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quarta-feira, abril 10, 2024

Hoje é dia de recordar um Poeta...

(imagem daqui)
 

Os que Vinham da Dor

Os que vinham da Dor tinham nos olhos
estampadas verdades crudelíssimas.
Tudo que era difícil era fácil
aos que vinham da Dor diretamente.
 
A flor só era bela na raiz,
o Mar só era belo nos naufrágios,
as mãos só eram belas se enrugadas,
aos olhos sabedores e vividos
dos que vinham da Dor diretamente.
 
Os que vinham da Dor diretamente
eram nobres de mais pra desprezar-vos,
Mar azul!, mãos de lírio!, lírios puros!
Mas nos seus olhos graves só cabiam
as verdades humanas crudelíssimas
que traziam da Dor diretamente.  

   

 

Sebastião da Gama

 

O poeta Daniel Faria nasceu há cinquenta e três anos...

(imagem daqui)
  
Daniel Augusto da Cunha Faria nasceu em Baltar, Paredes, a 10 de abril de 1971.
Frequentou o curso de Teologia na Universidade Católica Portuguesa – Porto, tendo defendido a tese de licenciatura em 1996.
No Seminário e na Faculdade de Teologia criou gosto por entender a poesia e dialogar com a expressão contemporânea.
Licenciou-se em Estudos Portugueses na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Durante esse período (1994 - 1998) a opção monástica criava solidez.
A partir de 1990, e durante vários anos, esteve ligado à paróquia de Santa Marinha de Fornos, Marco de Canaveses. Aí demonstrou o seu enorme potencial de sensibilidade criativa encenando, com poucos recursos, As Artimanhas de Scapan e o Auto da Barca do Inferno.
Faleceu, a 9 de junho de 1999, quando estava prestes a concluir o noviciado no Mosteiro Beneditino de Singeverga.
   

 

Vimos a pedra vazia no interior da terra

  
   
  
Vimos a pedra vazia no interior da terra
A manhã. Nós não tocámos a luz
Inesperada. Pensámos
Que já o sono sendo eterno te afastara
E que farol que foste
Agora onda após onda, brasa extinta, naufragava

Nunca mais, pensámos, dormirias na proa
E quase desaprendêramos a guiar o barco
Em nossas viagens não amainaria mais, pensámos, e chegar a casa
Seria ver multiplicar-se
A nossa fome como o peixe e como o pão

Chegámos a terra porém e esperavas-nos
Os pés furados como conchas sobre a areia
E sentámo-nos em redor para comer
 
  
  
in
Dos Líquidos (2000) - Daniel Faria

O poeta Sebastião da Gama nasceu há um século...

 (imagem daqui)
     
Sebastião Artur Cardoso da Gama (Vila Nogueira de Azeitão, 10 de abril de 1924 - Lisboa, 7 de fevereiro de 1952) foi um poeta e professor português,
Sebastião da Gama licenciou-se em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1947.
Foi professor em Lisboa, na Escola Industrial e Comercial Veiga Beirão, em Setúbal, na Escola Industrial e Comercial (atual Escola Secundária Sebastião da Gama) e, em Estremoz, na Escola Industrial e Comercial local.
Colaborou nas revistas Árvore e Távola Redonda.
A sua obra encontra-se ligada à Serra da Arrábida, onde vivia e que tomou por motivo poético de primeiro plano (desde logo no seu livro de estreia, Serra-Mãe, de 1945), e à sua tragédia pessoal, motivada pela doença que o vitimou precocemente, a tuberculose.
Uma carta sua, enviada em agosto de 1947, para várias personalidades, a pedir a defesa da Serra da Arrábida, constituiu a motivação para a criação da LPN, Liga para a Protecção da Natureza, em 1948, a primeira associação ecologista portuguesa.
O seu Diário, editado postumamente, em 1958, é um interessantíssimo testemunho da sua experiência como docente e uma valiosa reflexão sobre o ensino.
As Juntas de Freguesia de São Lourenço e de São Simão, instituíram, com o seu nome, um Prémio Nacional de Poesia. No dia 1 de junho de 1999, foi inaugurado em Vila Nogueira de Azeitão, o Museu Sebastião da Gama, destinado a preservar a memória e a obra do Poeta da Arrábida, como era também conhecido.
Faleceu vitima de tuberculose renal, de que sofria desde adolescente.
     

 

Pequeno poema

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava,
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

P'ra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

   

 

Sebastião da Gama

segunda-feira, abril 08, 2024

Porque é preciso recordar os poetas...

 


Notícias do Bloqueio

Aproveito a tua neutralidade,

o teu rosto oval, a tua beleza clara,

para enviar notícias do bloqueio

aos que no continente esperam ansiosos.



Tu lhes dirás do coração o que sofremos

nos dias que embranquecem os cabelos...

tu lhes dirás a comoção e as palavras

que prendemos – contrabando – aos teus cabelos.



Tu lhes dirás o nosso ódio construído,

sustentando a defesa à nossa volta

- único acolchoado para a noite

florescida de fome e de tristezas.



Tua neutralidade passará

por sobre a barreira alfandegária

e a tua mala levará fotografias,

um mapa, duas cartas, uma lágrima...



Dirás como trabalhamos em silêncio,

como comemos silêncio, bebemos

silêncio, nadamos e morremos

feridos de silêncio duro e violento.



