Pode-se resumir brevemente a sua atuação dizendo que foi ministro do
Reino e dos Negócios Estrangeiros de janeiro de 1822 a julho de 1823. De
início, colocou-se em apoio à regência de
D. Pedro de Alcântara. Proclamada a Independência, organizou a ação militar contra os focos de resistência à separação de
Portugal, e comandou uma política centralizadora. Durante os debates da
Assembleia Constituinte, deu-se o rompimento dele e de seus irmãos
Martim Francisco Ribeiro de Andrada e
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva
com o imperador. Em 16 de julho de 1823, D. Pedro I demitiu o
ministério e José Bonifácio passou à oposição. Após o encerramento da
Constituinte, em 11 de novembro de 1823, José Bonifácio foi banido e exilou-se na
França por seis anos. De volta ao Brasil, e reconciliado com o imperador, assumiu a
tutoria do
seu filho
quando o Imperador D Pedro I abdicou, em 1831. Permaneceu como tutor do
futuro imperador até 1833, quando foi demitido pelo governo da
Regência.
Início
Membro de família da
aristocracia portuguesa, José Bonifácio nasceu nos fins do
século XVIII, em Santos, no litoral da então
Capitania de São Paulo. O pai,
Bonifácio José Ribeiro de Andrada, casado com sua prima Maria Bárbara da Silva, era a segunda fortuna da cidade, possuidor de bens no valor de
8.000$000. José Ribeiro de Andrada, o avô, casado com Ana da Silva
Borges, pertencia a antiga família portuguesa do
Minho e de
Trás-os-Montes,
parente dos condes de Amares e marqueses de Montebelo, ramo dos
Bobadelas-Freires de Andrada. Bonifácio José, que morreria em 1789, era
considerado ágil, desembaraçado e inteligente. Aumentou a sua fortuna
como
comerciante e ocupou diversos cargos e ofícios. Tinha dois irmãos, formados em
Coimbra, e um terceiro irmão era
padre.
A sua mãe, D. Maria Bárbara da Silva, teve dez filhos, quatro mulheres e
seis homens. O seu pai foi o seu primeiro mestre, mas em Santos não era
possível ir além do ensino primário. Mudou-se para
São Paulo em 1777.
Estudos na Universidade de Coimbra
Em São Paulo, frequentou aulas de
gramática,
retórica e
filosofia, nos cursos abertos por Dom Frei
Manuel da Ressurreição, dono também de boa
biblioteca. Era o ensino preparatório para o ingresso na
Universidade de Coimbra, para onde iam os brasileiros com alguns recursos. Tinha 16
anos quando, com seus irmãos Bonifácio José, Antônio Carlos e Martim
Francisco, requereu habilitação
de genere, passo indispensável à carreira eclesiástica. Não havia universidades no Brasil nem qualquer prelo.
Além dos cursos, leu muito. Já
poetava, e numa
ode sua surgem os nomes de
Leibnitz,
Newton e
Descartes. Leu sobretudo
Rousseau e
Voltaire, mas leu também
Montesquieu,
Locke,
Pope,
Virgílio,
Horácio e
Camões, e se indignou contra o "mostro horrendo do
despotismo". Os seus versos apelavam para as promessas da independência recém-proclamada dos
Estados Unidos. Ainda estudante, cuidou de duas questões por cuja solução em vão se empenharia mais tarde: a
civilização dos índios, a
abolição do
tráfico negreiro e da
escravidão dos negros.
Carreira
Cedo demonstrou vocação para as pesquisas científicas. A exploração de
minas conhecia um auge considerável com o crescimento das necessidades ligadas à
revolução industrial.
José Bonifácio concluiu, em 16 de junho de 1787, o seu curso de Filosofia
Natural e, a 5 de julho de 1788, o de Leis. Recebeu em Portugal apoio
do
duque de Lafões,
D. João de Bragança, que, em 1780 fundara a
Academia das Ciências de Lisboa e, a 8 de julho de 1789 fez, perante o Desembargo do Paço, a leitura que o habilitava a exercer os lugares da
magistratura. Cinco meses antes, em 4 de março, fora admitido como sócio livre da Academia, o que lhe abrira os caminhos de uma carreira de
cientista.
Por temperamento, interessava-se por estudos de que resultassem em
alguma utilidade, colocando a ciência a serviço do aperfeiçoamento
humano. Tinha por divisa:
Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria. Sua primeira memória apresentada à Academia foi
Memória sobre a Pesca das Baleias e Extração de seu Azeite: com algumas reflexões a respeito das nossas pescarias.
Excursão científica na Europa
Foi escolhido, em 18 de fevereiro de 1790, para empreender, às custa do Real Erário, uma excursão científica pela
Europa, para adquirir, por meio de viagens literárias e explorações filosóficas, os conhecimentos mais perfeitos de
mineralogia e mais partes da
filosofia e
história natural.
Assim, nos meados de 1790, José Bonifácio estava em
Paris, na fase inicial da
Revolução Francesa. Cursou, de setembro de 1790 a janeiro de 1791, os estudos de
química e mineralogia e, até abril, aulas na Escola Real de Minas. Os seus
biógrafos citam contatos com
Lavoisier,
Chaptal,
Jussieu
e outros. Foi eleito sócio-correspondente da Sociedade Filomática de
Paris e membro da Sociedade de História Natural, para a qual escreveria
uma
memória sobre
diamantes
no Brasil, desfazendo erros. Já não era um simples estudante - começava
a falar com voz de mestre. Partiu depois para aulas práticas na
Saxónia, em
Freiberg,
cuja Escola de Minas frequentou em 1792, recebendo dois anos mais tarde
um atestado de que havia frequentado um curso completo de
Orictognosia e outro de
Geognosia. Ali cursou também a disciplina de siderurgia, com o professor
Abraham Gottlob Werner.
