharam letras e ganharam contornos de canção popular. Valle convidou-o a gravar um novo disco no Brasil, com o reportório formado a partir deste novo cancioneiro. O episódio é contado por Donato:
"Eu ia gravar instrumental dentro de alguns dias e o Agostinho dos Santos falou: ‘Vai gravar tocando piano de novo? Todo mundo já ouviu isso. Se fosse você, eu gravaria cantando". A partir deste momento Donato deixa de ser integrante exclusivo da seara instrumental e entra para a MPB. Além de Gil, Martinho e Lysias,
Chico Buarque,
Caetano Veloso,
Cazuza,
Arnaldo Antunes,
Aldir Blanc,
Paulo César Pinheiro,
Ronaldo Bastos,
Abel Silva,
Geraldo Carneiro e até o poeta
Haroldo de Campos e o
fonoaudiólogo e
escritor Pedro Bloch tornaram-se parceiros de João.
O disco "Quem é quem", lançado pela
Odeon, em
1973 traz as músicas "Terremoto", "Chorou, chorou" (ambas com letra de
Paulo César Pinheiro"), "Até quem sabe" (com
Lysias), "Cadê Jodel?" (com
Marcos Valle). Até Dorival Caymmi manda uma música inédita, "Cala a boca, Menino". Em carta enviada a João Gilberto, em 13 de setembro de
1973, Donato não esconde o entusiasmo:
"É o meu melhor trabalho em discos até o momento, tendo-se em conta o tempo que demorou, o que demonstra o máximo cuidado com que tudo aconteceu. E o resultado é um disco que eu simplesmente acho adorável". Também foi considerado um dos 100 melhores discos de todos os tempos pela Revista Rolling Stone. Em
2008 "Quem é Quem" foi tema de programa inteiramente dedicado a ele, pelo
Canal Brasil, apresentado por
Charles Gavin; e de livro escrito pelo
produtor e músico
Kassim.
O álbum seguinte, "Lugar comum" (
1975), pela
Philips, dá sequência ao Donato vocalista, com a maior parte do repertório formado por ex-temas instrumentais. Há parcerias com Caetano Veloso ("Naturalmente"),
Gutemberg Guarabyra ("Ê menina"),
Rubens Confete ("Xangô é de Baê"). Só com Gilberto Gil são oito, entre elas "Tudo tem", "A bruxa de mentira", "Deixei recado", "Que besteira", "Emoriô" e pelo menos dois standards para qualquer antologia da canção popular: a faixa-título e "Bananeira".
No texto que preparou para o lançamento em CD de "Lugar comum", pela Dubas, Donato revisita um certo dia de verão nos
anos 1970, na casa de Caetano. Ele se aproximara dos baianos a ponto de fazer a direção musical do show "Cantar", de
Gal Costa, registado em disco no ano anterior:
"Estava todo mundo: Maria Bethânia, Gal, Caetano com Dedé e Moreno (...). Eles tinham meus dois discos "Muito à vontade" e "A bossa muito moderna" e eu sempre provocava, desafiando eles a fazer as letras. Quando surgiu essa melodia, o Gil inventou que era "bananeira não sei / bananeira sei lá (...)". Daí eu disse: "quintal do seu olhar". E ele: "olhar do coração. Como se fosse um ping-pong na segunda parte".
Lembram daquela excursão que Donato fez à
Europa com João Gilberto, logo depois da primeira temporada americana? Pois foi num vilarejo italiano que a bananeira foi plantada. Donato explica:
"As minhas primeiras letras surgiram a partir desses temas instrumentais já gravados, que eu pensava que não iam ter letra nunca. "Bananeira" era "Villa Grazia", o nome da pousadinha onde a gente ficou em Lucca, na Itália, acompanhando o João Gilberto numa temporada (...). Noventa e nove por cento das minhas músicas instrumentais trocaram de nome, por causa da letra".
Década de 90
Depois desse período, Donato ficou quase vinte anos sem gravar. O
mainstream da época parecia não absorver o que a turma pop começou a enxergar a partir dos
anos 1990. A volta de João ao mundo do disco acontece em
1996 (ele lançara apenas o instrumental e ao vivo "Leilíadas", pela
WEA, em
1986), com o álbum "Coisas tão simples", produzido por
João Augusto, para a EMI. O disco traz "Doralinda", parceria com Cazuza, além de novas colaborações com Lysias ("Fonte da saudade"),
Norman Gimbel ("Everyday"),
Toshiro Ono ("Summer of tentation").
De lá para cá, Donato tem lançado seus álbuns sobretudo por três gravadoras independentes: Pela
Lumiar, de
Almir Chediak: "Café com pão" (com o baterista
Eloir de Moraes,
1997); "Só danço samba" (
1999); os três volumes da coleção Songbook (
1999), além de "Remando na raia" (
2001), encontro com
Emilio Santiago (
2003) e o reencontro com
Maria Tita (
2006). Na
Deckdisc, faz "Ê Lalá Lay-Ê" (
2001), "Managarroba" (
2002) e o instrumental "O piano de João Donato", produzidos pelo roqueiro
Rafael Ramos, além do disco gravado com
Wanda Sá (
2003).
Pela
Biscoito Fino, saíram os encontros instrumentais com
Paulo Moura ("Dois panos pra manga",
2006) e
Bud Shank ("Uma tarde com", este também em
DVD). Pela Biscoito, Donato fez ainda o DVD "Donatural" (
2005), onde recebe – em gravação ao vivo no
Espaço Sérgio Porto, no Rio – diversas gerações de parceiros: de Gilberto Gil ao DJ
Marcelinho da Lua; de Emilio Santiago a
Marcelo D2; de
Leila Pinheiro a
Joyce, com direito a
Ângela Rô Rô e o filho Donatinho,
fera nos teclados e dos samplers.
João Donato vive no bairro da
Urca, no Rio. Ele é casado com a jornalista Ivone Belem, desde
2001. É pai de Jodel, Joana e Donatinho.