Vai pois e noticia com um archote

aos que encontrares de fora das muralhas

o mundo em que nos vemos, poesia

massacrada e medos à ilharga.



Vai pois e conta nos jornais diários

ou escreve com ácido nas paredes

o que viste, o que sabes, o que eu disse

entre dois bombardeamentos já esperados.



Mas diz-lhes que se mantém indevassável

o segredo das torres que nos erguem,

e suspensa delas uma flor em lume

grita o seu nome incandescente e puro.



Diz-lhes que se resiste na cidade

desfigurada por feridas de granadas

e enquanto a água e os víveres escasseiam

aumenta a raiva

..........................e a esperança reproduz-se


 
Egito Gonçalves

El-Rei D. Pedro I, o eterno namorado de Inês de Castro, nasceu há 704 anos

        
D. Pedro I de Portugal (Coimbra, 8 de abril de 1320 - Estremoz, 18 de janeiro de 1367) foi o oitavo Rei de Portugal. Recebeu os cognomes de O Justiceiro (e também O Cruel ou O Cru), pela energia posta em vingar o assassínio de Inês de Castro. Filho do Rei D. Afonso IV e da sua mulher, a Rainha D. Beatriz de Castela, Pedro I sucedeu ao seu pai em 1357.
    
  
 
 
(imagem daqui)
  
  

Alcobaça

   
  
Corpos feitos de pedra - para sempre
aqui
nesta nave de gelo e de sombra,
no incandescente sono a que chamamos
eternidade.

Quem desperta o teu rosto? Quem move
as tuas mãos no gesto com que iludes
a distância dos vivos? Não sabemos
morrer
e repetimos hoje o mesmo abraço
fiel à órbita dos astros
e a esta certeza de que fomos
e somos e seremos
um do outro.

É assim o amor - uma palavra
sonâmbula, uma bênção
que os séculos não apagam
sob as pequenas asas de alguns anjos
guardando e protegendo o nosso imenso
segredo.

Corpos feitos de pedra - ainda e sempre
aqui
até ao fim do mundo,
até ao fim.



in Pena Suspensa (2004) - Fernando Pinto do Amaral 

O poeta Egito Gonçalves nasceu há 104 anos...


José Egito de Oliveira Gonçalves
(Matosinhos, 8 de abril de 1920 - Porto, 29 de janeiro de 2001), mais conhecido por Egito Gonçalves, foi um poeta, editor e tradutor. Publicou os primeiros livros na década de 1950. Teve como atividade profissional a administração de uma editora. A sua intensa atividade de divulgação cultural e literária concretizou-se, a partir dos anos 50, na fundação e/ou direção de diversas revistas literárias, como A Serpente (1951), Árvore (1952-54), Notícias do Bloqueio (1957-61), Plano (1965-68, publicada pelo Cineclube do Porto) e Limiar. Em 1977 foi-lhe atribuído o Prémio de Tradução Calouste Gulbenkian, da Academia das Ciências de Lisboa pela seleção de Poemas da Resistência Chilena e, em 1985, recebeu o Prémio Internacional Nicola Vaptzarov, da União de Escritores Búlgaros. Em 1995 obteve o Prémio de Poesia do Pen Clube, o Prémio Eça de Queirós e o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores com o livro E No Entanto Move-se. A sua obra encontra-se traduzida em francês, polaco, búlgaro, inglês, turco, romeno, catalão e castelhano. Faleceu em 2001, e o seu último livro, Entre Mim e a Minha Morte Há Ainda um Copo de Crepúsculo, foi editado cinco anos depois.
 
 
 

Tudo Vai Bem, Amor!...
   

Tudo vai bem, amor! Aqui estamos longe!
Aqui malogra-se a abordagem dos terrores,
ninguém descarna o sonho ou a esperança,
não há fantasmas de espingarda ao ombro,
ninguém agoniza chicoteado pelas sombras...
Aqui não há ditadores nem guilhotinam os oráculos,
ninguém encobre estrelas com areia,
não cortam com navalhas os seios das mulheres,
não se incendeiam
ghetos com corpos de crianças:
é tudo útil, simples, como um campo de trigo
- a Esfinge é um animal de pedra muito gasta.
Os poetas podem passear nas ruas; a paz
não é uma aranha sobre terra árida.
O sono não se povoa de estátuas de ameaça,
o amor não se faz de coração crispado:
o leito do amor é a simples terra nua.


in O Vagabundo Decepado - Egito Gonçalves

Hoje é o Dia Mundial da Astronomia...!

Região donde estão a a nascer estrelas, na Grande Nuvem de Magalhães

    

A Astronomia é uma ciência natural que estuda corpos celestes (como estrelas, planetas, cometas, nebulosas, aglomerados de estrelas, galáxias) e fenómenos que se originam fora da atmosfera da Terra (como a radiação cósmica de fundo em micro-ondas). Preocupada com a evolução, a física, a química e o movimento de objetos celestes, bem como a formação e o desenvolvimento do universo.

