Primeiros anos e educação
Nasceu na localidade de
São Martinho de Anta, em Vila Real, a 12 de agosto de 1907. Oriundo de uma família humilde de
Sabrosa, era filho de Francisco Correia Rocha e Maria da Conceição Barros.
Em 1917, aos dez anos, foi para uma casa apalaçada do
Porto, habitada por parentes. Fardado de branco, servia de porteiro, moço de recados, regava o jardim, limpava o pó, polia os metais da escadaria nobre e atendia campainhas. Foi despedido um ano depois, devido à constante insubmissão. Em 1918 foi mandado para o seminário de
Lamego, onde viveu um dos anos cruciais da sua vida. Estudou
Português,
Geografia e
História, aprendeu
latim e ganhou familiaridade com os textos sagrados. Pouco depois comunicou ao pai que não seria padre.
Emigrou para o
Brasil em 1920, ainda com treze anos, para trabalhar na fazenda do tio, proprietário de uma fazenda de café em Minas Gerais. Ao fim de quatro anos, o tio apercebe-se da sua inteligência e patrocina-lhe os estudos liceais no
Ginásio Leopoldinense, em
Leopoldina. Distingue-se como um aluno dotado. Em 1925, convicto de que ele viria a ser doutor em
Coimbra, o tio propôs-se pagar-lhe os estudos como recompensa dos cinco anos de serviço, o que o levou a regressar a
Portugal e concluir os estudos liceais.
Carreira profissional e literária
Em 1928, entra para a
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e publica o seu primeiro livro de poemas,
Ansiedade. Em 1929, com vinte e dois anos, deu início à colaboração na revista
Presença, folha de arte e crítica, com o poema
Altitudes. A revista, fundada em 1927 pelo grupo literário avançado de
José Régio,
Gaspar Simões e
Branquinho da Fonseca era bandeira literária do grupo modernista e bandeira libertária da revolução
modernista. Em 1930 rompe definitivamente com a revista
Presença, junto com
Edmundo Bettencourt e
Branquinho da Fonseca, por «razões de discordância estética e razões de liberdade humana», assumindo uma posição independente. Nesse ano, publica o livro
Rampa, lançando, no ano seguinte,
Tributo e
Pão Ázimo, e, em 1932,
Abismo. Em colaboração com Branquinho da Fonseca, funda a revista
Sinal, de efémera duração, e, em 1936, lança, junto com Albano Nogueira, o periódico
Manifesto. Nesse ano, publica
O Outro Livro de Job.
A obra de Torga traduz sua rebeldia contra as injustiças e seu inconformismo diante dos abusos de poder. Reflete a sua origem aldeã, a experiência médica em contato com a gente pobre e ainda os cinco anos que passou no Brasil (dos 13 aos 18 anos de idade), período que deixou impresso em
Traço de União (impressões de viagem, 1955) e em um personagem que lhe servia de
alter-ego em
A criação do mundo, obra de ficção em vários volumes, publicada entre 1937 e 1939. As críticas que fez aí ao
franquismo resultaram em sua prisão (1940). Publica os livros
A Terceira Voz em 1934, aonde pela primeira vez empregou o seu pseudónimo,
Bichos em 1940,
Contos da Montanha em 1941,
Rua em 1942,
O Sr. Ventura e
Lamentação em 1943,
Novos Contos da Montanha e
Libertação em 1944,
Vindima em 1945,
Sinfonia em 1947,
Nihil Sibi em 1948,
Cântico do Homem em 1950,
Pedras Lavradas em 1951,
Poemas Ibéricos em 1952, e
Orfeu Rebelde em 1958.
Crítico da
praxe e das restantes tradições académicas, chama depreciativamente «farda» à capa e batina. Ama a cidade de Leiria, onde exerce a sua profissão de médico, a partir de 1939 até 1942, onde escreve alguns dos seus livros. Em 1933 concluiu a licenciatura em
Medicina pela Universidade de Coimbra. Começou a exercer a profissão nas terras agrestes
transmontanas, pano de fundo de grande parte da sua obra. Dividiu seu tempo entre a clínica de
otorrinolaringologia e a literatura.
Após a
Revolução dos Cravos que derrubou o
Estado Novo em 1974, Torga surge na política para apoiar a candidatura de
Ramalho Eanes à presidência da República (1979). Era, porém, avesso à agitação e à publicidade e manteve-se distante de movimentos políticos e literários.
Autor prolífico, publicou mais de cinquenta livros ao longo de seis décadas e foi várias vezes indicado para o
Prémio Nobel da Literatura.
Casamento e últimos anos
Torga, sofrendo de cancro, publicou o seu último trabalho em 1993, vindo a falecer em Janeiro de 1995. A sua campa rasa em
São Martinho de Anta tem uma
torga plantada a seu lado, em honra ao poeta.
A origem do pseudónimo
Em 1934, aos 27 anos, Adolfo Correia Rocha cria o pseudónimo "Miguel" e "Torga". Miguel, em homenagem a dois grandes vultos da cultura ibérica:
Miguel de Cervantes e
Miguel de Unamuno. Já
Torga é uma planta brava da montanha, que deita raízes fortes sob a aridez da rocha, de flor branca, arroxeada ou cor de vinho, com um caule incrivelmente rectilíneo.