Percebia o atraso de Coimbra em relação a outros centros de estudo na
Europa - a escola de Freiberg marcaria a sua orientação. Ali teve como
amigos
Alexander von Humboldt,
Leopold von Buch e
Del Río. Percorreu as minas do
Tirol, da
Estíria e da
Caríntia. Foi a
Pavia, na
Itália, ouvir lições de
Alessandro Volta; em
Pádua, investigou a constituição geológica dos
Montes Eugâneos, escrevendo a respeito um trabalho em 1794, chamado
Viagem geognóstica aos Montes Eugâneos. Mas onde deu completo desenvolvimento aos seus estudos foi na
Suécia e na
Noruega, a partir de 1796, caracterizando em jazidas locais quatro espécies minerais novas (entre os quais a
petalite e o
diópsido) e oito variedades que se incluíam em espécies já conhecidas - a todos esses minerais descreveu pela primeira vez e deu nome.
Viajou mais de dez anos pela Europa, absorto em seus trabalhos
científicos e, aos 37 anos, era um cientista conhecido e consagrado.
Regressou a Portugal em setembro de 1800. Visitara, além dos países
citados, a
Dinamarca, a
Bélgica, os
Países Baixos, a
Hungria, a
Inglaterra e a
Escócia.
Em Portugal
Ocupou a cátedra de
Metalurgia, especialmente criada para ele, na
Universidade de Coimbra,
por Carta Régia de 15 de abril de 1801. Era obrigado a ali permanecer
pelo prazo mínimo de seis anos. Foi nomeado intendente-geral das Minas e
Metais do Reino, e membro do Tribunal de Minas, pela Carta Régia de 18
de maio de 1801, e deveria dirigir as Casas da Moeda, Minas e Bosques de
todos os domínios portugueses. Por decreto de 8 de julho de 1801,
recebeu o encargo de administrar as antigas minas de
carvão de
Buarcos (
Mina do Cabo Mondego) e restabelecer as abandonadas
fundições de
ferro de
Figueiró dos Vinhos e
Avelar. Por decreto de 12 de novembro de 1801, foi feito diretor do Real Laboratório da
Casa da Moeda de
Lisboa
e incumbido de remodelar o estabelecimento; pela Carta Régia de 1º de
julho de 1802 recebeu o encargo de superintender e ativar as sementeiras
de
pinhais nos areais das costas marítimas; pelo alvará de 13 de julho de 1807, foi nomeado superintendente do
rio Mondego e Obras Públicas de Coimbra. Mas pouco ou nada pôde levar a cabo, pois tinha de enfrentar a rotina portuguesa, em resistência
"ora passiva a qualquer esforço renovador, ora ativa, insidiosa, mal dissimulando sentimentos subalternos de inveja ou despeito". Lutou em vão contra o desleixo da
administração pública
e não lhe facultaram jamais os recursos indispensáveis ao trabalho. Não
desejou a cátedra e não se sentia com dons de professor. E, em Coimbra,
a reforma do
Marquês de Pombal "não passara afinal de bons propósitos",
segundo Octávio Tarquínio de Sousa, pois a universidade não possuía
museu científico. Escreveu carta em 1806 ao conde de Linhares em que
dizia:
"Estou doente, aflito e cansado e não posso com tantos
dissabores e desleixos. Logo que acabe meu tempo em Coimbra e obtenha a
minha jubilação, vou deitar-me aos pés de S.A.R. para que me deixe
acabar o resto dos meus cansados dias nos sertões do Brasil, a cultivar o
que é meu".
Na Academia Real atingiria o cargo de secretário perpétuo (1812). Sonhava com uma fábrica de
aço e foi o responsável pela vinda para Portugal, e depois para o Brasil, de
Guilherme von Eschwege, barão e mineralogista.
Escreveu dois artigos, em 1815 e 1819, onde a palavra
tecnologia
é usada pela primeira vez, na língua portuguesa. Possivelmente teve o seu
primeiro contacto com essa palavra no curso de siderurgia de Werner, em
1792, em Freiberg.
Integrou o grupo de intelectuais que se reunia em torno de
Domenico Vandelli,
partilhando a visão de que o domínio da natureza era capaz de gerar
riquezas e que, portanto, necessitava ser conhecido e explorado
cientificamente.
Regresso ao Brasil
Retornou ao Brasil em 1819, com 56 anos. Passara trinta anos na Europa e a
colónia agora era
reino unido e a sede da
monarquia. Alguns dos velhos pecados continuavam, e o principal, a seus olhos, era a
escravidão, pois o trabalhador era quase exclusivamente o
negro, e a
economia
se organizara em benefício de uma classe privilegiada. Apontou
imediatamente os pontos necessários a um extenso programa de trabalho:
abolição do
tráfico,
extinção da escravidão, incorporação dos
índios na sociedade,
miscigenação orientada para suprimir choques de
raças e de
classes e de constituir uma "nação homogénea", transformação do regime de propriedade agrária com a substituição do
latifúndio pela
subdivisão de terras, preservação e renovação das
florestas,
localização adequada das novas vilas, aproveitamento e distribuição das
águas e exploração das minas. Mas, desde 1808 na terra,
D. João VI jamais nomeara ministro um brasileiro. Mortos o conde de Linhares, em 1812, o
conde da Barca e o
marquês de Aguiar em 1817, e estando na Europa o
conde de Palmela, os homens de maior valor na confiança real eram
Tomás Antônio de Vila Nova Portugal e o
conde dos Arcos.
José Bonifácio recusou os convites recebidos para atuar como ajudante, e
partiu para Santos onde seu irmão Martim Francisco era diretor de minas
e matas da
Capitania de São Paulo. O outro irmão, Antônio Carlos, estava preso na
Bahia, pois participara da
Revolução Pernambucana de 1817.
Com o Martim Francisco fez "atentas" pesquisas durante cinco semanas, em março de 1820, indo a
Cubatão, à serra de
Paranapiacaba,
Ponte Alta,
Borda do Campo,
São Paulo, ao
pico do Jaraguá na
serra da Cantareira,
Parnaíba,
Pirapora,
Itu e
Sorocaba - onde visitaram a fábrica de ferro (mal) administrada por
Friedrich Ludwig Wilhelm Varnhagen,
São Roque e
Cotia. Estudou depois as
salinas, a cargo do físico-mor João Álvares Fragoso. José Bonifácio tudo inquiria e anotava, comenta Octávio Tarquínio de Sousa,
"das
questões básicas, como a do tráfico e da escravidão, às aparentemente
menos importantes, como as que se referiam à alimentação e ao vestuário
do povo, ou a certos costumes pouco recomendáveis. (....) Tudo
interessava a José Bonifácio em sua terra e nenhum assunto lhe parecia
trivial ou impróprio".
