Nasceu no dia
2 de agosto de
1929, na
Freguesia de Glória, em
Aveiro, filho de José Nepomuceno Afonso dos Santos,
juiz, natural do
Fundão, e de sua mulher Maria das Dores Dantas Cerqueira,
Professora, de
Ponte de Lima.
Viveu naquela localidade até aos três anos, numa casa do Largo das
Cinco Bicas, com a tia Gé e o tio Chico, bem como com seu irmão João
Cerqueira Afonso dos Santos (1927),
Advogado, pai de dois dos seus sobrinhos. Com aquela idade foi levado para
Angola, onde o pai havia sido colocado como delegado do Procurador da República, em
1930, e onde nasceria em
Silva Porto a sua irmã Maria Cerqueira Afonso dos Santos, mãe de seus sobrinhos, também músicos,
João Afonso Lima e António Afonso Lima.
A relação física com a natureza causou-lhe uma profunda ligação ao continente
africano,
que se refletirá pela sua vida fora. As trovoadas, as florestas e os
grandes rios atravessados em jangadas escondiam-lhe a realidade
colonial.
Em
1937 regressa a
Aveiro, mas parte no mesmo ano para
Moçambique, onde se reencontra com os pais e os irmãos em
Lourenço Marques.
No ano seguinte, volta para
Portugal, indo viver em
Belmonte, com o tio Filomeno, que ocupava o cargo de presidente da Câmara.
Completa a instrução primária nesta localidade, e convive com o mais
profundo ambiente do
Salazarismo, de que seu tio era fervoroso admirador, sendo obrigado a envergar o traje da
Mocidade Portuguesa.
Em
1939 os seus pais foram viver para
Timor, onde seriam cativos dos ocupantes japoneses durante três anos, entre
1942 e
1945. Durante esse período, Zeca Afonso não teve notícias dos pais.
Frequentou o
Liceu Nacional D. João III e a
Faculdade de Letras de Coimbra, e integrou o
Orfeão Académico de Coimbra e a
Tuna Académica da Universidade de Coimbra; já nesta altura, revelou-se um intérprete especialmente dotado no
Fado de Coimbra, tendo assimilado o ambiente de mudança que, naquela altura, se estava a começar a manifestar naquela localidade.
Em
1948 completa o Curso Geral dos Liceus, após dois chumbos.
Conhece Maria Amália de Oliveira, uma costureira de origem humilde,
com quem vem a casar em segredo, por oposição da família. Continua na
vida associativa, fazendo viagens com o
Orfeão Académico de Coimbra e com a
Tuna Académica da Universidade de Coimbra, ao mesmo tempo que integra a equipa de futebol da
Académica. Em
1949 inscreve-se no curso de Ciências Histórico-Filosóficas, na
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Volta a
Angola e
Moçambique, integrado numa comitiva do
Orfeon Académico de Coimbra.
Faleceu em
23 de fevereiro de
1987, no Hospital de
Setúbal, às três horas da madrugada, vítima de
esclerose lateral amiotrófica.
Biografia
Em janeiro de
1953 nasce-lhe o primeiro filho, José Manuel. Para sustentar a sua família, Zeca Afonso dá explicações e faz revisão de textos no
Diário de Coimbra. Pela mesma altura grava o seu primeiro disco,
Fados de Coimbra. Tem grandes dificuldades económicas, como refere em carta enviada aos pais em
Moçambique. Ainda antes de terminar o curso, é lhe permitido lecionar no Ensino Técnico.
Cumpriu, de
1953 a
1955, em
Mafra e
Coimbra, o
Serviço Militar Obrigatório; pouco depois, começa a lecionar, passando, sucessivamente, por
Mangualde,
Alcobaça,
Aljustrel,
Lagos e
Faro. Iniciou as suas funções como professor em Lagos no dia
29 de outubro de
1957, na Escola Comercial e Industrial
Vitorino Damásio.
Em
1956 é colocado em
Aljustrel e divorcia-se de Maria Amália. Em
1958 envia os filhos para
Moçambique, que ficam ao cuidado dos avós. Entre
1958 e
1959 é professor de Francês e de História, na Escola Comercial e Industrial de Alcobaça.
Apesar das exigências da sua profissão, não esqueceu as suas ligações a
Coimbra, onde gravou o seu primeiro disco, em
1958.
Foi influenciado pelas correntes de mudança que se faziam sentir
naquela localidade, e pelo convívio com figuras como António Portugal,
Flávio Rodrigues da Silva,
Manuel Alegre, Louzã Henriques, e
Adriano Correia de Oliveira, que marcou especialmente a sua obra
Coimbrã.
