O Curso de Geologia de 85/90 da Universidade de Coimbra escolheu o nome de Geopedrados quando participou na Queima das Fitas.
Ficou a designação, ficaram muitas pessoas com e sobre a capa intemporal deste nome, agora com oportunidade de partilhar as suas ideias, informações e materiais sobre Geologia, Paleontologia, Mineralogia, Vulcanologia/Sismologia, Ambiente, Energia, Biologia, Astronomia, Ensino, Fotografia, Humor, Música, Cultura, Coimbra e AAC, para fins de ensino e educação.
RETRATO DE CATARINA EUFÉMIA Da medonha saudade da medusa que medeia entre nós e o passado dessa palavra polvo da recusa de um povo desgraçado. Da palavra saudade a mais bonita a mais prenha de pranto a mais novelo da língua portuguesa fiz a fita encarnada que ponho no cabelo. Trança de trigo roxo Catarina morrendo alpendurada do alto de uma foice. Soror Saudade Viva assassinada pelas balas do sol na culatra da noite. Meu amor. Minha espiga. Meu herói Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher de corpo inteiro como ninguém foi de pedra e alma como ninguém quer.
Entrou no partido apenas com 16 anos, em 1946. Preocupou-se, nos últimos anos de vida, sobre o tema da globalização, sob uma perspetiva marxista, articulando-a com a noção de fases na mundialização do capitalismo e a noção de imperialismo.
Vida na clandestinidade
Em 1953,
com 23 anos, torna-se funcionário do PCP, o que significava, nessa
altura, e durante mais de duas décadas ainda, passar à clandestinidade,
algo que viveu com a sua mulher Maria Adelaide Aboim Inglez. Esteve preso durante o regime do Estado Novo, altura em que tentou traduzir a "Fenomenologia do Espírito" de Hegel, tendo ficado pela "Introdução".
Escrita
Poeta,
mostrou grande interesse pela poesia portuguesa, como se nota no facto
de incluir várias notas sobre poesia no jornal comunista "Avante!",
como a respeito de Sá de Miranda, Camões ou Gil Vicente. Interessava-o
as relações entre o pensamento materialista e a controvérsia medieval
entre o realismo e nominalismo.
Falecimento
Quando morreu, pediu para ser cremado ao som do Coro dos Escravos da ópera Nabucco, de Verdi.
Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta
Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido
Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura
Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto
No dia 19 de maio de 1954, em plena época da ceifa do trigo,
Catarina e mais treze outras ceifeiras foram reclamar com o feitor da
propriedade onde trabalhavam para obter um aumento de dois escudos
por jornadas. Os homens da ceifa foram, em princípio, contrários à
constituição do grupo das peticionárias, mas acabaram por não hostilizar
a ação destas. As catorze mulheres foram suficientes para atemorizar
o feitor que foi a Beja chamar o proprietário e a guarda.
Catarina fora escolhida pelas suas colegas para apresentar as suas reivindicações. A uma pergunta do tenente da guarda, Catarina terá respondido que só queriam "trabalho e pão". Como resposta teve uma bofetada que a enviou ao chão. Ao levantar-se, terá dito: "Já agora mate-me." O tenente da guarda disparou três balas que lhe estilhaçaram as vértebras.
Catarina não terá morrido instantaneamente, mas poucos minutos depois
nos braços do seu próprio patrão (entretanto chegado), que a levantou
da poça de sangue onde se encontrava, e terá dito: Oh senhor tenente, então já matou uma mulher, o que é que está a fazer? O patrão, Francisco Nunes, que é geralmente descrito como uma pessoa acessível, foi caracterizado por Manuel de Melo Garrido em "A morte de Catarina Eufémia - A grande dúvida de um grande drama" como "o jovem lavrador da região que menos discutia os salários a atribuir aos rurais e que, nas épocas de desemprego, os ajudava com larga generosidade". O menino de colo, que Catarina tinha nos braços ficou ferido na queda. Uma outra camponesa teria ficado ferida também.
