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sábado, novembro 29, 2025

Música para recordar um político importante na nossa história recente...

 

Os Fantoches de Kissinger - Zeca Afonso

 

Em toda parte baqueia a muralha imperialistaNa ponta duma espingardaOs povos da IndochinaVarrem da terra sangrentaOs fantoches de KissingerMas aqui também semeiasNo pátio da tua fábricaNo largo da tua aldeiaA fome, a prostituiçãoSão filhas da mesma bestaQue Kissinger tem na mãoValor à Mulher PrimeiraNa luta que nos esperaSó não há vida possívelNa liberdade comprada na liberdade vendidaA morte é mais desejadaA NATO não chega a netos abaixo o hidroviãoNa ponta duma espingarda o Povo da PalestinaMandou a Golda Meir uma mensagem divinaDa CIA não tenhas penaTem carne viva nas garrasÉ a pomba de Kissinger toda a América LatinaSe lembra das suas farrasA mesma tropa domina a mesma tropa dominaSó um é embaixador mas nada nos abalançaA dormir sobre a calçadaFaz como o trabalhadorDorme sobre a tua enxada faz como o atiradorDorme sobre a espingarda

domingo, novembro 02, 2025

Hoje é dia de cantar a poesia de Jorge de Sena...

 

Epígrafe para a arte de furtar

   
  
Roubam-me Deus
outros o diabo
– quem cantarei?

roubam-me a Pátria;
e a Humanidade
outros ma roubam
– quem cantarei?

sempre há quem roube
quem eu deseje;
e de mim mesmo
todos me roubam
– quem cantarei?

roubam-me a voz
quando me calo,
ou o silêncio
mesmo se falo
– aqui d'El-Rei!

  
 

Jorge de Sena

 

terça-feira, outubro 07, 2025

Porque hoje é o Dia Nacional dos Castelos...!

 

Altos Castelos - Zeca Afonso

Altos castelos de branco luar
Linda menina que vai casar
Torres cinzentas que dão para o vento
Dentro do meu pensamento

Eu lá na serra não sou ninguém
Se fores prá guerra eu irei também
Irei também numa barca bela
Cinta vermelha e saia amarela

Eu lá na serra não sou ninguém
Se fores prá guerra eu irei também
Irei também numa barca bela
Cinta vermelha e saia amarela

Na praia nova caiu uma estrela
Moças trigueiras ide atrás dela
Rola rolinha garganta de prata
Canta-me uma serenata

Eu lá na serra não sou ninguém
Se fores prá guerra eu irei também
Irei também numa barca bela
Cinta vermelha e saia amarela

Eu lá na serra não sou ninguém
Se fores prá guerra eu irei também
Irei também numa barca bela
Cinta vermelha e saia amarela

Um cavalinho de crina na ponta
Leva à garupa uma bruxa tonta
Duas meninas a viram passar
Mesmo à beirinha do mar

Eu lá na serra não sou ninguém
Se fores prá guerra eu irei também
Irei também numa barca bela
Cinta vermelha e saia amarela

Eu lá na serra não sou ninguém
Se fores prá guerra eu irei também
Irei também numa barca bela
Cinta vermelha e saia amarela

segunda-feira, setembro 22, 2025

Glosa à chegada da nova estação...

 

Balada do Outono - José Afonso

  
Aguas passadas do rio
Meu sono vazio
Não vão acordar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
 
Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Óh, ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
 
Águas das fontes calai
Óh, ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
Águas das fontes calai
Óh, ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
 
Águas do rio correndo
Poentes morrendo
P'ras bandas do mar
Águas das fontes calai
Óh, ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
 
Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Óh, ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
 
Águas das fontes calai
Óh, ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
Águas das fontes calai
Óh, ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar

sábado, agosto 02, 2025

Música adequada à data...

Saudades do Zeca...

Zeca Afonso nasceu há 96 anos...