Do período de intervenção social até à expulsão do ensino
Participa, frequentemente em festas populares e canta em colectividades, lançando, em
1960, o seu quarto disco,
Balada do Outono. Em
1962 segue atentamente a crise académica de
Lisboa, convive, em
Faro, com
Luiza Neto Jorge,
António Barahona e
António Ramos Rosa. Começa a namorar com Zélia, natural da
Fuzeta, com quem virá a casar. Segue-se uma nova digressão em
Angola, com a
Tuna Académica da Universidade de Coimbra, no mesmo ano em que vê editado o álbum
Coimbra Orfeon of Portugal. Nesse disco José Afonso rompe com o acompanhamento das guitarras de
Coimbra, fazendo-se acompanhar, nas canções
Minha Mãe e
Balada Aleixo, pelas violas de
José Niza e Durval Moreirinhas.
Em
1963 termina a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas, com uma tese sobre
Jean-Paul Sartre, intitulada
Implicações substancialistas na filosofia sartriana.
No mesmo ano são editados os primeiros temas de carácter vincadamente político,
Os Vampiros e
Menino do Bairro Negro - o primeiro contra a opressão do capitalismo, o segundo, inspirado na miséria do Bairro do Barredo, no
Porto - integravam o
disco Baladas de Coimbra, que viria a ser proibido pela
Censura.
Os Vampiros, juntamente com
Trova do Vento que Passa (um poema de
Manuel Alegre, musicado por António Portugal e cantado por
Adriano Correia de Oliveira) viriam a tornar-se símbolos de resistência
anti-salazarista da época.
Realiza digressões pela
Suíça,
Alemanha e
Suécia, integrado num grupo de fados e guitarras, na companhia de
Adriano Correia de Oliveira,
José Niza, Jorge Godinho, Durval Moreirinhas e ainda da fadista lisboeta
Esmeralda Amoedo.
Em maio de
1964 José Afonso actua na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, onde se inspira para fazer a canção
Grândola, Vila Morena. A música viria a ser a senha do
Movimento das Forças Armadas no golpe de
25 de Abril de 1974, permanecendo como uma das músicas mais significativas do período revolucionário. Ainda naquele ano são lançados os álbuns
Cantares de José Afonso e
Baladas e Canções.
Ainda em
1964, José Afonso estabelece-se em
Lourenço Marques, com Zélia, reencontrando os filhos do anterior casamento. Entre
1965 e
1967 é professor no Liceu Pêro de Anaia, na cidade da
Beira, e em
Lourenço Marques. Colabora com um grupo de teatro local, musicando uma peça de
Bertolt Brecht,
A Excepção e a Regra. Manifesta-se contra o
colonialismo, o que lhe causa problemas com a
PIDE, a polícia política do
Estado Novo. Em
Moçambique nasce a sua filha Joana, em
1965.
Residiu, entre
1964 e
1967, em
Moçambique, acompanhado pelos dois filhos e pela sua companheira, Zélia, tendo ensinado na
Beira, e em
Lourenço Marques. Nesta altura, começa a sua carreira política, em defesa dos ideais de
independência, o que lhe valeu a atenção dos agentes do governo
colonial.
Intervenção política até à Revolução de 25 de Abril
Quando regressa a
Portugal, em
1967, é colocado como professor em
Setúbal; no entanto, fica a lecionar pouco tempo, pois acaba por ser expulso do ensino oficial, depois de um período de doença. Para sobreviver, começa a dar explicações. A partir desse ano, torna-se definitivamente um símbolo da resistência
democrática. Mantém contactos com a
Liga de Unidade e Acção Revolucionária e o
Partido Comunista Português - ainda que se mantenha independente de partidos - e é preso pela
PIDE. Continua a cantar e participa no I Encontro da
Chanson Portugaise de Combat, em
Paris, em
1969. Grava também
Cantares do Andarilho,
recebendo o prémio da Casa da Imprensa pelo Melhor Disco do Ano, e o
prémio da Melhor Interpretação. Para que o seu nome não seja censurado,
Zeca Afonso passa a ser tratado nos jornais pelo
anagrama Esoj Osnofa.
Em
1971 edita
Cantigas do Maio, no qual surge
Grândola, Vila Morena. Zeca participa em vários festivais, sendo também publicado um livro sobre ele e lança o LP
Eu vou ser como a toupeira. Em
1973 canta no III Congresso da Oposição Democrática e grava o álbum
Venham mais Cinco.
Ao mesmo tempo, começa a dedicar-se ao canto, e apoia várias
instituições populares, enquanto que continua a sua carreira política na
Liga de Unidade e Acção Revolucionária.
Entre abril e maio de 1973 esteve detido no
Forte-Prisão de Caxias pela
PIDE/DGS.