A obra de Torga
A obra de Torga tem um carácter humanista: criado nas serras transmontanas, entre os trabalhadores rurais, assistindo aos ciclos de perpetuação da natureza, Torga aprendeu o valor de cada homem, como criador e propagador da vida e da natureza: sem o homem, não haveria searas, não haveria vinhas, não haveria toda a paisagem duriense, feita de socalcos nas rochas, obra magnífica de muitas gerações de trabalho humano. Ora, estes homens e as suas obras levam Torga a revoltar-se contra a Divindade Transcendente a favor da imanência: para ele, só a humanidade seria digna de louvores, de cânticos, de admiração: (hinos aos deuses, não/os homens é que merecem/que se lhes cante a virtude/bichos que cavam no chão/actuam como parecem/sem um disfarce que os mude).
Para Miguel Torga, nenhum deus é digno de louvor: na sua condição omnisciente é-lhe muito fácil ser virtuoso, e enquanto ser sobrenatural não se lhe opõe qualquer dificuldade para fazer a natureza - mas o homem, limitado, finito, condicionado, exposto à doença, à miséria, à desgraça e à morte é também capaz de criar, e é sobretudo capaz de se impor à natureza, como os trabalhadores rurais transmontanos impuseram a sua vontade de semear a terra aos penedos bravios das serras. E é essa capacidade de moldar o meio, de verdadeiramente fazer a natureza, mal-grado todas as limitações de bicho, de ser humano mortal que, ao ver de Torga, fazem do homem único ser digno de adoração.
Poesia
- 1928 - "Ansiedade" (fora do mercado)
- 1930 - Rampa
- 1931 - Abismo
- 1936 - O outro livro de Job
- 1943 - Lamentação
- 1944 - Libertação
- 1946 - Odes
- 1948 - Nihil Sibi
- 1950 - Cântico do Homem
- 1952 - Alguns poemas ibéricos
- 1954 - Penas do Purgatório
- 1958 - Orfeu rebelde
- 1962 - Câmara ardente
- 1965 - Poemas ibéricos
- 1997 - Poesia Completa, volume I
- 2000 - Poesia Completa, volume II
- 1931 - Pão Ázimo
- 1931 - Criação do Mundo
- 1934 - A Terceira Voz
- 1937 - Os Dois Primeiros Dias
- 1938 - O Terceiro Dia da Criação do Mundo
- 1939 - O Quarto Dia da Criação do Mundo
- 1940 - Bichos
- 1941 - Contos da Montanha
- 1941 - "Diário I"
- 1942 - Rua
- 1943 - O Senhor Ventura
- 1943 - "Diário II"
- 1944 - Novos Contos da Montanha
- 1945 - Vindima
- 1946 - "Diário III"
- 1949 - "Diário IV"
- 1950 - Portugal'
- 1951 - Pedras Lavradas
- 1951 -"Diário V"
- 1953 - "Diário VI"
- 1956 - "Diário VII"
- 1959 - "Diário VIII"
- 1974 - O Quinto Dia da Criação do Mundo
- 1976 - Fogo Preso
- 1981 - O Sexto Dia da Criação do Mundo
- 1982 - Fábula de Fábulas
- 1999 - "Diário: Volumes IX a XVI"(1964-1993), Publicações Dom Quixote e Herdeiros de Miguel Torga, 2.ª edição integral, ISBN 972-20-1647-4
- Índice dos volumes
- Diário IX (15-1-1960/20-9-1963)
- Diário X (5-10-1963/30-7-1968)
- Diário XI (2-8-1968/6-4-1973)
- Diário XII (17-5-1973/22-6-1977)
- Diário XIII (8-7-1977/20-5-1982)
- Diário XIV (21-5-1982/11-1-1987)
- Diário XV (20-02-1987/31-12-1989)
- Diário XVI (11-1-1990/10-12-1993)
O seu Diário (1941 - 1994), em 16 volumes, mistura poesia, contos, memórias, crítica social e reflexões. No último volume, diz: "Chego ao fim, perplexo diante de meu próprio enigma. Despeço-me do mundo a contemplar atónito e triste o espetáculo de um pobre Adão paradoxal, expulso da inocência sem culpa sem explicação."
Peças de teatro
- 1941 - "Terra Firme" e "Mar"
- 1947 - Sinfonia
- 1949 - O Paraíso
- 1950 - Portugal
- 1955 - Traço de União
Ensaios e Discursos
Ensaios e Discursos, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2001,
ISBN 972-20-1681-4 , ‘’tomou por base, respectivamente,os textos da 6.ª edição de
Portugal, Coimbra, 1993; da 2.ª edição revista de
Traço de União, Coimbra, 1969; e da edição de
Fogo Preso, Coimbra, 1989”.
Traduções
Os seus livros foram traduzidos em diversos idiomas, algumas vezes publicados com um prefácio seu: espanhol, francês, inglês, alemão, chinês, japonês, croata, romeno, norueguês, sueco, holandês, búlgaro.
Prémios e homenagens