Antecedentes
Abul-Hassan, rei de
Fez e de
Marrocos, aliado do
emir de Granada, decidira reapossar-se a todo o custo dos domínios cristãos, e as forças muçulmanas já haviam entrado em ação contra
Castela. A frota do
prior de S. João do Hospital,
almirante castelhano, que tentara opor-se ao desembarque dos mouros,
foi completamente destroçada por uma tempestade, e esse desastre obrigou
Afonso XI de Castela a humilhar-se, mandando pedir à esposa - a quem tanto desrespeitara com os seus escandalosos casos amorosos com
Leonor de Gusmão - que interviesse junto do seu pai, o rei português
Afonso IV de Portugal, para que este enviasse uma esquadra de socorro.
Estava
D. Maria recolhida num convento em
Sevilha
e, apesar dos agravos que sofrera, acedeu ao pedido. Todavia, Afonso
IV, no intuito de humilhar ainda mais o genro, respondeu ao apelo
dizendo, verbalmente, ao enviado da filha, que se o rei de Castela
precisava de socorro o pedisse diretamente. Vergando o seu orgulho ao
peso das circunstâncias, Afonso XI de Castela repetiu pessoalmente - por
carta - o pedido foi feito, e o soberano português enviou-lhe
imediatamente uma frota comandada pelo almirante genovês
Manuel Pessanha
(ou Pezagno) e por seu filho Carlos. Mas era cada vez mais desesperada
a situação de Afonso XI, a quem o papa censurava asperamente.
Além da frota portuguesa, Castela recebia um reforço de doze galés cedidas pelo rei de
Aragão, mas tudo isto nada era, em comparação com o número incontável dos contingentes mouros. O
rei de Granada,
Yusef-Abul-Hagiag, tomou, em setembro de 1340, o comando das tropas, às quais pouco depois se juntou, em
Algeciras,
um formidável exército sob as ordens de Abul-Hassan. A ameaça
muçulmana era apavorante. Os mouros, embora repelidos nas primeiras
tentativas de ataque a
Tarifa, não deixavam prever a possibilidade de vantagens futuras para as hostes cristãs.
Reconhecendo quanto lhe seria útil a ajuda efetiva do rei de Portugal,
Afonso XI de novo rogou a intervenção de D. Maria. Esta acedeu uma vez
mais e foi-se encontrar com D. Afonso IV, em
Évora.
O soberano português atendeu as súplicas da filha, e logo esta foi dar
a boa notícia a seu marido, que ansioso, a fora esperar a
Juromenha.
D. Afonso IV reuniu então em
Elvas junto com D.
Martim Peres de Soveral,
o maior número possível de cavaleiros e peões, e à frente do exército,
que ia aumentando durante o caminho com os contingentes formados em
vários pontos, dirigiu-se a Castela, onde por ordens do genro foi
recebido com todas as honras. Em Sevilha, o próprio Afonso XI acolheu
festivamente o rei de Portugal e sua filha, a rainha D. Maria. Ali se
desfizeram quanto menos momentaneamente, os ressentimentos de passadas
discórdias.
Campo de batalha
Assente entre os dois monarcas o plano estratégico, não se demoraram em
sair de Sevilha a caminho de Tarifa, tendo chegado oito dias depois a
Pena del Ciervo,
de onde se avistava o extensíssimo arraial muçulmano. Em 29 de
outubro, reunido o conselho de guerra, foi decidido que Afonso XI de
Castela combateria o rei de Marrocos, e Afonso IV de Portugal
enfrentaria o de Granada. Afonso XI designou
D. João Manuel para a vanguarda das hostes castelhanas, onde iam também
D. João Nunes de Lara e o novo
mestre de Sant'Iago, irmão de Leonor de Gusmão. Com D. Afonso IV viam-se o
arcebispo de Braga,
Gonçalo Pereira, bem como o prior do Crato, o mestre da
Ordem de Avis e muitos denotados cavaleiros.