A astronomia é uma das mais antigas ciências. Culturas pré-históricas deixaram registados vários construções com implicações astronómicas, como Stonehenge, os montes de Newgrange e os menires. As primeiras civilizações, como os babilónios, gregos, chineses, indianos, persas e maias realizaram observações metódicas do céu noturno. No entanto, a invenção do telescópio permitiu o desenvolvimento da astronomia moderna. Historicamente, a astronomia incluiu disciplinas tão diversas como astrometria, navegação astronómica, astronomia observacional e a elaboração de calendários. Durante o período medieval, o seu estudo era obrigatório e estava incluído no Quadrivium que, junto com o Trivium, compunha a metodologia de ensino das sete artes liberais.

Durante o século XX, o campo da astronomia profissional dividiu-se em dois ramos: a astronomia observacional e a astronomia teórica. A primeira está focada na aquisição de dados a partir da observação de objetos celestes, que são então analisados utilizando os princípios básicos da física. Já a segunda é orientada para o desenvolvimento de modelos analíticos que descrevem objetos e fenómenos astronómicos. Os dois campos se complementam, com a astronomia teórica procurando explicar os resultados observacionais, bem com as observações sendo usadas para confirmar (ou não) os resultados teóricos.

Os astrónomos amadores têm contribuído para muitas e importantes descobertas astronómicas. A astronomia é uma das poucas ciências onde os amadores podem desempenhar um papel ativo, especialmente na descoberta e observação de fenómenos transitórios.

A Astronomia não deve ser confundida com a astrologia, pseudo-ciência e sistema de crenças que afirma que os assuntos humanos estão correlacionados com as posições dos objetos celestes. Embora os dois campos compartilhem uma origem comum, atualmente eles são totalmente distintos.

 

in Wikipédia 

 

Estrela da Manhã

Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás

Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã


 
Manuel Bandeira

domingo, abril 07, 2024

Poesia de aniversariante de hoje...

 

DOS ÁNGELES

No tengo sólo un Angel
con ala estremecida:
me mecen corno al mar
mecen las dos orillas
el Angel que da el gozo
y el que da la agonía,
el de alas tremoiantes
y el de las alas fijas.

Yo sé, cuando amanece,
cuál va a regirme el día,
si el de color de llama
o el color de ceniza,
y me les doy como alga
a la ola, contrita.

Sólo una vez volaron
con las alas unidas:
el día del amor,
el de la Epifanía.

¡Se juntaron en una
sus alas enemigas
y anudaron el nudo
de la muerte y la vida!
 

 
in Tala (1938) - Gabriela Mistral

Poema, com pintura, adequados à data...

 
Mãe! Vem ouvir...

Mãe!

Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado!

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!

Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero Ter um feitio que sirva exatamente para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!

Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
 

in A Invenção do Dia Claro (1921) - José de Almada Negreiros

A poetisa Gabriela Mistral nasceu há 135 anos

   
Gabriela Mistral, pseudónimo escolhido de Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga (Vicuña, 7 de abril de 1889 - Nova Iorque, 10 de janeiro de 1957), foi uma poetisa, educadora, diplomata e feminista chilena.
Foi agraciada com o Nobel de Literatura de 1945.
Os temas centrais nos seus poemas são o amor, o amor de mãe, memórias pessoais dolorosas e mágoa e recuperação. Lucíla nasceu na cidade de Vicuña, Chile, em 7 de abril de 1889. O seu pai abandonou a família quando Lucíla completou três anos de idade. A mãe de Lucila faleceu no ano de 1929 e a escritora dedicou-lhe a primeira parte de seu livro Tala, a que chamou: Muerte de mi Madre. Educada em sua cidade natal, começou a trabalhar como professora primária (1904) e ganhou nomeada ao vencer os Juegos Florales de Santiago (1914) com Sonetos de La muerte, sob o pseudónimo de Gabriela Mistral, cuja escolha foi uma homenagem aos seus poetas prediletos: o italiano Gabriele D'Annunzio e o provençal Frédéric Mistral.
Em 1922 é convidada pelo Ministério da Educação do México a trabalhar nos planos de reforma educacional daquele país. O Prémio Nobel transformou-a em figura de destaque na literatura internacional e a levou a viajar por todo o mundo e representar seu país em comissões culturais das Nações Unidas, até falecer em Hempstead, estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos.
A notoriedade a obrigou a abandonar o ensino para desempenhar diversos cargos diplomáticos na Europa. Tida como um exemplo de honestidade moral e intelectual e movida por um profundo sentimento religioso, a tragédia do suicídio do noivo (1907) marcou toda a sua poesia com um forte sentimento de carinho maternal, principalmente nos seus poemas em relação às crianças. Em sua obra aparecem como temas recorrentes: o amor pelos humildes, um interesse mais amplo por toda a humanidade.
    

 

Balada de mi nombre
   
   

El nombre mío que he perdido,
¿dónde vive, dónde prospera?
Nombre de infancia, gota de leche,
rama de mirto tan ligera.
  
  

De no llevarme iba dichoso
o de llevar mi adolescencia
y con él ya no camino
por campos y por praderas.
  
  

Llanto mío no conoce
y no la quemó mi salmuera;
cabellos blancos no me ha visto,
ni mi boca con acidia,
y no me habla si me encuentra.
  
  

Pero me cuentan que camina
por las quiebras de mi montaña
tarde a la tarde silencioso
y sin mi cuerpo y vuelto mi alma.
   
