Após uma fase inicial dedicada aos temas dramáticos e grandiloquentes próprios da escola
romântica, Paul Cézanne criou um estilo próprio, influenciado por
Delacroix. Introduziu nas suas obras distorções formais e alterações de
perspectiva em benefício da composição ou para ressaltar o volume e peso dos objetos. Concebeu a
cor de um modo sem precedentes, definindo diferentes volumes que foram essenciais para suas composições únicas.
Cézanne não se subordinava às leis da perspectiva. E sim, as modificava. A sua concepção da composição era
arquitetónica; segundo as suas próprias palavras, o seu próprio estilo consistia em ver a
natureza segundo as suas formas fundamentais: a
esfera, o
cilindro e o
cone. Cézanne preocupava-se mais com a captação destas formas do que com a representação do ambiente atmosférico. Não é difícil ver nesta atitude uma reação de carácter intelectual contra o gozo puramente colorido do
impressionismo.
Sobre ele,
Renoir escreveu, rebatendo o crítico de arte Castagnary:
Eu me enfureço ao pensar que ele [Castagnary]
não entendeu que Uma Moderna Olympia
, de Cézanne, era uma obra prima clássica, mais próxima de Giorgione que de Claude Monet, e que diante dele estava um pintor já fora do Impressionismo.
Cézanne cultivava sobretudo a paisagem e a representação de
naturezas mortas, mas também pintou figuras humanas em grupo e
retratos. Antes de começar as suas paisagens estudava-as e analisava os seus valores plásticos, reduzindo-as depois a diferentes volumes e planos que traçava à base de pinceladas paralelas. Árvores, casas e demais elementos da paisagem subordinam-se à unidade de composição. As suas paisagens são subtilmente
geométricas. Cézanne pintou sobretudo a sua
Provença natal (
O Golfo de Marselha e as célebres versões sucessivas de
O Monte de Sainte-Victoire).
Nas suas numerosas naturezas mortas, tipicamente compostas por maçãs, levava a cabo uma exploração formal exaustiva que é a terra fecunda de onde surgirá o
cubismo poucos anos mais tarde. Entre as representações de grupos humanos, são muito apreciadas as suas cinco versões de
Os Jogadores de Cartas.
A Mulher com Cafeteira, pela sua estrutura monumental e serena, marca o grande momento classicista de Cézanne.
Primeiros anos e a família
A família Cézanne veio da pequena cidade de
Cesana, no
Piemonte, e foi assumido que o seu nome é de origem
italiana.
Paul Cézanne nasceu no dia
19 de janeiro de
1839 em
Aix-en-Provence,
Provença, no Sul da
França. No dia
22 de fevereiro, Paul foi batizado, tendo a sua avó e o seu tio como padrinhos. O pai, Louis-Auguste Cézanne (
28 de julho de
1798 –
23 de outubro de
1886), foi o co-fundador de uma firma
bancária que prosperou durante a vida do artista, o que lhe permitiu grande segurança financeira, que a maioria dos artistas da época não tinha, e lhe deu uma grande
herança. A sua mãe, Anne-Elisabeth Honorine Aubert (
24 de setembro de
1814 –
25 de outubro de
1897), era vívida e romântica, mas ofendia-se facilmente e influenciou decisivamente a visão de mundo de Paul. Ele também tinha duas irmãs mais jovens, Marie, com quem ele frequentava a escola primária todos os dias, e Rose.
Aos dez anos, Paul entrou na Escola São José, em Aix, onde estudou
desenho, nas aulas de
Joseph Gilbert, um monge espanhol. Em
1852, Cézanne ingressou no Colégio Bourbon (atual Colégio Mignet), onde conheceu e se tornou amigo de
Émile Zola, que estava numa classe menos avançada. Lá permaneceu Cézanne durante seis anos. Entre
1859 e
1861, obedecendo aos desejos do pai, Cézanne ingressou na Faculdade de Direito da
Universidade de Aix, enquanto recebia as suas lições de desenho. Apesar das objeções do seu pai, passou a perseguir o seu desenvolvimento artístico e deixou Aix para ir a Paris, em 1861, encorajado por Zola, que já vivia na capital nessa época. No final o pai reconciliou-se com ele e apoiou a sua escolha de carreira. Mais tarde, Cézanne receberá 400.000
francos (
£218.363,62) de seu pai, o que o livraria de qualquer insegurança financeira.