D. João VI deu-lhe, por carta de mercê de 18 de agosto de 1820, o
título de conselheiro. Como mudar de atitude era próprio do caráter do
rei, anulando o que prometera e cedendo a pressões de Portugal e a
inquietação contínua, D. João VI embarcou para Portugal a 24 de abril de
1821, com quatro mil pessoas na comitiva. O
Banco do Brasil se viu desfalcado de cinquenta milhões de
réis. Ia começar a última fase da
independência do Brasil e nela teria papel preponderante José Bonifácio.
Independência do Brasil
Era difícil perceber o rumo no ano de 1821. A revolução portuguesa
apresentava fachada liberal e expunha como objetivo o estabelecimento de
um regime constitucional. Os brasileiros queriam também liberdade e
constituição. Por isso, até se desmascararem os móveis verdadeiros da
revolução portuguesa, houve confusão no Brasil, e aceitaram mandato de
deputado a Lisboa indivíduos de cunho nativista, antes implicados em
revoluções contra a metrópole. Descobriu-se, mais tarde, que a revolução
portuguesa imporia, caso vitoriosa, a supremacia económica e política
da antiga metrópole.
Mas, enquanto isso, iam-se formando em todas as províncias
juntas governativas provisórias. Em São Paulo, em 12 de março de 1821, o governador e capitão-general
João Carlos Augusto de Oyenhausen-Gravenburg
anunciou o regime constitucional. Para dar os primeiros passos, José
Bonifácio aceitou convite para presidir à eleição dos membros, e propôs
que fosse por aclamação. Indicou Oyenhausen como presidente do governo
provisório, recebeu aclamação de seu próprio nome como vice-presidente
e, como um dos secretários (eram três, do Interior e Fazenda, da Guerra e
da Marinha), foi indicado seu irmão Martim Francisco. Em 23 de junho de
1821, José Bonifácio iniciava seu papel político no Brasil.
Enquanto as demais juntas governativas se deixavam atrair por Lisboa e
viam o Rio de Janeiro com desconfiança, a Junta de São Paulo foi a
primeira a reconhecer a autoridade do príncipe regente
D. Pedro de Alcântara. Em carta de 17 de julho de 1821 ao pai, o príncipe menciona José Bonifácio como o homem
"a quem se deve a tranquilidade atual da província de São Paulo".
Foram eleitos seis deputados paulistas à Constituinte em Lisboa, entre
eles Antônio Carlos, recém saído da prisão e que se revelaria grande
orador em Lisboa; o padre
Diogo Antônio Feijó, mais tarde
regente;
Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, depois
senador e regente em 1831. Os seis deputados receberam do governo instruções na forma de um documento coletivo, intitulado
Lembranças e Apontamentos,
programa completo em que as necessidades primordiais do Brasil eram
postas em foco. No documento estavam as principais ideias de José
Bonifácio.
A parte mais desenvolvida dizia respeito ao Brasil, em doze itens:
estabelecimento de um governo geral executivo, a cuja autoridade
ficassem sujeitos os governos provinciais, definidos os limites da
subordinação; a instrução pública, aumentando o número de
escolas e criando pelo menos uma
universidade; o desenvolvimento do povoamento do interior; a
catequese
e civilização dos índios, ou seja, sua integração; a emancipação
gradual dos escravos e a proibição do tráfico; a alteração da estrutura
fundiária, com a reintegração ao domínio do poder público das terras
improdutivas. José Bonifácio era contrário tanto à
escravidão quanto ao
latifúndio
e, nesse ponto, chocou-se com os poderosos interesses dos grandes
proprietários e dos traficantes. Outra sugestão foi a fundação de uma
cidade central no interior do Brasil, como efetivamente foi depois realizado no século XX com
Brasília, para assento do governo nacional; sugeria ainda uma nova legislação sobre o regime de terras, pois as chamadas
sesmarias,
verdadeiros latifúndios, eram uma forma de exploração antieconómica e
anti-social; e os deputados foram advertidos para incentivar um novo
surto de
mineração.
Contudo, nada do que continha o documento seria aproveitado no trabalho
das Cortes portuguesas. Dos 70 deputados brasileiros, apenas 50
chegaram a exercer mandato. O programa paulista era contrário ao que
pretendiam as Cortes e, percebendo que o governo do Príncipe Regente no
Rio seria o melhor instrumento de que poderiam servir-se os patriotas
brasileiros, resolveram anulá-lo.
Em fins de maio de 1821 chegaram de Lisboa as bases da
Constituição ali promulgada a 10 de março. A tropa portuguesa, que aderira à
revolução do Porto
e se tornara perturbadora da ordem fez, a 5 de junho, um
pronunciamento, e obrigou D. Pedro, a princípio relutante, a jurar as
bases. O impulso definitivo para a emancipação brasileira foi dado pela
obstinada política recolonizadora das Cortes. As medidas tomadas em
Lisboa tinham o mesmo objetivo: desunir e desarticular o Brasil, fazê-lo
novamente colónia. E o maior perigo, percebido por José Bonifácio, era o
sacrifício da unidade brasileira. A Junta Governativa da
Bahia,
por exemplo, com predominância de interesses comerciais portugueses e
forte presença de tropa lusa, recusava obediência ao Príncipe Regente e
se subordinava a Lisboa e às Cortes. Em
Pernambuco
se esperava algo mais radical, a adoção de um governo republicano. À
dispersão geográfica se somava o desentendimento político. Desde outubro
de 1821, os patriotas do Rio de Janeiro queriam proclamar a
independência do Brasil, com o príncipe D. Pedro feito imperador. E este
os advertiu do "delírio" que os empolgava e declarou-se pronto a morrer
por
"três divinais coisas - a Religião, o Rei, a Constituição".