 
 
Gabriela Mistral 

 

Almada Negreiros nasceu há cento e trinta e um anos

  
José Sobral de Almada Negreiros (Trindade, 7 de abril de 1893 - Lisboa, 15 de junho de 1970) foi um artista multidisciplinar, pintor, escritor, poeta, ensaísta, dramaturgo e romancista português ligado ao grupo modernista. Também foi um dos principais colaboradores da Revista Orpheu.
 
“Auto-retrato com Boné”, óleo sobre tela de Almada-Negreiros, circa 1927
 
 
...)

Em 1952 expõe individualmente na Galeria de Março (exposição inaugural dessa galeria) e participa na Exposição de Arte Moderna (Lisboa). Dois anos mais tarde pinta a primeira versão de Retrato de Fernando Pessoa para o restaurante Irmãos Unidos. Em 1957 participa na I Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, sendo galardoado com um prémio extra concurso. Ainda dentro da colaboração com Pardal Monteiro, entre 1957 e 1961 realiza grandes painéis decorativos para as fachadas de vários edifícios da Cidade Universitária de Lisboa (Faculdade de Direito; Faculdade de Letras; Reitoria). Em 1960 dá uma série de entrevistas, publicadas no Diário de Notícias, onde de algum modo encerra o seu "itinerário espiritual" e retoma a questão da reconstrução do Painéis de São Vicente de Fora; em 1963 expõe na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, e nesse mesmo ano é alvo de homenagem por ocasião do seu septuagésimo aniversário, sendo publicada a primeira monografia sobre a sua obra, da autoria de José Augusto França. Encomendas e atividades diversas preenchem os anos finais, entre as quais se destacam as tapeçarias para a Exposição de Lausana, para o Tribunal de Contas e para o Hotel Ritz, Lisboa; uma série de gravuras em vidro acrílico (1963) e cenários para o «Auto da Alma», de Gil Vicente, no Teatro Nacional de São Carlos, a sua última participação no teatro. É condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada a 13 de julho de 1967. Em 1968-1969 realiza o painel Começar, para o átrio do edifício sede da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Em julho de 1969 faz a sua derradeira intervenção pública, participando no programa televisivo Zip-Zip.
Morre em Lisboa, a 15 de junho de 1970, no mesmo quarto em que faleceu Fernando Pessoa, no Hospital de São Luís dos Franceses, no Bairro Alto.
  
   
Átrio do edifício das Matemáticas - Universidade de Coimbra
 
Retrato de Fernando Pessoa, 1954, óleo sobre tela
 
  

 

Rondel do Alentejo

 

Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.

Meia-noite
do Segredo
no penedo
duma noite
de luar.

Olhos caros
de Morgada
enfeitava
com preparos
de luar.

Rompem fogo
pandeiretas
morenitas,
bailam tetas
e bonitas,
bailam chitas
e jaquetas,
são de fitas
desafogo
de luar.

Voa o xaile
andorinha
pelo baile,
e a vida
doentinha
e a ermida
ao luar.

Laçarote
escarlate
de cocote
alegria
de Maria
la-ri-rate
em folia
de luar.

Giram pés
giram passos
girassóis
os bonés,
os braços
estes dois
iram laços
o luar.

colete
esta virgem
endoidece
como o S
do foguete
em vertigem
de luar.

Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.

 

Almada Negreiros

sábado, abril 06, 2024

Porque um Poeta nunca morre, enquanto continua a ser recordado...

(imagem daqui)

 

A Invenção do Amor


Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem e uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A policia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e nas avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique
Antes que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos

Chamem as tropas aquarteladas na província
Convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva
Todos
Decrete-se a lei marcial com todas as consequências
O perigo justifica-o
Um homem e uma mulher
conheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade
É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-los
antes que seja demasiado tarde
e a memória da infância nos jardins escondidos
acorde a tolerância no coração das pessoas

Fechem as escolas
Sobretudo protejam as crianças da contaminação
uma agência comunica que algures ao sul do rio
um menino pediu uma rosa vermelha
e chorou nervosamente porque lha recusaram
Segundo o director da sua escola é um pequeno triste
Inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão
Aplicado no entanto Respeitador da disciplina
Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos
Ainda bem que se revelou a tempo
Vai ser internado
e submetido a um tratamento especial de recuperação
Mas é possível que haja outros. É absolutamente vital
que o diagnóstico se faça no período primário da doença
E também que se evite o contágio com o homem e a mulher
de que fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade

Está em jogo o destino da civilização que construímos
o destino das máquinas das bombas de hidrogénio
das normas de discriminação racial
o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
a verdade incontroversa das declarações políticas

Procurem os guardas dos antigos universos concentracionários
precisamos da sua experiência onde quer que se escondam
ao temor do castigo

Que todos estejam a postos
Vigilância é a palavra de ordem
Atenção ao homem e à mulher de que se fala nos cartazes
À mais ligeira dúvida não hesitem denunciem
Telefonem à polícia ao comissariado ao Governo Civil
não precisam de dar o nome e a morada
e garante-se que nenhuma perseguição será movida
nos casos em que a denúncia venha a verificar-se falsa

Organizem em cada bairro em cada rua em cada prédio
comissões de vigilância. Está em jogo a cidade
o país a civilização do ocidente
esse homem e essa mulher têm de ser presos
mesmo que para isso tenhamos de recorrer às medidas mais drásticas