Cézanne, o artista
Em Paris, Cézanne conheceu o
impressionista Camille Pissarro. Inicialmente, a amizade feita em meados dos
anos 1860 era a de um mestre e mentor - Pissarro exercendo uma influência formativa sobre o jovem artista. Ao longo da década seguinte, as excursões para pintar em
Louveciennes e em
Pontoise levaram a um trabalho colaborativo entre iguais.
Nos primeiros trabalhos, Cézanne preocupava-se com a figura na paisagem. Nesse período incluem-se várias pinturas de grupos de figuras grandes e pesadas na paisagem, pintadas a partir da imaginação. Mais tarde, ele passa a se interessar mais em trabalhar a partir da observação direta, e, gradualmente, desenvolveu um estilo de pintura mais leve e arejada, que iria influenciar imensamente os impressionistas. Não obstante, nos trabalhos de maturidade de Cézanne, percebe-se o desenvolvimento de um estilo solidificado, quase
arquitetural de pintura.
Durante toda a sua vida, esforçou-se para desenvolver uma observação autêntica do mundo através do método mais acurado possível para representá-lo em pintura. Ordenava estruturalmente tudo o que percebesse em formas e planos de cor simples. A sua afirmação
“Eu quero fazer do impressionismo algo sólido e duradouro, como a arte dos museus”, e sua declarada intenção de recriar
Nicolas Poussin acentuou seu desejo de unir a observação da natureza à permanência da composição clássica.
Fenómenos óticos
Cézanne tinha interesse na simplificação das formas naturais em seus essenciais
geométricos; ele queria “tratar a natureza pelo cilindro, pela esfera, pelo cone” (um tronco de uma árvore pode ser considerado um cilindro, e uma cabeça humana como uma esfera, por exemplo). Além disso, a atenção concentrada com a qual ele registava suas observações da natureza resultou em uma profunda exploração da visão binocular, o que resultou em duas percepções visuais simultâneas ligeiramente diferentes, e nos providencia uma percepção de profundidade e um conhecimento complexo das relações espaciais. Nós vemos duas vistas diferentes simultaneamente; Cézanne empregava este aspecto da percepção visual às suas pinturas em graus variados. A observação deste facto, junto com o desejo de Cézanne em capturar a verdade de sua própria percepção, muitas vezes o levou a modelar as linhas básicas das formas para tentar exibir as vistas distintamente diferentes do seu olho direito para o olho esquerdo. Assim, a obra de Cézanne aumenta e transforma os antigos ideais da perspectiva, em particular da perspectiva de ponto único.
Exibições e temas
As pinturas de Cézanne foram exibidas na primeira mostra do
Salon des Refusés (ou o Salão dos Recusados) em
1863, exibindo obras que não foram aceites pelos jurados do
Salão de Paris oficial. O Salão rejeitou as obras de Cézanne durante todo o período de 1864 a 1869. Cézanne continuou a tentar apresentar suas obras ao Salão até
1882. Naquele ano, por intervenção do seu colega e artista
Antoine Guillemet, Cézanne exibiu o
Retrato de Louis-Auguste Cézanne, pai do artista, lendo ‘L’Evénement’, a sua primeira e última obra aceite no Salão.
Antes de
1895, Cézanne apresentou suas obras duas vezes com outros impressionistas - na primeira mostra impressionista de 1874 e na terceira, de
1877. Nos anos seguintes, algumas pinturas suas foram exibidas em vários locais, até que, em
1895, o
marchand parisiense
Ambroise Vollard deu ao artista a sua primeira mostra individual. Mesmo com o crescente reconhecimento público e o sucesso financeiro, Cézanne optou por trabalhar em isolamento, usualmente no Sul da França, na sua amada
Provença, bem longe de Paris. Ele se concentrava em alguns temas e era bastante incomum que artistas do final do
século XIX fossem igualmente proficientes em vários géneros: naturezas mortas, retratos, paisagens e estudos de banhistas. Neste último, Cézanne foi obrigado a desenhar a partir de sua imaginação, pois havia poucos modelos nus disponíveis. Assim como as paisagens, os seus retratos eram desenhados a partir do que ele tinha familiaridade, e, por isso, não apenas sua esposa e seu filho, mas também os passantes locais, as crianças e seu empresário artístico serviam como modelos. As suas pinturas de natureza morta são decorativas, pintadas com superfícies grossas e planas, mas ainda lembram as de
Courbet.
Embora as imagens
religiosas aparecessem menos frequentemente nas últimas obras de Cézanne, ele permaneceu devoto ao catolicismo romano, e dizia: “Quando eu preciso julgar uma arte, levo minhas pinturas e as deixo próximas de um objeto feito por
Deus, como uma árvore ou uma flor. Se os dois lados entram em combate, elas não são arte”.