De acordo com a autópsia, Catarina foi atingida por "três
balas, à queima-roupa, pelas costas, atuando da esquerda para a
direita, de baixo para cima e ligeiramente de trás para a frente, com o
cano da arma encostada ao corpo da vítima. O agressor deveria estar
atrás e à esquerda em relação à vítima". Ainda segundo o relatório da autópsia, Catarina Eufémia era "de estatura mediana (1,65 m), de cor branco-marmórea, de cabelos pretos, olhos castanhos, de sistema muscular pouco desenvolvido".
Após a autópsia, temendo a reação da população, as autoridades resolveram realizar o funeral
às escondidas, antecipando-o de uma hora em relação àquela que tinham
feito constar. Quando se preparavam para iniciar a sua saída às
escondidas, o povo correu para o caixão
com gritos de protesto, e as forças policiais reprimiram
violentamente a populaça, espancando não só os familiares da falecida,
outros rurais de Baleizão, como gente simples de Beja que pretendia
associar-se ao funeral. O caixão acabou por ser levado à pressa, sob
escolta da polícia, não para o cemitério de Baleizão, mas para Quintos (a terra do seu marido cantoneiro António Joaquim do Carmo, o Carmona, como lhe chamavam) a cerca de dez quilómetros de Baleizão. Vinte anos depois, em 1974, os seus restos mortais foram finalmente trasladados para Baleizão.
Na sequência dos distúrbios do funeral, nove camponeses foram acusados
de desrespeito à autoridade; a maioria destes foi condenada a dois
anos de prisão com pena suspensa. O tenente Carrajola foi transferido para Aljustrel, mas nunca veio a ser sequer julgado em tribunal. Faleceu em 1964.
A lenda
Ao torná-la numa lenda da resistência antifascista, o PCP
teria adulterado alguns pormenores da vida e morte de Catarina
Eufémia. Designadamente, fez-se crer que Catarina era militante do
Partido Comunista, no comité local de Baleizão, desde 1953, o que é, possivelmente, falso. A escolha de Catarina para porta-voz das ceifeiras terá sido mesmo influenciada pelo facto de não existirem as mínimas suspeitas de ser comunista. Aliás, Mariana Janeiro,
uma militante comunista várias vezes presa pela PIDE, sempre rejeitou
a hipótese de que Catarina estivesse ao serviço do partido. Por seu
lado, António Gervásio, antigo dirigente do PCP no Alentejo, afirma que
Catarina era de facto membro do comité local de Baleizão do PCP desde
1953. Também a União Democrática Popular
reivindicou a militância de Catarina (embora a UDP só tenha surgido
em 1974, tentou reclamar Catarina como um dois exemplos da linha
comunista não-estalinista e comunista não-interclassista, que antecedeu a União Democrática Popular e o seu precursor, o PC-R), tendo, mesmo, erigido um pequeno monumento em sua memória, que foi destruído por apoiantes do PCP em 23 de maio de 1976.
Os familiares de Catarina, especialmente os filhos, chegaram a apoiar
ou filiar-se na UDP. UDP e PCP continuam a disputar Catarina (que
segundo conhecidos não seria militante comunista, mas sendo altamente
politizada, seria simpatizante com bastante certeza).
Afirmou-se também que Catarina Eufémia estaria grávida
de alguns meses no momento em que foi assassinada. Aparentemente,
essa informação teria vindo de outras ceifeiras, a quem Catarina
alguns dias antes de ser assassinada teria revelado o seu estado amenorreico. Durante a autópsia, o povo de Baleizão juntou-se no largo da Sé de Beja, a poucos metros do Hospital da Misericórdia, clamando em desespero e revolta: "Não foi uma, foram duas mortes!". No entanto, o médico legista que a autopsiou, Henriques Pinheiro, afirmou repetidamente, inclusive depois da revolução de 1974, que as referências a uma gravidez eram falsas.
Entrou no partido apenas com 16 anos, em 1946. Preocupou-se, nos últimos anos de vida, sobre o tema da globalização, sob uma perspetiva marxista, articulando-a com a noção de fases na mundialização do capitalismo e a noção de imperialismo.