Por decisão governamental estão suspensas as liberdades individuais
a inviolabilidade do domicílio o
habeas corpus o sigilo da correspondência
Em qualquer parte da cidade um homem e uma mulher amam-se ilegalmente
espreitam a rua pelo intervalo das persianas
beijam-se soluçam baixo e enfrentam a hostilidade nocturna
É preciso encontrá-los
É indispensável descobri-los
Escutem cuidadosamente a todas as portas antes de bater
É possível que cantem
mas defendam-se de entender a sua voz
Alguém que os escutou
deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas
E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra
respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz
lhe lembravam a infância
Campos verdes floridos água simples correndo A brisa das montanhas

Foi condenado à morte é evidente
É preciso evitar um mal maior
Mas caminhou cantando para o muro da execução
foi necessário amordaçá-lo e mesmo assim desprendia-se dele
um misterioso halo de uma felicidade incorrupta

Impõe-se sistematizar as buscas Não vale a pena procurá-los
nos campos de futebol no silêncio das igrejas nas boîtes com orquestra privativa
Não estarão nunca aí
Procurem-nos nas ruas suburbanas onde nada acontece
A identificação é fácil
Onde estiverem estará também pousado sobre a porta
um pássaro desconhecido e admirável
ou florirá na soleira a mancha vegetal de uma flor luminosa
Será então aí
Engatilhem as armas invadam a casa disparem à queima roupa
Um tiro no coração de cada um
Vê-los-ão possivelmente dissolver-se no ar Mas estará completo o esconjuro
e podereis voltar alegremente para junto dos filhos da mulher

Mais ai de vós se sentirdes de súbito o desejo de deixar correr o pranto
Quer dizer que fostes contagiados Que estais também perdidos para nós
É preciso nesse caso ter coragem para desfechar na fronte
o tiro indispensável
Não há outra saída A cidade o exige
Se um homem de repente interromper as pesquisas
e perguntar quem é e o que faz ali de armas na mão
já sabeis o que tendes a fazer Matai-o Amigo irmão que seja
matai-o Mesmo que tenha comido à vossa mesa e crescido a vosso lado
matai-o Talvez que ao enquadrá-lo na mira da espingarda
os seus olhos vos fitem com sobre-humana náusea
e deslizem depois numa tristeza líquida
até ao fim da noite Evitai o apelo a prece derradeira
um só golpe mortal misericordioso basta
para impor o silêncio secreto e inviolável

Procurem a mulher o homem que num bar
de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
senhas salvo-condutos horas de recolher
censura prévia à Imprensa tribunais de excepção
Para bem da cidade do país da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com carácter de urgência

Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família a testemunha diz
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua
No inquérito oficial atónito afirmou
que o homem e a mulher tinham estrelas na fronte
e caminhavam envoltos numa cortina de música
com gestos naturais alheios Crê-se
que a situação vai atingir o climax
e a polícia poderá cumprir o seu dever

 

Daniel Filipe

sexta-feira, abril 05, 2024

Ana Luísa Amaral nasceu há 68 anos...

Ana Luísa Amaral (Lisboa, 5 de abril de 1956Porto, 5 de agosto de 2022) foi uma poetisa portuguesa, tradutora e professora de Literatura e Cultura Inglesa e Americana na Faculdade de Letras da Universidade do Porto

 

in Wikipédia

 

A Mais Perfeita Imagem

Se eu varresse todas as manhãs as pequenas
agulhas que caem deste arbusto e o chão
que lhes dá casa, teria uma metáfora perfeita para
o que me levou a desamar-te. Se todas as manhãs
lavasse esta janela e, no fulgor do vidro, além
do meu reflexo, sentisse distrair-se a transparência
que o nada representa, veria que o arbusto não passa
de um inferno, ausente o decassílabo da chama.
Se todas as manhãs olhasse a teia a enfeitar-lhe os
ramos, também a entendia, a essa imperfeição
de Maio a Agosto que lhe corrompe os fios e lhes
desarma geometria. E a cor. Mesmo se agora visse
este poema em tom de conclusão, notaria como o seu
verso cresce, sem rimar, numa prosódia incerta e
descontínua que foge ao meu comum. O devagar do
vento, a erosão. Veria que a saudade pertence a outra
teia de outro tempo, não é daqui, mas se emprestou
a um neurónio meu, unia memória que teima ainda
uma qualquer beleza: o fogo de uma pira funerária.
A mais perfeita imagem da arte. E do adeus.

 

Ana Luísa Amaral

O poeta Carlos Queirós nasceu há 117 anos...

