Adalgisa Nery em retrato de seu primeiro marido
Adalgisa Maria Feliciana Noel Cancela Ferreira (Rio de Janeiro, DF , 29 de outubro de 1905 - Rio de Janeiro, RJ, 7 de junho de 1980), mais conhecida como Adalgisa Nery, foi uma poetisa modernista e jornalista brasileira, mais conhecida por suas obras Ar do Deserto, de 1943, Mundos Oscilantes publicado entre 1937 e 1952, e A Imaginária, de 1959.
Infância
Nascida na rua Sebastião Lacerda, no bairro Laranjeiras, Adalgisa era filha do advogado Gualter Ferreira, natural do Mato Grosso, mas baseado no Rio de Janeiro, e da portuguesa Rosa Cancela. Sensível e imaginativa desde cedo, ela ficou órfã de mãe aos oito anos de idade, o que lhe foi um grande impacto, registado mais tarde em sua obra.
O segundo casamento do seu pai se tornou motivo de conflitos emocionais, pois Adalgisa não se adaptou ao temperamento difícil da madrasta. Estudou como interna num colégio de freiras e, naquela época, já era vista como "subversiva" por defender as "órfãs" (categoria comum nos colégios religiosos da época), consideradas subalternas e maltratadas. Por essa razão, acabou sendo expulsa da escola. Portanto, a única educação formal que ela recebeu em vida foi a do ensino primário.
Vida com Ismael Nery
Aos quinze anos, Adalgisa apaixonou-se por seu vizinho, o pintor Ismael Nery, um dos precursores do Modernismo no Brasil, com quem casou aos dezasseis anos. O casamento durou doze anos, até a morte do pintor em 1934.
A partir do casamento, Adalgisa Nery mergulhou numa vida trepidante,
que lhe proporcionou a entrada num sofisticado circuito intelectual graças a frequentes reuniões em sua casa, uma estada de dois anos na Europa com o marido, e a consequente aquisição de cultura. Porém a vida de Adalgisa foi também muito marcada pelo sofrimento e pela relação conflituosa, muitas vezes violenta, com o marido. O casal teve sete filhos, todos homens, mas somente o mais velho, Ivan, e o benjamim, Emmanuel, sobreviveram.
Em 1959 Adalgisa Nery publicou o romance autobiográfico A Imaginária, que se tornou seu maior sucesso editorial. Adalgisa, usando como alter ego a personagem Berenice, descreveu como o fascínio que sentia pelo marido no início do casamento foi substituído por um verdadeiro sentimento de terror pela violência que ele podia assumir na vida quotidiana.
Viúva aos vinte e nove anos, sem muitos recursos financeiros e com dois filhos para criar, Adalgisa foi trabalhar primeiro na Caixa Econômica Federal, mas depois conseguiu arranjar um cargo no Conselho do Comércio Exterior do Itamaraty. Em 1937 lançou o seu primeiro livro de poesia, intitulado Poemas.
Vida com Lourival Fontes
Em 1940 Adalgisa casou com o jornalista e advogado Lourival Fontes, que era o diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado por Getúlio Vargas em 1939, para difundir a ideologia do Estado Novo.
Seguiu o segundo marido em funções diplomáticas em Nova Iorque, de 1943 a 1945, e como embaixador no México em 1945. No México desenvolveu amizade com os pintores Diego Rivera, José Orozco (ambos a retrataram), Frida Kahlo, David Siqueiros e Rufino Tamayo. Em 1952 viajou novamente àquele país, como embaixadora plenipotenciária, para representar o Brasil na posse do presidente Adolfo Ruiz Cortines. Recebeu a Ordem da Águia Asteca, nunca antes concedida a uma mulher, em virtude das suas conferências sobre Juana Inés de la Cruz.
O casamento com Lourival durou treze anos, e a separação ocorreu quando ele se apaixonou por outra mulher.
Jornalista e política
Em razão do grande sofrimento causado pelo abandono de Lourival
Fontes, e apesar de seu valor literário ser reconhecido não só no Brasil
como na França, onde uma coletânea de poemas foi traduzida por Pierre Seghers, Adalgisa resolveu destruir a própria fama e renegar a sua obra. A partir daí, tornou-se jornalista, escrevendo para o jornal Última Hora e política. Foi eleita deputada três vezes, primeiro pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e depois, no tempo do bipartidarismo, pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Em 1969 teve o mandato e seus direitos políticos cassados.
Encontra-se colaboração da sua autoria na revista luso-brasileira Atlântico.
Últimos anos
Pobre e desamparada, sem ter onde morar, após em vida ter doado tudo para os filhos, Adalgisa passou a residir entre 1974 e1975 numa casa do comunicador Flávio Cavalcanti, em Petrópolis, onde viveu como reclusa. Contrariando o seu propósito de nunca mais se dedicar à literatura, escreveu e publicou ainda dois livros de poesia, dois de contos, um de artigos e um romance, Neblina.
O romance foi dedicado a Cavalcanti, considerado "dedo-duro" pela
Ditadura, em gratidão pelo acolhimento que lhe dera. No conflito entre o
que seria "politicamente correto" e a lealdade a um amigo, Adalgisa escolheu, sem hesitar, o caminho do afeto. Em razão disso, o livro foi ignorado pela crítica.
Em 1975 passou a morar na casa de seu filho mais novo, Emmanuel. Em maio de 1976, deixou um bilhete ao filho e se internou sozinha, por livre e espontânea vontade, sem ter doença alguma, numa casa de repouso para idosos, em Jacarepaguá. Emmanuel, quando chegou em casa, surpreso, não encontrou mais a mãe. Um ano mais tarde, ela sofreu um acidente vascular cerebral e ficou afásica e hemiplégica. Três anos mais tarde, aos setenta e quatro anos, faleceu.
in Wikipédia
Poema da Amante
Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita dos tempos
Até a região onde os silêncios moram.
Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.
Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
E em tudo que ainda estás ausente.
Eu te amo
Desde a criação das águas, desde a ideia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.