Vida na clandestinidade
Em 1953,
com 23 anos, torna-se funcionário do PCP, o que significava, nessa
altura, e durante mais de duas décadas ainda, passar à clandestinidade,
algo que viveu com a sua mulher Maria Adelaide Aboim Inglez. Esteve preso durante o regime do Estado Novo, altura em que tentou traduzir a "Fenomenologia do Espírito" de Hegel, tendo ficado pela "Introdução".
Escrita
Poeta,
mostrou grande interesse pela poesia portuguesa, como se nota no facto
de incluir várias notas sobre poesia no jornal comunista "Avante!",
como a respeito de Sá de Miranda, Camões ou Gil Vicente. Interessava-o
as relações entre o pensamento materialista e a controvérsia medieval
entre o realismo e nominalismo.
Falecimento
Quando morreu, pediu para ser cremado ao som do Coro dos Escravos da Ópera Nabucco, de Verdi.
Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta
Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido
Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura
Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto
RETRATO DE CATARINA EUFÉMIA Da medonha saudade da medusa que medeia entre nós e o passado dessa palavra polvo da recusa de um povo desgraçado. Da palavra saudade a mais bonita a mais prenha de pranto a mais novelo da língua portuguesa fiz a fita encarnada que ponho no cabelo. Trança de trigo roxo Catarina morrendo alpendurada do alto de uma foice. Soror Saudade Viva assassinada pelas balas do sol na culatra da noite. Meu amor. Minha espiga. Meu herói Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher de corpo inteiro como ninguém foi de pedra e alma como ninguém quer.
No dia 19 de maio de 1954, em plena época da ceifa do trigo,
Catarina e mais treze outras ceifeiras foram reclamar com o feitor da
propriedade onde trabalhavam para obter um aumento de dois escudos
por jornadas. Os homens da ceifa foram, em princípio, contrários à
constituição do grupo das peticionárias, mas acabaram por não hostilizar
a ação destas. As catorze mulheres foram suficientes para atemorizar
o feitor que foi a Beja chamar o proprietário e a guarda.
Catarina fora escolhida pelas suas colegas para apresentar as suas reivindicações. A uma pergunta do tenente da guarda, Catarina terá respondido que só queriam "trabalho e pão". Como resposta teve uma bofetada que a enviou ao chão. Ao levantar-se, terá dito: "Já agora mate-me." O tenente da guarda disparou três balas que lhe estilhaçaram as vértebras.
Catarina não terá morrido instantaneamente, mas poucos minutos depois
nos braços do seu próprio patrão (entretanto chegado), que a levantou
da poça de sangue onde se encontrava, e terá dito: Oh senhor tenente, então já matou uma mulher, o que é que está a fazer? O patrão, Francisco Nunes, que é geralmente descrito como uma pessoa acessível, foi caracterizado por Manuel de Melo Garrido em "A morte de Catarina Eufémia - A grande dúvida de um grande drama" como "o jovem lavrador da região que menos discutia os salários a atribuir aos rurais e que, nas épocas de desemprego, os ajudava com larga generosidade". O menino de colo, que Catarina tinha nos braços ficou ferido na queda. Uma outra camponesa teria ficado ferida também.
De acordo com a autópsia, Catarina foi atingida por "três
balas, à queima-roupa, pelas costas, atuando da esquerda para a
direita, de baixo para cima e ligeiramente de trás para a frente, com o
cano da arma encostada ao corpo da vítima. O agressor deveria estar
atrás e à esquerda em relação à vítima". Ainda segundo o relatório da autópsia, Catarina Eufémia era "de estatura mediana (1,65 m), de cor branco-marmórea, de cabelos pretos, olhos castanhos, de sistema muscular pouco desenvolvido".
Após a autópsia, temendo a reação da população, as autoridades resolveram realizar o funeral
às escondidas, antecipando-o de uma hora em relação àquela que tinham
feito constar. Quando se preparavam para iniciar a sua saída às
escondidas, o povo correu para o caixão
com gritos de protesto, e as forças policiais reprimiram
violentamente a populaça, espancando não só os familiares da falecida,
outros rurais de Baleizão, como gente simples de Beja que pretendia
associar-se ao funeral. O caixão acabou por ser levado à pressa, sob
escolta da polícia, não para o cemitério de Baleizão, mas para Quintos (a terra do seu marido cantoneiro António Joaquim do Carmo, o Carmona, como lhe chamavam) a cerca de dez quilómetros de Baleizão. Vinte anos depois, em 1974, os seus restos mortais foram finalmente trasladados para Baleizão.