    
José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (Aveiro, 2 de agosto de 1929 - Setúbal, 23 de fevereiro de 1987), foi um cantor e compositor português. É também conhecido pelo diminutivo familiar de Zeca Afonso, apesar de nunca ter utilizado este nome artístico.
      
 

Saudades de Zeca...

terça-feira, julho 22, 2025

Alfredo Rodrigues de Matos, resistente anti-fascista homenageado por Zeca em Por trás daquela janela, nasceu há 91 anos...


Alfredo Rodrigues de Matos

Data da primeira prisão -

Militante ativo na Resistência contra o fascismo, sofreu a repressão do regime sem nunca vacilar na determinação com que o enfrentou. Em democracia tem-se mantido um cidadão ativo e interveniente no campo autárquico, sindical e político.

Alfredo Rodrigues de Matos nasceu em S. Pedro do Sul, a 22 de julho de 1934, mas foi para o Barreiro em 1939 e aí fez o curso industrial, o curso de guarda-livros e completou o 3º ciclo do liceu. Aderiu então ao MUD Juvenil e, em 1952, começou a trabalhar na CUF, primeiro como operário, depois como empregado de escritório. Em janeiro de 1957, foi preso pela PIDE e julgado no Tribunal Plenário, tendo sido condenado a 18 meses de prisão correcional a que se juntaram 3 anos de medidas de segurança, pelo que cumpriu 4 anos e seis meses de prisão (no Aljube, no Forte de Caxias e na cadeia da PIDE no Porto). 
Em 1961, na cadeia, aderiu ao Partido Comunista Português. Libertado em janeiro de 1962, passou a desenvolver atividades políticas na margem sul, com funções específicas na CUF, aonde regressara. Colaborava então na redação do Boletim dos Trabalhadores. 
Em 1969 fez parte da Comissão Distrital de Setúbal da CDE, integrando a comissão de recenseamento eleitoral e participando nas ações da campanha eleitoral, com vista às legislativas desse ano. Depois, participou na criação do Movimento MDP/CDE, de cujo secretariado nacional fez parte. Voltou a ser preso após as comemorações do 1º de Maio de 1970 e, após um mês na cadeia da PIDE no Porto a ser interrogado e torturado, foi transferido para Caxias, onde esteve até ser julgado, em dezembro, no Tribunal Plenário de Lisboa. Foi absolvido, mas nesse mesmo mês foi despedido do Hospital da CUF, no qual era chefe do economato. 
A 22 de julho de 1970, José Afonso dedicou-lhe «Por Trás Daquela Janela», um poema que posteriormente seria editado em disco sob o título Eu Vou Ser Como a Toupeira.
Trabalhou depois noutras empresas e, em 1973, entrou no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, como adjunto do secretário-geral. Nesse mesmo ano, esteve na preparação do III Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro, fazendo parte das comissões nacional e coordenadora. Nesse congresso apresentou a tese «Situação e Perspetivas dos Trabalhadores do Distrito de Setúbal». Ainda em 1973 desenvolveu intensa atividade política em todo o distrito de Setúbal, pelo qual foi candidato a deputado nas eleições para a Assembleia Nacional, na lista da Oposição Democrática. 
Em março de 1974, participou em reuniões das secções sindicais da CGTP Intersindical e nas sedes dos principais bancos, em Paris, deu a conhecer a situação política e social de Portugal. 
Em 27 de abril de 1974, foi designado para discursar no Barreiro, em nome do MDP/CDE, e logo em maio passou a fazer parte da comissão administrativa que dirigiu a Câmara Municipal do Barreiro até às eleições de 1976, ano em que foi eleito para a Assembleia Municipal dessa autarquia. Em 1975, fora escolhido para adjunto do secretariado da Intersindical, funções que desempenhou até 1979, quando foi eleito vereador (iria substituir o presidente da CMB). Foi presidente dos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal do Barreiro, cargo este que desempenhou em sucessivos mandatos, até dezembro de 1985. Em 1986 voltou à CGTP. 
De fevereiro a setembro de 2002, foi colunista do semanário Voz do Barreiro (de que viria a ser diretor entre setembro de 2006 e junho de 2007) e, entre outubro de 2002 e junho de 2004, foi diretor do jornal Concelho de Palmela. Como dirigente associativo, fez parte dos corpos gerentes do Cineclube do Barreiro, nos anos de 1971 e 1972. 
Em 1993, Alfredo Matos recebeu a Medalha de Ouro da Cidade «Barreiro Reconhecido». 

