Desenho de José Dias Coelho (daqui)
Catarina Efigénia Sabino Eufémia (
Baleizão,
13 de fevereiro de
1928 - Monte do Olival,
Baleizão,
19 de maio de
1954) foi uma ceifeira
portuguesa que, na sequência de uma
greve de assalariadas rurais, foi assassinada a tiros, pelo tenente
Carrajola, da
Guarda Nacional Republicana. Com vinte e seis anos de idade,
analfabeta, Catarina tinha três filhos, um dos quais de oito meses, que estava no seu colo no momento em que foi baleada.
Contexto
O Alentejo, à época, era uma região de
latifúndios e de emprego sazonal, onde as condições de vida dos camponeses sem-terras e assalariados eram extremamente difíceis. Esta situação sócio-económica e laboral penosa e dura agitou as massas camponesas da região a partir de meados da
década de 1940, vindo-se a agudizar-se nas duas décadas seguintes, gerando-se um permanente clima de agitação social no campesinato. Eram inúmeros tumultos e mais frequentes ainda as greves rurais, que acabavam sempre com a intervenção da GNR e eram devidamente vigiadas pela
PIDE, em busca então de infiltrados e agitadores
comunistas.
Factos
No dia
19 de maio de
1954, em plena época da ceifa do
trigo, Catarina e mais treze outras ceifeiras foram reclamar com o feitor da propriedade onde trabalhavam para obter um aumento de dois
escudos pela
jorna. Os homens da ceifa foram, em princípio, contrários à constituição do grupo das peticionárias, mas acabaram por não hostilizar a acção destas. As catorze mulheres foram suficientes para atemorizar o feitor que foi a
Beja chamar o proprietário e a guarda.
Catarina fora escolhida pelas suas colegas para apresentar as suas reivindicações. A uma pergunta do
tenente da guarda, Catarina terá respondido que só queriam "
trabalho e pão". Como resposta teve uma bofetada que a enviou ao chão. Ao levantar-se, terá dito: "
Já agora mate-me." O tenente da guarda disparou três balas que lhe estilhaçaram as
vértebras. Catarina não terá morrido instantaneamente, mas poucos minutos depois nos braços do seu próprio patrão (entretanto chegado), que a levantou da poça de
sangue onde se encontrava, e terá dito:
Oh senhor tenente, então já matou uma mulher, o que é que está a fazer?. O patrão, Francisco Nunes, que é geralmente descrito como uma pessoa acessível, foi caracterizado por
Manuel de Melo Garrido em "
A morte de Catarina Eufémia - A grande dúvida de um grande drama" como "
o jovem lavrador da região que menos discutia os salários a atribuir aos rurais e que, nas épocas de desemprego, os ajudava com larga generosidade". O menino de colo, que Catarina tinha nos braços ficou ferido na queda. Uma outra camponesa teria ficado ferida também.
De acordo com a
autópsia, Catarina foi atingida por "
três balas, à queima-roupa, pelas costas, actuando da esquerda para a direita, de baixo para cima e ligeiramente de trás para a frente, com o cano da arma encostada ao corpo da vítima. O agressor deveria estar atrás e à esquerda em relação à vítima". Ainda segundo o relatório da autópsia, Catarina Eufémia era "
de estatura mediana (1,65 m), de cor branco-marmórea, de cabelos pretos, olhos castanhos, de sistema muscular pouco desenvolvido".
Após a autópsia, temendo a reacção da população, as autoridades resolveram realizar o
funeral às escondidas, antecipando-o de uma hora em relação àquela que tinham feito constar. Quando se preparavam para iniciar a sua saída às escondidas, o povo correu para o
caixão com gritos de protesto, e as forças policiais reprimiram violentamente a populaça, espancando não só os familiares da falecida, outros rurais de Baleizão, como gente simples de Beja que pretendia associar-se ao funeral. O caixão acabou por ser levado à pressa, sob escolta da polícia, não para o
cemitério de Baleizão, mas para
Quintos (a terra do seu marido cantoneiro
António Joaquim do Carmo, o
Carmona, como lhe chamavam) a cerca de dez
quilómetros de Baleizão. Vinte anos depois, em
1974, os seus restos mortais foram finalmente trasladados para Baleizão.
Na sequência dos distúrbios do funeral, nove camponeses foram acusados de desrespeito à autoridade; a maioria destes foi condenada a dois anos de
prisão com pena suspensa. O tenente Carrajola foi transferido para
Aljustrel mas nunca veio a ser sequer julgado em tribunal. Faleceu em
1964.
Apesar de tudo, Catarina Eufémia, não foi escolhida pelas suas colegas para apresentar as suas reivindicações mas sim por pessoas do PCP, pois estava grávida e era a primeira da fila.
Lenda
Ao torná-la numa
lenda da resistência antifascista, o
PCP teria
adulterado alguns pormenores da vida e morte de Catarina Eufémia. Designadamente, fez-se crer que Catarina era militante do Partido Comunista no comité local de Baleizão, desde
1953, o que é, possivelmente, falso. A escolha de Catarina para
porta-voz das ceifeiras terá sido mesmo influenciada pelo facto de não existirem as mínimas suspeitas de ser comunista. Aliás,
Mariana Janeiro, uma militante comunista várias vezes presa pela PIDE, sempre rejeitou a hipótese de que Catarina estivesse ao serviço do partido. Por seu lado, António Gervásio, antigo dirigente do PCP no Alentejo, afirma que Catarina era de facto membro do comité local de Baleizão do PCP desde
1953. Também a
União Democrática Popular reivindicou a militância de Catarina (embora a UDP só tenha surgido em 1974, tentou reclamar Catarina como um dois exemplos da linha comunista
não-estalinista e comunista não-
interclassista que antecedeu a União Democrática Popular e o seu percursor
PC-R), tendo, mesmo, erigido um pequeno
monumento em sua memória, que foi destruído por apoiantes do PCP em
23 de maio de
1976. Os familiares de Catarina, especialmente os filhos, chegaram a apoiar ou filiar-se na UDP. UDP e PCP continuam a disputar Catarina (que segundo conhecidos não seria militante comunista, mas sendo altamente politizada seria simpatizante com bastante certeza.
Afirmou-se também que Catarina Eufémia estaria
grávida de alguns meses no momento em que foi assassinada. Aparentemente, essa informação teria vindo de outras ceifeiras, a quem Catarina alguns dias antes de ser assassinada teria revelado o seu estado amenorreico. Durante a autópsia, o povo de Baleizão juntou-se no largo da Sé de Beja, a poucos metros do
Hospital da Misericórdia, clamando em desespero e revolta: "
Não foi uma, foram duas mortes!". No entanto, o
médico legista que a autopsiou, Henriques Pinheiro, afirmou repetidamente, inclusive depois da
revolução de 1974, que as referências a uma gravidez eram falsas.