Na sequência dos distúrbios do funeral, nove camponeses foram acusados
de desrespeito à autoridade; a maioria destes foi condenada a dois
anos de prisão com pena suspensa. O tenente Carrajola foi transferido para Aljustrel, mas nunca veio a ser sequer julgado em tribunal. Faleceu em 1964.
A lenda
Ao torná-la numa lenda da resistência antifascista, o PCP
teria adulterado alguns pormenores da vida e morte de Catarina
Eufémia. Designadamente, fez-se crer que Catarina era militante do
Partido Comunista, no comité local de Baleizão, desde 1953, o que é, possivelmente, falso. A escolha de Catarina para porta-voz das ceifeiras terá sido mesmo influenciada pelo facto de não existirem as mínimas suspeitas de ser comunista. Aliás, Mariana Janeiro,
uma militante comunista várias vezes presa pela PIDE, sempre rejeitou
a hipótese de que Catarina estivesse ao serviço do partido. Por seu
lado, António Gervásio, antigo dirigente do PCP no Alentejo, afirma que
Catarina era de facto membro do comité local de Baleizão do PCP desde
1953. Também a União Democrática Popular
reivindicou a militância de Catarina (embora a UDP só tenha surgido
em 1974, tentou reclamar Catarina como um dois exemplos da linha
comunista não-estalinista e comunista não-interclassista, que antecedeu a União Democrática Popular e o seu precursor, o PC-R), tendo, mesmo, erigido um pequeno monumento em sua memória, que foi destruído por apoiantes do PCP em 23 de maio de 1976.
Os familiares de Catarina, especialmente os filhos, chegaram a apoiar
ou filiar-se na UDP. UDP e PCP continuam a disputar Catarina (que
segundo conhecidos não seria militante comunista, mas sendo altamente
politizada, seria simpatizante com bastante certeza).
Afirmou-se também que Catarina Eufémia estaria grávida
de alguns meses no momento em que foi assassinada. Aparentemente,
essa informação teria vindo de outras ceifeiras, a quem Catarina
alguns dias antes de ser assassinada teria revelado o seu estado amenorreico. Durante a autópsia, o povo de Baleizão juntou-se no largo da Sé de Beja, a poucos metros do Hospital da Misericórdia, clamando em desespero e revolta: "Não foi uma, foram duas mortes!". No entanto, o médico legista que a autopsiou, Henriques Pinheiro, afirmou repetidamente, inclusive depois da revolução de 1974, que as referências a uma gravidez eram falsas.
No dia 19 de maio de 1954, em plena época da ceifa do trigo, Catarina e mais treze outras ceifeiras foram reclamar com o feitor da propriedade onde trabalhavam para obter um aumento de dois escudos por jornadas. Os homens da ceifa foram, em princípio, contrários à constituição do grupo das peticionárias, mas acabaram por não hostilizar a acção destas. As catorze mulheres foram suficientes para atemorizar o feitor que foi a Beja chamar o proprietário e a guarda.
Catarina fora escolhida pelas suas colegas para apresentar as suas reivindicações. A uma pergunta do tenente da guarda, Catarina terá respondido que só queriam "trabalho e pão". Como resposta teve uma bofetada que a enviou ao chão. Ao levantar-se, terá dito: "Já agora mate-me." O tenente da guarda disparou três balas que lhe estilhaçaram as vértebras. Catarina não terá morrido instantaneamente, mas poucos minutos depois nos braços do seu próprio patrão (entretanto chegado), que a levantou da poça de sangue onde se encontrava, e terá dito: Oh senhor tenente, então já matou uma mulher, o que é que está a fazer?. O patrão, Francisco Nunes, que é geralmente descrito como uma pessoa acessível, foi caracterizado por Manuel de Melo Garrido em "A morte de Catarina Eufémia —A grande dúvida de um grande drama" como "o jovem lavrador da região que menos discutia os salários a atribuir aos rurais e que, nas épocas de desemprego, os ajudava com larga generosidade". O menino de colo, que Catarina tinha nos braços ficou ferido na queda. Uma outra camponesa teria ficado ferida também.