  
José Carlos de Queirós Nunes Ribeiro, ou simplesmente Carlos Queirós (Lisboa, Santos-o-Velho, 5 de abril de 1907Paris, 27 de outubro ou 28 de outubro de 1949) foi um poeta português.
Poeta do segundo modernismo Português, identificado como um dos grandes nomes da revista Presença.
Desempenhou um importante papel na ligação entre o primeiro modernismo português da geração da revista Orpheu e o segundo modernismo da Presença. É Carlos Queirós, que por volta de 1927 estabelece a ligação entre Pessoa e a revista coimbrã Presença, dirigida por Gaspar Simões, José Régio e Branquinho da Fonseca, no qual Pessoa veio a publicar diversos textos. Foi no número 5 da Presença (1927) que Carlos Queirós, juntamente com Fernando Pessoa e Almada Negreiros, iniciou a sua participação neste periódico.
David Mourão-Ferreira, no prefácio do primeiro volume da Obra Poética de Carlos Queirós, refere que entre 1927 e 1937, ano em que Carlos Queirós deixou de colaborar com a Presença, terá publicado, nas edições que vão do n.º 5 ao n.º 49, cerca de 49 poemas e ainda dois textos em prosa, constituindo-se como um dos nomes de referência e de continuidade desta publicação.
É Carlos Queirós, num número especial da revista Presença, de homenagem a Fernando Pessoa, que dá a conhecer os amores de Fernando Pessoa por Ophélia Queiroz, a sua tia, publicando nesse número diversas cartas de amor de Pessoa escritas a Ofélia.
A participação literária de Carlos Queirós não se circunscreveu somente à celebre revista Presença. Publicou em diversas revistas e folhas literárias, tendo uma obra poética espalha por diversos periódicos: revista Ocidente, revista Atlântico, Revista de Portugal, revista Momento, revista Aventura, revista Vamos Ler e revista Litoral esta última dirigida pelo próprio.
Carlos Queirós publicou dois livros em vida o primeiro, intitulado Desaparecido, em 1935, tendo à data o poeta 28 anos de idade e que foi alvo dos maiores elogios. Destaca-se a crítica publicada por Pessoa na Revista de Portugal. Pessoa escreve no primeiro parágrafo do seu texto crítico:
  
A beleza do livro começa pelo livro. A edição é lindíssima. A beleza do livro continua pelo livro fora; os poemas são admiráveis.  
Mais à frente, no seu texto, Pessoa prossegue:  
Não se pode dizer deste livro o que é vulgar dizer-se, elogiosamente, de um primeiro livro, sobretudo de um jovem - que é uma bela promessa. O livro de Carlos Queirós não é uma promessa, porque é uma realização.
in Revista de Portugal, n.º 2 Coimbra, janeiro de 1938
 

O segundo livro publicado em vida foi Breve Tratado de Não Versificação, editado em 1948.

Entre 1945 e 1949, colaborou com Victor Buescu na tradução para português de uma selecção da obra poética de Mihai Eminescu, que veio a lume apenas em 1950.

A obra poética de Carlos Queirós, pouco divulgada, está atualmente editada em dois livros pela Editora Ática. O primeiro livro tem como data de publicação 1984, intitula-se Desaparecido – Breve Tratado de Não Versificação, sendo a compilação dos dois livros publicados em vida por Carlos Queirós. O segundo livro tem como data de publicação 1989 e intitula-se Epístola aos Vindouros e Outros Poemas, sendo constituído por uma coletânea de poemas dispersos, por diversas publicações da época e alguns inéditos recolhidos por David Mourão-Ferreira, com a ajuda de uma das filhas do poeta.
 
Casou com Guilhermina Maria Correia Manoel de Aboim Borges (Loures, Loures, 20 de dezembro de 1907 - Lisboa, 18 de outubro de 1975), sobrinha materna do 1.º Visconde de Idanha e sobrinha-neta do 1.º Visconde de Vila-Boim, de quem teve quatro filhas.
    

 

Libera Me

 

Livrai-me, Senhor,
De tudo o que for
Vazio de amor.

Que nunca me espere
Quem bem me não quer
(Homem ou mulher).

Livrai-me também
De quem me detém
E graça não tem,

E mais de quem não
Possui nem um grão
De imaginação. 


Carlos Queirós

quinta-feira, abril 04, 2024

O Conde de Lautréamont, autor d'Os Cantos de Maldoror, nasceu há 178 anos


   
Isidore Lucien Ducasse, mais conhecido pelo pseudónimo literário de Conde de Lautréamont (Montevidéu, 4 de abril de 1846 - Paris, 24 de novembro de 1870) foi um poeta uruguaio que viveu na França. É considerado um precursor do surrealismo.

A quantidade de informação sobre a vida deste poeta é diminuta. Sabe-se que nasceu no Uruguai, "nas costas da América, na foz do La Plata", como é dito no Canto I de sua obra-prima "Os Cantos de Maldoror", onde também se identifica como "montevidense". Era filho de um chanceler do consulado francês no Uruguai. A sua mãe, francesa, morreu quando o escritor tinha apenas vinte meses de idade.
Em outubro de 1859 foi para a França estudar no colégio interno de Tarbes e, depois, no colégio de Pau, onde foi colega de Paul Lespès, uma das pessoas a que foram dedicados "Os Cantos de Maldoror" e cujo testemunho se deve o conhecimento de uma situação ocorrida durante uma aula de retórica do professor Gustave Hinstin. Este professor, que também consta na dedicatória do seu poema, tê-lo-ia repreendido publicamente de forma severa devido ao conteúdo de uma das suas "Poesias" – Ducasse ter-se-ia sentido extremamente injustiçado com a situação.
Crê-se que o pseudónimo Lautréamont tenha sido inspirado no nome de um romance de Eugène Sue, "Latréaumont" (note-se que há uma leve diferença na grafia da palavra); a atribuição do título de Conde poderá ser uma referência ao Marquês de Sade ou uma forma de destacar-se da burguesia, ainda que não existam quaisquer provas destas duas teses.
Lautréamont morreu aos 24 anos de idade, em 24 de novembro de 1870, às 08.00 horas, no seu hotel. No seu atestado de óbito foi dado "não há nenhuma informação". Uma vez que muitos tinham medo de epidemias, enquanto Paris estava sitiada, Ducasse foi sepultado no dia seguinte após uma missa na Igreja de Notre Dame de Lorette, num túmulo provisório no Cemetière du Nord. Em janeiro de 1871 o seu corpo foi colocado noutra sepultura, em lugar desconhecido.