A 22 de julho de 1970, José Afonso dedicou-lhe Por Trás Daquela Janela, um poema que posteriormente lhe entregou manuscrito. Pelo Natal de 1972, este poema, também com música de Zeca Afonso, foi editado em disco, sob o título, Eu Vou Ser Como a Toupeira, que incluiu igualmente a canção A Morte Saiu à Rua, dedicada ao escultor José Dias Coelho, dirigente do PCP, assassinado pela PIDE em 19 de dezembro de 1961.

 

in Memória Comum - Memorial aos Presos e Perseguidos Políticos

 

 

Por trás daquela janela - Zeca Afonso

 

Por trás daquela janela
Por trás daquela janela
Faz anos o meu amigo
E irmão

Não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão

Se aquela parede andasse
Se aquela parede andasse
Eu não sei o que faria
Não sei

Se o mundo agora acordasse
Se aquela parede andasse
Se um grito enorme se ouvisse
Duma criança ao nascer

Talvez o tempo corresse
Talvez o tempo corresse
E a tua voz me ajudasse
A cantar

Mais dura a pedra moleira
E a fé, tua companheira
Mais pode a flecha certeira
E os rios que vão pró mar

Por trás daquela janela
Por trás daquela janela
Faz anos o meu amigo
E irmão

Na noite que segue ao dia
Na noite que segue ao dia
O meu amigo lá dorme
De pé
E o seu perfil anuncia
Naquela parede fria
Uma canção de alegria
No vai e vem da maré

quarta-feira, julho 02, 2025

Música adequada à data...

 

Ronda das mafarricas
LETRA António Quadros (pintor)
MÚSICA José Afonso

 

Estavam todas juntas
Quatrocentas bruxas
À espera À espera
À espera da lua cheia

Estavam todas juntas
Veio um chibo velho
Dançar no adro
Alguém morreu

Arlindo coveiro
Com a tua marreca
Leva-me primeiro
Para a cova aberta

Arlindo Arlindo
Bailador das fadas
Vai ao pé coxinho
Cava-me a morada

Arlindo coveiro
Cava-me a morada
Fecha-me o jazigo
Quero campa rasa

Arlindo Arlindo
Bailador das fadas
Vai ao pé coxinho
Cava-me a morada

quinta-feira, junho 19, 2025

Música para recordar um Pintor...

 

 

A Morte saiu à Rua - Zeca Afonso

Naquele lugar sem nome p'ra qualquer fim
Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue dum peito aberto sai

O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o pintor morreu

Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale
À lei assassina à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou

Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada há covas feitas no chão
E em todas florirão rosas duma nação.

  

Zeca Afonso (Letra e Música), Eu Vou Ser Como a Toupeira, 1972

sexta-feira, junho 13, 2025

Música para celebrar o fim mais um ano letivo...