A morte de Cézanne
Um dia, Cézanne trabalhava em campo aberto quando foi surpreendido por uma tempestade. Só foi para casa após trabalhar duas horas com chuva. No caminho caiu, foi socorrido por um motorista que passava e o ajudou a ir para casa. Cézanne recuperou a consciência após ser tratado. No dia seguinte, pretendia continuar o seu trabalho, mas estava muito fraco e acabou por desfalecer. Foi colocado numa cama, de onde nunca mais se levantou. Morreu alguns dias após o acidente, em 22 de outubro de 1906, de
pneumonia. Foi enterrado num antigo cemitério de sua amada cidade natal,
Aix-en-Provence.
Principais períodos dos trabalhos de Cézanne
Vários períodos foram definidos na vida e na obra de Cézanne. Cézanne criou centenas de pinturas, algumas das quais alcançaram altos preços no mercado de arte, nos últimos anos. Em
10 de maio de
1999, o quadro
Rideau, Cruchon et Compotier foi vendido por $60.5 milhões - o quarto maior preço já pago por uma pintura até aquele ano. Em maio de
2006, o quadro foi considerado como a pintura de natureza morta mais cara já vendida em leilão.
O período negro, em Paris, 1861-1870
Em 1863,
Napoleão III criou, por decreto, o Salão dos Recusados, onde as pinturas que foram rejeitadas para mostra no Salão da Academia de Belas Artes eram exibidas. Entre os artistas proprietários das obras rejeitadas, estavam os jovens impressionistas, considerados revolucionários. Cézanne foi influenciado pelo estilo dos impressionistas, mas a sua dificuldade de relacionamento social – ele parecia rude, tímido, às vezes furioso e dado à depressão – resultaram em um período caracterizado pelas cores escuras e o grande uso do preto. As obras desse período diferem muito de seus rascunhos e aquarelas dos tempos da Escola Especial de Desenho de Aix-en-Provence (1859) ou de seus trabalhos subsequentes. Entre as obras do período negro, estão pinturas como O
Assassino (cerca de 1867-1868).
Período impressionista, em Provença e Paris, 1870-1878
Após o início da
guerra franco-prussiana, em julho de
1870, Cézanne e
Marie-Hortense Fiquet deixaram Paris e foram para
L’Estaque, perto de
Marseille, onde ele passou a pintar predominantemente paisagens. Cézanne foi considerado como fugitivo do serviço militar, em janeiro de 1871, mas a guerra terminou em fevereiro e o casal regressou a Paris no verão de 1871. Após o nascimento do primeiro filho, Paul, em janeiro de
1872, em Paris, eles mudaram para
Auvers, em
Val D’Oise, nas proximidades da capital francesa.
Pissarro viveu em
Pontoise. Lá e em Auvers, juntos, ele e Cézanne pintavam paisagens. Muito tempo depois, Cézanne descreveu a si mesmo como um aluno de Pissarro, dizendo que
Todos nós surgimos de Pissarro. Sob a influência de Pissarro, Cézanne começou a abandonar as cores escuras e suas telas se tornaram muito mais luminosas.
Deixando Hortense na região de Marseille, Cézanne andou entre Paris e a Provença, exibindo suas obras na primeira (1874) e na terceira mostras impressionistas (1877). Em 1875, ele chamou a atenção do colecionador Victor Chocquet, cujas comissões providenciavam alívio financeiro. Mas as pinturas que Cézanne exibiu atraíram hilaridade, ultraje e sarcasmo. O revisor Louis Leroy disse, sobre o retrato que Cézanne fez de Chocquet: “Esta cabeça com uma aparência peculiar, e esta coloração de uma bota velha podem causar um choque (a uma mulher
grávida) e febre amarela ao fruto de seu ventre antes mesmo de seu ingresso ao mundo.”.
Em março de 1878, o pai de Cézanne, Louis-Auguste, descobriu o caso do filho com Hortense e ameaçou cortar-lhe o suporte financeiro, mas, em setembro, decidiu dar 400 francos para sua família. Cézanne continuou a migrar entre a região de Paris e Provença até que se construísse um estúdio para ele em sua casa,
Jas de Bouffan, no começo dos anos de
1880. O estúdio foi feito no andar superior, com direito a uma janela alargada, que permitia a entrada da luz vinda do Norte, mas interrompendo a linha do beiral. Cézanne estabeleceu sua residência em L’Estaque. Lá, ele pintou com Renoir, em 1882. Visitou Renoir e Monet em 1883.