O seu poema Les Chants de Maldoror ("Os Cantos de Maldoror", em português), constituído de sessenta estrofes, é considerado uma obra seminal no campo da literatura fantástica, ainda que hoje escape a qualquer classificação.
Os críticos e o público, em geral, dividem-se quanto à classificação desta obra. Para alguns, foi um génio da literatura universal – André Breton considerava-o uma "revelação total que parece exceder as possibilidades humanas" e o considerou um precursor do Surrealismo; Léon Bloy, por seu lado, dava-o por louco, "uma ruína humana completa". Contudo, o autor foi-se transformando numa referência principalmente para intelectuais apreciadores do género mais subversivo da literatura, tornando-se um autor de culto.

 

LES CHANTS DE MALDOROR

CHANT PREMIER

chant 1 - strophe 1

Plût au ciel que le lecteur, enhardi et devenu momentanément féroce comme ce qu'il lit, trouve, sans se désorienter, son chemin abrupt et sauvage, à travers les marécages désolés de ces pages sombres et pleines de poison; car, à moins qu'il n'apporte dans sa lecture une logique rigoureuse et une tension d'esprit égale au moins à sa défiance, les émanations mortelles de ce livre imbiberont son âme comme l'eau le sucre. Il n'est pas bon que tout le monde lise les pages qui vont suivre ; quelques-uns seuls savoureront ce fruit amer sans danger. Par conséquent, âme timide, avant de pénétrer plus loin dans de pareilles landes inexplorées, dirige tes talons en arrière et non en avant. Écoute bien ce que je te dis : dirige tes talons en arrière et non en avant, comme les yeux d'un fils qui se détourne respectueusement de la contemplation auguste de la face maternelle; ou, plutôt, comme un angle à perte de vue de grues frileuses méditant beaucoup, qui, pendant l'hiver, vole puissamment à travers le silence, toutes voiles tendues, vers un point déterminé de l'horizon, d'où tout à coup part un vent étrange et fort, précurseur de la tempête. La grue la plus vieille et qui forme à elle seule l'avant-garde, voyant cela, branle la tête comme une personne raisonnable, conséquemment son bec aussi qu'elle fait claquer, et n'est pas contente (moi, non plus, je ne le serais pas à sa place), tandis que son vieux cou, dégarni de plumes et contemporain de trois générations de grues, se remue en ondulations irritées qui présagent l'orage qui s'approche de plus en plus. Après avoir de sang-froid regardé plusieurs fois de tous les côtés avec des yeux qui renferment l'expérience, prudemment, la première (car, c'est elle qui a le privilége de montrer les plumes de sa queue aux autres grues inférieures en intelligence), avec son cri vigilant de mélancolique sentinelle, pour repousser l'ennemi commun, elle vire avec flexibilité la pointe de la figure géométrique (c'est peut-être un triangle, mais on ne voit pas le troisième côté que forment dans l'espace ces curieux oiseaux de passage), soit à bâbord, soit à tribord, comme un habile capitaine; et, manoeuvrant avec des ailes qui ne paraissent pas plus grandes que celles d'un moineau, parce qu'elle n'est pas bête, elle prend ainsi un autre chemin philosophique et plus sûr.

Afonso X, o Sábio, morreu há 740 anos

Afonso X, o Sábio, trajado com as armas de Leão e Castela, rodeado pelos seus cortesãos
       
Afonso X (em espanhol: Alfonso X), o Sábio (Toledo, 23 de novembro de 1221Sevilha, 4 de abril de 1284), foi rei de Castela e Leão de 1252 até à sua morte, em 1284.
  
Armas do reino de Leão e Castela
    
(...)
    
O infante cresceu com seus aios em Villaldemiro e em Celada del Camino e também passou parte de sua infância nas propriedades de seus cuidadores, em Allariz, onde aprendeu galaico-português que, anos depois, utilizou para escrever as Cantigas de Santa Maria. Ainda infante, o seu pai fê-lo participar na tomada de várias praças andaluzes, entre as quais Múrcia, Alicante e Cádis, na reconquista durante o reinado do seu pai, Fernando, o Santo.
   
(...)
   
Contribuições para a cultura
Como D. Dinis seu neto, Afonso X fomentou a atividade cultural a diversos níveis. Realizou a primeira reforma ortográfica do castelhano, idioma que adotou como oficial em detrimento do latim. O objetivo seria desenvolver o vernáculo do seu reino, segundo o historiador Juan de Mariana.
A famosa escola de tradutores de Toledo juntou um grupo de estudiosos cristãos, judeus e muçulmanos. Foi principalmente nesta que se realizou o importantíssimo trabalho de traduzir para as línguas ocidentais os textos da antiguidade clássica, entretanto desenvolvidos pelos cientistas islâmicos. Estas obras foram as principais responsáveis pelo renascimento científico de toda a Europa medieval, que forneceria inclusivamente os conhecimentos necessários para o subsequente período dos descobrimentos. A verdadeira revolução cultural que impulsionou foi qualificada de renascimento do século XIII. Mas a obra que mais foi divulgada e traduzida no reinado deste intelectual foi a Bíblia.
  
