A morte
No dia
19 de maio de
1954, em plena época da ceifa do
trigo,
Catarina e mais treze outras ceifeiras foram reclamar com o feitor da
propriedade onde trabalhavam para obter um aumento de dois
escudos
por jornadas. Os homens da ceifa foram, em princípio, contrários à
constituição do grupo das peticionárias, mas acabaram por não hostilizar
a ação destas. As catorze mulheres foram suficientes para atemorizar
o feitor que foi a
Beja chamar o proprietário e a guarda.
Catarina fora escolhida pelas suas colegas para apresentar as suas reivindicações. A uma pergunta do
tenente da guarda, Catarina terá respondido que só queriam "
trabalho e pão". Como resposta teve uma bofetada que a enviou ao chão. Ao levantar-se, terá dito: "
Já agora mate-me." O tenente da guarda disparou três balas que lhe estilhaçaram as
vértebras.
Catarina não terá morrido instantaneamente, mas poucos minutos depois
nos braços do seu próprio patrão (entretanto chegado), que a levantou
da poça de
sangue onde se encontrava, e terá dito:
Oh senhor tenente, então já matou uma mulher, o que é que está a fazer? O patrão, Francisco Nunes, que é geralmente descrito como uma pessoa acessível, foi caracterizado por
Manuel de Melo Garrido em "
A morte de Catarina Eufémia - A grande dúvida de um grande drama" como "
o jovem lavrador da região que menos discutia os salários a atribuir aos rurais e que, nas épocas de desemprego, os ajudava com larga generosidade". O menino de colo, que Catarina tinha nos braços ficou ferido na queda. Uma outra camponesa teria ficado ferida também.
De acordo com a
autópsia, Catarina foi atingida por "
três
balas, à queima-roupa, pelas costas, atuando da esquerda para a
direita, de baixo para cima e ligeiramente de trás para a frente, com o
cano da arma encostada ao corpo da vítima. O agressor deveria estar
atrás e à esquerda em relação à vítima". Ainda segundo o relatório da autópsia, Catarina Eufémia era "
de estatura mediana (1,65 m), de cor branco-marmórea, de cabelos pretos, olhos castanhos, de sistema muscular pouco desenvolvido".
Após a autópsia, temendo a reação da população, as autoridades resolveram realizar o
funeral
às escondidas, antecipando-o de uma hora em relação àquela que tinham
feito constar. Quando se preparavam para iniciar a sua saída às
escondidas, o povo correu para o
caixão
com gritos de protesto, e as forças policiais reprimiram
violentamente a populaça, espancando não só os familiares da falecida,
outros rurais de Baleizão, como gente simples de Beja que pretendia
associar-se ao funeral. O caixão acabou por ser levado à pressa, sob
escolta da polícia, não para o
cemitério de Baleizão, mas para
Quintos (a terra do seu marido cantoneiro
António Joaquim do Carmo, o
Carmona, como lhe chamavam) a cerca de dez
quilómetros de Baleizão. Vinte anos depois, em
1974, os seus restos mortais foram finalmente trasladados para Baleizão.
Na sequência dos distúrbios do funeral, nove camponeses foram acusados
de desrespeito à autoridade; a maioria destes foi condenada a dois
anos de
prisão com pena suspensa. O tenente Carrajola foi transferido para
Aljustrel, mas nunca veio a ser sequer julgado em tribunal. Faleceu em
1964.
A lenda
Ao torná-la numa
lenda da resistência anti
fascista, o
PCP
teria adulterado alguns pormenores da vida e morte de Catarina
Eufémia. Designadamente, fez-se crer que Catarina era militante do
Partido Comunista, no comité local de Baleizão, desde
1953, o que é, possivelmente, falso. A escolha de Catarina para
porta-voz das ceifeiras terá sido mesmo influenciada pelo facto de não existirem as mínimas suspeitas de ser comunista. Aliás,
Mariana Janeiro,
uma militante comunista várias vezes presa pela PIDE, sempre rejeitou
a hipótese de que Catarina estivesse ao serviço do partido. Por seu
lado, António Gervásio, antigo dirigente do PCP no Alentejo, afirma que
Catarina era de facto membro do comité local de Baleizão do PCP desde
1953. Também a
União Democrática Popular
reivindicou a militância de Catarina (embora a UDP só tenha surgido
em 1974, tentou reclamar Catarina como um dois exemplos da linha
comunista
não-estalinista e comunista não-
interclassista, que antecedeu a União Democrática Popular e o seu precursor, o
PC-R), tendo, mesmo, erigido um pequeno
monumento em sua memória, que foi destruído por apoiantes do PCP em
23 de maio de
1976.
Os familiares de Catarina, especialmente os filhos, chegaram a apoiar
ou filiar-se na UDP. UDP e PCP continuam a disputar Catarina (que
segundo conhecidos não seria militante comunista, mas sendo altamente
politizada, seria simpatizante com bastante certeza).
Afirmou-se também que Catarina Eufémia estaria
grávida
de alguns meses no momento em que foi assassinada. Aparentemente,
essa informação teria vindo de outras ceifeiras, a quem Catarina
alguns dias antes de ser assassinada teria revelado o seu estado
amenorreico. Durante a autópsia, o povo de Baleizão juntou-se no largo da Sé de Beja, a poucos metros do
Hospital da Misericórdia, clamando em desespero e revolta: "
Não foi uma, foram duas mortes!". No entanto, o
médico legista que a autopsiou, Henriques Pinheiro, afirmou repetidamente, inclusive depois da
revolução de 1974, que as referências a uma gravidez eram falsas.