Em 9 de dezembro de 1821, porém, chegaram ao Rio os textos dos
últimos atos das Cortes que criavam governos provinciais anárquicos e
independentes, mas sujeitos a Portugal, determinando o regresso quanto
antes de D. Pedro para uma viagem, incógnito, aos reinos de
Espanha,
França e
Inglaterra.
Nada mais poderia manter a ilusão da continuidade do sistema de reino
unido. As Cortes pretendiam anular a obra de D. João VI, fazendo de cada
província brasileira uma província de Portugal.
O príncipe regente chegou a rascunhar um manifesto de despedida aos
brasileiros. Mas já estava em curso uma ativa campanha, do clube da
resistência na casa de
José Joaquim da Rocha, e o príncipe foi mudando de atitude. Nas províncias, especialmente
São Paulo e
Minas Gerais,
os atos recolonizadores produziam reação idêntica à do Rio. Começaram a
receber assinaturas para uma representação em que se pedia ao príncipe
ficar no Brasil. Para José Bonifácio, chegara a hora das grandes
decisões e de uma ação enérgica para que o Brasil não se esfacelasse. A
carta do Governo de São Paulo ao príncipe regente, datada de 24 de
dezembro de 1821, é de sua autoria. Sobre a carta, disse
Octávio Tarquínio de Sousa:
"Se
o tom é de violência, justificavam-na sua indignação e sua revolta, e
era necessária para que D. Pedro sentisse claramente a disposição em que
estavam os brasileiros de não mais se deixar dominar por Portugal." O seu pedido ao príncipe era quase uma ameaça:
"É
impossível que os habitantes do Brasil que forem honrados e se prezarem
de ser homens, e mormente os paulistas, possam jamais consentir em tais
absurdos e despotismos. V. A. Real deve ficar no Brasil quaisquer que
sejam os projetos das Cortes Constituintes não só para nosso bem geral
mas até para a independência e prosperidade futura do mesmo Portugal. Se
V. A. Real estiver (o que não é crível) pelo deslumbrado e indecoroso
decreto de 19 de setembro, além de perder para o mundo a dignidade de
homem e de príncipe, tornando-se escravo de um pequeno número de
desorganizadores, terá também que responder, perante o céu, do rio de
sangue que decerto vai correr pelo Brasil". A carta chegou às mãos
do príncipe no Rio a 1 de janeiro de 1822. Foi divulgada imediatamente
por D. Pedro, e mandada imprimir na Gazeta do Rio, em 8 de janeiro. Em
carta ao pai, de 2 de janeiro de 1822, D. Pedro escreveu:
"Farei
todas as diligências por bem para haver sossego, e para ver se posso
cumprir os decretos 124 e 125, o que me parece impossível, porque a
opinião é toda contra, em toda a parte".
D. Pedro, no início de 1822, já tinha clara consciência do papel que
os patriotas brasileiros lhe destinavam, e estava disposto a
desempenhá-lo. No dia 9 de janeiro, quando
José Clemente Pereira,
presidente do Senado da Câmara do Rio, lhe entregou a representação
fluminense, tentou adiar a resposta mas acabou declarando:
"Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico!".
Por sua vez, José Bonifácio chegou ao Rio a 17 de janeiro, na representação paulista. Foi nessa ocasião que se entreteve na
fazenda de Santa Cruz com a princesa
D. Leopoldina. O príncipe de 23 anos o nomeou, aos 60 anos, seu
ministro do Reino e dos Estrangeiros - o primeiro brasileiro a ocupar um cargo semelhante - demitindo
Marcos de Noronha e Brito. Disse Octávio Tarquínio de Sousa:
"Não
estava mais em idade de contentar-se com a simples aparência das
coisas, nem o enganavam palavras, por mais prestigiosas que fossem".
Suas ideias estavam esboçadas nas instruções feitas para os deputados
paulistas às Cortes, e atacavam os problemas sociais e económicos.
Queria uma organização democrática, queria governo responsável, sistemas
representativos, garantias constitucionais. Mais importante que tudo
era a preservação da ordem pública - pois a tropa portuguesa se passara
para
Niterói.
A 21 de janeiro, José Bonifácio ordenou ao desembargador do paço
chanceler-mor que não mais fizesse a repartição das leis vindas de
Portugal sem antes as submeter ao príncipe regente. E, a 30 de janeiro
de 1822, concitava os governos provisórios de todas as províncias a
promoverem a união das mesmas com sujeição à regência de D. Pedro.
Decreto de 22 de fevereiro de 1822, referendado por José Bonifácio,
convocou a Junta de Procuradores das províncias. Já começava a ter
problemas com certo grupo de políticos do Rio de Janeiro:
Joaquim Gonçalves Ledo,
Januário da Cunha Barbosa e José Clemente Pereira apareciam a seus olhos como
demagogos e agitadores que só queriam precipitar os acontecimentos.
A José Bonifácio se deve seguramente a adesão de D. Pedro ao
movimento emancipador. E a sua orientação foi fundamental para que este se
desse sem transbordamentos inúteis, sem choques. Como medida
preliminar, entendia-se necessária a união das províncias - mas no
Pará, na
Bahia, no
Maranhão, não faltava quem quisesse continuar na dependência das Cortes. A posição de
Pernambuco parecia-lhe ambígua. A sua primeira atitude foi assegurar a adesão efetiva de
Minas Gerais
e por isso fez o Príncipe Regente viajar para lá. Essa viagem serviu
para uma radical transformação de ânimo em D. Pedro. Em sua ausência,
por decreto de 23 de março de 1822, cabia a José Bonifácio como ministro
do Reino a chefia do governo.
Nos primeiros meses os dois se entenderam tão bem, de modo íntimo e
sem etiquetas, e D. Pedro vinha vê-lo para despachar em sua casa no
Largo do Rossio. Com isso, despertaram ciúmes no grupo de patriotas
cariocas, que desejavam influência, entrar para o governo, manejar o
poder. Esse grupo foi o indutor de que o título de "protetor e defensor
perpétuo do Brasil" fosse oferecido a D. Pedro e, a 13 de maio de 1822,
dia de gala e beija-mão do povo por ser o do aniversário do rei
D. João VI, D. Pedro aceitou ser aclamado "defensor", mas disse que
"o Brasil não precisava de sua proteção e a si mesmo se protegia". A iniciativa foi tomada à revelia de José Bonifácio.