Período após a Revolução dos Cravos
Após a
Revolução de 25 de Abril de 1974,
acentua a sua defesa da liberdade, tendo realizado várias sessões de
apoio a diversos movimentos, em Portugal e no estrangeiro; retoma,
igualmente, a sua função de professor. Continuou a cantar, gravando o LP
Coro dos Tribunais, ao mesmo tempo que se envolve em numerosas sessões do
Canto Livre Perseguido, bem como nas campanhas de alfabetização do
MFA. A sua intervenção política não pára, tornando-se um admirador do período do
PREC. Em
1976 declara o seu apoio à campanha presidencial de
Otelo Saraiva de Carvalho.
Os seus últimos espectáculos terão lugar nos Coliseus de
Lisboa e do
Porto, em
1983, numa fase avançada da sua doença. No final desse mesmo ano é-lhe atribuída a
Ordem da Liberdade, mas o cantor recusa a distinção.
Em
1985, é editado o seu último álbum de originais,
Galinhas do Mato,
no qual, devido estado da doença, Zeca não consegue interpretar todas
as músicas previstas. O álbum acaba por ser completado por
José Mário Branco,
Sérgio Godinho,
Helena Vieira,
Fausto e
Luís Represas. Em
1986 apoia a candidatura de
Maria de Lourdes Pintasilgo a
Presidente da República.
Prémios e homenagens
Foi laureado pela Casa da Imprensa, como o melhor compositor e intérprete de música ligeira, nos anos de
1969,
1970 e
1971.
Foi, igualmente, homenageado pela
Câmara Municipal de Lagos, que colocou o seu nome numa rua da
Freguesia de Santa Maria.
Foi igualmente homenageado pela
Câmara Municipal do Porto,
que colocou o seu nome em Rua que faz a ligação entre a Rua António
Cândido e a Rua da Constituição. Foi homenageado pela Câmara Municipal
da Moita, freguesia de Alhos Vedros abrindo uma escola com o seu nome.
Em 2007, foi homenageado na IX
Grande Noite do Fado Académico, na
Casa da Música (Porto), numa organização do
Grupo de Fados do ISEP e da Associação de Estudantes do ISEP (Instituto Superior de Engenharia do Porto).
Legado
Oriundo do
Fado de Coimbra,
foi uma figura central do movimento de renovação da música portuguesa
que se desenvolveu na década de 1960 do século XX e se prolongou na
década de 70, sendo dele originárias as famosas canções de intervenção,
de conteúdo de esquerda, contra o Regime. Zeca Afonso ficou
indelevelmente associado ao derrube do
Estado Novo, regime de
ditadura Salazarista vigente em Portugal entre
1933 e
1974, uma vez que uma das suas composições, "
Grândola, Vila Morena", foi utilizada como senha pelo
Movimento das Forças Armadas (MFA), comandados pelos Capitães de Abril, que instaurou a
democracia, em
25 de Abril de
1974.
Em
1994 seria editado
Filhos da Madrugada Cantam José Afonso, um CD duplo em homenagem a Zeca Afonso. No final de Junho seguinte,
muitas das bandas portuguesas que integraram o projecto, participaram
num concerto que teve lugar no então
Estádio José de Alvalade.
Em
24 de Abril de
1994 a
CeDeCe estreia no
Teatro S. Luiz o bailado
Dançar Zeca Afonso,
com música de Zeca Afonso e coreografia de António Rodrigues, uma
encomenda do Município, a propósito da Capital Europeia da Cultura.
Muitas das suas canções continuam a ser gravadas por numerosos
artistas portugueses e estrangeiros. Calcula-se que existam actualmente
mais de 300 versões de canções suas gravadas por mais de uma centena de
intérpretes,
o que faz de Zeca Afonso um dos compositores portugueses mais
divulgados a nível mundial. O seu trabalho é reconhecido e apreciado
pelo país inteiro e Zeca Afonso, com a sua incidência política que as
suas canções ganharam, indiscutivelmente representa uma parte muito
importante da cultura poética portuguesa.
LP's lançados
Álbuns de estúdio:
Álbuns ao Vivo:
EPÍGRAFE PARA A ARTE DE FURTAR
Roubam-me Deus,
outros o Diabo
- quem cantarei?
roubam-me a Pátria;
e a Humanidade
outros ma roubam
- quem cantarei?
sempre há quem roube
quem eu deseje;
e de mim mesmo
todos me roubam
- quem cantarei?
roubam-me a voz
quando me calo,
ou o silêncio
mesmo se falo
- aqui del-rei!
in Fidelidade, Poesia-II - Jorge de Sena