João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett nasceu no Porto a 4 de
fevereiro de 1799, filho segundo de António Bernardo da Silva Garrett,
selador-mor da Alfândega do Porto, e Ana Augusta de Almeida Leitão.
Passou a sua infância na Quinta do Sardão, em
Oliveira do Douro (
Vila Nova de Gaia),
pertencente ao seu avô materno José Bento Leitão. Mais tarde viria a
escrever a este propósito: "Nasci no Porto, mas criei-me em Gaia". No
período de sua adolescência foi viver para os
Açores, na
Ilha Terceira, quando as tropas francesas de
Napoleão Bonaparte invadiram Portugal e onde era instruído pelo tio, D. Alexandre, bispo de Angra.
De seguida, em 1816 foi para
Coimbra, onde acabou por se matricular no curso de Direito. Em 1821 publicou
O Retrato de Vénus,
trabalho que fez com que lhe pusessem um processo por ser considerado
materialista, ateu e imoral. É também neste ano que ele e sua família
passam a usar o apelido de Almeida Garrett.
Em
1824, pode partir para
França e assim o fez, nessa viagem escreveu o muitíssimo conhecido
Camões (
1825) e
Dona Branca (
1826)não tão conhecido mas não menos importante, poemas geralmente considerados como as primeiras obras da
literatura romântica em
Portugal. No ano de 1826 foi chamado e regressou à pátria com os últimos emigrados dedicando-se ao
jornalismo, fundando e dirigindo o jornal diário
O Português (1826-
1827) e o semanário
O Cronista (1827).
Teria de deixar Portugal novamente em
1828, com o regresso do
Rei absolutista D. Miguel. Ainda no ano de 1828 perdeu a sua filha recém-nascida. Novamente em Inglaterra, publica
Adozinda (1828).
A vitória do
Liberalismo permitiu-lhe instalar-se novamente em
Portugal, após curta estadia em
Bruxelas como
cônsul-geral e encarregado de negócios, onde lê
Schiller,
Goethe e
Herder. Em Portugal exerceu cargos políticos, distinguindo-se nos
anos 30 e
40 como um dos maiores
oradores nacionais. Foram de sua iniciativa a criação do
Conservatório de Arte Dramática, da Inspeção-Geral dos Teatros, do
Panteão Nacional e do Teatro Normal (atualmente
Teatro Nacional D. Maria II, em
Lisboa).
Mais do que construir um teatro, Garrett procurou sobretudo renovar a
produção dramática nacional segundo os cânones já vigentes no
estrangeiro.
Com a vitória cartista e o regresso de
Costa Cabral ao governo, Almeida Garrett afasta-se da vida política até
1852. Contudo, em
1850 subscreveu, com mais de 50 personalidades, um protesto contra a proposta sobre a
liberdade de imprensa, mais conhecida por “lei das rolhas”.
A vida de Garrett foi tão apaixonante quanto a sua obra. Revolucionário nos
anos 20 e
30, distinguiu-se posteriormente sobretudo como o tipo perfeito do
dândi,
ou janota, tornando-se árbitro de elegâncias e príncipe dos salões
mundanos. Foi um homem de muitos amores, uma espécie de homem fatal.
Separado da esposa, Luisa Midosi, com quem se casou, em 1822, quando
esta tinha 15 anos de idade, passa a viver em mancebia com D. Adelaide
Pastor até a morte desta, em
1841.
A partir de
1846,
a sua musa é a viscondessa da Luz, Rosa Montufar Infante, andaluza
casada, desde 1837, com o oficial do exército português Joaquim António
Velez Barreiros, inspiradora dos arroubos românticos das
Folhas caídas.
Obras
Em
1844 é publicada a sua obra-prima,
Frei Luís de Sousa, que um crítico alemão, Otto Antscherl, considerou a "obra mais brilhante que o teatro romântico produziu". Estas
peças marcam uma viragem na
literatura portuguesa
não só na seleção dos temas, que privilegiam a história nacional em
vez da antiguidade clássica, como sobretudo na liberdade da ação e na
naturalidade dos
diálogos e em
1845 foi representada a peça, "
Falar a Verdade a Mentir".
Em
1843, Garrett publica o
Romanceiro e o
Cancioneiro Geral, coletâneas de poesias populares portuguesas, e em
1845 o primeiro volume d'
O Arco de Santana (o segundo apareceria em
1850), romance histórico inspirado por
Notre Dame de Paris de
Victor Hugo. Esta obra seduz não só pela recriação do ambiente medieval do
Porto, mas sobretudo pela qualidade da
prosa, longe das convenções anteriores e muito mais próxima da linguagem falada.
A obra que se lhe seguiu deu expressão ainda mais vigorosa a estas tendências:
Viagens na minha terra,
livro híbrido em que impressões de viagem, de arte, paisagens e
costumes se entrelaçam com uma novela romântica sobre factos
contemporâneos do autor e ocorridos na proximidade dos lugares descritos
(outra inovação para a época, em que predominava o romance histórico).
A naturalidade da narrativa disfarça a complexidade da estrutura desta
obra, em que alternam e se entrecruzam situações discursivas, estilos,
narradores e temas muito diversos.
Na poesia, Garrett não foi menos inovador. As duas coletâneas publicadas na última fase da sua vida (
Flores sem fruto, de
1844, e sobretudo
Folhas Caídas, de
1853) introduziram uma espontaneidade e uma simplicidade praticamente desconhecidas na poesia portuguesa anterior.
Ao lado de poemas de exaltada expressão pessoal surgem pequenas
obras-primas de singeleza ímpar como «Pescador da barca bela», próximas
da poesia popular quando não das cantigas medievais. A liberdade da
metrificação, o
vocabulário corrente, o ritmo e a
pontuação carregados de
subjectividade são as principais marcas destas obras.
No
século XIX e em boa parte do
século XX, a obra literária de Garrett era geralmente tida como uma das mais geniais da língua, inferior apenas à de
Camões. A crítica do século XX (notavelmente
João Gaspar Simões) veio questionar esta apreciação, assinalando os aspetos mais fracos da produção garrettiana.
No entanto, a sua obra conservará para sempre o seu lugar na história da
literatura portuguesa,
pelas inovações que a ela trouxe e que abriram novos rumos aos autores
que se lhe seguiram. Garrett, até pelo acentuado individualismo que
atravessa toda a sua obra, merece ser considerado o autor mais
representativo do
romantismo em
Portugal.
Brasão de Visconde de Almeida Garrett (daqui)
OLHOS NEGROS
Por teus olhos negros, negros,
Trago eu negro o coração,
De tanto pedir-lhe amores...
E eles a dizer que não.
E mais não quero outros olhos,
Negros, negros como são;
Que os azuis dão muita esp'rança,
Mas fiar-me eu neles, não.
Só negros, negros os quero;
Que, em lhes chegando a paixão,
Se um dia disserem sim...
Nunca mais dizem que não.