O problema seguinte do ministro do Reino foi a convocação de uma
Assembleia Constituinte, ideia de todos os patriotas - e desde 3 de abril de 1822, carta do príncipe regente a José Bonifácio a considerava
"o único açude que possa conter uma corrente tão forte".
José Bonifácio não seria em princípio contrário, mas hesitava decerto
acerca de sua oportunidade. Preferia, antes assegurar a unidade
nacional, firmar a solidariedade das províncias, e temia o que chamava
"as desordens das Assembleias Constituintes".
Mas, as Cortes continuavam em seu propósito de fazer o Brasil voltar à
situação colonial, sentia a necessidade de uma ação imediata. Fez-se,
então, uma representação a D. Pedro, em 23 de maio, para que a
convocasse sem demora. Dois dias antes, o príncipe regente escrevia ao
pai:
"As leis feitas tão longe de nós, por homens que não são
brasileiros e não conhecem as necessidades do Brasil, não poderão ser
boas". Mas, ao receber a representação, teve palavras moderadas,
dilatórias, que devem ter-lhe sido inspiradas por José Bonifácio. No Rio
não escasseavam os elementos reacionários, chamados "pés de chumbo",
gente do comércio e traficantes de escravos, o que estimulava ardores
nativistas e favorecia mesmo o surto de ideias radicais, nitidamente
republicanas ou
democráticas
puras. Ganhava mais do que nunca ascendência, o grupo de Gonçalves Ledo
à frente, os quais José Bonifácio considerava sôfregos agitadores.
A 1 de junho, o príncipe regente baixou uma proclamação em que
falava da pátria ameaçada e marcava para 2 de junho a reunião do
Conselho dos Procuradores-Gerais das províncias,
para saber o que pensava da constituinte. Em 24 horas o conselho lhe
enviou um requerimento, em que pedia a convocação. A 3 de junho de 1822
foi expedido decreto em que José Bonifácio convocou a Assembleia Geral
Constituinte e Legislativa, no qual ainda se falava em manter a
integridade da monarquia portuguesa e a união com Portugal.
Mas, a 15 de junho foi dado outro passo rumo à ruptura com Portugal, pois José Bonifácio comunicou ao
cônsul inglês que mandava admitir nas
alfândegas
os navios britânicos, independente do certificado do consulado de
Portugal em Londres, até que fosse nomeado um cônsul do Brasil naquela
cidade. Pernambuco aderiu rapidamente ao príncipe regente, mas na Bahia a
situação continuava séria e, a 15 de junho, D. Pedro enviou carta em
que mandava o general Madeira embarcar sem demora para Portugal. Foi
necessário enviar uma expedição contra ele e, como comandante, José
Bonifácio indicou o
general francês Pedro Labatut que já havia submetido a província de Sergipe.
Enquanto isso, em São Paulo ocorria o golpe que se chamou "a bernarda
de Francisco Inácio", do qual entretanto saíram fortalecidos os
Andradas, e Martim Francisco foi nomeado ministro da Fazenda em 4 de
julho de 1822, passando
Caetano Pinto de Miranda Montenegro,
Marquês de Vila Real da Praia Grande, para a recém criada pasta da
Justiça. As finanças estavam em estado caótico, e o novo ministro foi,
como em São Paulo, inflexível com os devedores do erário, em regra os
poderosos da terra, habituados a não recolherem aos cofres o que deviam.
A oposição aos irmãos, com isso, só podia crescer.
Em fins de julho chegaram ao Rio notícia de que as insensatas Cortes
de Lisboa enviavam numerosa tropa para dominar o país. José Bonifácio já
se entendia melhor com Ledo e com os membros mais destacados do Grande
Oriente, sobretudo com o general
Luís Pereira da Nóbrega de Sousa Coutinho,
nomeado ministro da Guerra desde 27 de junho de 1822. Tomou medidas da
maior gravidade, como a de declarar inimigas as tropas que Portugal
mandasse para o Brasil, por meio do decreto de 1º de agosto, em que D.
Pedro se dava como "regente do vasto Império do Brasil pelo
consentimento e espontaneidade dos povos" e, a bem dizer, declarava
guerra a Portugal.
O decreto e o manifesto que o acompanhava eram já sinal da decisão
tomada: a ruptura completa. Mas eram atos dirigidos ao povo brasileiro.
José Bonifácio, como ministro dos Estrangeiros, preparou o arrazoado em
que se baseava o príncipe para ser levado aos demais povos. Foi ele o
autor do documento de 6 de agosto de 1822: extenso, imoderado, de
linguagem por vezes inconveniente, onde expunha o legítimo ressentimento
por três séculos de dominação, e avisava ao mundo que os brasileiros
não mais admitiriam a volta ao regime anterior.
Na cópia enviada a 14 de agosto de 1822 ao corpo diplomático acreditado no Rio, José Bonifácio explicou a posição do Brasil:
"Tendo
o Brasil, que se considera tão livre quanto o reino de Portugal,
sacudido o jugo da sujeição e da inferioridade com que o reino irmão o
pretendia escravizar, e passando a proclamar solenemente a sua
independência e a exigir uma assembleia legislativa dentro do seu
próprio território, com as mesmas atribuições que a de Lisboa…" Desde 12 de agosto estavam nomeando
Felisberto Caldeira Brant Pontes, o futuro marquês de Barbacena, encarregado de negócios junto ao governo britânico; Manoel Rodrigues Gameiro Pessoa para
Paris; e Luís Moutinho para
Washington. Em suas instruções, redigidas por José Bonifácio, o item principal era a
independência do Brasil.
O príncipe regente, a 14 de agosto de 1822, partiu para São Paulo, cujo
governo reacionário parecia querer desacatar José Bonifácio. Tivera
antes sucesso na sua missão em Minas, pretendia repetir o êxito em São
Paulo. Foi bem recebido e, "com a autoridade que as suas estroinices e
desmandos só mais tarde diminuiriam", pôs ordem no governo provincial.