 

 

Coro dos caídos - Zeca Afonso

 



Canta bichos da treva e da aparência
Na absolvição por incontinência
Cantai cantai no pino do inferno
Em janeiro ou em maio é sempre cedo
Cantai cardumes da guerra e da agonia
Neste areal onde não nasce o dia
   
Cantai cantai melancolias serenas
Como o trigo da moda nas verbenas
Cantai cantai guizos doidos dos sinos
Os vossos salmos de embalar meninos
Cantai bichos da treva e da opulência
A vossa vil e vã magnificência
   
Cantai os vossos tronos e impérios
Sobre os degredos sobre os cemitérios
Cantai cantai ó torpes madrugadas
As clavas os clarins e as espadas
Cantai nos matadouros nas trincheiras
As armas os pendões e as bandeiras

Cantai cantai que o ódio já não cansa
Com palavras de amor e de bonança
Dançai ó parcas vossa negra festa
Sobre a planície em redor que o ar empesta
Cantai ó corvos pela noite fora
Neste areal onde não nasce a aurora

terça-feira, junho 10, 2025

Zeca canta Camões...

 

Na fonte está Lianor
  
   
Mote
Na fonte está Lianor
Lavando a talha e chorando,
Às amigas perguntando:
- Vistes lá o meu amor?



Voltas
Posto o pensamento nele,
Porque a tudo o amor obriga,
Cantava, mas a cantiga
Eram suspiros por ele.
Nisto estava Lianor
O seu desejo enganando,
Às amigas perguntando:
- Vistes lá o meu amor?

O rosto sobre ua mão,
Os olhos no chão pregados,
Que, do chorar já cansados,
Algum descanso lhe dão.
Desta sorte Lianor
Suspende de quando em quando
Sua dor; e, em si tornando,
Mais pesada sente a dor.

Não deita dos olhos água,
Que não quer que a dor se abrande
Amor, porque, em mágoa grande,
Seca as lágrimas a mágoa.
Despois que de seu amor
Soube novas perguntando,
De improviso a vi chorando.
Olhai que extremos de dor! 


   
Luís de Camões

 

quarta-feira, junho 04, 2025

Hoje é bom ouvir cantar poesia de Jorge de Sena...

 

 

Epígrafe para a arte de furtar

Roubam-me Deus
outros o Diabo
– quem cantarei?

roubam-me a Pátria;
e a Humanidade
outros ma roubam
– quem cantarei?

sempre há quem roube
quem eu deseje;
e de mim mesmo
todos me roubam
– quem cantarei?

roubam-me a voz
quando me calo,
ou o silêncio
mesmo se falo
– aqui del Rei!


 

Jorge de Sena

segunda-feira, maio 19, 2025

Música adequada à data...

 

Cantar Alentejano - Zeca Afonso

 

Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Serranas viram-na em vida
Baleizão a viu morrer

Ceifeiras na manha fria
Flores na campa lhe vão pôr
Ficou vermelha a campina
Do sangue que então brotou

Acalma o furor campina
Que o teu pranto não findou
Quem viu morrer Catarina
Não perdoa a quem matou

Aquela pomba tão branca
Todos a querem p'ra si
O Alentejo queimado
Ninguém se lembra de ti

Aquela andorinha negra
Bate as asas p'ra voar
O Alentejo esquecido
Inda um dia hás-de cantar

segunda-feira, abril 28, 2025

Música para recordar um ditador...

 

O avô cavernoso - José Afonso

 

O avô cavernoso
Instituiu a chuva
Ratificou a demora
Persignou-se
Ninguém o chora agora
Perfumou-se
Vinte mil léguas de virgens vieram
Inutéis e despidas
Flores de malva
E a boina bem segura
Sobre a calva

Ao avô cavernoso quem viu a tonsura?
E a tenda dos milagres e a privada?
Na tenda que foi nítida conjura
As flores de malva murcham devagar
Devagar
Até que se ouvem gritos, matinadas

 

sexta-feira, abril 25, 2025

A segunda senha da revolução foi emitida há cinquenta e um anos...!