No campo dos cristãos e dos muçulmanos tudo se dispunha para a batalha,
que devia travar-se ao amanhecer do dia seguinte. A cavalaria
castelhana, atravessando o Salado, iniciou a peleja. Logo saiu, a
fazer-lhe frente, o escol da cavalaria muçulmana, não conseguindo
deter o ataque. Quase em seguida avançou Afonso XI, com o grosso das
suas tropas, defrontando então as inumeráveis forças dos mouros. Estava
travada, naquele sector, a ferocíssima luta. O rei de Castela, cuja
bravura não comportava hesitações, acudia aos pontos onde o perigo era
maior, carregando furiosamente sobre os bandos árabes até os pôr em
debandada.
Nessa altura a guarnição da praça de Tarifa, numa surtida inesperada
para os mouros, caía sobre a retaguarda destes, assaltando o arraial de
Abul-Hassan e espalhando a confusão entre os invasores. No sector onde
combatiam as forças portuguesas, as dificuldades eram ainda maiores,
pois os mouros de Granada, mais disciplinados, combatiam pela sua
cidade, sob o comando de Yusef-Abul-Hagiag, que via em risco o seu
reino. Mas D. Afonso IV, à frente dos seus intrépidos cavaleiros,
conseguiu romper a formidável barreira inimiga e espalhar a desordem,
precursora do pânico e da derrota entre os mouros granadinos. E não
tardou muito que, numa fuga desordenada, africanos e granadinos
abandonassem a batalha, largando tudo para salvar a vida. O campo estava
juncado de corpos de mouros, vítimas da espantosa mortandade.
O arraial, enorme, dos reis de Fez e de
Granada, com todos os seus despojos valiosíssimos em armas e bagagens, caiu finalmente em poder dos cristãos, que ali encontraram
ouro e
prata
em abundância, constituindo tesouros de valor incalculável. Ao
fazer-se a partilha destes despojos, assim como dos prisioneiros, quis
Afonso XI agradecer ao sogro, pedindo-lhe que escolhesse quanto lhe
agradasse, tanto em quantidade como em qualidade.
Afonso IV, porém num dos raros gestos de desinteresse que praticou em
toda a sua vida, só depois de muito instado pelo genro escolheu, como
recordação, uma
cimitarra cravejada de pedras preciosas e, entre os prisioneiros, um sobrinho do rei Abul-Hassan. A
1 de novembro,
ao princípio da tarde, os exércitos vencedores abandonaram finalmente o
campo de batalha, dirigindo-se para Sevilha onde o rei de Portugal
pouco tempo se demorou, regressando logo ao seu país.
Consequências
Pode imaginar-se sem custo a impressão desmoralizadora que a vitória dos cristãos, na
Batalha do Salado,
causou em todo o mundo muçulmano, e o entusiasmo que se espalhou entre
o cristianismo europeu. Era, ao cabo de seis séculos, uma renovação da
vitória de
Carlos Martel em
Poitiers.
Afonso XI, para exteriorizar o seu regozijo, apressou-se a enviar ao
Papa Bento XII
uma pomposa embaixada portadora de valiosíssimos presentes,
constituídos por uma parte das riquezas tomadas aos mouros, vinte e
quatro prisioneiros portadores de bandeiras que haviam caído em poder
dos vencedores, muitos
cavalos
árabes, ricamente ajaezados, e com magníficas espadas e adagas pendentes
dos arções, e ainda o soberbo corcel em que o rei castelhano pelejara.
Quanto ao auxílio prestado por Portugal, que sem dúvida fora bastante
importante para decidir a vitória dos exércitos cristãos, deixou-o o
Papa Bento XII excluído dos louvores que, em resposta, endereçou a
Afonso XI em consequência da opulenta «lembrança» enviada pelo rei de Castela.
D. Afonso IV, que durante o seu reinado praticou as maiores crueldades, ficaria na
História com o cognome de «
o Bravo», em consequência da sua ação na
Batalha do Salado.