Na sua ausência ficara como regente a sua mulher, a princesa D.
Leopoldina de Habsburgo,
colaboradora da obra de José Bonifácio. Tinha poderes para, em Conselho
de ministros, tomar com o mesmo as medidas necessárias "ao bem e à
salvação do Estado".
No fim de agosto chegaram ao Rio três navios de Lisboa, com notícias
de que as Cortes tinham decidido reduzir o príncipe a simples delegado
temporário, e apenas nas províncias onde exercia autoridade, com
ministros vindos de Lisboa; haviam anulado a convocação do Conselho de
Procuradores e mandariam processar todos quantos tivessem procedido
contra sua política. O visado era José Bonifácio, tido como o maior
responsável pelos acontecimentos. Este recebeu, ao mesmo tempo, carta de
seu irmão Antônio Carlos, que estava em Lisboa. E escreveu a D. Pedro:
"O
dado está lançado e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e
horrores. Venha V.A. quanto antes e decida-se, porque irresoluções e
medidas d'água morna, à vista desse contrário que não nos poupa, para
nada servem e um momento perdido é uma desgraça". Com sua carta seguiram cartas de D. Leopoldina, incitando o marido ao gesto, uma de Antônio Carlos, outra do inglês
Neville Chamberlain.
O emissário, Paulo Emílio Bregaro, encontrou D. Pedro que voltava de
Santos, leu os papéis, demonstrou a sua grande indignação, e, ao encontrar
a Guarda de Honra que o esperava nas margens do
riacho Ipiranga,
comunicou que as Cortes queriam "massacrar" o Brasil. Eram quatro e
meia da tarde de 7 de setembro de 1822, e o príncipe, num verdadeiro
brado, exclamou:
"É tempo! Independência ou morte! Estamos separados de Portugal".
D. Pedro, mesmo ligado a José Bonifácio, vinha sofrendo o assédio do
grupo de Gonçalves Ledo, apontado como representante genuíno do
sentimento popular. No dia de sua chegada de São Paulo, D. Pedro foi
tomar posse de seu cargo. Não desejava abandonar José Bonifácio, mas
sim, tendo criado fé em seu destino, ganhara confiança em si mesmo e
tinha o intento de ouvir outras opiniões. Em setembro e outubro de 1822,
D. Pedro parecia ter oscilado mais que nunca, com seu temperamento
nervoso, de um lado entre os patriotas, querendo tudo e disputando a
primazia, e do outro, José Bonifácio, procurando chegar aos mesmos fins
mas sem demagogia nem precipitações.
Este grupo preparou outra ação política importante, a da Aclamação de D. Pedro I, a 12 de outubro de 1822, como
imperador
constitucional do Brasil. Estipulava-se uma cláusula do juramento
prévio que o novo imperador deveria prestar à Constituição, a ser
redigida por uma Assembleia Constituinte. A essa cláusula, José
Bonifácio se opôs terminantemente, e foi ela a razão de seu rompimento
com o grupo de Gonçalves Ledo. Mas, depois que D. Pedro dissolveu a
Constituinte, passou a exibir uma
concubina, criou tribunais de exceção, fez morrer patriotas na
forca,
exilou e manteve José Bonifácio no exílio durante seis anos e, mais do
que tudo para os "democratas", outorgou uma Constituição que não
cumpriu. Ledo não figurou entre os liberais que se opuseram ao
imperador.
José Bonifácio, confirmado ministro do Interior e dos Negócios
Estrangeiros, foi tomando providências no novo governo. Por decreto de
18 de setembro, descreveu as armas e a
bandeira brasileira como se mantiveram até 1889. Por outro decreto, também de 18 de setembro, criou o tope nacional brasileiro,
verde e
amarelo. Noutro, concedia
amnistia
geral para todas as passadas opiniões políticas - mas excluindo dos
benefícios aqueles que se achassem presos e em processo. Pediu, pela
primeira vez, demissão quando Ledo inspirou ao imperador um decreto
mandando cessar a devassa em São Paulo.
(...)
Queda e exílio
1823 foi o grande ano da Constituinte. Um decreto de 14 de abril fixou
para 17 do mesmo mês e ano a primeira reunião preparatória e, a 3 de
maio, a abertura definitiva. A opinião de José Bonifácio estava expressa
na frase que D. Pedro I pronunciou em sua
coroação, na cerimónia pomposa e teatral a 1 de dezembro de 1822:
"Com a minha espada defenderei a pátria, a nação e a Constituição, se for digna do Brasil e de mim".
Era a advertência aos deputados, como o resto de sua fala, a que não
perpetrassem apenas uma obra de teóricos e sonhadores. Para José
Bonifácio, o mandato dos constituintes não era irrestrito, a forma de
governo fora predeterminada: uma
monarquia constitucional.
Num Brasil com um milhão de escravos numa população total inferior a
quatro milhões, mal saído da opressão colonial, sem escolas, sem
universidades, em que até 15 anos atrás não se admitia a existência de
um prelo, de um
jornal,
a assembleia congregava muitos homens de valor - mas todos
inexperientes em assuntos de técnica parlamentar e legislativa. A
posição do governo se tornou menos cómoda. Surgiram logo os protestos
liberais, o governo mantinha gente nas prisões sem culpa formada,
ordenava
deportações, coagia a
imprensa. Formou-se na Constituinte uma oposição aguerrida, e José Bonifácio não possuía os dons necessários de convencimento, era mau
orador, com
timbre de voz antipático, não se preocupava em ser amável, não disfarçava certo tom arrogante.
"Por não ser mais sereno, carrega hoje culpas que não lhe cabem", concluiu Octávio Tarquínio de Sousa, como o atentado de que foi vítima o jornalista
Luís Augusto May. Enquanto isso, D. Pedro passou a acreditar em todos os elogios, em todos os louvores, acreditando-se o
herói único, autor exclusivo da independência.