Na plateia do I Encontro da Canção Portuguesa, estavam presentes vários dos capitães que tiveram um papel no 25 de Abril, que já estava numa avançada fase preparatória, e que já se tinha determinado que o sinal para começar as operações seriam duas canções emitidas através da rádio. A Rádio Renascença foi escolhida pois os meios de comunicação dos militares não tinham cobertura pelo país inteiro, pelo menos não de forma fiável e audível. Tudo decorreu no maior segredo. O primeiro sinal escolhido foi a canção E depois do Adeus de Paulo de Carvalho, emitida pelos Emissores Associados de Lisboa como ordem para os militares de Lisboa prepararem-se para avançar, sendo emitida às 22.55. A canção não tinha uma letra perigosa, e ganhara o Festival RTP da Canção de 1974, sendo apresentada no Eurofestival da Canção de 1974, o que explica a sua escolha. O segundo sinal tinha o objetivo de dar luz verde aos militares participantes no golpe para irem avante, principalmente os que estavam mais distantes de Lisboa, e era a senha fundamental. Numa primeira instância, foi escolhida a canção Venham mais cinco de José Afonso, no entanto, quando já se acabara o período de preparação, descobriu-se que a canção estava incluída na lista de músicas banidas da Rádio Renascença, a emissora católica, e estava barrada de passar no programa Limite da estação de rádio, como fora planeado. Perante a necessidade de escolher uma canção que não estivesse barrada, definiu-se a Grândola, Vila Morena, que tinha sido fortemente aclamada pelo público no I Encontro da Canção Portuguesa. A Ordem de Operações foi emendada, e, às 00.20 de 25 de abril, ouviu-se a voz forte do locutor a recitar os quatro primeiros versos: "Grândola, Vila Morena/ Terra da fraternidade/ O povo é quem mais ordena/ dentro de ti, ó cidade". Desde o início revolucionária com a adesão popular, a canção tornou-se o hino da revolução.

 

in Wikipédia

 

sábado, março 29, 2025

Um espetáculo, no Coliseu dos Recreios, há 51 anos, mostrou que o estado novo estava a terminar...


'Grândola Vila Morena', cantada em pé por artistas e público do Coliseu, em 28 de março de 2014
 Fotografia © João Girão/Global Imagens (Diário de Notícias, 29/3/2014)

Ontem, um concerto no Coliseu dos Recreios, evocou, num espetáculo organizado pela Associação José Afonso, um concerto realizado em 29 de Março de 1974. Estive lá. Hoje publico um excerto do meu livro História da Oposição à Ditadura 1926-1974 (Ed. Figueirinhas, 2014), pp. 595-596

