Brasão de D.ª Luísa de Gusmão
Da Casa Ducal de
Medina-Sidónia, Dona Luísa era filha de João Manuel Peres de Gusmão, 8º
duque de Medina-Sidónia, e de
Joana Lourença Gomes de Sandoval e Lacerda, os senhores mais poderosos da
Andaluzia. Descendia dos
reis de Portugal por via paterna - a sua avó Ana de Silva e Mendonça era descendente de
D. Afonso Henriques) - e por via materna - a sua outra avó, Catarina de Lacerda, descendia de
D. Afonso I de Bragança.
Em 1621, na subida ao trono de Filipe IV, o plano de incorporação de
Portugal na Coroa de Espanha tinha já realizado duas fases: a fase da
união pela monarquia dualista jurada em Tomar (1581) por Filipe II,
prometendo o respeito pela autonomia do Governo de Portugal; e a fase da
anexação, entretanto operada durante o reinado de Filipe III
(1598-1621).
No início do reinado de Filipe IV faltava apenas consumar a absorção de Portugal. Na
Instrucción sobre el gobierno de España,
que o Conde-Duque de Olivares apresentou ao rei Filipe IV, em 1625,
tratava-se do planeamento e da execução dessa fase final da absorção. O
conde-duque indicava três caminhos:
- Realizar uma cuidadosa política de casamentos, para confundir e unificar os vassalos de Portugal e de Espanha;
- Ir o rei Filipe IV fazer corte temporária em Lisboa;
- Abandonar a letra e o espírito dos capítulos das Cortes de
Tomar (1581), que colocava na dependência do Governo autónomo de
Portugal os portugueses admitidos nos cargos militares e administrativos
do Reino e do Ultramar (Oriente, África e Brasil), passando estes a ser
vice-reis, embaixadores e oficiais palatinos de Espanha.
Dos três caminhos indicados, aquele que era talvez o mais difícil de
realizar era o da política de casamentos. O casamento de Dona Luísa de
Gusmão com o Duque de Bragança surgiu como uma oportunidade a não
perder. Juntando duas importantes Casas Ducais, uma de Espanha e a outra
de Portugal, esperava-se por seu intermédio vir a impedir o
levantamento de Portugal contra a
Dinastia Filipina.
Dª Luísa de Gusmão, porém, apoiou a
política do marido na
rebelião contra a Espanha.
Tê-lo-á mesmo incitado a aceitar a Coroa do Reino de Portugal, nem que
para isso fossem precisos grandes sacrifícios. O conde da Ericeira
atribuiu à duquesa Dona Luísa o propósito "
mais acertado de morrer reinando do que acabar servindo",
a partir do qual os adversários da autonomia portuguesa fizeram depois
sonoras frases ao gosto popular, como a de que ela teria afirmado, "
melhor ser Rainha por um dia, do que duquesa toda a vida". Segundo a opinião de
Veríssimo Serrão, «
não
é de manter-se a falsa tradição que fez dela um dos «motores» da
Restauração, mas não oferece dúvida que se identificou com o movimento e
soube enfrentar os sacrifícios com ânimo varonil».
Rainha de Portugal
Após a aclamação, instalou-se em
Lisboa com os filhos, vivendo para a sua educação. Não teve um papel apagado, pois, aquando da revolta de
1641, foi de parecer que os culpados não mereciam perdão, mesmo o inocente
duque de Caminha. Exerceu governo sempre que o Rei acorria à
fronteira do
Alentejo, como, em julho de
1643, auxiliada nos negócios públicos por D. Manuel da Cunha,
bispo capelão-mor, Sebastião César de Meneses e o
marquês de Ferreira.
Desde muito cedo, as
rainhas de Portugal contaram com os rendimentos de bens, adquiridos na sua grande maioria por doação. Às rainhas cabiam
tenças sobre a receita das
alfândegas, a vintena do
ouro de certas
minas, para além dos rendimentos das terras de que dispunham e a nomeação dos respetivos ofícios.
No entanto, e de acordo com o estipulado nas
Ordenações Manuelinas,
as doações feitas às rainhas, mesmo quando não reservavam para o
monarca nenhuma parte da jurisdição cível e crime, deviam ser
interpretadas com reserva da mais alta superioridade e senhorio para o
Rei. Para além de estipularem as formas de exercício da jurisdição das
rainhas, determinavam o regimento do
ouvidor, que era
desembargador na
Casa da Suplicação.