José Bonifácio caiu após um episódio que envolveu o padre
Francisco Muniz Tavares,
deputado por Pernambuco, sobre a situação dos portugueses no Brasil. O
projeto de deportação não vingou, mas deu ensejo a que se dissesse o que
não deveria ter sido dito. O imperador decidiu afastar seu ministro e
demiti-lo por uma questiúncula de política regional paulista. José
Bonifácio se considerou demitido na noite de 15 de julho de 1823. Seu
substituto foi
José Joaquim Carneiro de Campos, depois
Marquês de Caravelas. Solidária, demitiu-se também sua irmã Maria Flora Ribeiro de Andrada das funções de camareira-mor da imperatriz.
Sobre este episódio comenta
Maria Graham: …
"a renúncia de José Bonifácio é certa, e não menos certa a de seu irmão Martim Francisco,
cuja honestidade irrepreensível à frente do Tesouro não será facilmente
substituída. (…) A ideia mais geral é a de que os Andradas foram
sobrepujados por um partido republicano da Assembleia. (…) Entrementes
José Joaquim Carneiro de Campos é o primeiro-ministro e Manuel Jacinto Nogueira da Gama
está à testa do Tesouro; homem bastante rico para ficar acima de
qualquer tentação cujo caráter, quanto à integridade, está escassamente
abaixo de seu predecessor.""
Em uma entrevista dada em 5 de setembro de 1823 a
O Tamoyo,
jornal por ele fundado em agosto de 1823 após sua demissão do governo, e
que só viveu três meses, ele explicou as suas ideias, abriu o seu coração. O
homem público estava intacto, cheio de interesse pela política. Não
podia afastar-se da Corte, pois era deputado à Constituinte, mas lutaria
contra o que não lhe agradava. A de setembro de 1823 foi lido o
projeto de Constituição, com 272 artigos, do qual Antônio Carlos, o seu irmão, era o relator e autor principal. Era francamente
liberal, e criava um
poder executivo
forte, delegado ao imperador. Mas havia no seio da assembleia já quatro
ou cinco grupos. E, em Portugal, um golpe absolutista contra as
desastradas Cortes investira novamente
D. João VI na plenitude dos poderes do Estado. Portugueses e reacionários começavam no Brasil a levantar a cabeça.
O imperador ia aos poucos cedendo, e o elemento militar luso ia-se infiltrando no
exército,
tornando-se perigoso e insolente. A campanha dos que se intitulavam os
patriotas continuava, nacionalista e antiportuguesa. Houve discursos de
grande exaltação em novembro de 1823, depois do episódio com o
boticário Davi Pamplona Corte Real. O imperador refez então seu gabinete com gente incolor ou reacionária.
Francisco Vilela Barbosa,
depois Marquês de Paranaguá, chegado há pouco de Portugal, foi
escolhido novo ministro do Império. A tropa passou a exigir restrições à
liberdade de imprensa e a expulsão dos Andradas da Assembleia. A dissolução da Constituinte tornou-se inevitável.
Segundo Maria Graham "a verdadeira causa do desprestígio de José
Bonifácio estava na amante do Imperador e no Plácido. Suponho que estão
vendidos ao partido português, afirma - sendo eles próprios pés de chumbo."
(…) Quando os Andradas foram deportados, foi uma inglesa, Mrs.
Chamberlain, senhora do cônsul inglês no Rio, que obteve licença para
que suas esposas pudessem acompanhá-los.
José Bonifácio foi preso em casa e levado para a
Fortaleza da Laje,
após o golpe de força da dissolução da Assembleia pelo imperador, em 12
de novembro de 1823. Não haveria nova Constituinte - D. Pedro I
outorgaria
uma Constituição a 24 de março de 1824, sendo esta uma adaptação do
ante-projeto de Antônio Carlos, em curso na Assembleia Constituinte
dissolvida.
Condenado ao exílio, deixou o
Rio de Janeiro numa velha
charrua, chamada Lucônia, a 20 de novembro de 1823, comandada pelo português Joaquim Estanislau Barbosa, com destino a Havre. Após um
motim durante a viagem, pararam em
Vigo, na
Espanha,
a 12 de fevereiro, e quase foram apresados por navios portugueses,
escapando graças à intervenção do cônsul da Inglaterra, que o procurou a
bordo. Seguiram por terra para
Corunha, e de barco para
Bordéus, onde desembarcaram a 5 de julho.
Regresso ao Brasil
Banido, José Bonifácio foi residir em
Talence, a quatro quilómetros de
Bordéus,
com sua família. Viveria no exílio dos 61 aos 66 anos. Martim Francisco
e Antônio Carlos moravam também em Bordéus. Neste período renasceu nele
o trabalhador intelectual, o homem de estudos. E a "solidão do campo",
como escreveu a amigos, lhe trouxe "a mania antiga de poeta". Traduziu
Virgílio e
Píndaro, compôs, e em 1825, sob o
pseudônimo arcádico de Américo Elísio, publicou em Bordéus as
Poesias avulsas, gastando nisso 500
francos. Não era bom poeta, nem poeta original.
As notícias do Brasil não o podiam deixar contente. D. Pedro I, a 25
de março de 1824, outorgada a Carta Constitucional, fora implacável ao
abafar o movimento revolucionário do
Nordeste, conhecido como
Confederação do Equador, nascido da dissolução da Assembleia.
"O partido português havia assumido tal importância em setembro de
1824 que o mais leve sinal de inteligência num ministro brasileiro o
derrubaria. Todos os oficiais do palácio, as mulheres inclusive são
portugueses ou franco-lusitanos.""
Preocupavam-no sobretudo as negociações para o reconhecimento da
independência, com Portugal e a Inglaterra, que se arrastaram até agosto
de 1825. O facto de o Brasil aceitar pagar dois milhões de
esterlinas a Portugal lhe pareceu mais uma "
carta de alforria" do que o reconhecimento. Foi impiedoso com D. João VI, a quem chamou de "João Burro", e com D. Pedro, a quem comparou a
Pedro Malasartes. Considerava um insulto que D. Pedro tivesse outorgado a sua amante
Domitília de Castro e Canto Melo o título de
Viscondessa de Santos, justamente a cidade em que nascera.