«Em Portugal, já se estava então a viver, embora não fosse evidente à época, uma situação reveladora de que o regime tinha perdido a batalha pela hegemonia ideológica, iniciada nos anos trinta e prosseguida no pós-II Guerra Mundial, a favor das várias oposições ao regime, todas elas unidas contra a ditadura e uma guerra colonial interminável. Como se viu, o fim da guerra também era desejado pelos próprios quadros intermédios das Forças Armadas, crescentemente convencidos de que ela só terminaria através de uma solução política.
O ambiente político adverso ao regime fez-se sentir, por exemplo, num ciclo de cinema de Roberto Rossellini, na Fundação Gulbenkian, onde foi exibido pela primeira vez o filme anti-fascista «Roma, città aperta» (1945), até então proibido de ser apresentado pela censura. Numa sala cheia de jovens, as palmas e a entusiástica receção ao filme levaram o diretor da Cinemateca Francesa, Henri Langlois, que se encontrava presente, a profetizar ao organizador do ciclo de filmes, João Bémard da Costa, que uma mudança política iria ocorrer em Portugal.
Na noite de 29 de Março de 1974, a Rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa foi palco de um outro acontecimento paradigmático e revelador desse ambiente político. Realizou-se nessa data, no Coliseu dos Recreios, o I Encontro da Canção Portuguesa, organizado pela Casa da Imprensa, no qual José Afonso deveria receber o prémio da melhor interpretação musical do ano anterior. A sessão acabou por ser recheada de símbolos e transformou-se num espaço de liberdade, no qual o público não cessou de se manifestar, a pretexto das canções, contra um regime ditatorial, que, embora não se soubesse, tinha menos de um mês de vida. O espetáculo, que teve de ser preparado com muita antecedência, para que todas as canções fossem apresentadas previamente à Censura, foi mais um sintoma, embora não completamente detetado então pelos presentes, de que o regime estava a viver o seu estertor.
Como a Direção-Geral dos Espetáculos só entregara a lista das canções que podiam ser cantadas uma hora antes do início do espectáculo, e alguns cantores apenas foram autorizados a cantar metade das estrofes, o público trauteou as melodias de forma cúmplice, em coro. Quando Manuel Freire afirmou que se tinha esquecido das letras das canções no comboio, os cerca de cinco mil espectadores compreenderam onde ele queria chegar, aplaudiram de pé e cantaram em coro o que ele não fora autorizado a interpretar. Por seu lado, José Afonso foi proibido de cantar «A morte saiu à rua», «Venham mais cinco», «Menina dos olhos tristes» e «Gastão era perfeito», apenas sendo autorizado a apresentar «Milho Verde» e «Grândola».
O quarteto de Marcos Resende abrira o programa, mas não foi ouvido, devido aos assobios que irromperam pela sala, sucedendo-lhe o duo Carlos Alberto Moniz-Maria do Amparo e um desconhecido que deu como nome Manuel José Soares. A sala continuava morna, quando irrompeu a primeira grande ovação da noite, a premiar a atuação de Carlos Paredes, acompanhado por Fernando Alvim. De seguida, o jornalista Joaquim Furtado leu em voz alta os nomes dos premiados pela associação mutualista dos jornalistas, escolhidos por um júri que integrava José Duarte, Tito Lívio, João Paulo Guerra e José Manuel Nunes. A maioria dos prémios atribuídos não provocou grande entusiasmo, mas o mesmo não aconteceu com o galardão que premiou o programa radiofónico Página Um, da Rádio Renascença, recebido, entre outros, por Adelino Gomes, que havia sido afastado da rádio por razões políticas. Outros nomes aplaudidíssimos foram os de Sérgio Godinho e José Mário Branco, cantores premiados pelos seus álbuns de estreia — Os Sobreviventes e Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades, respetivamente —, que «não puderam comparecer», como dizia um artigo de O Século, embora não explicando que isso se devia ao facto de estarem exilados.
Após o intervalo, atuaram os espanhóis Viño Tinto e o poeta José Carlos Ary dos Santos, que começou por ser assobiado pelos que não aprovavam a sua participação nos Festivais RTP da Canção. O poeta retorquiu: «Eu venho para dizer poesia. Se não gostam, manifestem-se no fim». Depois de ter declamado «SARL», abandonou o palco sob fortes aplausos. Sucederam-se José Barata Moura, o grupo Intróito, Manuel Freire, Fernando Tordo, Fausto, Vitorino, José Jorge Letria, Adriano Correia de Oliveira e, finalmente, José Afonso.
Depois de cantar «Milho Verde», a outra canção autorizada pela Censura, chamou ao palco todos os cantores que deram os braços e começaram a bater, ritmadamente, com os pés no chão, enquanto as luzes se apagavam na sala. «Grândola, vila morena…», ouviu-se novamente, desta vez em coro. Cinco mil pessoas levantaram-se, deram igualmente os braços e entoaram: «… terra da fraternidade…». Outra testemunha desse espetáculo escreveria que quando «começaram a entoar a mítica canção de José Afonso, o soalho de madeira do velho Coliseu dos Recreios transmitiu a sensação de poder ruir em qualquer altura». Cantada em coro, à maneira de um grupo alentejano, aquela canção viria a servir de senha para a eclosão do golpe militar que derrubaria o regime menos de um mês depois».
  
in Jugular - post de Irene Pimentel, 29.03.14