Após o período de domínio filipino, durante o qual cessara o estado,
dote e
jurisdição das rainhas,
D. João IV determinou que sua mulher, D. Luísa Gabriela de Gusmão, detivesse todas as terras que tinham pertencido à anterior
rainha D. Catarina: (
Silves,
Faro,
Alvor,
Alenquer,
Sintra,
Aldeia Galega e
Aldeia Gavinha,
Óbidos,
Caldas da Rainha e
Salir do Porto), com as respetivas
rendas, direitos reais,
tributos e ofícios (vedor,
juiz,
ouvidor e mais desembargadores, oficiais dos feitos de sua fazenda e
estado), padroados, e toda a jurisdição e alcaidarias mores, de acordo
com a Ordenação manuelina.
Por
Carta de
10 de janeiro de
1643 foram confirmadas as doações e jurisdição das rainhas. A
9 de fevereiro do mesmo ano, foram doadas a D. Luísa as terras da
Chamusca e
Ulme, mais bens pertencentes ao
morgado Rui Gomes da Silva, e ainda o reguengo de
Nespereira,
Monção e
Vila Nova de Foz Côa.
D. Luísa, por
decreto de
16 de julho de
1643, criou o Conselho ou
Tribunal do Despacho da Fazenda e Estado da Casa das Senhoras Rainhas, constituído por um ouvidor presidente, dois deputados, um provedor, um
escrivão e um
porteiro. O
Regimento do Conselho da Fazenda e Estado, outorgado em
11 de outubro de
1656,
fixou a existência de um vedor da Fazenda, um ouvidor e dois deputados,
um dos quais ouvidor geral das terras das rainhas, um procurador da
Fazenda e respetivo escrivão, um
chanceler e um escrivão da câmara. Esse
regimento viria a ser confirmado por
alvará de
11 de maio de
1786.
Regente do Reino
No
testamento do esposo, D. Luísa foi nomeada
regente durante a
menoridade de
D. Afonso VI, aclamado no
Paço da Ribeira em
15 de novembro de
1656, aos 13 anos. Era voz corrente que D. Afonso sofria de grave doença, pelo que chegou-se a pensar no adiamento da cerimónia.
A regente procurou organizar o governo de modo a impor-se às fações palacianas em jogo. Nomeou D.
Francisco de Faro e Noronha,
conde de Odemira,
para aio do monarca e manteve os ofícios da casa real nas mãos dos que
os exerciam no tempo do marido. Os negócios públicos continuaram com os
secretários de Estado e Mercês,
Pedro Vieira da Silva e
Gaspar de Faria Severim.
Mas a rivalidade entre o
conde de Odemira e D.
António Luís de Meneses,
conde de Cantanhede,
dificultou a sua ação. Viu-se assim coagida a nomear a chamada Junta
Noturna (por ter reuniões à noite) com vários conselheiros da sua
confiança. Além dos dois nobres, havia ainda o
marquês de Nisa,
Pedro Fernandes Monteiro, o
conde de São Lourenço e, o principal,
Frei Domingos do Rosário, hábil
diplomata. O sistema durou durante a regência, útil para a boa marcha dos negócios públicos.
Durante sua regência houve a grande vitória portuguesa das
Linhas de Elvas, em
14 de janeiro de
1659, batalha decisiva porque a derrota implicaria a perda de
Lisboa. Não foi uma vitória decisiva, pois o
Tratado dos Pirinéus iria deixar a
Espanha sem outros compromissos militares e Portugal voltaria a sentir ameaças mais graves.
O partido afeto a D. Afonso VI lançou-se abertamente na luta contra a regente, sob a orientação de D.
Luís de Vasconcelos e Sousa, 3.º
conde de Castelo Melhor. Em
1661,
a rainha pretendia abandonar o governo, chegando a redigir um papel
para justificar a sua atitude e a «monstruosidade que representava o
reino com duas cabeças»
. Mas temendo a desastrosa administração de seu filho, resolveu manter-se regente.
A aliança com
Inglaterra, assinada em
1662,
foi em grande parte obra sua, bem como a organização das forças que, no
ano seguinte, já no governo de D. Afonso VI, vieram a obter as vitórias
da
Guerra da Restauração. A viúva de
D. João IV defendeu os princípios de
liberdade e
independência da
restauração e manteve-se no
governo, receosa de que o filho mais velho o comprometesse.
Jaz no
Panteão dos Braganças, no
Mosteiro de São Vicente de Fora em Lisboa, para onde foi trasladada de
Xabregas.