De acordo com a autópsia, Catarina foi atingida por "três balas, à queima-roupa, pelas costas, actuando da esquerda para a direita, de baixo para cima e ligeiramente de trás para a frente, com o cano da arma encostada ao corpo da vítima. O agressor deveria estar atrás e à esquerda em relação à vítima". Ainda segundo o relatório da autópsia, Catarina Eufémia era "de estatura mediana (1,65 m), de cor branco-marmórea, de cabelos pretos, olhos castanhos, de sistema muscular pouco desenvolvido".
Após a autópsia, temendo a reacção da população, as autoridades resolveram realizar o funeral às escondidas, antecipando-o de uma hora em relação àquela que tinham feito constar. Quando se preparavam para iniciar a sua saída às escondidas, o povo correu para o caixão com gritos de protesto, e as forças policiais reprimiram violentamente a populaça, espancando não só os familiares da falecida, outros rurais de Baleizão, como gente simples de Beja que pretendia associar-se ao funeral. O caixão acabou por ser levado à pressa, sob escolta da polícia, não para o cemitério de Baleizão, mas para Quintos (a terra do seu marido cantoneiro António Joaquim do Carmo, o Carmona, como lhe chamavam) a cerca de dez quilómetros de Baleizão. Vinte anos depois, em 1974, os seus restos mortais foram finalmente trasladados para Baleizão.
Na sequência dos distúrbios do funeral, nove camponeses foram acusados de desrespeito à autoridade; a maioria destes foi condenada a dois anos de prisão com pena suspensa. O tenente Carrajola foi transferido para Aljustrel mas nunca veio a ser sequer julgado em tribunal. Faleceu em 1964.
A lenda
Ao torná-la numa lenda da resistência antifascista, o PCP teria adulterado alguns pormenores da vida e morte de Catarina Eufémia. Designadamente, fez-se crer que Catarina era militante do Partido Comunista, no comité local de Baleizão, desde 1953, o que é, possivelmente, falso. A escolha de Catarina para porta-voz das ceifeiras terá sido mesmo influenciada pelo facto de não existirem as mínimas suspeitas de ser comunista. Aliás, Mariana Janeiro, uma militante comunista várias vezes presa pela PIDE, sempre rejeitou a hipótese de que Catarina estivesse ao serviço do partido. Por seu lado, António Gervásio, antigo dirigente do PCP no Alentejo, afirma que Catarina era de facto membro do comité local de Baleizão do PCP desde 1953. Também a União Democrática Popular reivindicou a militância de Catarina (embora a UDP só tenha surgido em 1974, tentou reclamar Catarina como um dois exemplos da linha comunista não-estalinista e comunista não-interclassista, que antecedeu a União Democrática Popular e o seu precursor, o PC-R), tendo, mesmo, erigido um pequeno monumento em sua memória, que foi destruído por apoiantes do PCP em 23 de maio de 1976. Os familiares de Catarina, especialmente os filhos, chegaram a apoiar ou filiar-se na UDP. UDP e PCP continuam a disputar Catarina (que segundo conhecidos não seria militante comunista, mas sendo altamente politizada, seria simpatizante com bastante certeza).
Afirmou-se também que Catarina Eufémia estaria grávida de alguns meses no momento em que foi assassinada. Aparentemente, essa informação teria vindo de outras ceifeiras, a quem Catarina alguns dias antes de ser assassinada teria revelado o seu estado amenorreico. Durante a autópsia, o povo de Baleizão juntou-se no largo da Sé de Beja, a poucos metros do Hospital da Misericórdia, clamando em desespero e revolta: "Não foi uma, foram duas mortes!". No entanto, o médico legista que a autopsiou, Henriques Pinheiro, afirmou repetidamente, inclusive depois da revolução de 1974, que as referências a uma gravidez eram falsas.