Em maio de 1826 foi instalada a primeira Assembleia Legislativa
brasileira. D. Pedro I não agiu imparcialmente na escolha dos senadores,
nem se deveria esperar isso dele. Morreu o rei D. João VI e D. Pedro
sucedeu-lhe no trono português. Porém, ele outorgou uma Carta,
decretando amnistia geral e abdicando em favor da sua filha D. Maria da
Glória, futura Rainha
D. Maria II.
Enquanto isso, a devassa aberta contra os Andradas se eternizava em São
Paulo, avançando até 1828, e José Bonifácio permanecia em Bordéus.
Neste período foi duas vezes votado como deputado pela Bahia. Antônio
Carlos e Martim Francisco conseguiram autorização para o regresso e
deixaram Bordéus a 26 de abril de 1828, sendo recolhidos à
Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio, a 4 de julho, e a 6 de setembro de 1828 lograram absolvição e liberdade.
Em 1829 foi permitido a José Bonifácio retornar ao Brasil. Chegou ao
Rio de Janeiro a 23 de julho, carregando o cadáver da esposa, morta na
viagem. O ministro do Império era seu adversário
José Clemente Pereira, e o dos Estrangeiros o
marquês de Aracati,
seu companheiro no governo provisório de São Paulo e depois também
adversário. A situação política não era das melhores, pois o imperador
não se entendia com o
Poder Legislativo, não escolhia ministros que desfrutassem do apoio dos deputados, entre os quais havia quem quisesse estabelecer o
parlamentarismo à inglesa. O
Primeiro Reinado
vinha se caracterizando por uma constante instabilidade política e
social. José Bonifácio teria grandes dúvidas sobre a campanha liberal
dirigida por
Bernardo Pereira de Vasconcelos,
Evaristo da Veiga e outros. Generoso, perdoava ao que chamava por vezes
o Rapazinho, e D. Pedro o recebeu com alegria. Com o
marquês de Barbacena, que desembarcara no Rio em 16 de outubro de 1829 trazendo a nova imperatriz D.
Amélia de Leuchtenberg,
sempre se entendera bem. Mas seus inimigos não o deixavam descansar e,
já em março de 1830, foi acusado de estar metido em uma conspiração
republicana, como insinuou o Diário Fluminense. Vivia então retirado na
ilha de Paquetá.
Tutor dos príncipes
Com a
abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, José Bonifácio foi por ele nomeado
tutor do seu filho de cinco anos, o Imperador
D. Pedro II.
Mau marido, o imperador foi um pai dedicado e enternecido - e de todos
os filhos, legítimos ou não. O imperador assinou um decreto em que
nomeava
"tutor dos meus amados e prezados filhos ao muito probo,
honrado e patriótico cidadão José Bonifácio de Andrada e Silva, meu
verdadeiro amigo". No dia 8 de abril, José Bonifácio foi ao
palácio da Boa Vista visitar os pupilos. Tinha 68 anos e seu temperamento e seu feitio não prometiam um tutor ideal. Ainda apareceria na
Câmara dos Deputados, pois era suplente de Honorato José de Barros Paim.
Prestou juramento perante o
Senado
como tutor eleito pela Assembleia a 19 de agosto de 1831. A lei de 12
de agosto de 1831 regulava as suas funções, e não lhe cabia senão nomear
mestres e
mordomos. Manteve Luís Aleixo Boulanger para lhes ensinar escrita, primeiras letras e
geografia; o cónego Renato Pedro Boiret para mestre de
francês;
Simplício Rodrigues de Sá, de
desenho; Lourenço Lacombe, de
dança; Fortunato Mazzioti, de
música. Acabou se desentendendo com D.
Mariana Carlota de Verna Magalhães Coutinho, a quem os príncipes consideravam uma segunda mãe, e que não teria pequena parte na campanha movida contra ele.
Logo se tornou suspeito aos olhos do governo. O ministro da Justiça
Diogo Antônio Feijó,
que abafara dois graves levantamentos armados no Rio, em 1831 e 1832,
convenceu-se de que José Bonifácio tivera parte no último, e acusou-o
formalmente. Em 1833, o grande temor era a volta de D. Pedro I, a
restauração, um golpe "caramuru". Antônio Carlos fora mesmo à
Europa para convencê-lo a regressar. A Aurora Fluminense, de
Evaristo da Veiga, acusava o tutor de falta de compostura, comentando dois bailes dados no
paço.
Finalmente, José Bonifácio foi suspenso do cargo ,pelo decreto de 14 de
dezembro de 1833, por ato cujo verdadeiro autor era o ministro da
Justiça
Aureliano Coutinho, depois
visconde de Sepetiba, que escreveu à D. Mariana de Verna:
"Parabéns, minha senhora. Custou, mas demos com o colosso em terra".
Eles estavam enganados; José Bonifácio resistiu, com energia, a
diversos juízes de paz que foram ao paço levar o seu decreto de suspensão,
pois não o considerava legal. E escreveu ao ministro do Império:
"Cederei à força, que não a tenho".
Para arrancá-lo, mobilizou-se a tropa e foi lavrada contra ele ordem de
prisão. O governo prendeu-o em casa, na ilha de Paquetá. Em seu lugar
foi nomeado
Manuel Inácio de Andrade Souto Maior Pinto Coelho, o
marquês de Itanhaém.
José Bonifácio abandonou a vida política e passou o restante de seus
dias em reclusão, em sua casa na ilha de Paquetá, dentro da
Baía de Guanabara. Morreu ali perto, em Niterói, aos 75 anos. O seu cadáver,
embalsamado, foi levado três dias depois para o Rio de Janeiro, depositado na
Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo,
onde ficou exposto até o dia 25 de abril. Nessa data, a sua filha D.
Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada levou-o para Santos, sepultando-o
na capela-mor da
Igreja Nossa Senhora do Carmo, segundo disposição testamentária.
Deixou poucos bens; fora e continuava a ser homem pobre, mas sua biblioteca contava com seis mil volumes.
Atualmente, os seus restos mortais jazem ao lado dos despojos de seus
ilustres irmãos, Antônio Carlos, Martim Francisco e o padre Patrício
Manuel, num
monumento situado em Santos, na Praça Barão do Rio Branco 16, denominado
Panteão dos Andradas, inaugurado no dia 7 de setembro de 1923.