Período maduro, em Provença, 1878-1890
No começo dos
anos 1880, a família Cézanne fixou residência na Provença. Esta mudança reflete uma independência em relação aos impressionistas, concentrados em Paris, e uma preferência marcada pelo Sul, a terra nativa de Cézanne. O irmão de Hortense tinha uma casa dentro com vista para o
Monte de Santa Vitória, em L'Estaque. Uma série de pinturas desta montanha entre
1880 e
1883, e outras, de Gardanne, entre
1885 e
1888, constituem o chamado “período construtivo”.
O ano de
1886 foi um ponto de transformação para a família. Cézanne casou com Hortense. Também naquele ano, o pai de Cézanne morre, tinha ele tinha 47 anos, e ele herda os bens do pai. Em 1888, a família se mudou para Jas de Bouffan, uma casa e terreno substanciais, o que permitiu um novo conforto. Esta casa, com um terreno menor, atualmente é propriedade da cidade e está aberta restritamente ao público.
Também naquele ano Cézanne rompeu sua amizade com Émile Zola, após Zola usá-lo, em grande parte, como base para compor o personagem, um artista sem sucesso e trágico afinal, Claude Lantier, no livro L'Œuvre. Cézanne considerou este ato como uma quebra de decoro, e a amizade iniciada na infância estava irreparavelmente danificada.
Período final, Provença, 1890-1905
O período idílico de Cézanne em Jas de Bouffan foi temporário. Desde 1890 até a sua morte, ele foi cercado por eventos problemáticos, eventualmente se isolando com suas pinturas e passando um longo tempo como um recluso virtual. As suas pinturas passaram a ser muito conhecidas e procuradas, e ele era o objeto de respeito na nova geração de pintores.
Os problemas começaram com a crise de diabetes em 1890, desestabilizando a sua personalidade até o ponto onde as suas relações com os outros foram, novamente, forçadas. Ele viajou para a Suíça, com Hortense e seu filho, talvez nas esperanças de restaurar as suas relações. Cézanne, porém, retornou à Provença para continuar sua vida; Hortense e Paul seguiram para Paris. As necessidades financeiras fizeram com que Hortense retornasse para a Provença, mas vivendo em quartos separados. Cézanne mudou-se com sua mãe e com a sua irmã. Em 1891, ele voltou-se para o catolicismo.
Cézanne alternou entre pintar na região de Jas de Bouffan e na região de Paris, como antes. Em 1895, ele fez uma visita germinal para Bibémus Quarries e escalou o Monte Santa Vitória. A paisagem labiríntica deve tê-lo inspirado, pois ele alugou uma cabana no local, em 1897, e pintou-a extensivamente. Acredita-se que as formas tenham inspirado o estilo embrionário do cubismo. Também naquele ano, a sua mãe morreu, um evento chocante, mas que também fez a reconciliação possível com a sua esposa. Ele vendeu a área vazia de Jas de Bouffan e alugou um local em
Rue Boulegon, onde ele construiu um estúdio.
As suas relações, entretanto, continuavam tempestuosas. Ele precisava de um local para ser ele mesmo. Em 1901, ele comprou algumas terras, próximo da Estrada de Lauves, uma estrada isolada em Aix, e pediu que um estúdio fosse construído lá (o “ateliê”, agora aberto ao público). Ele mudou-se para lá em 1903. Enquanto isso, em 1902, ele escreveu um testamento que excluía a sua esposa do estado e deixava tudo para seu filho. A relação estava aparentemente quebrada novamente; é dito que ela queimou os pertences de sua mãe.
De 1903 até o fim de sua vida, ele pintou em seu estúdio, trabalhando por um mês em 1904 com
Émile Bernard, quem permaneceu em sua casa como um convidado. Após a sua morte, o local se tornou um monumento, o Ateliê Paul Cézanne.
Legado
Após a morte de Cézanne em 1906, as suas pinturas foram exibidas em Paris em uma retrospectiva de grande porte, em setembro de
1907, no
Salon D’Automne. A mostra causou um grande impacto na direção da
vanguarda parisiense, tornando-o um dos artistas mais influentes do século XIX e o responsável pelo advento do cubismo.
As explorações de simplificação geométrica e dos fenómenos óticos inspiraram
Picasso,
Braque,
Gris e outros, que passaram a experimentar múltiplas visões, mais complexas, de um mesmo objeto chegando, finalmente, à fratura da forma. Cézanne, assim, abriu uma das mais revolucionárias possibilidades de exploração artística no
século XX, influenciando profundamente o desenvolvimento da
arte moderna.