Afonso foi também mecenas generoso do movimento trovadoresco, e ele próprio um dos maiores trovadores e poetas de língua galaico-portuguesa (a língua mais usada na lírica ibérica do século XIII), tendo chegado até nós 44 cantigas suas, de amor e, principalmente, de escárnio e maldizer. A sua obra mais conhecida é o livro das Cantigas de Santa Maria, cancioneiro sacro sobre os prodígios da Virgem Santíssima, num total de 430 composições, musicadas.
Também colaborou no El Libro del Saber de Astronomia, obra baseada no sistema ptolomaico. Esta obra teve a participação de vários cientistas que o rei congregara, e aos quais proporcionava meios de estudo e investigação, tendo mesmo mandado instalar um observatório astronómico em Toledo. Compôs as tabelas afonsinas sobre as posições astronómicas dos planetas, baseadas nos cálculos de cientistas árabes. Como tributo à sua influência para o conhecimento da astronomia, o seu nome foi atribuído à cratera lunar Alfonsus.
Outras obras com o seu contributo são o Lapidario, um tratado sobre as propriedades das pedras em relação com a astronomia e o Libro de los juegos, sobre temas lúdicos (xadrez, dados e tabelas - uma família de jogos a que pertence o gamão), praticados pela nobreza da época.
     

Salgueiro Maia morreu há trinta e dois anos...

(imagem daqui)

    

Fernando José Salgueiro Maia (Castelo de Vide, 1 de julho de 1944 - Lisboa, 4 de abril de 1992), foi um militar português.

     
Biografia
Salgueiro Maia, como se tornou conhecido, foi um dos distintos capitães do Exército Português, que liderou as forças revolucionárias durante a Revolução dos Cravos, que marcou o final da ditadura. Filho de um ferroviário, Francisco da Luz Maia, e de sua mulher Francisca Silvéria Salgueiro, frequentou a Escola Primária em São Torcato, Coruche, mudando-se mais tarde para Tomar, vindo a concluir o ensino secundário no Liceu Nacional de Leiria (hoje Escola Secundária de Francisco Rodrigues Lobo). Depois da revolução, viria a licenciar-se em Ciências Políticas e Sociais, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa.
Em outubro de 1964, ingressa na Academia Militar, em Lisboa e, acabado o curso, apresenta-se na Escola Prática de Cavalaria (EPC), em Santarém, para frequentar o tirocínio. Foi comandante de instrução em Santarém. Integrou uma companhia de comandos na então guerra colonial.
Em 1973 iniciam-se as reuniões clandestinas do Movimento das Forças Armadas e, Salgueiro Maia, como Delegado de Cavalaria, integra a Comissão Coordenadora do Movimento. Depois do 16 de Março de 1974 e do «Levantamento das Caldas», foi Salgueiro Maia, a 25 de Abril desse ano, quem comandou a coluna de blindados que, vinda de Santarém, montou cerco aos ministérios do Terreiro do Paço forçando, já no final da tarde, a rendição de Marcelo Caetano, no Quartel do Carmo, que entregou a pasta do governo a António de Spínola. Salgueiro Maia escoltou Marcelo Caetano ao avião que o transportaria para o exílio no Brasil.
A 25 de novembro de 1975 sai da EPC, comandando um grupo de carros às ordens do Presidente da República. Será transferido para os Açores, só voltando a Santarém em 1979, onde ficou a comandar o Presídio Militar de Santarém. Em 1984 regressa à EPC.
A 24 de setembro de 1983 recebe a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, e, a título póstumo, o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito a 28 de junho de 1992 e em 2007 a Medalha de Ouro de Santarém. Recusou, ao longo dos anos, ser membro do Conselho da Revolução, adido militar numa embaixada à sua escolha, governador civil do distrito de Santarém e pertencer à casa Militar da Presidência da República. Foi promovido a major em 1981 e, posteriormente, a Tenente-Coronel.
Em 1989 foi-lhe diagnosticada uma doença cancerosa que, apesar das intervenções cirúrgicas no ano seguinte e em 1991, o vitimaria, a 4 de abril de 1992.
 
Madrugada de 25 de Abril de 74, parada da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém:
"Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!"
 
Todos os 240 homens que ouviram estas palavras, ditas da forma serena mas firme, tão característica de Salgueiro Maia, formaram de imediato à sua frente. Depois seguiram para Lisboa e marcharam sobre a ditadura.
  

 

Monumento ao Capitão Salgueiro Maia em Santarém

 
A Salgueiro Maia
  
  
Aquele que na hora da vitória
respeitou o vencido

... Aquele que deu tudo e não pediu a paga
  
Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite
  
Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com a sua ignorância ou vício
  
Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
como antes dele mas também por ele
Pessoa disse
  
   
Sophia de Mello Breyner Andresen